História Obsidian - O Apartamento 211

Após cinco longos passos dados sobre o piso de madeira, daquele apartamento grande demais para um homem solteiro, Jongin sentiu os pelos da nuca se eriçarem sem explicação. Aquilo não era um bom sinal para alguém supersticioso como ele, mas decidiu ignorar no momento.

A síndica do condomínio, uma velha de cabelos grisalhos presos num coque, lhe explicava sobre o funcionamento do sistema de iluminação e a separação do lixo, apontando para a tabela presa por um imã na geladeira prateada. Ele balançou a cabeça, concordando com cada coisa que ela falava. Realmente, a maneira correta de dobrar o papelão para ser descartado era importantíssima.  

“Uhm... É isso!”, juntou as mãos, o bater de palmas assustou o jovem distraído, que ainda olhava por todos os cantos do imóvel. A mulher sorriu meio estranha, com aqueles dentes amarelados, os olhos brilhantes pelo novo inquilino. Finalmente alguém ocuparia aquele apartamento há tanto tempo vazio. “Quando o jovenzinho se muda para cá?”.

Jongin colocou as mãos nos bolsos do moletom surrado, os dedos frios pelo início do inverno.

“Dentro de dois dias. Ainda tenho de empacotar algumas coi-”

“Ótimo!”, a velha bateu palmas, outra vez, interrompendo-o. Remexeu nos bolsos do vestido cinza, retirando de lá uma chave prateada. “É a chave reserva”, alisou o vestido e deu-lhe as costas, caminhando até a porta de entrada. “Seja bem-vindo”, acenou e correu o olhar rapidamente pelo apartamento antes de abrir e fechar a porta, deixando Jongin sozinho ali.

Entre suspiros pesados, o moreno correu os dedos longos entre os cabelos descoloridos e retirou, com a mão esquerda, o celular do bolso da calça jeans. O polegar deslizou sobre a tela do aparelho, ativando o teclado. O número 2 da chamada rápida foi pressionado e, exatamente após cinco toques, o atenderam.

“Okay... Que lugar é esse, Baekhyun?”, pronunciou rápido.

“Olá, Jongin, estou bem obrigado e você?”, o namorado da irmã, e colega de quarto, respondeu sarcasticamente.

“Corta essa, por favor”, grunhiu, puxando o pano branco que cobria o sofá, e se surpreendendo pelo móvel tão refinado escondido. “Quem morreu aqui?”.

“Que? Deixa de ser paranoico”, Baekhyun suspirou. “Você disse que queria algo barato e próximo do seu emprego. Não está satisfeito?”

“Eu estaria muito satisfeito, se não fosse o fato desse lugar não estar condizendo com a merreca que eu posso pagar!”, caminhou até o corredor, olhando os quartos brevemente. Dois quartos para hóspedes! “Você viu o tamanho desse lugar?!”, Jongin se apoiou na parede, tirando a franja despenteada dos olhos, sentindo a testa queimar com a ponta dos dedos.

“Vi sim. Esse é o meu trabalho. É um apartamento muito bonito. Três suítes, sala de estar, cozinha, escritor-”, repetiu pela sexta vez no dia.

“Já entendi”, o quase cunhado parecia um disco arranhado quando entrava no modo ‘Byun Baekhyun, corretor de imóveis’.

Jongin desencostou da parede, caminhando para o fim do corredor, a mão direita girou a maçaneta gelada assim que parou diante a porta de madeira. Os olhos pequenos arregalados, espantado, ao ver o tamanho do quarto principal. Era espaçoso demais. O espelho gigante cobrindo a parede do lado esquerdo, de frente para a cama de casal bem arrumada, fazia tudo parecer ainda maior.

“Ninguém morreu aí. O dono deixou o apartamento e-”, um grito alto foi ouvido do outro lado da linha, assustando até mesmo o moreno. “Depois eu te explico, okay? Aquela bruxa- A Yoona está naqueles dias que não dá pra aturar e-”

“Tá, já entendi...”, Jongin puxou a cortina, que escondia a janela que dava para uma pequena sacada, iluminando um pouco mais o ambiente. “A gente se vê em casa”, continuou, mas a ligação foi cortada bruscamente. “Esse...”, encarou a tela do celular por alguns segundos.

O silêncio que dominou todo o lugar fez com que aquele arrepio inicial retornasse. O moreno levantou o olhar do aparelho e, lentamente, observou o quarto outra vez. A sensação de não estar sozinho o deixando sufocado.

“Um mês”, falou sozinho, encarando o próprio reflexo no espelho gigante. “Um mês, e eu caio fora desse lugar”, concluiu enquanto apressava o passo para fora dali.

***

“Essa é a última caixa”, Joonmyeon bufou, sentindo os braços latejarem, assim que depositou a caixa pesada no chão. Não conseguia entender por que o amigo levava aqueles livros velhos e empoeirados para todo lado. Será que ele não sabia o que era um e-book?

