Oh Sehun andou em passos largos pelos corredores do hospital, os tênis derrapando nos azulejos brancos com cheiro forte de limpeza. Um arrepio lhe percorria a espinha a cada passo, como se estivesse cada vez mais próximo de ter câncer novamente. Mesmo que tudo de bom que houvesse ocorrido em sua vida estivesse escrito naquelas paredes, tudo de ruim que também acontecera também estava ali.
Chegou no balcão e a recepcionista ergueu os olhos. Era a mesma que o mandava voltar para a cama quando se arriscava a andar por ali durante o tratamento, mas ela não reconheceu em seu rosto sadio o rapaz de alguns anos atrás.
- Eu gostaria de falar com Soo Yujin.
- Quem gostaria?
- Oh Sehun.
Por um brevíssimo momento, os olhos da enfermeira vacilaram e ela se engasgou nas próprias palavras. Sob olhar impassivo do rapaz, a pobre pareceu ter tanta coisa a dizer sem articular nada realmente. Mas sua expressão gritava. Gritava que ela sentia muito por sua perda, uma perda horrível que o colocara de cama por quase dois meses completos. Que estava feliz por sua recuperação. Gritava por saber por que os olhos de Sehun pareciam tão tristes.
- Só um momento.
Ela levantou e o deixou sozinho. Sehun tamborilou os dedos longos da mão direita no balcão e passou a esquerda pelos cabelos loiros, quase brancos. Deu um suspiro e olhou para os lados, mas o lugar ainda era dolorosamente melancólico.
- Oh Sehun? - chamou a enfermeira chefe - É um prazer.
Ele a cumprimentou e ficou em silêncio a esperando falar. Ela deu um sorriso e lhe entregou um envelope amarelado, com aparência antiga e frágil.
- O que é isso?
- Uma carta - Yujin sorriu, como se fosse óbvio - A antiga enfermeira chefe me disse que eu deveria te entregar esse envelope quando completasse um ano, então por isso eu te liguei. Ela afirmou ser de suma importância.
Sehun virou a carta em mãos, mas ela não continha sequer um nome ou endereço. Guardou-a no bolso da calça e curvou-se elegantemente.
- Obrigado.
Yujin assentiu e voltou para onde quer que fosse necessária. Sehun saiu evitando os olhos da recepcionista. Eles gritavam demais.
Mas, antes que pudesse deixar o hospital, rumou para outro lugar. Foi no jardim, que continuava incrivelmente intocado e cheio de lembranças, que ele se permitiu abrir a carta e lê-la. Numa letra caprichada, dizia:
"Carta de Lu Han para aquele que fez todos os dias valerem a pena, Oh Sehun.
Sehun, estou escrevendo essa carta para você depois de nossa primeira vez. Você está deitado no meu colo e eu tive um trabalho tremendo em colocar suas roupas de volta porque você dormiu completamente nu. Eu estava quase pegando no sono com você quando te ouvi me chamando dormindo, um pouco desesperado... Devia ser um sonho ruim e infelizmente esse tipo de sonho às vezes se concretiza. Eu juro que queria fazer momentos como esses durarem para sempre; queria ser a pessoa que seus pais odiariam, que os outros olhariam torto na rua, que beijaria sua boca no meio de algum lugar movimentado e tudo isso porque eu te amo. Desde seu sorriso estranho - e vamos admitir, ele é estranho mesmo - até seus olhos de lua. Mas nós sabemos que nosso conto de fadas não vai durar para sempre. Dessa vez, Sehun, a princesa não vai acordar com um beijo do príncipe. Eu sei disso. E o príncipe vai ter que aprender a continuar sozinho por mais que isso doa. Se você está lendo essa carta agora é porque se passaram alguns anos depois de minha morte e eu espero que tenha lido o livro que escrevi para você e que saiba o quanto eu te amo, de uma maneira que nunca amei ninguém antes. Se eu pudesse ter um futuro em uma casa pequena, com contas para pagar e um emprego não tão bom quanto o esperado, o teria com você. Pois é você Sehun que eu quero despertar todas as manhãs e adormecer todas as noites. É você que faria cada dia valer a pena, todas as brigas terem um perdão. É com você que minha pele se arrepia por inteiro e meu ar falta nos pulmões. E é com você que meu coração acelera sem motivo e eu tenho vontade de rir para o vento. Seriamos nós dois contra o mundo. Porém a vida não é sempre do jeito que queremos e esse é o motivo de você estar lendo isso hoje. Eu sinto muito, Sehun, por ter te deixado depois de fazer nascer nosso romance e de todas as lágrimas que te causei. Saiba que me apaixonar por você foi tão inevitável e natural quanto respirar e após isso se tornou imprescindível. Espero que um dia possa se lembrar de mim com um sorriso de lua e que possa realizar todos nossos planos tão bobos por nós e por tudo que eu um dia representei. Então viva, Sehun! Viva porque a vida te deu mais uma chance... Vá para a praia, beba até enlouquecer, beije barmans no banheiro da boate, faça sexo dentro de um carro, escandalize a sociedade, pinte o cabelo de loiro, cultive amizades verdadeiras e nunca, nunca se arrependa do que fizer, pois o amanhã é imprevisível, então viva um dia de cada vez com o máximo de intensidade. Não se apegue a mim ou se preocupe comigo; eu estarei bem contanto que você também esteja. Não me arrependo de nenhum segundo que vivi, Sehun, e meus momentos com você são os melhores que eu poderia querer. Você deu sentido a minha vida e, se for para eu morrer, eu não vou me importar se souber que você vai continuar. Obrigado por ser o que fez meus dias nesse hospital valerem a pena. Seja feliz, Sehun. Eu te amo. Demais.
Do eternamente seu, Luhan."
