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História Onde os girassóis - Tocam o teu rosto


Escrita por: softhyuk

Notas do Autor


o que resultou depois de folhear uma enciclopédia sobre o japão durante o meu estágio de verão de 2019

Capítulo 1 - Tocam o teu rosto


Fanfic / Fanfiction Onde os girassóis - Tocam o teu rosto

 

 

 

1983 1993

Quando Wooyoung era pequeno gostava de passar os verões em casa dos avós paternos, na pequena ilha plantada em meio ao oceano e que subsistia à base da pesca e dos turistas que a visitavam nos meses de maior calor.

  Era uma casinha pequena com paredes irregulares e portadas verdes. Wooyoung tinha o seu próprio quarto, cuja janela dava para as traseiras: um jardinzinho de relva bem aparada com uma bonita mesa de duas cadeiras maltratadas pela ação erosiva do sol e da areia que se abrigava sob a sombra de uma laranjeira carregada. Para lá da cerca de madeira branca estendia-se o vasto mar que se perdia no azul infinito do céu sem nuvens. Algumas gaivotas sobrevoavam a casa, enquanto a maioria permanecia em bando na costa. Através da janela, Wooyoung via os pescadores regressar de manhã à praia, espraiando as redes de pesca cheias de peixe.

Perto da casa dos avós vivia San, um garotinho pequeno e magrela que falava pelos cotovelos e tinha tanta energia que parecia que nunca se esgotava. Vivia na casa dos avós: uma casinha pequena construída à beira da estrada com uma fachada branca e uma barra azul já desbotada. San era simpático e portador de um sorriso travesso que denunciava andar sempre metido em encrenca. A avó costumava puxar-lhe as orelhas a cada queixa das vizinhas — ora porque andava a roubar laranjas e cerejas dos jardins, ora porque atirava pedras às galinhas que, muito tranquilas, se passeavam nos galinheiros. E quando a avó o castigava, o menino punha-se a gritar e a espernear como se lhe estivessem a dar uma valente sova. A velhota acabava por deixá-lo ir, não fossem as vizinhas voltar a fazer queixa — daquela vez por conta do berreiro. 

E foi numa dessas tardes tórridas de verão que os dois se encontraram pela primeira vez.

  San só parou de correr quando os pés descalços alcançaram a areia da praia, depois de se ter entretido a chutar garrafas de vidro prontas para engarrafar vinho caseiro e que secavam à porta da senhora Lee. A velhota, mal deu pelas garrafas estilhaçadas, os pedaços de vidro reluzentes sob a luz quente do sol, saiu de casa com a vassoura em punho e pronta para desferir umas boas açoitadas no traseiro do diabrete.

  Sentou-se sobre uma duna e mirou o mar — azul profundo, com a sua imensidão, devorava a areia com o rebentar das ondas. Algumas algas verdes escorregadias fixavam-se na areia molhada, trazidas com a força da água. O sol quente exibia-se esplêndido no alto do céu, queimando a pele bronzeada dos ombros desnudos e do rosto; a t-shirt colada ao torso com suor e os cabelos escuros escorridos caiam-lhe húmidos sobre a testa. Só do mar provinha uma brisa fresca com cheiro a peixe e a sal — aquele cheiro que parecia impregnado na pele enrugada e nos cabelos brancos do avô, que costumava sair de madrugada para o alto mar.

  Chutou a areia, levantando uma nuvem seca de poeira. Estava aborrecido porque não tinha ninguém com quem brincar. As outras crianças tinham-no banido das suas brincadeiras, já que ele se entusiasmava demais e acabava, inevitavelmente, por lhes estragar a diversão. Quando a discussão ficava acirrada vinham os velhos esbravejar à janela em ameaças de lhes "chegar a roupa ao pelo" se aquele chinfrim persistisse por muito mais tempo.