Aquela já era a terceira viagem de mudança, e última, do antigo apartamento até o novo. A sala de estar estava lotada de caixas, a caligrafia torta do moreno marcando o conteúdo delas nas laterais. Jongin entrou no cômodo, arrastando uma grande mala, o rosto todo suado pelo exercício. Após encostar a porta, deixou o objeto perto da mesinha de centro e se jogou no sofá macio, respirando pesado, os olhos fechados.

“Não sei o que é pior”, a voz saiu falha e cansada. “O Baekhyun ter furado comigo, ou a porcaria do elevador ter pifado justo hoje”, resmungou, sentindo as pernas tremerem, desgastadas por subir os lances de escada o dia todo.

“Com toda a certeza, foi o elevador”, Joonmyeon comentou, um sorriso calmo no rosto. Baekhyun não cumprir o combinado era algo muito comum. “É um apê legal, não entendi porque você não gostou”, comentou, puxando uma almofada sobre o colo ao se acomodar no outro sofá.

Jongin abriu um dos olhos e espiou o amigo. Não importava o quão legal parecesse, ele não se sentia nem um pouco confortável ali. Nunca entendera o que viam de tão maravilhoso em viver num lugar grandioso demais.

“É hora de você viver coisas novas, num lugar novo”, foi despertado. Por mais que Jongin quisesse isso, sabia que nada mudaria. Nunca mudava. O problema era ele.

“Não quer dividir o aluguel comigo?”, comentou.

“Jongin...”, o amigo suspirou, esfregando as têmporas.  Ele sabia muito bem o porquê daquela pergunta. 

Por mais que Joonmyeon quisesse acreditar no moreno, e em todas as historias que ele contava, era difícil demais deixar se levar por coisas que eram facilmente explicáveis. Sabia que tinha de deixar Jongin aceitar a realidade por ele próprio. Fugir não era a solução.

“Como forma de pagamento, quero Honey Combo Chicken e pizza como janta”, Joonmyeon desconversou a oferta, tirando o celular do bolso e discando o número muito conhecido.

***

O molho de chaves cutucava as costas de Jongin, enquanto ele ainda permanecia encostado contra a superfície de madeira. Os olhos castanhos percorriam a bagunça feita pelo ‘jantar’, junto das poucas coisas que havia desempacotado enquanto comia.

“Até que não é tão mal assim”, comentou, tentando se convencer. A TV estava ligada, assim como todas as luzes possíveis naquele ambiente. Jongin gostava desse jeito, claro e visível.

Dois pequenos degraus abaixo, e caminhou para o meio da sala, revirando as almofadas do sofá. O volume do filme estava alto demais, e ele parecia sempre ouvir coisas que não queria quando isso acontecia. Quando não encontrou o objeto, abaixou na própria TV.

“Certo”, falou sozinho. “Vou levar as caixas para o lixo, e o que sobrou na geladeira”, continuou, se aproximando da cozinha americana. “Tenho de abrir as caixas com as roupas de cama e...”, pausou, após abrir a geladeira e guardar a garrafa de refrigerante junto da pizza. “Escovar os dentes”, se virou em direção ao corredor onde ficavam os quartos e banheiro.  

Ao contrário da parte social do apartamento, o corredor que levava para os quartos estava completamente às escuras. Apenas um leve contorno da porta do quarto principal era visível. Jongin engoliu em seco, de repente a pizza quatro queijos parecia querer voltar pela garganta, tamanho o nervosismo.

Dormir na sala já era o objetivo de Jongin desde o começo, mas ele não tinha pensado naquele ponto. Agora ele tentava entender como Joonmyeon tinha tido coragem de se aventurar naquela escuridão quando foi mijar.

“Amanhã”, sussurrou, dando as costas para o corredor. “Não vai ser a primeira vez que faço isso”, comentou, se abaixando, procurando pelas cobertas nas caixas empilhadas. Já tinha dormido sobre os livros da faculdade sem nem mesmo sair da cadeira da escrivaninha.

Jongin se deitou no sofá, após tirar o moletom que usara durante o dia todo, junto dos tênis. Com o edredom azulado jogado sobre o corpo magro, tentou não pensar em como um banho quente, depois de um dia cansativo como aquele, seria perfeito.

Na verdade, tentou não pensar em muitas coisas. Coisas como a vida após a faculdade e o velho 'novo' emprego insuportável, sobre ter de sair do antigo apartamento por causa disso. E, principalmente, sobre o medo de voltar a ter as mesmas perturbações do passado, como consequência daquela mudança. Por mais que tentasse ignorar, ele sabia que ficar sozinho ali, traria tudo de volta. Mas por mais que ele tentasse explicar isso, não acreditavam nele.

Ninguém acreditava quando relatava a sensação estranha de ser observado, dos sussurros antes de dormir, dos pesadelos sem fim e do quão horrível era estar preso à cama e se sentir impotente. Jongin já estava mais do que cansado de tentar convencer os amigos, e até mesmo a própria família. Eles sempre tinham uma resposta convincente, mas nunca como fazer aquilo parar.

Entretanto, apesar de todas as preocupações que giravam em sua cabeça, Jongin dormiu a primeira noite, no apartamento 211, na mais tranquila paz.