A primeira vez que Sehun me chamou de Lu foi sem querer. Era uma tarde quase tão ensolarada quanto os dias de um paciente com câncer tem o direito de ser. Havia poucas nuvens no céu e o Sr. Doutor tinha permitido que eu e Sehun andássemos por aí como estava virando nosso hábito. Ele andava silencioso ao meu lado, seus olhos brilhando ante o céu denunciavam que ele não estava tão aborrecido quanto deveria aparentar.
O jardim se tornara nosso ponto de paz. Sehun ansiava por ele quase tanto quanto eu. Por vezes eu o pegava olhando a porta com uma esperança pueril, com ânsias de fugir. Nós andávamos quase sem consciência de que o fazíamos em sua direção, adentrando as portas de vidro e buscando um espaço à sombra. Por vezes, nos dias em que a temperatura baixava, nos sentávamos nos bancos de concreto e ficávamos a ouvir os murmúrios das árvores, o assovio do vento, o simples som que aquele pedaço não muito grande de natureza fazia. Nos outros, nós andávamos descalços pelo tapete de folhas ou então o fazíamos de leito.
Naquele dia em especial, nos deitamos na grama bem cortada, colocando os braços atrás da cabeça para que o céu azul tomasse nossos olhos e o morno do sol se derramasse sobre nós. Ir ao jardim era uma das poucas coisas que me fazia sentir realmente bem, sem aquele gelado que me consumia de dentro para fora.
- Gosto daqui... - murmurei para o ninguém, no entanto houve resposta.
- Eu costumava vir aqui com meu irmão...
- Quantos irmãos você tem? - perguntei baixo.
- Eu tenho um irmão mais velho... Ele tem a sua idade - Sehun confessou, abrindo os braços na grama.
- Onde ele está?
- Ele foi viver a vida dele - virou-se de lado, dando as costas para mim - Não é obrigação dele cuidar de um irmão doente.
Pude perceber o desgosto em sua voz. A vida de Sehun fora de sua rotina no hospital era um completo mistério para mim. Eu nunca vira sua mãe, embora fossem frequentes as vezes que vira Sehun rejeitando as ligações dela naquele celular altamente tecnológico que ele tinha. De alguma forma, como sabia que o céu era cheio de estrelas mesmo sem vê-lo durante a noite, eu tinha a percepção de que os pais de Sehun eram ricos. Eram as roupas de marcas na sua gaveta, era aquele porte aristocrático de sangue azul que ele tinha, era talvez um brilho monárquico em seus olhos frios.
- Mas você disse que ficavam aqui juntos.
- Sim... - se remexeu, desconfortável - Isso foi quando eu fiquei internado da primeira vez. Ele devia ter uns doze anos...
Fiz as contas rapidamente e a idade que Sehun tinha na época me assustou. Creio que seria impossível descrever a bolha gelada que acariciava meus órgãos internos com a simples percepção do que Sehun tivera que passar antes que pudesse aprender a andar de bicicleta, a ler ou a ser feliz. De que ele estava lutando para ter uma vida normal - ou uma vida - desde seus sete ou oito anos. Naqueles momentos eu só queria culpar alguém por tudo que acontecia a minha volta sem que eu pudesse mudar.
Se existe um Ser Superior, ele deveria ter impedido, deveria ter cuidado de Oh Sehun. Será que ele estava tão ocupado garantindo que gananciosos fizessem fortuna ao invés de cuidar de uma criança de sete anos que teve que lutar pela vida só para ver-se perdendo a guerra ainda há pouco? Até hoje a imagem de um garoto magricela, esmirradinho, enfiado naquele maldito moletom sem cor e com fundas bolsas sob os olhos passa pela minha mente quando penso na palavra injustiça.
Injustiça é quando muitos não têm o que comer e outros se veem no direito de virar a cara para comida. Injustiça é crianças desabrigadas em frente ao portão de mansões que poderiam abrigar dezenas delas. Injustiça é uma sociedade que valoriza o sofrimento de centenas de anos atrás e fecha os olhos para o que acontece hoje. Injustiça era o que acontecia com Sehun e ter de vê-lo sofrendo era ainda mais injusto para mim.
E eu culpava o mundo. O mudo é injusto, meus amigos. Acostumem-se.
