Sabe, antigamente estar ao seu lado me arrancava risadas e sermões dos adultos por conversarmos em sala de aula. Era divertido. Você, eu, ele e ela. Irmãos nascidos de mães e pais diferentes.
Mas às vezes quando você faltava batia uma saudade diferente, eu passava o dia preocupada e a noite fugindo da realidade e pensando no que você devia estar fazendo naquele momento.
Muitos diziam que éramos o casal perfeito. Nos nossos aniversários choviam os “Com quem será?”, era sempre você no meu e eu no seu.
Você era como o sol – antigamente, porque hoje em dia eu não suporto ficar muito no sol, ele me lembra você – me aliviava as preocupações e tristezas. Talvez você fosse a lua também, que nos meus momentos de exaltação me acalmava e acariciava gentilmente meus cabelos.
Nós éramos polo sul e polo norte. Éramos totalmente diferentes. Você era chamativo como roupa neon na rua, extrovertido e brincalhão. Alegrava a todos a sua volta, como nota boa em prova de matemática.
Já eu, acho que poderia ser classificada como uma memória. As pessoas falavam de mim como se eu estivesse distante, como se tivesse viajado e não tivesse data marcada para voltar. Mas eu estava lá. Ao lado delas, ouvindo tudo.
Eu era – talvez ainda seja – tímida, retraída e tinha dificuldade em me misturar. Mas naquele meu terceiro dia de aula – sim terceiro, eu lembro bem – você na minha frente conversando com um amigo enquanto eu estava ouvindo minhas músicas favoritas num cantinho qualquer. Até que você veio, tirou um dos meus fones e escutou a playlist toda comigo. Sem nenhuma palavra durante as músicas, você realmente se concentrava para entender – eu tenho um hábito de procurar músicas antigas e em outras línguas – você desistiu e falou:
- Essas músicas são muito legais! Gostei de você, é minha amiga agora!
Não sei oque te fez sorrir naquele momento. Minha cara de vergonha – que deve ter sido muito hilária mesmo – ou o “Sim, adoraria ser sua amiga” quase inaudível.
Os dias foram passando e você me puxando ao seu polo cada vez mais. Apresentou-me os seus outros amigos e foi assim que eu a conheci, minha melhor amiga até hoje.
Mas não sei o que era aquilo. Amor de amigo, amor de irmã, amor de namorados ou qualquer outra coisa.
E acho que nunca vou saber. Pois no dia que decidi perguntar a você oque era aquilo que eu estava sentindo e se você sentia também, você não veio a aula. Nem no próximo dia, nem no próximo do próximo. Nem um mês depois.
Preocupada eu fui até a sua casa que ficava um quarteirão depois da minha. Toquei a campainha e a tia – sua mãe – me atendeu alguns minutos depois.
Ela tinha marcas embaixo dos olhos. Na época eu não sabia de onde vinham, mas hoje sei que eram marcas de lágrimas. Muitas lágrimas. Ela estava totalmente acabada. Os cabelos rebeldes como eu não via há muito tempo, vestida de moletom e calça de ginástica e o pior, o olhar que ela me dera.
Era um olhar de desistência. No momento eu juro que me preocupei e perguntei se ela havia caído e esquecido de lavar as outras roupas mais chiques que ela usava. Ela chorou e me abraçou. Eu pedi desculpas. Porque eu achei que ela estava chorando pelo oque eu disse.
Mas ela explicou depois. Que seu pai foi embora. E você também.
Eu inocentemente perguntei quando poderia te ver, se você ainda ia visitar ela e se ela sabia sua nova casa. Sabe, eu pensava que eles haviam se separado. Porque meus pais eram separados também – hoje eles reataram e se casaram de novo – e eu morava com minha mãe.
Mas ela disse que você foi para bem longe, e que não sabia exatamente onde você e seu pai estavam, mas que estavam em um lugar bom, seguros.
Eu chorei muito porque pensei que você tinha ido embora sem se despedir de mim.
Mas no meu décimo segundo aniversário minha mãe me chamou para uma conversa particular e me deixou enxergar a realidade. Ela disse que eu estava cega pelo meu próprio bem.
De começo eu não estava entendendo, mas ela disse em altas e claras palavras o final.
Você morreu na semana do nosso aniversário – completávamos mais um ano um dia após o outro – há dois anos.
E ai eu percebi. Você realmente foi embora sem se despedir, mas não foi por sua própria vontade. Percebi que a morte não permite despedidas.
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