História O teu sabor - Tomorrow

“Afinal de contas essa festa foi o seu presente?” perguntei a Elena enquanto ela escovava os dentes

“Não” comentou desajeitada com a escova na boca “Ele só não queria deixar passar em branco, mas meu presente vai demorar uns dias para chegar”

“Huuuuum o que será que ele comprou?”

“Não sei...”

“Não quer tentar adivinhar?” perguntei toda animada

“Na verdade não, deixa ele fazer a surpresa” respondeu antes de fazer alguns bochechos

“Okay então” dei de ombros

Saí do banheiro e encontrei o Jungkook parado perto da porta do quarto da Elena com o celular em mãos.

“Boa noite” falei e ele sorriu

“Boa noite Debs” 

Fui caminhando para a sala e encontrei Jimin sentado em uma parte do sofá que ele arrastou para a varanda. Minha sala estava uma bagunça, eu definitivamente deveria dar um jeito nessa cama. Fui até lá com passinhos mansos, ele estava cantarolando alguma música que eu não conhecia.

“Seolleneun mankeum manhi duryeowo, Unmyeongi uril jakku jiltuhaeseo, Neomankeum nado manhi museowo, When you see me, When you touch me” Sua voz era a coisa mais delicada do mundo, era impossível não se sentir acolhida por tamanha sensação que ele passava com ela

Parei ao seu lado e ele pegou minha mão e me auxiliou a sentar em seu colo. Ficamos olhando a noite e as estrelas, ou pelo menos as poucas que dava para enxergar daqui.

“Música bonita” murmurei em seu abraço e ele riu “De quem é?”

“De um amigo” respondeu

Ficamos um tempo em silêncio e encostei a cabeça em seu peitoral, adorava ouvir seus batimentos cardíacos.

“Posso te perguntar uma coisa? Mas é algo meio tenso” falei saindo de uma cachoeira de pensamentos sobre ele

“Noossa...” murmurou ainda meio risonho “Pode perguntar, mas eu posso escolher não responder?”

“Pode” respondi e ele suspirou

“Qual é a pergunta?”

“Você já teve alguma doença... psicológica?”

“Tipo...?” perguntou um pouco mais sério

“De qualquer um dos milhões de tipos que existem...”

“Mas você não perguntou isso do nada, qual é a sua suspeita?”

“Eu não suspeito de nada, perguntei por curiosidade mesmo”

“Não tive” respondeu e outro momento quieto se instaurou ao nosso redor

Senti um calafrio e ele colocou a jaqueta por cima de mim. Jimin cuidava tanto de mim, não apenas de mim, mas de todos ao seu redor. Era um anjinho mesmo.

“Posso perguntar uma coisa?” Jimin disse quebrando o silêncio

“Pode, mas tenho o direito de me negar a responder” imitei sua resposta rindo, mas ele não me acompanhou

“Tem sim”

“Pergunte”

“Porque você decidiu desistir da vida?”

Era a primeira vez que alguém me perguntava diretamente isso, fiquei um pouco chocada e sem saber responder direito. Até porque mesmo na época, era difícil entender os motivos que estavam me levando a fazer aquilo. Havia bloqueado aquelas memórias a muito tempo e era difícil acessa-las sem adentar naquele pequeno rio de sentimentos negativos. O tempo foi passando e ele continuou quieto, sem pressionar alguma resposta. Eu até ia responde-lo, mas precisava de um tempo pensando sobre.

“Não desisti da vida” comecei a falar “Na hora eu não pensei na vida como um todo, apenas pensei nas coisas que eu precisava me distanciar, acreditei que o peso que eu carregava iria acabar e eu poderia recomeçar do zero... em outra vida... Me senti tão insignificante que não faria diferença minha atual existência ou a falta dela, então entenda, não queria deixar de viver, apenas busquei uma maneira de viver de outro jeito, já não tinha forças para lutar contra o que me consumia aqui” Endireitei o corpo para poder olhar para ele

“Você tinha depressão?”