Todavia, Sehun interrompeu meus pensamentos revoltados com um suspiro pesado. O tratamento do dia anterior o tinha deixado com uma coloração esverdeada que era bem notável naquela claridade.
- Nós brigamos... - disse súbito, para meu espanto.
- O que aconteceu?
- Ele queria viver a própria vida; não ficar vivendo a minha até que eu morresse.
- Sehun, eu sinto muito...
- Ele tinha arranjado uma namorada, eu o via sempre junto com ela. Isso foi mais ou menos quando eu tive a primeira recaída e tive que voltar para o hospital. Meus pais resolveram se mudar para ficar perto de mim e poder fingir que acompanhavam meu tratamento para que os outros socialites achassem aquilo uma atitude beneficente. E meu irmão teve que desistir à força daquela garota. Então nós brigamos e ele disse isso.
Sehun se virou para mim, com uma expressão vazia. Seus olhos estavam desfoques e eu podia ver os cortes em seus lábios.
- Eu nunca contei isso para ninguém...
Dei um meio sorriso compreensivo. Pensei e repensei em todos os fatos de minha antiga vida obscura para contar a Sehun, como uma troca, já que essa parecia a coisa mais óbvia a fazer. Algo dentro de mim dizia que aquilo que ele tinha me contado deveria ser pago com um fato sobre mim, algo que eu nunca compartilhara com mais ninguém.
Fechei os olhos enquanto ouvia minha própria respiração pesada e o ruído das árvores sussurrando. As imagens de um acidente queimaram em minha retina e meu estômago deu um solavanco desagradável. Pneus derrapando no asfalto; um de meus amigos com os nós dos dedos brancos no volante tentando desviar da cerca; sangue. Eu abri a boca e minha voz saiu sem permissão.
- Quando eu tinha dezesseis anos, sofri um acidente de carro... - mais visões; meu próprio grito ecoando em meio a pingos de chuva. - Eu vi um dos meus amigos morrer do meu lado...
A mão de Sehun contra meu rosto me sobressaltou. Eu abri os olhos, porém ele já retirava os dedos da minha bochecha e me fitava com o rosto isento de emoção, os olhos um pouco fundos, a boca se fechando brevemente antes que ele resolvesse falar.
- Você está chorando.
Tomei consciência de que meus olhos ardiam e que minha voz doía para sair. A exemplo de Sehun, me deitei de barriga para cima e esperei que aquilo passasse.
- Acho que não ajuda no nosso tratamento falar sobre coisas ruins... Já que provavelmente vamos morrer, por que não falar de coisas boas? - Sehun murmurou, remexendo os pés na grama.
- Ok, diga uma coisa boa que já aconteceu com você...
- Uma vez, trouxeram um cachorro, um daqueles bem grandes com cara de bobo, para a ala de oncologia infantil e nos deixaram brincar com ele... Foi divertido.
- Gosta de cachorros?
- Só dos grandes com cara de bobo - Sehun deu um sorriso de canto para cima - E você?
Pensei por um momento. O único cachorro que eu tivera fora um cão sarnento, de orelhas caídas e focinho arranhado que frequentava os fundos da minha casa para que eu lhe desse comida, aos meus sete anos. Ele chamava Caramelo, mesmo que o pelo desgrenhado dele estivesse mais para o cinza do que para outra cor, só porque um dos garotos da minha escola tinha um cachorro de raça com esse nome. Meu Caramelo desapareceu algum tempo depois, quando meu pai o enxotou do terreno de casa, me deixando com uma choradeira de criança e uma sensação inconformada de perda.
- Gosto... Se eu pudesse, teria um monte...
- Agora me conta o seu momento feliz.
- Quando eu fiz cinco anos, meus pais me deram um daqueles carrinhos de controle remoto. Era a coisa mais linda que eu já tinha visto e eles ficaram um bom tempo sem poder exagerar nas compras para poder pagar. Quando eu abri e vi aquele carrinho, eu comecei a chorar de felicidade.
Sehun me olhava. Era como se me avaliasse com o seu olhar, tentando ver o que se passava em minha cabeça. Ou meu cérebro. Sei lá. Sei que alguma coisa em seu olhar me fez sentir acuado, tímido, bobo. E aquele silêncio que recaiu entre nós foi um pouco pesado.
- Eu tinha um monte desses carrinhos... Nunca liguei para eles - disse de súbito, atraindo minha atenção.
