Não houve neve naquele Natal.
A manhã amanheceu incrivelmente fria e nublada e minha manta felpuda parecia se agarrar em mim de forma possessiva enquanto eu, manhoso, não queria sair daquele abraço. Acordei mais cedo do que de costume e tive que conter minha vontade de acordar Sehun, já que ele dormia serenamente em um casulo de cobertores. Eu também não sabia qual poderia ser sua reação ao meu beijo de ontem.
Às nove horas Sehun acordou com o telefone vibrando sobre seu rosto. Atendeu à mãe e resmungou poucas palavras sonolentas, coçando os olhos e bocejando sem se conter, enquanto eu o observava com um meio sorriso que não demorou a murchar. Desligou poucos segundos depois, se vestiu sem me olhar e já na porta, me disse baixo.
- Nos vemos depois, Lu...
Balbuciei algumas palavras que escorreram por meus lábios e bateram no chão sem ruído nenhum, se perdendo antes de encontrar Sehun ou mesmo fazer sentido para mim. Ele tinha simplesmente ido embora, depois de ser beijado por mim. Isso era uma afronta pessoal ao meu ego inflado da noite anterior.
Entretanto, Sehun saiu de meus pensamentos assim que minha mãe entrou. Ela trazia três embrulhos amarrotados nos braços e equilibrava precariamente um pote com quitutes em cima deles, com aquele sorriso que só as mães sabem ter, porque assim que se tornam mães elas ganham um kit mãe contendo conselhos, sutileza, magia, cheiro de comida e um sorriso especial. Eu me desfiz de meu cobertor e a ajudei a distribuir tudo para nossa festa particular de Natal.
- Você tem uma visita especial - disse minha mãe, eufórica.
Ele entrou logo em seguida e os anos pouco mudaram seu rosto de mil lembranças. A pele era de um claro reluzente e brilhante e seu cabelo escuro em delicadas ondas fazia o contraste ideal. A boca pequena reluzia com uma camada de gloss que ele sempre insistia em dizer que era natural e seus olhos puxados eram contornados de preto. Parecia um modelo usando aquelas roupas surradas, o jeans claro e a jaqueta branca que escondia as formas de seu corpo esguio mesmo que eu soubesse que eram todas de uma liquidação qualquer. Baekhyun me lançava um sorriso retangular e nostálgico.
- Baek-ah! - gritei, levantando da cama em um salto. Meu moletom escorregou alguns centímetros em meu quadril e o suéter edição de Natal desceu por meus ombros.
Em um instante, eu estava nos braços do meu melhor amigo e nos abraçávamos como se o mundo fosse acabar. Minhas mãos se agarravam ao tecido de sua jaqueta fofa e ele me puxava para perto como se precisasse se fundir a mim para que toda a saudade passasse. Eu tinha lágrimas silenciosas nas bochechas róseas de frio enquanto Baekhyun se dividia entre chorar alto e me xingar de todas as formas desconexas que conseguia lembrar.
- C-Como você...? - perguntei com os olhos embaçados.
- Sua mãe me ligou... - sorriu para ela antes de começar a secar minhas bochechas - Seu filho da puta, feliz Natal...
- Esse é a melhor surpresa que eu poderia querer - comentei divertido - Ah, Baek, eu senti tanto sua falta...
- Onde você se meteu esses anos todos, seu veado?
- E-Eu não podia continuar lá... - o olhei com a visão embaçada. Baekhyun beijou minha testa e acarinhou meu cabelo - E você?
- Eu comecei a estudar. Estou fazendo jornalismo, acredita nessa porra?
- Fico muito feliz por você! - o apertei - Você está tão bonito que acho que deveria ter te comido antes.
- Luhan! - minha mãe exclamou horrorizada, nos fazendo lembrar de sua presença ali.
