"Não sou uma coisa que agradece ter se transformado em outra. Sou uma mulher, sou uma pessoa, sou uma atenção, sou um corpo olhando pela janela. Assim como a chuva não é grata por não ser uma pedra. Ela é uma chuva. Talvez seja isso ao que se poderia chamar de estar vivo. Não mais que isto, mas isto: vivo. E apenas vivo de uma alegria mansa."
Tanta Mansidão - Clarice Lispector
Durante os primeiros anos da Peste, os cinzentos não eram o único problema. Caos e medo tomaram conta de tudo, e as pessoas matavam por água, comida ou abrigo. Casas eram invadidas, mercados saqueados, mulheres eram estupradas e até mesmo crianças eram exploradas em troca de um mísero pedaço de pão. Uma mulher acolhia outras em situação de violência ou quem estivesse fugindo. Fugindo da doença, da morte ou mesmo do passado. Então surgiram as Bruxas. Assassinas para alguns, heroínas para outros... Ouvi muitas histórias sobre elas. O que era verdade ou mentira? Eu não me arriscaria a dizer. Talvez estivessem só sobrevivendo como o resto de nós, mas o fato era que jamais obedeceriam a homens. Não voltariam a baixar a cabeça para a razão do seu sofrimento.
Av. João de Barros
Ganhamos distância da horda, embora uma desagradável surpresa nos aguardasse. Zumbi foi o primeiro a perceber a ausência de Sérgio e eu apenas balancei a cabeça negativamente. Cabisbaixo, ele logo deduziu o que tinha acontecido. O garoto ainda estava em meus pensamentos, mas não havia tempo de lamentar por ele. Fomos cercados por um grupo de 15 mulheres, todas armadas até os dentes. Era como estar diante de uma alcateia, frente a frente com predadores famintos que aguardavam pelas presas feridas. Mulheres brancas, negras, pardas e indígenas bloqueavam o caminho com dois carros e três motos. Usavam diferentes roupas, mas cada uma delas portava no braço direito uma braçadeira preta cujo símbolo no meio era uma rosa vermelha com grandes espinhos no caule, achei curioso em como as pétalas tingidas convergiam em gotas de sangue.
Eram quatro contra quinze, e em defesa erguemos as armas de fogo, embora apontassem para nós desde pistolas ponto 40 até automáticas. No centro, uma delas segurava uma AK-47. Enquanto ainda estava distante, a morena de cabelo curto me parecia um homem com aquele desgastado traje militar, embora fosse bonita de perto. Os rasgos na farda denunciavam que outrora haviam mangas longas no uniforme. Tatuagens marcavam seus braços e uma cicatriz no olho esquerdo foi acompanhada de um olhar intimidador. Ela sorriu.
— Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça... Maria Bonita! Não achei que ainda estivesse entre os vivos. – Zumbi e Tiradentes permaneceram calados enquanto Maria com o rosto impassível apontava o 38 na direção da mulher.
— Estou tão viva quanto a minha vontade de quebrar a sua cara!
— Seria uma boa briga, mas parece que estão em desvantagem aqui. – A mulher sorriu novamente e Maria a xingou. Caminhou em nossa direção, levantando a arma. Zumbi falou:
— Nossa luta não é contra vocês. – Levou o olhar para outras mulheres armadas e em seguida para ela. — Suponho que se veio de Paulista até Recife, com certeza pretende negociar. Ou estou errado, Maria Quitéria?
— Zumbi, o inteligente líder da Utopia... Realmente faz jus a sua reputação. – Maria Quitéria se aproximou ficando frente a picape enquanto seus olhos castanhos pareciam nos analisar, até que ela levou o olhar até mim.
— Um chicote e uma moto... Você deve ser o tão falado Lampião. Diz aí, curte Indiana Jones ou é um sadomasoquista? – Ela riu enquanto em permaneci em silêncio, embora meu olhar pudesse dizer o quão puto eu estava. Sorri em resposta e então fiz uma proposta:
— Porque não luta comigo e descobre? Meu chicote contra qualquer arma branca que preferir. Se eu vencer, vocês nos deixam passar. Se eu perder, vou estar morto mesmo.
— Gostei de você Lampião... Eu não recusaria uma proposta dessas, mas tenho uma melhor: Entreguem suas armas, sejam bonzinhos e nos deixem fazer um tour na Fortaleza onde podemos conversar com mais calma. Em troca, bom... não matamos vocês. – Ela terminou a contraproposta com uma piscadela.