- Talvez você não gostasse de carrinhos - rimos juntos - Sehun, quando você esteve internado das outras vezes, você raspou o cabelo? - perguntei de volta.
O sorriso dele murchou até desaparecer e a mesma expressão eternamente pensativa tomar conta de seu rosto esverdeado. Ele levou o dedo até a franja e abrigou a mão dentro dos fios.
- Só da primeira vez... Das outras, meu cabelo ficou ralo, mas não ao ponto de raspar...
- Tenho medo de ficar com cabeça de ovo quando raspar meu cabelo... - comentei com uma pontada de dor. Realmente, ser careca era uma coisa que me assustava mais que muita coisa. Eu podia ter perdido a moto, a faculdade, um casamento, mas o restinho de vaidade ainda existia em mim e eu tinha muito orgulho das minhas mechinhas não tão bem tratadas quanto eram antes.
- Cabeça de quê? - ele se sentou, me encarando.
- De ovo...
- Você é doido - ele se pôs a rir descrente.
- Eu não quero ficar feio - comentei irritado.
- Você é feio.
Eu arregalei os olhos e meu rosto esquentou absurdamente. Tentei melhorar a expressão, porém o máximo que consegui fazer foi parecer surpreso e constrangido. Estava magro, pálido, doentio, meio verde, com olheiras maiores que meus olhos, entretanto quando sadio, eu me considerava bonito.
- Você me acha feio, Sehun? - minha voz transbordava tristeza. Senti minha boca seca.
Sehun arregalou os olhos e pareceu se arrepender do que tinha dito. Arqueou as sobrancelhas e, depois de um tempo, respondeu rispidamente.
- Que pergunta gay é essa?
Me levantei num supetão e os pontinhos brancos invadiram minha visão. Cambaleei, entretanto não havia no que ou em quem me apoiar e voltei ao chão; Sehun sentou-se e esticou a mão em minha direção.
- O que foi? Você está bem?
- Eu tenho tratamento agora...
- Vai embora?
- Vou... - me preparei para virar as costas, entretanto minha atitude infantil me surpreendeu - Você vem? - acrescentei.
- Estou com tanta preguiça de voltar... - ele murmurou, em seu timbre um toque de algo que não pude identificar - Eu disse alguma coisa?
- Eu vou sozinho - respondi.
- Não. Me espera - pediu.
- Vamos, Sehun, eu tenho tratamento - resmunguei, mesmo que meu corpo estivesse entorpecido e recusasse a se mover. As vertigens tiravam meu ar e me deixavam zonzo.
- Só mais um pouquinho, aqui me deixa feliz - ele pediu e corou ligeiramente - Não vai ter problema você atrasar uma vez. Por mim.
- Eu quero ir embora.
- Lu, me desculpa por te chamar de feio... Você é... Você é bonito.
Eu sorri para mim mesmo, com o rosto virado na direção oposta, descobrindo que era impossível ficar bravo com ele por muito tempo. Fingi que não tinha ouvido, pois Sehun sempre precisou de uma certa indulgência quanto aos seus sentimentalismos, coisas que ele achava difícil engolir. Como certa vez que encontrei uma foto dele com a mãe no celular e ele me disse que iria apagar o mais rápido possível ou então o chaveiro de lembrança de Jeju, que ele mantinha debaixo do travesseiro como recordação das épocas que ainda estava bom e fazia questão de fingir para mim que ele não existia.
- Pare de rir - ele resmungou sem paciência.
Explodi em uma gargalhada gostosa que fez minha mente anuviar-se pelo esforço enquanto a carranca de Sehun aumentava proporcionalmente. Ele dividia-se entre o me ignorar e o se esconder, já que ainda havia uma parte nele que ficava facilmente envergonhada. Além disso, ele tinha me chamado de feio e resmungado coisas sobre minha sexualidade, eu tinha todo o direito de rir dele.
- Saiu sem querer, Luhan - retrucou com uma das sobrancelhas arqueadas, como se me desafiasse a duvidar da veracidade da afirmação.
Mordi o lábio inferior e as últimas risadas que eu pretendia soltar morreram ali. Eu o fitei com aquela vontade de passar a mão em seus cabelos escuros e bagunçá-los e suspirei pesadamente.
- Eu te disse desde o começo que você podia me chamar de Lu. Eu gosto de Lu.
Ele virou o rosto na outra direção e preferi não insistir.