Nós começamos a rir. E, se a vida possuía milhares de questões teológicas e filosóficas para responder, naquele momento ela se esqueceu de tudo isso e foi apenas feliz. Simples e incrivelmente feliz.
Eu não sei como descrever a felicidade, exceto que ela faz as bochechas doerem de tanto sorrir.
Naquela tarde fria de Natal, em um dia da semana que eu não me lembro qual, com meu suéter cheirando a naftalina escorregando por meu ombro e a ausência de neve, eu, Lu Han, fui verdadeiramente feliz.
Comemos bolinhos e biscoitos juntos, espalhando migalhas em meu cobertor felpudo que certamente causaria coceira em mim mais tarde. Meus presentes consistiram em uma camiseta colorida de minha mãe, um pingente em forma de estrela de Baekhyun, um cartão musical do Sr. Doutor e mais roupas da mamãe.
- Obrigado, Baek - eu lhe sorri.
Houve uma época, em meus catorze ou quinze anos, que eu caíra numa bad trip depois de misturar algumas substâncias. Vidro moído ou cola. Não lembro. Então, enquanto eu alucinava dentro de uma boate, Baekhyun e meu outro melhor amigo me arrastaram para fora. Chanyeol me carregou nos ombros e ficou coberto com meu vômito enquanto eu esperneava e dificultava seu serviço. Os dois passaram a noite ao meu lado, num parquinho puído e abandonado até que o sol nascesse, garantindo minha integridade física e mental. De todas as coisas ruins que me aconteceram naquela noite, eu me lembro de uma voz rouca sussurrando que meus olhos injetados brilhavam como estrelas. Baekhyun, pelo visto, também se lembrava.
Em um momento, lágrimas escorreram pelo rosto já não tão jovem de minha mãe e ela, constrangida escapou pela porta para evitar que eu visse a cena. Baekhuyn apertou minha mão quando eu ameacei chorar também.
- Ela está sofrendo demais - eu sussurrei. Meu melhor amigo se sentou à cabeceira de minha cama e me deu seu colo de abrigo, suas mãos de carinho e aquele sorriso meio quadrado como conforto.
- Você também, pelo que vejo...
- Não tanto quanto parece...
- Como?
- Já me acostumei com a ideia de não mais existir - suspirei - Mas eu não quero que as pessoas sofram quando eu me for...
- As pessoas vão sofrer. Eu vou sofrer. É injusto, sabia? Estou perdendo a segunda pessoa que mais amo em minha vida.
Eu olhei aqueles olhos puxados antes que uma lágrima dele caísse sobre minha camiseta. Baekhyun tinha olhos delineados e felinos que eu tantas vezes vira reluzir para pobres vítimas em baladas, já que ninguém resistia àquele jeito sedutor que escondia um jovem tão inseguro. Olhos que me viram chorar quando eu perdi a virgindade e que me fitaram em tantas aventuras insanas e inimagináveis em nossa adolescência onde parecíamos ser os donos do mundo. Que me miraram vermelhos em um dia particularmente ruim e que se estreitavam adoravelmente quando ele estava enciumado. Aqueles olhos que sorriram para mim em nosso primeiro encontro ao redor de uma fogueira com outros delinquentes e que me inspiraram simpatia desde o princípio. Certas coisas são assim, simples e ao mesmo tempo tão confusas. Baekhyun chegou em minha vida com um cigarro de maconha, um sorriso que eu sempre arranjava jeitos de zombar por ser meio torto e se tornou a coisa mais importante para mim. Ríamos das piadas um do outro, nós trocávamos em companhia desde pequenos crimes até confissões que pareciam conter os segredos do mundo. Éramos rapazes idiotas... Mas que droga, continuávamos sendo tão idiotas quanto antes.
E eu me arrependia de tê-lo deixado para trás, fugindo de meus próprios fantasmas quando ele devia ser tão assombrado quanto eu. Às vezes, quando estava escuro e eu me deitava sozinho, sabia como ele se sentia e desejava voltar. Agora que estávamos juntos, eu soava tão egoísta e ainda assim Baekhyun continuava com o mesmo sorriso retangular de sempre que, de um jeito ou de outro, eu apagaria de seu rosto em pouco tempo.