“Não apenas, era infeliz e sem perspectiva de futuro... Era uma época diferente, eu era uma pessoa diferente, estava sozinha em casa, completamente sozinha, Elena tinha voltado para a França, meus pais viajaram a trabalho e minha irmã fazia intercâmbio na Europa, a única pessoa que estava mais próxima era um namorado que me fazia deixar de acreditar em mim mesma cada dia mais... Mas eu não estou culpando essas pessoas, até porque eu podia falar com elas, contar o que estava acontecendo e terminar com aquele relacionamento abusivo, mas é difícil, é um tsunami de emoções que me controlavam e me cegavam. O problema não estava fora, estava dentro de mim. Eu não queria me salvar em primeiro lugar, não queria continuar, batalhar por mais nada, me senti inútil e me prendi a isso. Acho que só entende de verdade quem vive isso, eu realmente não estava no controle de mais nada, lembrava de quando era criança, cheia de energia e sonhos, me perguntava como tinha deixado de ser assim e me tornado tão vazia e fraca” minha visão ficou turva e a garganta fechou me impossibilitando de continuar. Jimin limpou minhas lágrimas com os dedos e abaixei a cabeça deixando o choro continuar.

“Eu fiquei dias pensando nisso, mas naquele especifico saí do colégio mais engajada, afundei na banheira já chorando muito e peguei a lâmina com as mãos trêmulas, tinha medo de fazer aquilo e medo de continuar, meu celular apitou e fui olhar o que para mim era a última mensagem que eu ia ler, era uma notificação do twitter, uma foto sua” eu fungava muito e ele passou a limpar minhas lágrimas com a manga da camiseta que usava “Decidi ouvir uma música pela última vez e acabei em Tomorrow e aquilo me destruiu ainda mais, fiquei desesperada por não conseguir acreditar que existia um futuro de verdade para mim, que eu não realizaria nenhum sonho, nunca uma letra tinha me impactado tanto, desejei de verdade passar por cima de tudo de ruim que me machucava” olhei para cima e vi que ele estava chorando também, mais contido e calado, mas suas lágrimas caiam tão encorpadas quanto as minhas “Continuei imersa na água algumas horas até conseguir mandar um e-mail para minha irmã contando tudo que estava acontecendo. Ela abandonou a viagem e retornou para o Japão, todo o seu apoio e carinho foram os maiores incentivos, voltei a dançar, voltei a sorrir... voltei a acreditar entende?” Ele acenou com a cabeça e segurou minha mão “Eu não costumo pensar muito nisso, ainda me acho um pouco emotiva demais, até depressiva em alguns momentos, mas tento sempre não cair tão profundamente como antes. Se não fosse por minha irmã eu não acho que estaria aqui hoje, viajando o mundo como ela sempre fez e conhecendo pessoas como você” ele sorriu de leve “Também agradeço a você e aos meninos por criarem uma música com letra tão importante, eu precisava ouvir aquilo naquele momento e não existia ninguém ao meu redor para dizer, apenas o celular, apenas vocês” Jimin fechou os olhos e mais lágrimas caíram, senti ele apertar ainda mais forte minha mão “Não queria terminar a noite assim” falei respirando fundo e limpando o rosto dele com a minha mão livre

“Assim?” ele abriu os olhos “Eu estou feliz”

“Está?”

“Claro! Você está aqui, viva e bem porque de alguma maneira nossa música te apoiou, isso me faz feliz de verdade, acho que é uma das dádivas dessa carreira, poder dar alguma luz para pessoas mesmo distante” Sorri e ele respirou fundo “Sinto muito ter feito você revisitar essas memórias, mas existe algo nelas que você precisa sempre valorizar, sua força e superação. Independente da música ou da sua irmã, você conseguiu, você batalhou por mais, é um mérito seu!”

“Obrigada” peguei sua outra mão e mais lágrimas caíram

“Eu te admiro por isso” ele as apertou e abaixei a cabeça “Muito” ele beijou minha testa e em seguida me abraçou

“O que houve?” Elena perguntou preocupada ao nos ver daquela maneira na varanda

“Nada flor” respondi limpando o rosto e sorrindo para ela “Está tudo bem”

“Tudo ótimo” Jimin concordou e sorriu também

“Huum” Elena não quis insistir em saber o que estávamos conversando, mas era certeza que iria ficar pensando sobre

Jungkook também ficou com uma expressão confusa e curiosa no canto próxima a cozinha, mas Jimin piscou para ele e o mais novo entendeu que estava tudo bem. Elena pegou uma garrafa de água, o que sobrou do bolo para levar ao quarto e logo os dois nos deixaram sozinhos novamente.