— Parece tão justo quanto encurralar quatro pessoas na estrada. – Comentou Tiradentes.
— Quer falar de justiça? A causa mais justa de todas é a sobrevivência. Não é por ela que todos lutamos? Dancem conforme a música, meus queridos. – Ela virou-se para Zumbi e indagou: — Espero que continue sendo inteligente Zumbi. Se continuarmos perdermos mais tempo, os cinzentos vão acabar nos alcançando. E então, o que vai ser? – Zumbi não teve muito que fazer senão concordar com os termos dela. Entregamos as armas e elas abriram caminho. Certamente aquele dia seria um ótimo exemplo da Lei de Murphy. Perdemos Sérgio e agora pela primeira vez em dois anos, Fortaleza seria invadida.
Rua Padre Inglês - Utopia
Seguimos na frente enquanto as Bruxas vinham logo atrás. Incapaz de reagir, me senti numa via dolorosa e a incerteza sobre o que diabos as Bruxas queriam tornava o trajeto ainda mais angustiante. Maria Quitéria apontou a arma para Zumbi e eles foram até a frente dos portões. Um homem estava em pé acima da amurada com um fuzil. O tal Pedro que ficara no comando na ausência de Zumbi. A expressão em seu rosto era um misto de preocupação e surpresa. Tiradentes havia me contado que ele era português, embora tenha passado a maior parte da vida no Brasil e o sotaque passasse quase despercebido. A reação de Maria Quitéria me deixou intrigado, um sorriso surgiu na boca dela como se já o conhecesse.
— Que mundo pequeno, Dom Pedro!
— Está um pouco longe de casa Quitéria... Eu respeito você, mas o que está fazendo é um erro.
— Disseram o mesmo quando me alistei no exército. Então, vai deixar seu líder esperando aqui fora? – Ela indagou com um sorriso confiante enquanto Pedro levou o olhar até Zumbi como se aguardasse a ordem.
— Pedro, enquanto eu estiver fora desses portões você é o líder. Então lidere. – Zumbi levantou o olhar até ele.
— Que palavras fortes! Vamos Pedrinho, escolha com sabedoria. – Ela falou esperando a resposta dele. O português hesitou por um momento e então deu a ordem para os outros homens na entrada:
— Abram os portões!
Assim que a passagem foi aberta, Maria Quitéria disparou para o ar quando entrou na Fortaleza com Zumbi. Os veículos foram deixados do lado de fora e seguimos para dentro a pé enquanto o resto das mulheres prosseguia atrás de nós. O orgulho e entusiasmo das pessoas que saudaram o grupo na missão daquela manhã deu lugar ao medo e a insegurança. O choque estava estampado nos rostos que viam ali seus “heróis” voltarem rendidos e derrotados.
— Sem pânico senhoras e senhores... Não pretendemos matar ninguém. - Dentre a multidão uma mulher de cabelos grisalhos correu até Zumbi. Maria Quitéria baixou a arma ao ver aquela mulher aflita parar diante deles.
— Cadê o Sérgio? Zumbi... Onde está o meu filho? - Zumbi baixou a cabeça e com pesar na voz ele falou:
— Lúcia eu sinto muito, o Sérgio... ele... – Zumbi hesitou por um instante e eu o interrompi:
— Ele foi contaminado pelos mortos e eu o matei com um tiro. – Revelei a dolorosa verdade secamente. Isso não podia esperar e adiar o inevitável só ia causar mais dor para ela. Tentei aliviar a informação ao dizer que foi uma morte rápida e sem sofrimento, mas pouco adiantou. Ela demorou alguns instantes para processar a informação. O desespero em sua face logo tornou-se em raiva.
— Seu... seu filho da puta! - Ela iria me dar um tapa, mas segurei a mão dela. Recebi uma cuspida em resposta. Limpei a saliva do rosto enquanto Lúcia entrava em prantos. Com os olhos vermelhos pelas lágrimas, ela continuou: — Ele te idolatrava como se fosse um herói e você o matou! Você matou o meu filho! – Antes que ela avançasse novamente, foi segurada por outras pessoas que tentavam acalmá-la.