- Eu sinto muito - pedi perdão, começando a chorar - Queria que fosse diferente...
Baekhyun mordeu o lábio inferior e piscou muitas vezes, revirando os olhos marejados para o teto.
- Quanto tempo... Han... Você...?
- Eu não sei... Talvez quatro ou cinco meses... E aí eu vou saber se vou sair daqui ou se... Bem...
- Entendo.
- Baek, caso eu não... Você cuida dos que eu deixar? Você, mais do que ninguém, saberá o que eles irão sentir...
- Sim.
- Eu tenho mais um favor para te pedir.
- Fala...
- Eu quero escrever um livro - ele arregalou os olhos - Não um livro, é mais como um livro de recordações. Para uma pessoa.
- Uma pessoa? - aquele sorriso choroso se encheu de malícia.
- Meu companheiro de quarto. Eu gosto dele, Baek, de verdade.
- Se ele está aqui com você quer dizer que...
- Sim, ele também tem câncer. Leucemia - expliquei.
- Isso com certeza vai acabar em tragédia, você sabe né, sua vadia?
Eu sorri de canto e bati em seu ombro.
- Claro que eu sei... Mas se você conhecesse ele, Baek! - suspirei - Ele é lindo, mesmo doente e magrelo.
- Nossa, eu nunca te vi assim por ninguém. É meio gay, sabia?
- Agora você entende como ficava com o Ch... com ele - eu apertei sua bochecha delicadamente - Sehun me fascina, Baek. Ele tem tantos problemas e é tão novo que eu me sinto na obrigação de protege-lo. E ainda assim ele é tão maduro.
- Quantos anos?
- Quinze.
- E vai escrever um livro pra ele?
- S-Sim... Eu escrevi algumas coisas ontem - estiquei meu diário para ele. Baekhyun correu os olhos rapidamente e me devolveu-o - Ficou bom?
- Nunca imaginei ver um livro seu, principalmente algo profundo assim - me disse com um sorriso de moleque arteiro. Seu rosto tornou-se triste - Você falou do acidente.
Suspirei pesadamente. O acidente doía muito mais nele do que em mim e eu não podia imaginar como ele se sentia me vendo tocar no assunto tão superficialmente daquela maneira. Queria pedir desculpas, entretanto não havia o que se perdoar. Queria poder apagar, mas o passado não se muda. E cuidar dele, porém meu futuro já era escrito.
- Eu sinto falta dele, Baek. E a sua também. Espero que entenda meus motivos para ir embora.
- Eu entendo - ele virou o rosto - Se pudesse, também iria querer distância daquela cidade. Sabe do que eu me lembro?
Ele não esperou resposta. Agora suas lágrimas pareciam muito mais dolorosas, aquelas gotas brilhantes que marcavam seu rosto bonito e pingavam ao meu lado como uma chuva de tristeza.
- Eu me lembro de como ele sorria. Aquele sorriso torto e meu Deus, como ele era escroto rindo. Aquele maldito filho da puta...
- Sempre acabava fazendo barulho quando não era pra fazer - comentei, rindo baixinho.
- Ele ficava bêbado muito fácil e se achava o machão - Baekhyun mordeu o lábio inferior - Se não começava a dar em cima de todo mundo, ele arranjava briga.
- Como se você não desse em cima de todo mundo, né? - zombei.
- Eu me divertia - deu de ombros, mesmo que seu sorriso o entregasse - Você, pelo que eu me lembro também não era a pessoa mais casta do nosso grupo. Você gostava de pegar os barmans no banheiro da boate.
- Nos divertíamos - corrigi-o.