- Sehun, vamos? - me coloquei de joelhos, antes de conseguir levantar.
Entendi a mão para ele e o fitei em expectativa. Sehun cedeu a mão para mim com relutância e o trouxe para cima com um puxão rápido; meus dedos ficaram estampados em sua pele leitosa. Ele, porém, fingiu não ver.
- Você está bem? - perguntou de novo quando meu corpo não pareceu reagir.
- Só zonzo - constatei, com um suspiro. Sim, meus amigos, ter câncer não é fácil.
Subimos o elevador em silêncio, acompanhado de uma senhora cuja filha tinha um câncer no pulmão – Ah sim, eu já encontrara aquela mulher antes e ela me falara da filha com uma dor na voz que eu orava para nunca ouvir na de minha própria mãe. Quando as portas se abriram, protelamos alguns segundos lá dentro sem nos mover ou falar – quiçá respirar direito.
- Tchau Sehun, até daqui a pouco... - murmurei, ocultando a angústia em minha voz.
Não cabe a mim dizer sobre meu tratamento. Como mencionei, a história não possui seu foco em mim. Porém, não tenho como explicar todo meu desespero sem explicar o quanto aquela terapia experimental exigia do meu corpo já debilitado e de toda a força para não ceder à loucura. Independente de quantas vezes eu a repetia por mês, ela parecia trazer somente o efeito de me piorar. Foram muitas as veze que ânsias de vômitos me deixaram de joelhos em frente ao vaso sanitário do quarto, tentando botar o esôfago para fora, ou então, uma fraqueza que me impedia de me mover alguns milímetros da cama, me deixando em um estado de torpor privativo que só era atrapalhado por enfermeiras profissionais que não se doíam de me mover quando tudo parecia explodir em minha cabeça. Quando o destino resolvia ser bom, eu desmaiava e só acordava horas depois com a sensação de que estava um pouquinho pior do que da última vez que entrara. Sehun, que sofria tanto quanto eu, com suas náuseas frequentes e sangramentos nasais que o deixavam com uma cor horrível, sabia como o tratamento era quase tão ruim quanto à doença.
Ele me encarou com os olhos sonolentos e os lábios crispados antes que eu o deixasse no corredor. Seus dedos roçaram aos meus, gélidos e trêmulos, antes que ele declarasse em um sussurro:
_Boa sorte... Lu...
Agora vamos à parte mais importante da história. Creio eu que já poderia estar apaixonado por Sehun assim que entrei no quarto que seria nosso. Se acreditasse em destino, diria que estaria fadado a sofrer de amores por ele desde meu nascimento. Mas eu me apaixonei por ele. Foi o tempo de dois segundos, uma borboleta amarela e outra tarde ensolarada como os dias de um paciente com câncer tem o direito a ser.
Não era sempre que nos davam comida na cama. Isso, aliás, se resumia aos períodos de nosso tratamento, já que era quase impossível comer algo sólido ou liquido sem deixá-lo nas cobertas a qualquer movimento brusco. Nos dias restantes, agíamos como pacientes sem luxos e íamos comer com os outros no pequeno refeitório da ala de oncologia.
O refeitório da ala de oncologia era abafado, suas janelas de correr ficavam sempre bem fechadas e me lembrava uma prisão. Com três mesas retangulares como aquelas de escola espalhadas estrategicamente em volta de um balcão onde as cozinheiras - rechonchudas e rosadas, o que eu, particularmente, achava um insulto a nós pacientes que parecíamos projetos de zumbis - serviam uma mistura sem gosto, sem sal, sem cor que poderia ser sopa ou arroz boiando em água insossa. Era difícil vê-lo movimentado ou cheio. As crianças almoçavam em um período diferente do nosso, então vê-las também era raro para mim. Sehun, que passara oito anos saindo e entrando do setor de oncologia infantil, me disse que o número de meninos e meninas com esse problema tinha diminuído consideravelmente desde sua época, talvez porque estivessem terminando a construção de uma ala especializada em casos infantis e os transferindo para lá para enfim melhorar a atual em que estávamos internados.