— Você prometeu Zumbi! Você disse que ia protegê-lo! – Ela gritou ainda mais ao ser levada pelos outros. Maria Quitéria observou tudo em silêncio até que Lúcia fosse contida. Virou-se para Zumbi e disse:
— É isso que acontece quando se dá falsas esperanças a alguém. Você promete coisas que não pode cumprir e no fim, só resta a tristeza da decepção. – Zumbi permaneceu calado enquanto via Lúcia inconsolável. Ele deu um sorriso contido, embora o olhar carregasse tristeza.
— Pode até ser falsa, mas ainda é esperança Quitéria. E não podemos perdê-la, nem mesmo agora. – Ela estudou o rosto dele por alguns instantes e então falou:
— Vamos direto ao ponto, nossa negociação. Uma das minhas vem comigo. Escolha um dos seus homens por garantia e falaremos a sós. Zumbi logo levou o olhar para mim e eu anui com a cabeça.
— Tarsila, você vem comigo. - Uma mulher de cabelos longos e negros presos num coque ficou ao lado de Maria Quitéria. Esta portava uma semiautomática prateada. A líder das Bruxas ordenou que nossas armas fossem devolvidas, mas isso não deixou a situação menos tensa. Tenho quase certeza que Maria puxaria o gatilho do 38 sem hesitar se pudesse. Me perguntava qual era a relação dela e do tal Dom Pedro com Quitéria. O português mantinha um olhar de preocupação enquanto Quitéria permanecia com o mesmo ar de confiança. Ela e Zumbi deixaram suas armas nas mãos de suas respectivas facções enquanto eu e Tarsila trazíamos as nossas.
Eu e Zumbi caminhamos até a biblioteca, enquanto murmúrios e olhares temerosos nos acompanharam. Servimos de guia para as duas gentis convidadas, e Quitéria até parou um pouco para admirar o jardim e a horta. Não fez nenhum comentário, embora se mostrasse satisfeita com o que vira. Adentramos naquele recanto dos livros para a provável dramática conversa. Pouco antes de sentarmos para colocarmos as cartas na mesa, Quitéria falou ao passar por um dos corredores:
— Nossa, eu adoro esse livro! – Ela parou e retirou da estante um exemplar de O Quinze, de Rachel de Queiroz. Continuou: — A seca do Nordeste em 1915... A Rachel e a família foram pro Rio fugindo da seca. Ela foi inclusive a primeira mulher a entrar na Academia Brasileira de Letras.
— Ao menos... tem um bom gosto literário. – Zumbi comentou da forma mais calma que pôde. Cruzei os braços e falei:
— Falando desse jeito, nem parece que acabou de invadir este lugar.
— Não seja assim Lampião, eu pedi pra entrar com jeitinho não foi? – A mulher deu outra piscadela irônica pouco antes dela e Zumbi se sentarem nas cadeiras daquela mesa de madeira. Eu e a tal Tarsila ficamos em pé quando aquele jogo de xadrez começou. O tabuleiro e as peças? Palavras. Maria Quitéria tinha a vantagem, havia invadido Fortaleza e podia usar a força como garantia de exigências. A rainha havia acabado de capturar as torres que protegiam o rei, e estava próxima de dar um xeque-mate.
— Adoraria falar sobre O Quinze, mas acredito que não veio até aqui por isso.
— E porque não? A literatura não é um retrato da realidade? – Maria Quitéria folheou as páginas até que chegou no capítulo 8. Prosseguiu: — Esse pensamento do Vicente diz muito sobre o que eu quero: “Uma vontade obscura e incerta de ascender, de voar! Um desejo de se introduzir a grandes passos na imensa treva da noite, e a atravessar, e a romper, esquecido das lutas e trabalhos, e penetrar num vasto campo luminoso onde tudo fosse beleza, e harmonia, e sossego.”
— Se quer ir pro céu, acho que tem muita gente aqui que pode te ajudar com isso. Se quiser, eu mesmo faço. – Quando fiz a provocação, Tarsila carregou a semiautomática apontando-a para mim. Quitéria riu e fez sinal com a mão para que ela baixasse a arma.
— Tarsila atira tão bem quanto pinta, Lampião. Eu não puxaria briga com ela. Aliás, ela pintou o nosso símbolo. – Quitéria falou e Zumbi levou os olhos até a rosa que sangrava e perguntou à Tarsila: — O que significa?