“Não queremos mais brincar contigo!”, disse o mais velho dos meninos, e os outros concordaram. Quando voltaram costas deixaram San para trás, que ficou a brincar sozinho perto do edifício do mercado. Triste, pensou no que poderia fazer para se distrair sozinho, já que os outros haviam ficaram com tudo. Eles tinham uma casa na árvore, uma equipa de futebol, um forte e um navio pirata feito com barris e caixas de madeira onde se guardava o peixe ou as frutas e verduras no mercado. E San havia sido proibido de se aproximar das suas brincadeiras, ficando entregue a si próprio e à sua imaginação. Passava os dias a correr descalço de um lado para o outro, via as gaivotas voar perto da costa, os barquinhos dos pescadores, os turistas com máquinas fotográficas penduradas ao pescoço; escondia-se no campo de girassóis, saltava à corda e desenhava com lápis de cor, deitado no alpendre de casa, sob a sombra do telheiro. Inevitavelmente acabava por se aborrecer de andar sozinho de um lado para o outro. A avó bem o ouvia suspirar e, com tanta energia e sem sabem saber onde a gastar, inclinava-se para as diabruras — e depois era mais um puxão de orelhas.

  Naquela tarde ensolarada, em meados do mês de agosto, enquanto desenhava rabiscos com um graveto sobre a areia molhada, algo lhe chamou a atenção: um rapazinho olhava tímido na sua direção, sentado no cimo de uma duna. Vestia calções de ganga e uma t-shirt colorida, os pés descalços estavam enterrados na areia quente, os cabelos negros despenteados pelo vento litoral e o rosto salpicado de areia. De longe, via San desenhar na areia com um graveto — havia uma casa, uma nuvem e alguns girassóis.

O rapaz não era dali. San conhecia todos os meninos.

  Cansado de estar sozinho viu uma oportunidade naquele par de olhos grandes fixados em si. Soltou o graveto e foi ao seu encontro. Wooyoung levantou-se assim que San parou à sua frente, vendo-o afastar os cabelos da frente dos olhos com a ponta dos dedos pequeninos. Esboçou um sorriso travesso.

  “Queres brincar comigo?”

E Wooyoung seguiu atrás de San, correndo duna abaixo enquanto levantava um rasto de areia com os pés. San contou-lhe que o avô era pescador e que certa vez o levara num passeio no velho barco de pesca, disse que a avó sofria de dores nas costas quando chovia, que havia um gato cego de um olho na ilha a quem ele costumava alimentar e que tinha uma enorme coleção de autocolantes que vinham de brinde nos pacotes de batatas fritas. Wooyoung ouvia tudo em silêncio, também ele com um graveto na mão. Os dois completavam o desenho na areia.

Wooyoung vivia em Busan. Acostumado à correria e luzes da cidade descobriu gostar de visitar os avós na pacata ilha. Ali cheirava a maresia, a senhora do mercado costumava dar-lhe um rebuçado de limão extra, a avó fazia bolo de chocolate aos fins de semana e ele podia brincar na rua desde que o sol nascia até se pôr. Às vezes punha-se à sombra da laranjeira, deitado de barriga para baixo, e lia os livros infantis que, outrora, haviam pertencido ao pai; coloria o livro de desenhos e ajudava a avó a fazer kimchi. Depois conheceu San, o menino traquina e sem amigos.

  Encontravam-se de manhã cedo para ver os barcos chegarem à praia. Viam os pescadores estenderem as redes — o avô de San costumava chamá-los para ajudarem a meter os peixes nas caixas. San ensinou Wooyoung a subir às árvores, e Wooyoung costumava emprestar cassetes de música a San, que ouviam no walkman enquanto viam o sol esconder-se, ser engolido no horizonte pelo mar calmo. Nessa altura o céu parecia rebentar numa mistura de cores nostálgicas, em tons laranja, azul e rosa, num espetáculo que eles não perdiam por nada. Depois ficavam mais um tempo na praia, em silêncio, absorvendo a beleza daquele momento e pensando em coisas profundas demais para rapazinhos de apenas oito anos. Quando regressavam a casa tinham os pés sujos de areia, os cabelos desgrenhados, a pele avermelhada, o cheiro a suor de um dia de brincadeira.

Quando as férias de verão acabavam, Wooyoung regressava a Busan. Era uma questão de semanas até a temperatura baixar, o vento vir em força, as primeiras chuvas rebentavam em tempestades assustadoras. A escola começava. San brincava sozinho no recreio, e Wooyoung pintava desenhos de oceanos, barcos de pesca e de um menino solitário que brincava sozinho na areia molhada, construindo castelos de areia.

