Chego em casa e começo os preparativos. Como está frio opto por não colocar o vinho na geladeira. Ligo o forno e vou lavando os legumes. Começo a cortar o tomate, depois a abobrinha, cebola e confesso que tenho uma certa dificuldade em cortar a berinjela. Porque ô negocinho que tem bichos! E olha que eu já vi de tudo sendo médica, mas bichos vivos em lugares me dá um, certo, ranço sempre. Afinal, todos temos limites!
Depois de vencer a batalha contra a berinjela, refogo alho, cebola e ervas finas para receber o molho de tomate. Deixo o molho ferver um pouco antes de colocar ele no refratário e seguir com os legumes cortadinhas e intercalados. Enfio tudo no forno e espero o tempo certo.
Enquanto espero, mando mensagem para o síndico para ver se ele pode consertar o meu aquecedor. Ele não demora muito para aparecer, o que é bom, porque está ficando cada vez mais frio.
— Bom dia Senhorita Remy, posso dar uma olhada na belezinha do aquecedor? — Diz ele sorridente
— Bom dia Senhor Parker, fique à vontade — Digo mostrando onde fica. Ele analisa a coisa. Abre o aquecedor, coça a fina barba já branca, respira e fala:
— A ventoinha está suja impedindo que libere o gás para fora, vou dar uma limpadinha e vai voltar a aquecer tudo perfeitamente! Só vai levar uns minutinhos... — Ele abre a maleta de ferramentas e começa a limpar a tal ventoinha.
No meio do processo eu tiro o almoço do forno. E o ponho em cima do fogão.
— Pronto Remy. Está tudo certo. Toda vez que perceber essa luz do código meia um acesa, me chama que está na hora da manutenção okay? — Me alerta limpando as mãos, ele pega sua maleta e segue para a porta — E sobre sua campainha, vai ter que trocar tudo.
— Obrigada Parker! — Digo abrindo a porta para ele.
Não demora muito Amber chega, com uma carinha abatida. Pálida e assustada. Logo ajudo ela a tirar seu casaco e ela me abraça. Apertado, sem dizer uma palavra, como se a vida dela dependesse desse ato. Treme e chora no meu colo. Eu apenas afago os seus cabelos dourados para tentar acalma-la. Ela respira fundo e me encara.
— Quer conversar? — Pergunto conduzindo ela para a cozinha.
— Que cheiro bom. O que andou aprontando? — Diz Amber se sentando na bancada enquanto eu a sirvo uma taça de vinho. Quando vou servir para mim, ela coloca a mão no copo e eu me lembro da quantidade estúpida de remédios que estou tomando. Da até uma dor no coração, mas pelo menos espero agradar minha nova amiga.
— Ratatouille — Digo pegando as coisas para já servir o almoço.
— Parece gostoso... — Responde ela meio desanimada. Sento-me ao lado dela e apoio gentilmente a cabeça dela no meu ombro e espero ela ter coragem de desabafar.
— Dia ruim? — Pergunto para encorajar ela a começar a falar.
— Voltar àquele apartamento me deixa mal, me senti sufocada de novo que nem ontem. Mas eu tive que ir lá. Alguém tinha que limpar a bagunça. — Inicia ela explodindo em choro novamente. Pego sua mão e fico fazendo carinho com o dedão. — Ainda bem que a minha vizinha Janete se propôs a ajeitar as coisas. Ela é um anjo.
— Ela é sim... — Digo suave
— Eu vou alugar outro apartamento, não posso te incomodar para sempre. — Diz ela direcionando seus olhos para os meus. Está uma mistura lamentável de roxo, vermelho e azul que me deixa um pouco triste, mas não posso demonstrar, tenho que ser forte por ela.
— Amber você não está me incomodando, muito pelo contrário, está me ajudando muito. Fique o tempo que achar necessário. — Digo. Por que a quero tão perto? Que sensação é essa, que adquiri em pouquíssimo tempo?
A loira continua me encarando, da um sorriso genuíno e me beija a testa, me fazendo estremecer. Meu estômago formiga e meu peito se enche e felicidade, de uma sensação gostosa. A mesma que tive horas atrás quando acordei. Eu poderia ficar presa para sempre nesta parte da manhã só pelo prazer, pela companhia e pela comida.
— Quer saber uma coisa engraçada? — Pergunto me servindo da comida.
— Claro, manda ver! — Diz ela bebericando o vinho e depois colocando um punhado
— Eu vi o Peter hoje. Mas antes de ficar bravinha, ele estava acompanhado de uma garota muito bonita. Você acredita que aquele safado tinha namorada? — Digo indignada e enfiando a comida na boca. Amber para se servir, olha para minha cara e solta uma gargalhada que me deixa confusa. — Eu ainda nem cheguei na parte engraçada...
— Eu já imaginava! Senti no ar que aquele cara não prestava, fora que ele tinha um anel muito suspeito no dedo... — Diz ela ainda rindo. Eu não reparei no anel, eu fui tola! — Mas diga, qual a parte engraçada?
— Então quando eu estava voltando da loja onde comprei o vinho, eles estavam no mesmo lugar que eu tinha os visto antes, mas acho que ela descobriu que ele não prestava, pois a menina deu-lhe um tapão, bem merecido, na cara! — Digo, respiro tentando não rir da cena que eu acabara de lembrar, mas é ineficaz. Começo a rir, fazendo Amber rir mais.
— Bem feito, otário! — Diz ela limpando as lágrimas, mas era de tanto rir desta vez.
— Como está a comida? — Pergunto ao notar que não tinha nem uma gota de molho no prato.
— Está ótima! Você até que cozinha muito bem Senhorita Hadley — Diz ela de uma forma zombadeira. — E esse é um dos melhores vinhos que já tomei!
— Meus pais tinham um ótimo gosto para vinhos, acabei herdando. Eu acho... — Digo fazendo uma cara de “sabe tudo”
— Seu pai ainda é vivo? — Pergunta ela se debruçando sobre a bancada. Eu mordo os lábios, pois esse assunto é meio complicado.
— Sim, ele tem outra família agora. Não o culpo, só não tem mais necessidade dele cuidar de mim, ou eu de manter contato... — Respondo e ela apenas acena com a cabeça — E seus pais onde estão?
— Atualmente moram na Polônia... — Diz ela se levantando e começando a retirar a louça.
— Ah então você é mesmo uma polaca? — Digo colocando as mãos na cintura e erguendo uma sobrancelha de um jeito divertido
— Sou sim, mas nasci aqui. Meu pai é americano e minha mãe é polaca — Diz ela rindo um pouco.
— Foreman e Chase me devem trinta pratas cada um agora. Dificilmente eu erro — Digo convencida. E ela ri mais. — Difícil você acertar de onde eu vim...
— Daqui? — Pergunta ela ensaboando um prato.
— Não está errada... Mas uma boa parte da minha família é da Irlanda. — Digo tirando as outras coisas da bancada e levando para a pia.
— Eu nunca iria imaginar — Responde Amber sorrindo e me respingando água.
Molhamos a cozinha inteira para lavar alguns pratos. Mas até que foi divertido, menos a parte de ter que enxugar tudo. Depois de arrumar os tudo, fomos assistir tv, nada em especial, apenas uma companhia a mais para as nossas conversas sobre um pouco de tudo.
Até que é bom conhecer melhor as pessoas, eu acho que eu nunca fiz isso por medo da minha doença. Tanto medo que eu perdi quase a minha vida toda me limitando, mas agora vai ser diferente. Mesmo que eu tenha que partir, eu preciso viver. E eu acredito que achei a maneira certa de viver. Só não sei como.
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