História O Segundo Anjo (Crônicas de Antuerpéria) - Nem as nuvens conhecem as respostas

Nem as nuvens conhecem as respostas

Não encontrou o anjo no aposento que tinha cedido a ele após o alvorecer.

Perguntou-se aflitivo se por acaso ele não teria encontrado o caminho para o "plano Etéreo", lugar que Etzel não fazia a mais remota ideia de onde ficava.

Que seguramente também não ficava em seu mundo.

Percorreu depressa os cômodos e saiu para fora, encarou aqueles hibiscos-de-fogo, todos aqueles arbustos entrelaçados em nada de especial aparente, apenas bonitos, mas tão sem graça sob a luz do amanhacer.

Nuvens gigantescas vagavam no céu e sentia o ar adocicado da vila penetrar em seus pulmões.

Começava a confabular consigo mesmo.

Teria tudo ter sido um sonho?

Um vazio se apossava lentamente de seu ser.

Contudo, caminhando ao redor de onde morava foi surpreendido por Shou que saltou do alto de um velho carvalho bem diante de si trajando as roupas que Etzel tinha deixado para ele no aposento onde supostamente o anjo passara a noite.

Etzel deu um salto involuntário para trás, riu da própria reação e arregalou comicamente seu olhar.

__Pela cauda do dragão!... Onde foram parar suas asas?

__Descobri durante a madrugada que posso ocultá-las segundo minha vontade... Isso depois que sobrevoei esse local... Subi mais alto que a montanha, mas não existe nenhuma brecha no céu.

__E porque haveria de existir uma brecha no céu? Nem você sabe o caminho de volta, sabe?

Etzel riu e o vazio de antes se dissipara por completo, seu peito inflava quente de dentro para fora.

__Aliás... Você se quer dormiu?

__Dormir? Anjos não precisam dormir.

__Ora, vá... Você agora tem um corpo e é real... Eu o senti com minhas mãos antes mesmo de saber seu nome.

Shou desviou seu olhar contrafeito, parecia uma criança sendo contrariada, foi exatamente a impressão que Etzel teve e considerava adorável.

__Queria saber como abandonar esse corpo... Isso sim.

A voz de Shou saiu num lamento quase inaudível... Quase.

__Não quer me contar como foi que você se perdeu?

__Não importa como me perdi... Perguntei as nuvens, mas nem elas sabem como posso atravessar os confins do céu.

__"Perguntou as nuvens?"... E eu que pensei que como mago já tinha visto de tudo!

__Então, você é um mago? Deve ser um sábio, com certeza pode me ajudar a achar o caminho de volta para o plano Etéreo!

Shou se exaltou um pouco a segurar na mão de Etzel que se limitou a balançar a cabeça para os lados fazendo uma careta que desdenhava a si mesmo.

__Quer tanto assim se livrar da minha companhia? Poxa vida, Shou...

__Não é isso... Sou inútil nesse lugar, minha verdadeira missão não é aqui... Estou preso nesse corpo e eu o detesto.

O falar de Shou era meigo, era triste, era inconformado... Apertava a mão de Etzel e sentia tudo se remexendo dentro de si, o consumindo no mesmo segundo como nunca sentira.

E Etzel passou a observá-lo com imensa atenção, tirou-lhe o cabelo que cobria parte de seu rosto num breve afago.

Um de fronte ao outro, tão perto, tendo praticamente a mesma altura.

__Não diga que detesta seu corpo, Shou... Sua essência de anjo não está aprisionada nele, ao contrário... É a ponte para que você descubra este mundo, assim como a si mesmo.

E Etzel segurava-lhe o queixo, apoiando seu polegar por baixo dele ao passo que Shou esquadrinhava sua face, tendo os lábios levemente entreabertos, discretamente úmidos.

Não sabia porque estava sussurrando para Shou, mas tinha funcionado.

Ele parecia menos transtornado e prestava profunda atenção dentro daquele clima hipnótico que de repente beirava o sensual.

Clima que partira de Etzel, subitamente caía em si que talvez sua voz soasse sedutora e bem que mirava-se na boca do anjo. Desde a noite anterior ficara perturbado com o que havia de belo e enigmático naquele rapaz.

Não o conhecia, era verdade, se quer conseguia ler seu olhar.

Mas, desejava-o por perto apesar de tudo, não podia deixá-lo ir.

E foi tomado por um anseio maior quando a mão de Shou tocou seu rosto, em seu toque continha uma súplica levemente trêmula e seu semblante exalava uma inocência tão convidativa...

Que agora Etzel é quem se sentia seduzido.

__Eu preciso de você, Etzel... Sua ajuda é preciosa para mim.

__Você quer minha ajuda... Mas, não quer me contar o que preciso saber.

__Não precisa saber... Porque pretendo partir logo, não quero causar preocupação.

O anjo lhe sorriu, mas Etzel não conseguiu tornar o gesto recíproco. Detinha mesmo sem perceber uma mecha do cabelo de Shou entre seus dedos e este escorregou por eles quando o anjo simplesmente se afastou.

Etzel observou Shou caminhar até entrar em sua casa feita em madeira branca, o telhado revestido por vegetação abundante, pinheiros se projetavam ao céu enraizados em seu teto.

Essa era a paisagem comum e parecia tão sem importância, seus olhos seguiram ávidos os passos de Shou, o cabelo dele solto ao sabor da brisa, o corpo esguio dele se movendo suave.

Não tinha vontade de ajudá-lo partir, mesmo porque nem sabia se seria capaz de tal feito.

No entanto, se negasse a ajuda que Shou precisava, seu conhecimento de mago... Fatalmente ele o deixaria e buscaria a solução em outro mago de sua vila.

Em qualquer outro que lhe contasse uma mentira.

E como Shou seria facilmente enganado ou aprisionado!

Sua inocência tinha beleza, mas ao mesmo tempo era um perigo para si mesmo.

Se Shou soubesse... Era cedo para isso e mesmo assim tarde demais.

Etzel não poderia se preocupar mais por sua vida.