Foi no jardim do hospital que Sehun se sentou e permitiu-se chorar como uma criança perdida.
Oh Sehun levantou-se e a cama onde estava parecia dura demais. O céu estava nublado e, em alguma parte da noite, ele se embolara de um jeito estranho nos lençóis sufocantes, deixando à mostra partes do corpo alvo que jaziam inteiramente arrepiadas de frio. Ele escovou os dentes e vestiu um moletom escuro antes de sair de casa e pegar a motocicleta pelas ruas de Seul.
Sehun não gostava de cemitérios, não por medo, não por aversão, mas simplesmente por saber que aquele era um local de dor e saudade. Estacionou alguns metros de distância e se pôs a andar sobre uma grama bem aparada e verde. Haviam muitas árvores, e era no alto de um pequeno morro que havia uma lápide de pedra escura, cujo nome entalhado delicadamente era o de Lu Han, sob um ipê que florescia em rosa no inverno, quando tudo mais estava cinza. Ele achava um lindo lugar para estar.
O tal ipê rosa já havia derrubado quase todas suas flores sobre o túmulo de Luhan. Sehun pisava com cuidado nas pequenas pétalas, tão frágeis, enquanto soltava um suspiro manhoso e quieto. Ergueu os olhos, porque ameaçava chorar, e prendeu o lábio inferior entre os dentes. Os dedos da mão direita, escondidos no bolso do moletom, roçaram de levinho sobre os dois pingentes ali pendurados, traçando o contorno da letra daquele que detinha o outro par da aliança - aliança esta que Sehun ainda usava.
- Oi Lu...
Sehun sentou-se na grama gélida, rodeado de flores róseas pálidas como costumavam ser as bochechas de Luhan e começou a ler o papel dobrado algumas vezes.
"Carta de Oh Sehun para seu único e verdadeiro amor, Lu Han.
Lu, eu não sei o que dizer. Na verdade, desde sempre, você teve essa capacidade de me deixar sem palavras e ridiculamente emotivo. A enfermeira-chefe me ligou hoje, dizendo que havia algo para mim. Bem, eu recebi seu livro assim que meu tratamento terminou e eu consegui ficar num apartamento comprado por meus pais por mais de um ano sem recaídas. Desculpe, mas eu acho que quebrei o nariz de Baekhyun. Estava sangrando bastante quando ele saiu antes que eu pudesse fazer mais alguma besteira. Eu não suportei vê-lo ali, parado com a mesma cara de sempre e o rosto tão liso quanto era há treze anos, quando eu o via no hospital perto de você, dizendo que entendia minha perda. Lu, você poderia ter me contado o que aconteceu com vocês... Eu iria entender...
Estou sendo realizado, mas não me sinto completo e sei bem o motivo. Posso ter passado na faculdade de Música, posso ter conseguido um emprego bom como professor particular infantil e posso ir ver crianças na ala de oncologia, porém tudo isso tem um gosto acre de que poderíamos ser nós a fazermos isso. Eu não sei se estou sendo feliz, porque ainda sinto um buraco dentro de mim. É estranho. Às vezes, quando estou sozinho, me vem sua imagem. É meio que repentino, surpreendente, doloroso, mas nostálgico. Eu me lembro de como gostava de quando você sorria com os olhos quase fechados e do toque da sua pele, de levinho como se você tivesse medo de me machucar. E eu me lembro dos seus olhos castanhos e do meu próprio reflexo dentro deles quando a gente ia se beijar.
E quero dizer que sinto sua falta. Há uma cicatriz dentro do meu coração e mexer nela parece fazer doer a ferida. Então eu sou um pouco masoquista, não sou? Porque não consigo parar de reviver nossas lembranças apesar de tudo. Hoje, eu consigo me lembrar delas com um sorriso meio apaixonado, porém no final lágrimas sempre insistem em cair. É quando tenho saudades que posso te ter mais perto de mim, então por isso me apego a esse sentimento com todas minhas forças, porque ele é tudo que me restou de você. Lu, eu sinto sua falta meu pequeno. Demais. E dói. Quando essa dor se torna insuportável demais, eu penso que você não gostaria de me ver sofrendo desse jeito e resolvo dar um jeito na minha vida.
E mesmo que o passado com você parece infinitamente melhor do que esse presente jamais poderá almejar ser, eu estou vivendo cada dia, uma loucura de cada vez, um sonho atrás do outro. Eu arranjei um cachorro, uns livros, um violão e uma bateria, alguns amigos pra sair e beber, um rumo novo que eu pretendo seguir. Arranjei pessoas, mas o que durou com elas pareceu tão efêmero se comparado aos oito meses que tive com você, mesmo que naquela época vivêssemos na efemeridade, cientes que tudo acabaria num piscar de olhos. Ainda não estou pronto pra colocar alguém no seu lugar, mas isso de maneira nenhuma me incomoda. No fundo, sei que não estou sozinho.
Lu, quando você entrou me enchendo o saco no hospital, eu nunca imaginei que pudesse tornar minha vida especial, dar um sentido a ela. Só tenho a agradecer por ser a pessoa que eu podia olhar todos os dias de manhã antes que você acordasse e ser aquela que ficava suspirando quando eu ia dormir. Obrigado por ser o primeiro a me tocar e tornar essa experiência a melhor que eu um dia poderia desejar ter. Obrigado por me apresentar a tudo que eu gosto, sou e faço hoje. Obrigado por me dar um livro com nossos momentos, Lu.
Obrigado por me amar, Luhan..
Daquele que você fez se sentir especial,
Oh Sehun."
E Sehun passou longas horas ali, simplesmente calado enquanto fitava a vista de tantas outras vidas perdidas ao lado de Luhan. Por fim, levantou-se, deixou a carta na grama e foi embora.
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