— Minha mãe dizia que todas as mulheres eram como rosas num jardim. Delicadas como pétalas, embora tivessem espinhos para se defender.
— É uma concepção realmente interessante. Mas voltando ao assunto, o que trazem as Bruxas até a Fortaleza? - Zumbi indagou entrelaçando os as mãos acima da mesa.
— Soube que os Cruzados mataram dois dos seus. As notícias ainda correm e ligando os pontos, acho que querem acertar as contas com eles.
— Boa dedução, mas ainda estou curioso pelo que tem a dizer. – Respondeu Zumbi.
— Eu poderia esperar vocês se matarem e então atacar quem sobrasse. Poderia aumentar meu território e ainda ganhar os recursos que vocês conseguiram a muito custo numa tacada só. Poderia tomar este lugar hoje mesmo se quisesse, mas como eu disse antes, sou uma pessoa razoável. – Quitéria deu outro sorriso confiante, enquanto Zumbi estudava seu rosto. Pouco depois ele falou:
— Se unirmos forças contra os Cruzados, é uma vitória certa. Um ataque certeiro vindo de Recife e Paulista contra Olinda. Os dois lados se beneficiam, eliminamos a ameaça, dividimos o território e ficaríamos mais seguros. – Zumbi moveu suas peças. Cruzou os braços e indagou: — Quantas das suas podem lutar?
— Por favor... você não revela seu trunfo logo de cara. E não posso arriscar perder alguém das minhas numa briga que não é nossa. Elas já sofrerem o bastante, viram o inferno e não serei eu que vai guia-las de volta para lá. O mundo já não era seguro o suficiente antes, e agora com certeza não é. Não se pode mudar a natureza humana, Zumbi. Cedo ou tarde outros como eles ou piores vão aparecer, se já não estiverem por aí.
— Maquiavel dizia que lutamos por necessidade ou ambição. Bom, talvez estejamos lutando por ambos, mas diga, o que você quer?
— Muito bem, iremos unir forças. – Ela fechou o livro e então prosseguiu: Em troca, um quinto da sua comida, das armas e metade do que conseguirmos lá. Não vou dizer quantas somos em Paulista, mas os recursos estão ficando escassos, por isso eu precisava ser um pouco mais ousada. Bom, esse é o acordo. O que me diz?
O restante das Bruxas guardava a entrada do saguão onde ficava a biblioteca e o burburinho sobre o que estava acontecendo era inevitável. Lá fora, a pessoa mais impaciente com toda a situação com certeza era Maria. As coisas foram de mal a pior naquela manhã, Sérgio estava morto e agora as Bruxas invadiram a base da Utopia. Ouvia-se muita coisa sobre as Bruxas, e as pessoas ali estavam aflitas a cada comentário.
— Soube que essa tal de Quitéria já capou um cara usando uma linha de cerol... Cacete, não bastava ter cortado a cabeça de cima? – Junto a Maria, um dos homens comentou, levando o olhar para todas aquelas mulheres armadas. Talvez dentre todas aquela fosse a história mais conhecida das Bruxas e sua temível líder, Maria Quitéria. Maria havia passado um tempo com elas antes de entrar para a Utopia, e revê-las era como estar diante do vulto de um passado não muito distante. Cruzou os braços e respondeu:
— O homem tinha estuprado uma noviça dentro de uma igreja. O desgraçado sangrou pelo pau até morrer. Cuidado Domingos, você pode ser o próximo... – O homem calvo se benzeu e Maria riu. No entanto, o riso logo se desfez quando Maria viu outras mulheres amparando Lúcia. Ela nunca foi tão amiga de Sérgio, mas saber que poucas horas atrás o garoto estava vivo e falando as besteiras de sempre era um choque. Ver Lúcia desolada era realmente triste, a mulher passou mal e acabou desmaiando.