- Eu me lembro de você com aquele veado enrustido do Jongdae, quando vocês resolveram serem as bichas mais abusadas do mundo...
- Vocês já transou no ônibus da escola, cara - eu relembrei, batendo em seu ombro.
- Até começar a namorar. Então, eu transei no ônibus da escola com o meu namorado.
- Cha... Ele sempre foi afim de você, te seguia como um cachorrinho.
- Ele era bom - me sorriu.
Reviver antigas memórias é uma das melhores coisas da vida. É como fazer de novo aquela situação que talvez por algum motivo qualquer ficou impressa em seu cérebro. Minha coleção de memórias era extensa e se perdia de vista em prateleiras confusas e mal organizadas e minha diversão era olhá-las com precisão e uma expressão sonhadora. Sempre era triste quando uma lembrança se tornava difusa ou sumia por mais que eu forçasse o cérebro. Eu sonhava em um dia poder envelhecer e me sentar em uma varanda pequena, somente polindo e organizando minhas lembranças com aquela sensação de nostalgia e o morno no peito que todo bom momento de felicidade traz.
A porta abriu quando eu e Baekhyun conversávamos sobre o futuro que eu gostaria de ter e sobre como sempre ele tinha um ponto em comum, independente de todas as variáveis: Sehun. Mencionado o diabo, ele entrou com aquele rosto tão expressivo de árvore e lançou um olhar para eu e meu melhor amigo dividindo o colchão. Tinha um relógio dourado no pulso que parecia largo demais e não demorou a descartá-lo como se não significasse muita coisa. Parecia, se é que era possível, mais irritado do que quando saíra.
- Quem é esse? - Sehun perguntou com expressão vazia.
- Sehun, esse é o Baekhyun! - exclamei animado - Baekkie, esse é o Sehun, meu companheiro de quarto!
Baekhyun olhou para mim por míseros segundos significativos, com aquele jeito que expressava muita coisa.
- Oi Sehun! - acenou animadamente.
Infelizmente, meu companheiro parecia o único imune àquelas presinhas afiladas que dobravam o mundo aos desejos do meu amigo. Ele virou-se de costas se deixou cair na cama, jogando algo no celular que eu não podia identificar, sem dedicar olhares e muito menos palavras para nós dois.
- Eu acho melhor eu ir, você deve estar cansado - Baekhyun me desabrigou e se afastou de mim, me dando um beijo na testa.
- Baek, você volta depois?
- Claro, não vai se livrar tão fácil de mim, seu filho da puta - ele me sorriu e ajeitou a jaqueta branca no corpo - Até mais, Lu.
- Até.
Ele me deixou sozinho e eu apertei as mãos sobre o colo, relanceando os olhos para meu companheiro de quarto.
Você sempre vai achar o silêncio mais incômodo quando quer falar alguma coisa. Eu estava detestando aquele silêncio cheio de bipes do hospital, tentando fazer minha voz sair para chamar Sehun. Parecia tão fácil, mas a expressão dele não dava chances à verbalização e eu simplesmente engasgava antes de fazer as cordas vocais emitirem som. Num ímpeto meio idiota de coragem - ímpetos de coragem são sempre idiotas e acabam em situações desagradáveis - eu o chamei.
- O que foi? - ele resmungou com os olhos no celular.
- Você tá com fome? - perguntei, relembrando que ainda tinham alguns biscoitos no pote de tampa laranja ao lado da minha cama.
- Não.
Silêncio.
- Sehun?
- O que foi, Luhan? - ele me fitou com os olhos faiscando.
- Seu presente - eu vasculhei no meio das cobertas e o chamei para perto.
- O que?
- Eu pedi pra comprar pra você - entreguei o embrulho para Sehun.
- Obrigado - ele o pegou e desfez o laço.
- Gostou?