  Após a avó falecer e o avô ser internado no Hospital Universitário de Busan, Wooyoung deixou de visitar a ilha. Os pais limparam a casa, levaram a roupa do avô e trancaram a porta. Por longos anos Wooyoung viu a chave da casa dos avós pendurada no chaveiro da cozinha, no porta-chaves de concha; com o tempo, porém, a chave ficou esquecida no meio de outras, juntamente com as lembranças de um menino traquina que gostava de ver o pôr do sol.

  No ano de 1993 Wooyoung acabou o ensino secundário e ingressou na Faculdade de Desporto, qualificando-se com distinção para a equipa de beisebol e tornando-se o caloiro sensação. E a vida sorria-lhe, vislumbrando um futuro brilhante que se desenhava diante dos seus olhos.

  Gostava da correria da cidade, das luzes noturnas, dos neons berrantes dos gigantes outdoors com publicidades a bares noturnos, restaurantes típicos da cozinha coreana ou de algum país europeu, daqueles que vinham em folhetos promocionais de férias em hotéis de luxo e monumentos colossais para visitar. Habituou-se às saídas noturnas regulares de sexta à noite, a beijar bocas desconhecidas de rostos esquecidos na manhã seguinte. Habituou-se ao pesado vazio que fazia morada no seu coração, ainda que chorasse vez ou outra por sentir saudade de algo, cujo nome não sabia, que o enchesse e fizesse transbordar. E então lembrava-se de ser criança e sentir o sol queimar-lhe o rosto, da areia quente sobre os pés, do cheiro da maresia. Lembrava-se do bolo de chocolate da avó e dos resmungos do avô quando o periquito se punha num chilrear incessante que lhe incomodava a sesta. Lembrava-se de um menino de pés descalços e sorriso travesso que desenhava na areia com um graveto numa imagem que se assemelhava a uma velha pintura de tinta desbotada ou a um sonho distante que parecia pertencer a outra pessoa que não ele.

Todavia, da mesma forma que era invadido por tais lembranças, rápido as esquecia, substituindo as memórias de criança por qualquer coisa fútil. A ilha fazia parte do passado e enterrava consigo a sua meninice de brincadeiras despreocupadas. Sentia não ser ele naquelas memórias, como se as tivesse roubado a alguém após perder as suas. Adormecia com a cabeça apoiada na almofada; os cabelos espalhados sobre a fronha, as pestanas húmidas de lágrimas salgadas, as maçãs do rosto coradas. Sonhava com gaivotas e barcos de pesca, e na manhã seguinte não se lembrava de nada.

  Após uma lesão acometida num jogo de beisebol, que o levou a recorrer a algumas sessões de fisioterapia, decidiu ser altura de visitar a casa dos avós paternos.

  Naquela semana andava abatido. Afastado dos treinos devido à condição física, vagava amargurado pela casa, de um lado para o outro, como se tivesse bichos-carpinteiros. No meio da cozinha, o porta-chaves de concha parecia brilhar com a luz que refletia da janela. Pegou nele — estava partido e havia restos de areia no interior. Wooyoung lembrou-se da fachada da casa dos avós e da laranjeira no jardim. De súbito, sentiu vontade de regressar à ilha e rever a velha casa onde passara os melhores verões da sua infância.

Fez a mala com duas ou três t-shirts, uns calções extra, roupa íntima e produtos de higiene. Meteu a mala às costas, pegou as notas das suas poupanças e deixou um bilhete em cima da mesa da cozinha, informando os pais que iria num retiro e que ficaria hospedado na velha casa da ilha. Fechou a porta e partiu sem olhar para trás. Pegou um táxi até à estação de comboios e fez uma viagem até ao litoral, apreciando a bela vista da costa em meio à paisagem selvagem de rochas, dunas e oceano. O comboio seguia pela linha marítima, sobre o mar pouco oscilante, adentrando o oceano. A água salpicava os vidros das janelas. Uma das moças de bordo passou para entregar uma garrafa de água mineral e, mais tarde, servir o almoço. Os últimos viajantes saíram na paragem terrestre e apenas Wooyoung e uma senhora idosa seguiam mar adentro, embalados pelo som dos carris e do mar. Ao fim de seis horas de viagem chegaram à ilha.

