Os passos ecoavam ligeiros no beco escuro, correndo, aos tropeções, ele tentava alcançar a luz que enxergava ao longe. Aquele corredor ladeado de lixeiras e infestado de ratos não era o lugar mais amistoso, mas os passos que ressoavam atrás dele eram ainda mais hostis.
O pescoço dele virou para observar, tentando focar a visão sem parar de correr, e lá estava a silhueta bem recortada pela luminosidade amarelecida de um poste da rua, o seguindo, decididamente, sem nunca parar.
O caminhar elegante, sem vacilar, só provava o quanto seu perseguidor conhecia bem aquela área da cidade, e o quanto conhecia o seu alvo. O rosto se ergueu e o fugitivo parou a corrida por um instante.
Seu maior erro.
Os olhos verde esmeraldas brilharam e quando o capuz escuro caiu, não fora nem preciso reter seus olhos ali, pois sabiam que eram cachos ruivos que surgiram para brilhar sob a meia luz do beco sujo.
E então o seu perseguidor correu.
— Não fuja, Tweek. — A voz praticamente ecoou no espaço, e o loiro mal podia respirar, tragando o ar com desespero. — Vamos conversar, cara.
O sorriso de Kyle Broflovski era como um esgar satisfeito e fez a garganta de Tweek apertar ainda mais, ele balançou a cabeça em negativa, se virou e continuou correndo.
Certa vez Tweek o vira na saída da Tweek Bros, em uma esquina mal-iluminada, conversando em russo, os homens altos e mal-encarados notaram o som das passadas de Tweek e o observaram por baixo das ushankas escuras, Kyle entre eles lançava olhares de soslaio que congelaram a espinha do loiro.
Desde então, Tweek tem visto Kyle acompanhando essas pessoas sinistras, sempre na calada da noite, sempre em pontos escuros, e outro detalhe agourento era que eles sempre entregam algum pacote escuro que rapidamente Kyle empurrava dentro da jaqueta de couro preta.
O que protegia Tweek até então era que ele virava o rosto, e se afastava fingindo não ter visto nada, mas nesta noite clara e sem neve, não fora fácil passar despercebido.
Até porque a sorte de Tweek não o acompanhara.
Hoje Tweek tropeçou em Kyle na saída da cafeteria, ao dobrar a esquina em frente à praça a testa do loiro batera nas omoplatas do ruivo, o cheiro doce e picante chegou as suas narinas ao mesmo tempo em que ele ouviu:
— Não está pronto ainda...
Com olhos avelãs arregalados, Tweek andara para trás por conta do impacto duplo, tanto físico como emocional, e então os homens falaram alguma frase em russo e encararam Kyle com veemência.
Antes de começar a correr, Tweek vira o brilho de uma lâmina escorregando dentro da jaqueta do ruivo, os olhos esmeraldas cintilaram quando Kyle se afastou dos três companheiros e começou a persegui-lo.
Então, de volta ao beco escuro, Tweek correu, mas ao chegar ali, percebeu que não havia saída, Kyle o alcançava rapidamente, e agora o loiro sabia que tinha pouco tempo, teria de usar os punhos e acertar seu amigo de infância, e então correr para o outro lado.
— Tweek, não é o que você está pensando.
Uma terrível frase dita num momento pior ainda. O loiro ergueu o punho e mirou no maxilar quadrado, mas um instante antes de acertar os nós dos dedos ali, ele sentiu seu pulso apertado e então Kyle lhe empurrava de joelhos no chão, dominado nos braços do ruivo.
Tweek tentou lutar, mas as pernas dele foram dobradas e seus braços presos atrás das costas.
— Merda, homem!! Me deixa ir, não vou falar pra ninguém que você tem negócios com a Máfia Russa.
O aperto em seus punhos afrouxou quando Kyle deu a volta ficando de joelhos na sua frente.
— Não tenho negócios com máfia nenhuma, cara. — Sua voz tinha um timbre divertido.
— Vi você falando russo, Kyle.
Kyle apertou os lábios com os dentes perfeitos, ele tinha um olhar irritante quando puxou Tweek pelos cotovelos para cima.
— Sério, foi isso que você pensou?
Tweek queria esmurrar o rosto arrogante de Kyle, mas o idiota estava ainda segurando seus punhos quando os lábios dele sussurraram de encontro aos ouvidos do loiro.
— Preciso fazer uma confissão. — A voz dele arrepiou os pelos da nuca de Tweek. — Eram ucranianos.
