História Olhos de Medusa - II - Convívio

De certo que o aquilo que aconteceu naquela noite foi inesperado, só não mais do que as coisas que vieram a acontecer nos dias seguintes. Chanyeol, o rapaz cego, vinha lhe visitar em sua loja todos os dias.

De começo Baekhyun o tratava da mesma forma impaciente de sempre, e a qual havia se acostumado durante todos aqueles anos. Chanyeol apenas sorria e continuava conversando consigo como se não tivesse recebido uma patada como resposta todas as vezes.

— O movimento por aqui é bem fraco, não acha? — questionou animado numa das primeiras vezes. As mãos ágeis apalpando uma das inúmeras estátuas espalhadas pela loja. Baekhyun o encarou entediado, questionando-se quando aquele esquisitão cegueta se mandaria dali.

— É. — curto e grosso, não deixando escapar o quão insatisfeito estava com a presença do maior ali.

— Talvez se colocássemos alguns arranjos na entrada, se torne mais convidativo, não acha? — mas Chanyeol continuava falando como se nada tivesse acontecido. Baekhyun emudeceu, mas o maior sabia que ele estava ali pelo som de sua respiração. — Eu encomendei alguns para a fachada da livraria. Acho que meu avô ficaria feliz se pudesse ver. — o grandão divagou, e aquilo atraiu a atenção do loiro, que escondia suas  serpentes com os fios comuns. Lembrava-se vagamente do senhor que tomava conta do estabelecimento, ele sumiu pouco depois de Baekhyun se mudar para aquele local, e não tinha feito muita questão de saber sobre o paradeiro do senhor. Não esperava que ele tivesse falecido.

— É… ficaria sim. — seu tom foi mais amigável, e isso tirou um sorriso do tamanho do mundo de Chanyeol.

O maior tagarelou a tarde toda naquele dia.

E no seguinte, e no depois, e no outro dia, e no dia depois daquele.

Chanyeol veio todos os dias da semana, e no fim de semana também. Quando Baekhyun deu por si, já fazia quase um mês que o rapaz cego aparecia em sua loja cheio de histórias para contar.

O menor ficou irritado no início, tentando encarar os olhos sem vida fixamente na esperança de conseguir petrificar o cegueta tagarela, porém, todas as vezes que tentou falhou miseravelmente.

E ainda bem que falhou.

O rapaz, na verdade, homem adulto com seus quase 30 anos, havia se tornado uma companhia agradável. Agora, quando Baekhyun ouvia o sininho atrelado à porta, abria um sorriso discreto — mesmo que o outro jamais pudesse ver — e lhe saudava com um tantinho de alegria.

— Olá, Chanyeol.

— Oi, Baekhyun. Você não vai acreditar no que eu ouvi na tevê ontem!

E assim se iniciava mais uma das conversas intermináveis do cego, as quais o loiro passou a escutar atentamente, sempre rindo quando achava algo engraçado, ou incentivando-o a terminar o relato quando fazia algum suspense bobo.

Até poderia negar e dizer que não, mas Baekhyun esperava todos os dias para que o maior viesse até si e enchesse aquela loja fria com seu calor e risadas.

Quando se fazia tarde, o maior se despedia e seguia para fora, parando na calçada antes de atravessar e ouvindo o som da rua antes de andar a passos firmes e seguros até o outro lado. Olhando assim, ele não parecia cego, se excluir a bengala.

Às vez Baekhyun se pegava pensando se ele nascera cego ou se acabou nessa condição por conta de algum acidente. Parecia impossível algo ruim ter acontecido com Chanyeol, porque ele sempre iluminava o caminho por onde passava, nunca dando indício de que alguma desgraça tivesse ocorrido em sua vida.

— Chanyeol, o que acha de tomar café comigo hoje? — perguntou num dia qualquer, sentindo o coração dar alguns solavancos dentro do peito quando o outro assentiu e sorriu em sua direção.

Ali Baekhyun descobriu a paixão pelo líquido escuro do maior, assim como seu apetite para doces. Sorte a dele que o loiro havia preparado biscoitos amanteigados com gotas de chocolate mais cedo.

Conversa vai, conversa vem, os biscoitos acabaram e o conteúdo das xícaras também.

Chanyeol estava quase se preparando para ir, quando pegou Baekhyun totalmente de surpresa ao realizar aquele pedido.

— Posso ver seu rosto?

Ele não soube o que responder, e Chanyeol soube que ele estava nervoso por conta de sua respiração desregulada. Foi um pedido deveras repentino.

O maior apertou os jeans nos joelhos, sentindo-se completamente sem jeito por conta da falta de resposta. Preferia  ter ouvido um não em alto e bom som, afinal sua audição funcionava perfeitamente — assim como seus demais sentidos. Era em momentos como aquele que odiava sua condição de cego, porque não saber como Baekhyun lhe encarava era doloroso demais.

Decidiu levantar, ir para casa. Deixaria aquilo de lado, como se nunca tivesse acontecido. No outro dia agiria normalmente e jamais voltaria a tocar naquele assunto. Mas, impedindo o maior de correr para longe, Baekhyun tomou cada uma de suas grandes mãos, levando-as até seu rosto.

Chanyeol não soube como respirar naquele momento.

A maciez da mão do mais velho era inesquecível, assim como a de seu rosto. Com maestria, Chanyeol tocou delicadamente todos os traços. Desde o caminho das sobrancelhas, a profundidade pequena dos olhos, a suavidade dos cílios, até o contorno da boca macia. Os polegares esfregaram o local de leve, para logo em seguida pousá-los sobre as bochechas gordinhas; poderia jurar que elas estavam mornas.

— Obrigado. — foi tudo o que respondeu antes de se afastar respeitosamente.

Baekhyun sentiu seu coração se iluminar porque Chanyeol sorria bonito, de forma genuína. E isso é algo que o mais velho jamais irá esquecer.