  Como se ali o tempo não surtisse efeito, tudo parecia igual naquele cantinho da Terra.

  Wooyoung sentiu-se de novo com oito anos. Olhou em volta, recordando detalhes ao redor. A velha estação estava igual: as paredes grossas estragadas pela humidade e a tinta branca enegrecida, alguns bancos azuis de plástico com os assentos partidos. Fora do edifício o sol queimava a pele desnuda dos ombros e das pernas; o rosto protegido pela aba do chapéu. Ali fazia sempre um calor tórrido, como se a paisagem pudesse derreter a qualquer instante; todavia, quando a brisa marítima soprava, era fresca e suave.

  A casa dos avós erguia-se resistente no mesmo lugar, no limite da velha cerca de madeira, agora corroída pela erosão. O coração vibrou no peito num sentimento nostálgico ao percorrer aquele caminho estreito por entre as casas da vizinhança — tudo parecia igual: as casas, os jardins, os vasos nos parapeitos das janelas, as roupas penduradas nos cordéis e os gatos vadios que se passeavam preguiçosamente pelos telhados. Teve a sensação de nunca ter saído daquele lugar, como se ainda ontem tivesse andado a correr de um lado para o outro sobre aquele asfalto sujo de areia.

  Só a casa dos avós apresentava marcas do passar do tempo. Estava entregue ao abandono, num terreno de erva crescida e espigada pelo sol, a tinta a lascar, os vidros das janelas riscados da areia. O portão chiou quando o empurrou, com as dobradiças enferrujadas, e ele atravessou o curto passadiço de pedra até alcançar o alpendre de madeira, este que rangeu ao receber o seu peso. A madeira estava danificada, deformada pela humidade.

  Espreitou pelos vidros da porta — o interior estava escuro. Assim que entrou sentiu o cheiro a mofo. Abriu as janelas e correu ao quarto que costumava ser o seu quando menino. Ainda havia algumas fotografias e autocolantes agarrados nas paredes, pedaços de papel com desenhos infantis, uma caixa de lápis de cor dentro de uma gaveta. A roupa da avó estava perfeitamente pendurada no roupeiro, mais alguns casacos de inverno e duas gravatas do avô. Havia ainda um frasco de perfume em cima da cómoda, uma caixa com alguns trocos e a fotografia do casamento dos avós emoldurada em cima da mesa de cabeceira.

Procurou uma vassoura e pôs-se a varrer a poeira. Limpou o pó.

O frigorífico estava vazio, por isso decidiu ir ao mercado comprar noodles instantâneos, kimchi, meia dúzia de ovos e alguns legumes frescos. Trouxe também uma embalagem de bolachas e mais alguns snaks calóricos. Quando regressou a casa meteu água a ferver e deitou lá para dentro os noodles, serviu-se numa malga funda e acompanhou com ovo cozido e kimchi. Com o estômago cheio partiu em direção à praia, seguindo o trilho que percorria descalço quando criança, acompanhado das gaivotas barulhentas que sobrevoavam a zona à procura de peixe.

  A areia das dunas estava quente, e Wooyoung enterrou os dedos dos pés, sentindo os finos grãos em contacto com a pele do pé. Respirou fundo, enchendo os pulmões de ar marítimo. Jurou poder ouvir o avô chamá-lo de longe para o jantar, e quando regressava a casa a mesa estava posta e a avó servia uma refeição caseira. Na sua memória, via nitidamente o rosto da avó: uma senhora idosa, baixinha e magricela, sempre de avental posto, cabelos brancos enrolados no cimo da cabeça e um sorriso que lhe acentuava as rugas em volta dos olhos e nos cantos da boca. O avô era um homem alto e forte, cabelo grisalho e muito curto, calças velhas e camisas largas; a pele queimada do sol por trabalhar na terra, a semear, regar e arrancar verduras. Tinha um chapéu de palha com as abas largas que o protegiam do sol, as mãos calejadas da enxada e as unhas sujas da terra.