Os olhos avelãs se voltaram para os esmeraldas em pânico.
— Quero abrir uma filial de uma confeitaria ucraniana. — Kyle sussurrou e Tweek sentiu o rosto dele quente tocando a lateral da sua bochecha esquerda. — Durante o meu intercâmbio fiz um curso de confeiteiro.
Tweek voltou o rosto para o ruivo e seus narizes se alinharam.
— Vi eles entregando pacotes para você, e vi a faca que você tem aí, homem. — Tweek murmurou com a voz perigosa, Kyle apertou os olhos e ele assistiu os cílios acobreados tocando a pele clarinha sob a luz do poste lá atrás.
O piercing que Tweek ostentava no lábio inferior brilhou sob a luz do final do beco quando Kyle o virou para observar bem de perto os olhos avelãs, Kyle queria decididamente beijá-lo.
— Eram apenas ingredientes para testar um recheio de chocolate dark, não é algo que se compra aqui em South Park. — Os olhos verdes abriram-se focando Tweek — e a faca, é especial para glacê.
Tweek lutou contra o aperto de Kyle, e o ruivo o segurou um pouco mais, virando-o, as costas do loiro pressionadas rente ao peito do outro.
— Está mentindo! Eram conversas muito sinistras para ser isso!
Kyle balançou a cabeça.
— Se eu soltar, você virá comigo sem fugir?
— Não vou a lugar nenhum com você portando uma faca afiada! Eu vi o brilho dessa merda quando você a empunhou!
O queixo do loiro ergueu e os olhos brilharam decididos, então Kyle enfiou uma mão dentro da jaqueta enquanto a outra continuava segurando os pulsos de Tweek.
Ele puxou o pacote de papel pardo onde a faca estava enrolada.
— Você fica com ela então. — Ele soltou devagar os punhos do loiro e desconfiado Tweek abriu o pacote. — Essa faça é um utensílio que foi dado como um presente.
Tweek ergueu a cabeça o observando, os olhos de Kyle eram sinceros, porém nada daquilo fazia sentido.
— Vem comigo e eu vou mostrar.
Sem receber a resposta, Kyle saiu puxando Tweek através da rua escura, o calor dos dedos do ruivo não eram o suficiente para dissipar a adrenalina da fuga, mas sem pensar Tweek se deixou levar, quase tranquilo.
Em cinco minutos estavam nos fundos de um armazém fechado, Kyle abriu a fechadura e empurrou a porta pesada, sem largar a mão de Tweek.
Um interruptor foi pressionado e a luz branca inundou o lugar, Tweek viu uma cozinha industrial, pequena, mas utilitária, armários de inox e fornos suspensos, elétricos; à gás; fornos de micro-ondas; batedeiras com duas pás brilhantes, assim como liquidificadores e outros utensílios reluziam sob a iluminação, Kyle soltou Tweek e caminhou até um armário, ele apanhou uma espátula.
— Fiz um bolo de chocolate branco e amargo com cobertura de marfim, já deve estar no ponto de ser provado.
Ele caminhou até uma geladeira e abriu, lá dentro Tweek vira mais de um bolo, mas o que Kyle tirou parecia uma miniatura de algo que ele só veria na televisão.
Rapidamente um prato e um garfo surgiram na frente de um desconfiado Tweek, e como o loiro não se movia para comer. Kyle mesmo ergueu um pedaço de bolo diante da boca semiaberta.
— Acho que esse ficou melhor que o de ontem, por isso eu ia chamar aqueles caras aqui pra provar, se minhas recriações das receitas deles não forem boas, não vão aceitar me ceder a franquia.
A boca de Tweek abriu para responder e Kyle enfiou o garfo, a língua do loiro provou a textura aveludada do recheio e seus olhos se fecharam involuntariamente, a fuga de minutos atrás totalmente esquecida.
— Merda, isso é bom!
Um sorriso torto surgiu no rosto de Kyle e as maçãs do rosto dele coraram levemente.
— Vai ser um choque na cidade quando eu abrir essa confeitaria... — Kyle murmurou, suas faces corando. — Mas... amo fazer esses bolos!
Era uma confissão que o loiro não esperava.
Tweek se viu aceitando mais uma garfada, não podia acreditar o que estava ouvindo, nem no que estava comendo, o bolo não era doce demais, porque os dois recheios se completavam, e a cobertura selava o sabor como algo que ele precisava desesperadoramente de mais.
De repente descobriu que ninguém estava mais chocado e fascinado do que ele com esse estranho segredo de Kyle Broflovski.
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