Os olhos lânguidos de Kyungsoo abriram, o som das hélices quase estourara seus tímpanos, a visão voltava a ficar límpida. As náuseas vieram depois, uma queimação em seu esôfago, a bile engolida de volta para seu estomago; As mãos trêmulas continuaram onde estavam, quando ele percebeu onde e se lembrou como fora parar ali.
O instinto paterno foi ativado com um clique. Kyungsoo rodopiou as pernas no ar, empurrou o guarda mais próximo, e parou abruptamente enquanto o caçador que havia sido lançado pelas portas abertas no helicóptero gritava até encontrar o chão, o som cada vez mais longe e desesperado.
Canos de armas apontados para ele. Haviam três. E ao varrer os olhos redondos, com respiração arfante, aterrorizado por não ver suas crianças, ele perguntou apenas uma vez, sem tomar fôlego:
-Onde ele estão?
Ninguém respondeu. O vento lambia suas vestes, esvoaçava seus cabelos, entrava pela mesma porta que tinha jogado o caçador de vestes pretas.
Preso pelo pulso, ele não podia ir tão longe. A algema de prata apertada ao redor do seu braço, debilitava seus movimentos; Ele olhou rapidamente para o banco em que estava preso.
A corrente era comprida, mas não o suficiente para chegar até o outro lado da cabine do helicóptero.
Então, tudo aconteceu.
O da direita, com o porrete, o atacou. Soo desviou, impedindo que ele atingisse seu ombro. Com a corrente de sua algema, enrolou no pescoço e apertou. O da esquerda e o do centro avançaram em um grito histérico de guerra, um urro agressivo. Kyungsoo chutou o da esquerda, que deslizou de costas até a beirada da porta, os cabelos castanhos voavam, a expressão de terror por estar tão perto da morte. O do centro atingiu uma coronhada na testa de Kyungsoo. Pela hesitação em atirar nele, Soo entendeu que ele era tão valioso quanto imaginava. Em uma luta como aquela, sobre os ares, com dois deles mortos -o da direita sufocava, tão roxo quanto uma beterraba, com a língua vermelha e inchada para fora dos lábios pálidos, os pés batiam contra o piso, mas era impossível se safar da corrente de Kyungsoo que lhe tirava o fôlego-, ele poderia já estar morto.
Encarando os olhos assustados do caçador, Kyungsoo percebeu o quão novato ele era. O suor descia em gotas pela testa dele, a pistola tremia em sua mão. Nenhum beta experiente hesitaria em abatê-lo;
Quando o da direita engasgou e parou de lutar, Soo largou o corpo dele inerte no chão. O tintilar da corrente quebrou o silêncio entre eles.
-Eu vou perguntar mais uma vez. Onde. Eles. Estão?
Helene e Hans. Kyungsoo só conseguia pensar em seus filhos.
O caçador sabia que não podia lutar contra o renegado. Kyungsoo era mais rápido, forte e inteligente. Tão mortífero quanto qualquer caçador que estava ali naquela cabine.
E ele tinha fúria.
Um componente que aumentava a sua violência.
O caçador engoliu em seco, ergueu o braço trêmulo, apontando com o indicador para a porta.
-Onde? -falou Kyung, com a voz rouca, baixa, quase inaudível, um sussurro vindo como aviso. – Onde, maldição?
-Em um avião.
O peito de Kyungsoo subia e descia. Ele sentia a queimação escalava novamente pelo esôfago, se expandindo em ramos por toda a sua caixa torácica.