Sehun costumava ter alguns períodos de melancolia profunda que eu respeitava pacientemente. O silêncio se tornava sua característica principal. Era fácil perceber o que se passava na mente dele naqueles momentos, pois eu também tinha certos lapsos. Costumava pensar na fragilidade da vida e em sua importância. Em casos mais difíceis, considerávamos tudo aquilo que teríamos que desistir. Se me pudessem deixar escolher entre morrer num repente e saber meus prazos de vida, eu ficaria com a primeira opção; assim, não teria tempo de ficar me arrependendo e lamentando. Aquela tarde estava bonita o suficiente para se tornar mais um motivo para nos apegarmos ao mundo.
Fomos juntos para o refeitório, escolhendo sempre um lugar perto da janela de nossa prisão. Não haviam muitos pacientes e o único barulho eram os talheres batendo em pratos de plástico e o ventilador chiando alto. O almoço do dia era arroz empapado e alguns legumes pálidos com carne dura. Eu olhava para minha comida com o mesmo nojo que ela parecia me olhar de volta.
- No que está pensando? - perguntei ao ver que ele brincava de espetar os legumes e os deixar no prato.
- Em nada - deu de ombros, entretanto seus olhos estavam vagos.
- Sério? - ironizei.
- Na morte - Sehun focou seus olhos cinzentos em mim e um arrepio subiu minha coluna.
Eu evitava a morte. Questões como “Para onde eu vou quando tudo acabar?” pareciam mais teológicas do que científicas e perdiam toda importância quando eu pensava se realmente valera a pena o que eu fizera até aqui. A morte era apenas um branco em minha vida, aquela última página no fim do livro que serve apenas para que você absorva a estória e sinta a nostalgia. Às vezes, eu pensava em minha mãe, em minha faculdade, num futuro amor cujos olhos cinzentos se assemelhavam demais aos de Sehun, num prelúdio do que poderia ser. Naquelas vezes, eu não queria morrer.
- Sehun, você aceitaria morrer sem lutar?
- Talvez... Não tenho nada a perder... - ele deu de ombros e desviou os olhos.
- E sua família?
- Lu, eu odeio minha família. Minha mãe sempre que vem me visitar, fica comentando coisas tão fúteis como se o resto do mundo não importasse. Para ela, tal celebridade usando drogas é mais importante do que todas as crianças morrendo na oncologia juntas. Meu pai é mais compreensivo, mas quando pode vir me visitar fica falando ao telefone o tempo inteiro e não me dá atenção. Eu não me importo com eles.
- E seu futuro?
- Não vou ter um futuro, Lu... - ele me fitou friamente - Aceite isso.
- Nem o amor? O amor seria algo que valeria a pena lutar - insisti.
- O amor não vai salvar a gente, Lu, o amor não cura câncer.
- Você está mentindo - sorri de canto, mesmo que houvesse algo gélido dentro de mim. Sehun se virou e arqueou as sobrancelhas em desafio - Você finge que não liga, mas no fundo você tem medo.
- Você não sabe... - acrescentou, frio.
- Eu sei... Quando você está no jardim, você olha tudo como se fosse a última vez e eu posso ver como você fica triste.
- Lu, você só está falando besteira. Não há nada pelo que eu queira lutar e tanto faz estar vivo. Ter ou não algo para lutar não muda o fato de que vamos morrer, entendeu?
Eu busquei suas mãos em cima da mesa. Seu corpo entregava o que sua boca não dizia. Elas estavam geladas, trêmulas, carentes de atenção e acolheram as minhas. Sehun virou os olhos e fitou um pontinho dourado que flutuava suavemente do lado de fora.
- Você quer lutar... - sussurrei.
Seu olhar se ergueu para a borboleta amarela pousada no vidro. Ele não sorria, entretanto havia algo diferente em seus olhos, algo tão melancólico quanto doce. Sua respiração diminuiu o ritmo para não assustar o par de asas reluzentes que se abria e fechava e tive a impressão de estar observando um garoto que vê o mundo pela primeira vez. Em vão seus esforços, a borboleta voou e Sehun a observou até que ela se fundisse com o horizonte, com aquele ar meio tristonho de que divaga em pensamentos.
- Eu posso te dar os motivos...
Então ele me encarou com aquele mesmo olhar e soube, pela batida acelerada de meu coração, que eu estava irremediável e perdidamente apaixonado.
Era algo pelo qual eu lutaria.
[Ele está chorando, o amor que deixei
A embarcada tristeza está fluindo
É tão difícil dar um passo
De costas pra mim
Ele fica em pé, chorando]
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