Era a primeira vez que eu via o presente que minha mãe comprara e por sorte era muito semelhante ao que eu tinha descrito. Uma pulseira discreta, em um prata polido que contrastaria com aquela pele branca e um pingente igualmente discreto e delicado em formato de lua minguante, porque de alguma forma as luas minguantes me lembravam os olhos de Sehun quando ele sorria. Ele pegou, revirou uma, duas vezes na mão e estendeu o pulso com cicatrizes para mim. Eu segurei em sua mão e abotoei o fecho sem dificuldade. Sorri para ele, mas seu olhar estava longe de mim.
- Por que uma lua?
- Seus olhos parecem luas quando você sorri - disse sem nenhuma vergonha.
- O seu presente está embaixo da sua cama... - voltou para sua cama, dando de ombros - Eu não sabia que você ia me dar uma pulseira ou teria comprado algo mais criativo.
Eu virei a cabeça para baixo e vi um embrulhinho quadrado em papel vermelho bem debaixo de onde minha cabeça repousava a noite - quando eu não me mexia e acordava em posições estranhas. O peguei com dificuldade e assim que sentei na cama, notei teias de aranha em meu cabelo; Sehun as viu e revirou os olhos com os lábios crispados.
Sehun me dera uma pulseira, semelhante a que eu lhe dera. A correntinha dourada se destacava quase obscenamente contra minha tez macilenta e meio azulada, como um ponto de luz em um ser destinado ao cinza. Ela era mais fina, delicada e ligeiramente feminina. Minha inicial estava pendurada em um lado, caída e reluzindo para mim. Com um bolo no estômago, tive a sensação de que aquilo era mais caro do que eu podia imaginar, deixando o meu presente meio insignificante.
- Obrigado - murmurei, fechando-a em torno do meu pulso sozinho já que Sehun não parecia tão disposto a me ajudar.
- Não é nada...
- Você está estranho... - eu mencionei casualmente.
- Não estou...
- Como foi o dia hoje? - desconversei.
- Normal - Sehun puxou a camiseta e a jogou no chão, de costas para mim - Mamãe voltou da Europa para ver o filhinho doente dela.
- Está irritado só por causa disso?
- Não...
- Foi porque eu te beijei? - perguntei enquanto ele colocava o moletom.
- Acho que você não beija tão mal assim - ele resmungou.
- Então foi por causa disso?
- Esquece isso, Luhan!
- É por causa do Baek?
- Baek?! - ele repetiu, com ironia.
- É ciúmes? - eu me levantei e apertei as mãos em frente ao colo - Sehun?
- É, talvez seja - murmurou para mim, antes de se aproximar em passos rápidos e me beijar.
Sehun tremia e eu pude perceber que suas mãos prendendo meu rosto eram incertas. Ele fazia aquilo por impulso, embora seus motivos não estivessem claros para mim. Sua boca pressionava a minha afoita, imóvel, entreaberta com suas golfadas de ar pesadas. Eu o afastei de mim com delicadeza e segurei em seus pulsos, mantendo-o próximo a mim e erguendo seu rosto para fitar o meu.
- O que você fez comigo? - seu tom de voz indicava que ele estava frustrado com a situação. Sem minha resposta, continuou - Eu fiquei o dia todo pensando naquele beijo... Você está me deixando louco! - apertou meus ombros com força.
- O que?
- Eu não consigo parar de pensar na sua boca, no seu cheiro, na sua pele - Sehun deixava o olhar se perder em mim - Hoje eu não conseguia me concentrar sem que você viesse me enlouquecer.
Ele passou as mãos por meu quadril e nos deixou tentadoramente próximos. Sua testa quase colada a minha tinha um vinco fundo e seus lábios estavam crispados em intolerância.
- Sehun... - murmurei confuso - Desculpa, eu não deveria ter te beijado. Isso não fez bem para você...
Eu conhecia os hormônios adolescentes e sabia como um beijo é capaz de causar uma confusão mental. Principalmente quando você recebe esse beijo de alguém do mesmo sexo em uma sociedade onde amor é considerado válido somente com aqueles que amam gêneros diferentes.