“Obrigada por me ouvir” falei mais controlada e sentindo um pouco de dor de cabeça, chorar muito fazia isso comigo

“Obrigada por me ouvir também” Ele disse ainda meio abalado com tudo, me deitei em seu colo e continuei contemplando a noite.

Fiquei em seu carinho por mais de uma hora, até que um pouco daquela maré de energias passasse. Por um segundo lembrei do meu ex, mas afastei a memória o mais rápido que pude. Estava com o homem mais fascinante da terra e nem mesmo as palavras daquele embuste mudariam isso.  

“Podemos ir para o quarto?” perguntei elevando o corpo

Seu rostinho ainda estava magoado pelas coisas que compartilhei e senti uma enorme urgência em guarda-lo num potinho.

“Claro!” exclamou e nos levantamos, caminhando de mãos dadas para o quarto

“Vem tomar um banho comigo” falei o puxando para o banheiro

“Preciso pegar minha mochila, está na sala” disse saindo do quarto

Comecei a tirar minhas roupas e ele voltou.

“Vou te mostrar uma coisa, mas é segredo hein!”

“Okay”

Jimin me mostrou em seu celular fotos de um gatinho muito fofo.

“Que coisinha linda!” Falei com uma voz aguda e manhosa

“É mesmo, né?” falou todo contente com o bichano “Eu gravei um vídeo com ele, fiquei a gravação toda encantado”

“Com razão!” ele passou para uma foto sua, estava todo arrumado “É do comeback?”

“Sim! O que achou?”

“Achei lindo, como sempre” beijei sua bochecha “Mas eu sou suspeita para falar” ele guardou o celular

“É mesmo!” ele piscou e tirou a camiseta

Entrei no box e debaixo do chuveiro, o vi parado na pia olhando fixamente para o espelho.

“Como você consegue ser tão bolinho?” perguntei e ele sorriu

“Sacanagem você dizer isso para mim aqui pelado, me sinto ainda mais gordo”

“Estava falando da sua fofura!” liguei o chuveirinho e joguei água nele por cima do vidro

“Não faz isso! O chão vai ficar escorregadio” ele limpou as gotas que caíram com o tapete

“Vem logo para cá!” mandei e ele se certificou que o chão estava seguro antes de obedecer

Amaciei seus cabelos loiros e ele fechou os olhos apreciando mais o gesto. Adorava dar banho nele, a pele toda sedosa era muito boa que ensaboar. Ele fez o mesmo comigo e ao terminar tentamos nos secar com a mesma toalha, bem embolados. Coloquei uma camiseta grande que tinha, como pijama, e ele colocou um que tinha trazido. Apaguei a luz e deitei ao seu lado. Entrelacei nossas mãos e comecei a beijar sua boca. Hoje de manhã tinha lembrado de outra coisa que havia ocorrido na festa. Revisitei a memória enquanto o beijava.

Jogados em uma enorme espreguiçadeira de sisal olhando para as estrelas, fiquei me perguntando se havia exterminado todas minhas chances de ficar com ele. No banheiro quando levantei a camisa dele o vi ficar um pouco incomodado com o movimento. Não sabia se ele estava ficando de saco cheio de mim e toda a loucura da noite.

“Jiminie” murmurei ele se virou para mim

“Fala Debs”

“Debs...” ri do apelido idiota que Taemin havia me dado “Você me odeia?” Ele gargalhou e eu ri um pouco na vibe com ele.

“Não boba” respondeu 

“Okay” comentei grogue, droga de bebida que não saía de mim

“Você está menos zonza?” perguntou vendo minha expressão abobalhada

“Mais ou menos”

“O que te deu para beber tanto mulher?” Enquanto ele falava, fitei seus pés, Elena dizia que eu ficava olhando muito para ele e partes do corpo dele, de forma tão descarada que logo ele perceberia

“Estava tomando coragem” murmurei lentamente

“Para que?” ele se divertia com minhas atitudes bebuns

“Para ficar com você” quando notei o que havia dito tentei remediar “Falar com você”

“Aiai...” ele virou o corpo mais na minha direção “Não precisa fazer uma besteira dessas” Sua boca era tão bonita, toda rosinha e carnuda, como um morango suculento e docinho “Eu ia falar com você de qualquer maneira” que boca... que boca... que boca... “Você se arriscou um pouco misturando aquelas coisas, vê se não faz mais isso”

Jimin lambeu os lábios e eu o fitei sentindo o desejo de fazer o mesmo. Quando subi meu olhar vi que ele percebeu minha olhada indiscreta, Elena estava certa. Mas aqueles lábios eram tão lindos e pareciam tão saborosos como... como uma torta de morango. Automaticamente voltei a fitar a boca dele com desejo ardente. 