Maria lembrou-se de sua família, da vida que tinham na periferia, lá em Nova Descoberta, Zona Norte do Recife. Seu irmão mais novo morrera por causa de um tiroteio entre traficantes e a polícia. Era apenas uma criança, brincava com seus carrinhos em casa quando ela o achou caído na sala de estar. Ele amava assistir Fórmula 1 e queria ser piloto, sempre pedia para vez os vídeos do Ayrton Senna, mas uma bala perdida havia enterrado seus sonhos. O pequeno Marcelo faria 13 anos em agosto se estivesse vivo. Sua mãe ficou arrasada, foi uma das poucas vezes que Maria a viu chorar, apesar da vida sempre ser dura com elas. Dentro da própria casa não estavam seguras, e o perigo nem sempre vinha do lado de fora. A imagem de seu padrasto chegando bêbado em casa ainda a assombrava. Seus pensamentos foram interrompidos quando viu uma garota correndo para o jardim.
Num olhar mais demorado, notou que ela estava chorando. Soltou um palavrão e arfou antes de caminhar na direção da menina. A cada passo suas botas marcavam o solo fértil de terra preta e embora não fosse primavera, o jardim estava florido. A garota tinha tantas lágrimas nos olhos que mal notou que Maria havia chegado perto dela. O soluço do choro ressaltava ainda mais as bochechas rosadas. Além dos cachos dos cabelo longo e castanho, trajava um moletom azul e um short preto pouco acima dos joelhos.
— Eu ia perguntar, mas você não parece bem. Aí, relaxa, as Bruxas não vão fazer nada estúpido. – Maria não tinha tanta certeza disso, mas acabou chamando a atenção da menina. Ela diminuiu o choro, ainda que soluçasse um pouco. Maria indagou se podia sentar no banco e a menina concordou com a cabeça. Ainda fungando pelo nariz ela respondeu:
— Não... Não é por isso.
— Então o que foi... Brenda?
— Bruna.
— Bati na trave, mas foi quase. Agora desembucha. Porque você tá desse jeito?
— É que algumas meninas estão falando coisas... ruins.
— Que tipo de coisas ruins?
— Sobre mim... dizem que eu sou feia e gorda. Eu não liguei muito no começo, mas elas continuam fazendo isso. E isso...
— Machuca? – Maria completou e pouco depois Bruna concordou com a cabeça.
— Elas são idiotas. Pessoas idiotas sempre são um saco com quem é diferente delas. – Bruna ainda estava cabisbaixa enquanto Maria falava. A mulata cacheada olhou ao redor e disse: — Olha pra frente. – Bruna ergueu a cabeça.
— Então, o que você vê? – Maria indagou e Bruna franziu a testa um pouco confusa.
— Flores? – Maria virou-se para ela e respondeu: — Acho que você pode ser um pouquinho mais específica. – Bruna suspirou.
— Bom... tem rosas, margaridas, girassóis, violetas, papoulas... Ah, acho que essas são as que eu conheço melhor.
— Cada flor com cores, formas e cheiros diferentes. Mas todas são lindas, todas tem seu jeito de ser. Agora imagina se só existisse uma delas... Que graça teria se todas fossem iguais?
— Seria bem chato.
— Você é linda do jeito que é. Nunca deixe ninguém dizer o contrário. E se disserem... Bom, nada que uma tapa na cara não resolva. E eu ainda ajudo. – Elas riram juntas, mas logo depois daquele clima agradável, o barulho das pessoas no pátio chamou atenção delas. Bruna e Maria correram até lá e viram que Quitéria retornava da biblioteca com Zumbi enquanto Lampião e Tarsila vinham mais atrás. A desgraçada mantinha o mesmo sorriso confiante de antes. Zumbi estava sério, ergueu uma mão pedindo silêncio. Quando as murmurações cessaram, ele bradou:
— Meus irmãos e irmãs! Sangue do meu sangue! Não devemos temer as Bruxas, elas são nossas aliadas. Nossos inimigos estão em Olinda, e certamente cairão. Amanhã, faremos justiça pelos que foram assassinados! Esse é o preço da paz! Sangue será pago com sangue!
Dois dias desde que eu cheguei à Fortaleza e até agora três pessoas morreram. Duas pelos Cruzados, uma pelos Infectados. O placar não nos favorecia e Zumbi sabia que a confiança nele fora abalada. Quitéria conseguiu um acordo generoso e as Bruxas ainda eram uma incógnita para mim. Algo nisso tudo me cheirava mal, estava fácil demais. Desde o início a morte pairava sobre todos, e agora os vivos seguiam o seu rastro. Na manhã seguinte, a Utopia iria partir rumo ao Alto da Sé e um confronto envolto em dúvidas emergia, embora eu tivesse apenas uma certeza: Morte.
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