- Não - ele sussurrou - Eu quero te beijar de novo... Mas é tão errado...
- Ahn?
- Eu disse que passei o dia metade do dia pensando que não deveria ter te beijado e a outra metade pensando em te beijar de novo. Mesmo sendo errado.
- Por que tem que ser errado, Sehun? - eu perguntei - Não parece errado para mim.
- Somos homens.
- Sehun, eu gosto de você.
Houve silêncio.
De mansinho, nos beijamos.
Sehun acariciou meu pescoço e embrenhou carinhosamente os dedos por minha nuca enquanto aquele olhar manso e sonolento piscava como asas de borboleta e se tornava sereno quase como se ele estivesse pegando no sono. Nossos lábios se roçaram entreabertos e ansiosos enquanto eu o puxava para perto com minha mão em seu quadril e a outra em sua bochecha, inclinando seu rosto para o lado assim que meu próprio o fez. E, de olhos fechados com o coração batendo forte, eu envolvi sua boca com a minha porque ambas se encaixavam perfeitamente.
Nos beijamos de mansinho.
E os olhos dele se abriram minimamente para mim porque nenhum de nós dois queria cair numa realidade inóspita e abrir os olhos era o jeito mais rápido para isso. Então eu mudei as mãos de lugar e brinquei entre o beijo, já que no fundo eu era uma gato manhoso prestes a ronronar com a pele dele sob a minha. Nossos pés tropeçaram um no outro em nossa dança meio torpe até encontrar a beirada da cama dele e subirmos por ela. Sehun me abrigou em seu colo sem ter consciência de que o fazia. Acho que nós dois estávamos sem consciência do que fazíamos naquele momento infinito. Ele tremelicou em meus braços, talvez ansioso, talvez temeroso, quando rocei minha língua em seus dentes retos que nunca se exibiam, entretanto me deixou explorá-lo com asseio. Percebi sua inexperiência quando ele delicadamente se afastou com as mãos em meus ombros. Confesso que nem eu mesmo sabia o que fazer no momento em que ele me olhou. Faltavam palavras, gestos, um manual de como agir. Beijar nunca parecera tão sentimental como com Sehun parecia. Eu perdera os pensamentos e enquanto seus olhos se abriram para mim, só havia um vazio silencioso que me fazia apenas fitá-lo com adoração.
Acho que será impossível descrever em palavras aquilo, entretanto não há nada mais bonito no mundo do que, após um beijo, alguém abrir os olhos para você. Mesmo com todas as borboletas no estômago e a perspectiva de levar um soco, eu via agora como meu companheiro de quarto era perfeito, com as pequenas dobrinhas nos cantos dos olhos e os cílios castanhos discretos, me fitando com aquelas íris cinzentas que tinham meu próprio reflexo assustado enquanto nossas respirações se mesclavam alteradas e nossos corpos sobrepostos faziam abrigo um ao outro.
Então, quando eu imaginei milhares de possibilidades para acontecer em seguida, Sehun me sorriu com as bochechas coradas e sussurrou.
- Feliz Natal, Lu.
E eu não precisava mais do que isso. Não precisava de sua declaração de amor eterno porque nosso eterno não duraria; não queria sequer que ele me prometesse amor para todo o sempre independente de onde eu estaria amanhã. Eu não precisava mais do que suas mãos acariciando meu rosto e de seu olhar manso, quase sensual e de sua boca se entreabrindo para um último beijo antes que nos separássemos sem mais nada a declarar um para o outro e dormíssemos com sorrisos bobos em nossas respectivas camas para na manhã seguinte termos que conversar todas as palavras não ditas no agora.
Não era errado.
Era amor.
[Tenho medo de viver com os olhos abertos
Porque sei que se te procuro não vou te ver
Parece melhor adormecer exausto agora
Depois de te esperar]
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