Kai urrava, lágrimas desciam pela sua face pegajosa, pelos contornos brutos do rosto dele; Henry ria ao fundo, estridente, vibrante, machucando os ouvidos de Kai. O som era perturbador, tão impactante pelo seu contraste de angústia e felicidade, a loucura de Cavill e a dor Kai. “Você será um ótimo irmão mais velho.” Henry disse, seguido de mais gargalhadas histéricas. E então, subitamente parou, um bipe ao fundo piscou em vermelho -um walkie-talkie-, levando consigo o choro doído de Kai. Kai puxou o fôlego, soluçando ao fechar os olhos, aterrorizado, com as luzes neon colorindo o seu rosto contorcido em dor. “Sabe, Kai? Vou te explicar uma coisa... Alguns de nós somos incapazes de sermos caçadores.”. Os saltos de Henry se aproximaram das costas de Kai. A expressão dele era séria, completamente o oposto como estivera há poucos segundos com a careta doentia se contorcendo em uma gargalhada. “Os que não merecem ter esse título, que não possuem as habilidades para caçar vocês, os não escolhidos por Deus, são abortados das famílias conservadoras. Como... Como a família de D.O Kang Ta.”. Henry, ao pronunciar o nome do pai de Kyungsoo, arregalou os olhos, imitando a expressão de Kai ao escutar. A boca dele se abriu em um “o”, em uma falsa surpresa, ele estava obcecado por forçar emoções. “Tínhamos um programa na década de 90, uma iniciação cientifica com nossos melhores geneticistas para reduzir o número de renegados. Note, Kai, tivemos várias ideias para extinguir sua raça, enquanto vocês mordiam e mordiam como coelhinho - Henry abriu a boca e fechou, imitando uma mordida-, aquilo foi uma lambança estúpida. Quem...” Henry subiu no degrau para ficar frente a frente com Kai, em um pulinho. “Quem em sã consciência usaria mulheres grávidas e nossos preciosos fetos como experimentos? Não é um enigma?” Os olhos penetrantes de cor diamente ficaram á poucos centímetros do rosto de Kai. O hálito quente lambia a face contraída, em uma mistura de fúria e nojo. “Usamos nossas caçadoras. As famílias conservadoras concordaram, é claro, prometemos que todos as crias viriam com os nossos dons, ampliados, mais fortes, mais rápidos!”, ele dizia, erguendo as sobrancelhas a cada palavra, saliva voava de sua boca, o suor brotava em sua testa e seu penteado sempre arrumado, agora soltava alguns fios rebeldes. Ele puxou o folego, o lábio inferior tremia e lentamente as palmas se aproximaram do rosto de Kai. “Poucos deram certo... Mas todas as mulheres morreram, depois do nascimento, anos depois de doenças que nós implantamos nelas. Ninguém fala disso até hoje, mas nós sabemos que matamos muitos promissores bebês... E suas mães.”. Henry abria um sorriso psicotico, as curvas de seus lábios para cima. “ Familias conservadoras, Kai... Conservadores. Malditos conservadores.”
Kyungsoo forçou o pulso, talvez tenha feito força demais, porque se quebrou em um piscar de olhos, como se fosse feito de papel.
O caçador arregalou os olhos.
-Me mostre onde ele está.
O caçador balançou a cabeça rapidamente, ainda com os olhos esbugalhados na corrente pesada de prata.
Kyungsoo avançou contra ele, o puxou pela gola e empurrando o corpo dele contra o chão. Arrastou-o com as costas no piso liso até a porta. A cabeça dele pendeu para fora e os gritos irromperam a noite. Foi então, que finalmente, o piloto percebeu o que ocorria. No walkie-talkie preso no coldre axilar, ele perguntara se estava tudo bem. Soo sorriu para o caçador, debruçado contra o parapeito:
-ONDE?
O caçador gritava, as lágrimas descendo para baixo, se perdendo nas nuvens, o corpo imóvel pelo joelho de Soo.
-Estou perdendo a pac...
Entre as nuvens, um Boeing branco subia.
Os olhos de Kyungsoo arderam, se acenderam, de repente. Ele puxou a gola do caçador e bateu as costas para que ele parasse de gritar.
-RENDA-SE, KYUNGSOO, NÃO QUEREMOS MACHUCÁ-LO.
As palavras de Henry flutuavam em sua mente:
“E então, e então, Kaizinho se apaixonou por aquele maldito, aquele caçador, o D.O e tínhamos que recuperá-lo, tínhamos que dizer à Kyungsoo, que era nosso sangue, o que estávamos fazendo, para o bem da nação, para o bem da sociedade caçadora... e nosso plano, nosso plano, nosso... plano foi por água baixo tudo foi por água abaixo...”.
Kai fechara os olhos, tentando escapar do teor daquelas palavras, das emoções que queimavam em seu peito.
E a voz de Henry, não só invadiu sua mente, mas disse, bem perto de seu ouvido, em um sussurro:
-Vamos pegá-lo, Kai, vamos pegar Kyungsoo, que como você, foi cobaia de testes antes mesmo de nascer.
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