História O Segundo Anjo (Crônicas de Antuerpéria) - Parte 2 Te gosto demais para te querer por perto

Parte 2 Te gosto demais para te querer por perto

__Onde estava?

Foi o que Etzel perguntou saltando da cerca em torno da casa do velho Zinn, assim que Shou se aproximou carregando uma botija pelas alças.

As asas ocultas, o cabelo azulado feito ondas a quebrar enquanto caminhava.

Fazia mais de uma hora que Shou havia sumido com os arcanjos entre as nuvens.

__Fiquei preocupado quando a chuva caiu mais cedo tingida de sangue... O que foi que houve, Shou?

__Prometo te contar, mas... Como está, Jang?

__Ah, agora esse Jang é tudo que importa para você?__ Etzel ironizou cáustico.

E ficou enciumado ao quadrado quando percebeu que além da própria espada na bainha, Shou carregava de forma improvisada a outra espada esquecida anteriormente na oiteira.

A espada de Jang.

Na verdade... Desde quando Shou sabia usar uma espada? Andar armado era algo que não combinava com ele.

__Jang não é tudo que importa para mim.__ Shou redarguiu algo sentido, sem se exasperar.__ Por que está bravo comigo, Etzel? Eu voltei para você...

__Não estou bravo... Somente preocupado.__ Etzel retorquiu de má vontade, olhando para outro lado qualquer.__ Pensei que aqueles anjos... Esquece... Se quer ver o Jang, vá de uma vez.

Queria ouvir a voz de Shou dizendo algo do tipo: "Que Jang nada... Quero ficar aqui com você."

Evidente que ficou frustrado quando Shou apenas lhe ofereceu um olhar inocente, talvez magoado e sem pronunciar-se terminou por entrar nos limites da velha casinha, sumindo para seu interior.

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"Antes mesmo que pudesse reagir, viu o lobo se solver numa névoa negra que numa fração de segundo tomou a forma de Saejin, o anjo com asas cinzentas.

__De um jeito ou de outro, sempre fica atraído por mim... Não é, Jang?

Teve vontade de gritar o nome de Saejin, mas não conseguia. Sua carótida encontrava-se insuportavelmente apertada e vez ou outra sentia sua vista escurecer, Jang colocava todo seu esforço em se manter acordado.

Sem desviar-se de Saejin sorrindo adoravelmente ardil.

__Não me olhe assim, amor... Não quero tirar sua vida, não teria graça. Mas, de que outro modo eu poderia inocular o veneno?

__Veneno...?__ A voz de Jang falhou.

__Faz parte de uma promessa que te fiz... Desculpe, vai ser mais doloroso do que você imagina.

Saejin jogou um beijo para Jang usando a mão e deu-lhe as costas, simplesmente pondo-se a voar além dos pinheiros no topo da oiteira."

Revivia em sua mente os últimos acontecimentos a cerca de Saejin.

Não, tinha que ir mais a fundo.

A resposta para sua indagação estava num passado mais distante.

"Faz parte da promessa que eu te fiz..."__ Jang repetia mentalmente para si mesmo, agora sozinho no cômodo da pequena casa de Zinn.

Apesar de estar consciente, a dor persistia e não estava nada bem.

Sentia como se tivesse algo vivo se remexendo dentro de si, algo tentando sair.

Seu corpo se tornara uma espécie de hospedeiro?

Suas costas queimavam, a sensação semelhante a ter a pele consumida pelas chamas.

Odiava-se por não conseguir lutar contra o que sentia, queria ter forças para ir até o coração de Ceres, montar em seu cavalo e sumir.

Ficar distante de todo e qualquer olhar.

Sobretudo o olhar de Shou, justo esse que tinha que encontrar o seu!

Entrando naquele cômodo, pondo a botija sobre a mesinha baixa enquanto um silêncio demasiado pesado se instalava entre os dois.

Em seu último instante de lucidez na oiteira, tentara atravessar Shou com sua espada.

Como ele podia vir tão aparentemente sereno a ajoelhar-se tão perto, conservando aquela meiguice tão cativante?

Não podia se enganar, Shou era exatamente como Saejin.

Contudo, o sentimento que tinha por ele era diferente do rancor corrosivo que guardava por Saejin.

__O que faz aqui?...__ Jang respirava mais depressa, não queria demonstrar a dor e para isso devia evitar olhar diretamente em sua direção.

Ouviu o som do metal e ergueu o rosto atordoado, Shou segurava sua espada.

__Do que serve um matador de lobos sem sua espada? Ela tinha ficado da oiteira, Jang... Também trouxe um ensopado na botija, foi aquela senhora, dona do paiol onde passamos a noite quem mandou.

Jang encarou a lâmina, tendo sua têmpora molhada de suor, todo seu comprimento prateado manchado com sangue antigo de feras e seres malditos que haviam cruzado seu caminho.

__Shou... Percebe? Trouxe de volta a mesma espada... Que eu esperava usar contra você.

__Eu sei... Saiba que eu não pretendia resistir.

A voz de Shou escapou num sussurro enquanto enxugava com seus dedos as gotículas de suor na têmpora de Jang, uma carícia sem pretensões que algemava seus olhares.

__Por que mentiu... Para mim?

__Não teria aceitado que eu ficasse ao seu lado... Se soubesse da verdade.

__Eu confiei todo meu ser a você!...__ Jang ressentiu-se trincando os dentes de dor.__ Vai embora daqui, Shou.

__Não posso... Você está sofrendo.

E Shou sofria junto, tão sinceramente perdido.

__Vai embora!!

O grito de Jang saiu sufocado, moveu o braço são e empurrou Shou pelo ombro.

A espada de Jang caiu entre os dois no piso poeirento, fez um som curto, estridente e metálico.

E Shou não chegou a cair, se equilibrou colocando o braço atrás de si.

Cogitou argumentar, mas Jang parecia tão determinado a expulsá-lo, que acabaria por se ferir ainda mais.

Deixou a beira do futon que Jang ocupava e se afastou custosamente. Seus pés pareciam não obedecer o comando de sua razão, teve que se obrigar a deixar o cômodo.

Deixar Jang sozinho mais uma vez.

Todavia, a ausência de Shou não diminuia em nada seu martírio.

Em parte, se tinha mandado Shou embora, não era exatamente por não quere-lo por perto.

Jang não queria ninguém ao seu lado enquanto estivesse sofrendo.