“Minha boca ta suja?” Ele passou os dedos pelos lábios carnudos e rosados “Porque esta olhando tanto?” Ele estava me tentando não é possível. 

“Não está sujo... É que sua boca parece ter gosto de morango” Não sei o que me deu para dizer aquilo, devia ser a bebida, ele sorriu. 

“Você quer comer a minha boca?” Ele perguntou em meio a risos 

“Não, só lamber” De novo, não sei o que dava em mim para dizer aquilo. 

Vi que o olhar dele mudou em uma questão de segundos, algo que ele fazia com frequência. Toda a atmosfera era outra. 

“Você quer me beijar?” Ele perguntou 

Fiquei estática e ele se aproximou aos pouquinhos pelo móvel. Estava tão atônita e enjoada que senti que aquele não era o melhor momento para dar meu primeiro beijo nele. Tarde demais, sua boca encostou na minha e nem consegui reter minha língua que avançou faminta para o encontro da dele. Senti seus dedinhos aliciarem a palma da minha mão. Meu estômago estava embrulhado ainda, dor de cabeça e tontura estavam me deixando ainda mais incômoda.

“Não” Murmurei baixinho em meio ao beijo e ele parou

Nos olhamos por alguns instantes, mas não sei se ele entendeu o que eu quis dizer, eu o queria mais que tudo nesse mundo, mais do que já havia desejado alguém, mas estava tão mal que a lembrança seria estragada, queria que fosse perfeito.

“Não” ele repetiu ainda mais alto, colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, fez um afago e saiu

Buscando forças para tentar ficar com ele acabei estragando a chance de realizar o ato em si, se eu estivesse 100% teria agarrado seu pescoço e pulado em seu colo tentando realizar todas as fantasias e urgências que tinha guardado desde minha adolescência. Mas não... Suspirei chateada.

Aquela memória era importante, de uma maneira ou de outra, aquele foi o nosso primeiro beijo e era valioso tê-lo guardado comigo na caixinha Jimin do meu cérebro.

“Você tem mesmo gosto de morango” falei quando nos separamos e ele riu

“Você não tira isso da cabeça né?” riu e me abraçou mais perto

“Mas você tem!” falei antes dele me beijar de novo

Continuamos os carinhos, não senti aquela paixão exacerbada e desejos ardentes. No lugar disso, senti uma vontade imensa de acaricia-lo e tê-lo o mais próximo possível. O sexo foi tão carinhoso e calmo que nem parecia a gente, ele ficou dando selinhos no meu pescoço e acariciando meus cabelos depois que seu corpo caiu sobre o meu após o ápice. Quando seu membro saiu do meu interior, senti um enorme vazio, ele já parecia fazer parte de mim.

Jimin aquecia meu coração de uma maneira que nenhum outro homem já havia feito. Estava cada dia mais apaixonada por seu jeitinho e sorriso meigo. Ele fechou os olhos e fiquei o observando antes de cair no sono, aquela era a visão dos meus sonhos. Ele era a última coisa que eu via antes de dormir e a primeira que via ao acordar. Realmente valeu a pena continuar, batalhar por mais, não apenas porque estou com ele. Todas as viagens que fiz, paisagens que vi, pessoas que conheci, tudo que aconteceu em minha vida me guiou até aqui, a esse instante. Tinha orgulho da pessoa que eu era e agradecida por ter esbarrado nesse anjinho. Realmente o amanhecer antes do sol nascer é o mais escuro, porém ele sempre tem um fim... Acho que assim é a vida, repleta de madrugadas escuras e sol nascente. Tudo vem e tudo passa, só precisava aprender a lidar com isso. E eu ia, era a promessa que havia feito a mim mesma e me segurava a ela em todas as manhãs, por que a vida vale a pena ser vivida ao máximo. Apesar de acreditar em reencarnação, aquela passagem era única e nunca haveria experiência igual.