  Fechou os olhos e deixou-se ficar de pé. A água do mar, gelada, banhava-lhe os pés até ao tornozelo. O vento soprava forte, baloiçando os cabelos compridos da franja e a t-shirt larga; trazia consigo o cheiro salgado e memórias antigas. O sol queimava a pele e abafava a respiração, sentindo-se agraciado pela brisa marítima. Ficou imerso em recordações, nostálgico do seu tempo de criança, sem saber ao certo o que o deixava com tanta saudade daquela altura.

  De súbito, alguém chamou pelo seu nome.

  — Wooyoung-ah!

  Ao abrir os olhos deparou-se com um rapaz que devia ter a sua idade. Envergava calções de ganga esfarripados nas pontas, uma camisa larga de tecido gasto e um chapéu de palha que o protegia do sol. Caminhava descalço sobre a areia, e os cabelos da franja e da nuca estavam colados ao corpo pelo suor. Assim que cruzaram olhar o rapaz esboçou um sorriso que lhe deixou os olhos iguais a duas fendas felizes. Aquele sorriso travesso, os pés descalços, o jeito como desviava os cabelos da frente dos olhos com a ponta dos dedos finos...

  — San-ah.

Reconhecia o rapaz em qualquer parte do mundo. Era o mesmo que aparecia nos seus sonhos em cores esbatidas; nas suas recordações que pareciam fotografias de postais antigos. Estava igual, com aquela expressão travessa no rosto afiado, sorriso de gato, uma sensualidade intrínseca na forma de estar que, estranhamente, entrava em harmonia com a sua imagem dócil.

Deixaram-se ficar na praia. San contou que costumava pescar com o avô e os outros pescadores e que muito do peixe que agora se vendia no mercado da ilha era ele que ajudava a pescar. Wooyoung disse-lhe que havia ingressado na Faculdade de Desporto de Busan naquele ano e que se havia lesionado num jogo de beisebol. Contou a San como era a cidade. Desenhou sobre a areia da praia grandes casas e prédios, avenidas movimentadas e decoradas com grandes outdoors luminosos, bares noturnos com bolas de espelhos coloridas, copos com bebidas fortes, danças sem sentido num aglomerado de pessoas fora dos seus sentidos. San parecia maravilhado — olhos negros, arregalados, brilhavam como dois berlindes, imaginando, deslumbrado, toda a grandeza que seria a cidade.

 — Os rapazes da cidade usam brincos como as meninas? — San inclinou-se sobre o tronco de Wooyoung e enrolou o dedo indicador na argola da sua orelha direita. Tinha um sorrisinho provocatório nos lábios. — Se o teu avô visse isso, arrancava-te a orelha de tanto que ta ia puxar.

 Wooyoung achou graça e riu, apoiando os cotovelos nos joelhos enquanto mirava atento o rosto de San. Este sustinha um sorriso subtil, tendo os cantos da boca puxados para cima e as maçãs do rosto em evidência. Viu as mãos calejadas das redes de pesca, as pontas dos fios de cabelo secas pelo sol e pelo sal. San crescera e tornara-se um homem muito bonito.

No dia seguinte visitaram o campo de girassóis. O cheiro da terra deixou Wooyoung emocionado, que se lembrou de brincar às escondidas com San por entre as flores gigantes.

San pôs-se a correr por entre as flores amarelas, segurando o chapéu de palha que trazia na cabeça com a mão. Olhou para trás e riu, perdidamente lindo, com um sorriso rasgado no rosto afiado de gato matreiro e feliz, enquanto chamava Wooyoung com a outra mão — e ele desejou guardar aquela bonita recordação de um rapaz com chapéu de palha e rosto sorridente que corria por entre um campo de girassóis.

Correu atrás de San. Estava feliz: o rosto abriu-se num sorriso radiante e o coração bateu com mais força no peito. As folhas dos girassóis faziam cócegas nas pernas descobertas, a terra revolvia debaixo dos pés, o suor começava a acumular-se nas têmporas e no peito. Esticou o braço numa tentativa falha de alcançar San que corria mais à frente. O sua gargalhada ecoava junto ao grito das gaivotas, perdendo-se na imensidão da paisagem. Quando voltou a esticar o braço, raspou com a ponta dos dedos no tecido da camisa velha de San. Em mais uma tentativa puxou-o pela bainha da camisa, fazendo-o tropeçar e parar abruptamente, batendo com as costas no seu peito largo. Mesmo assim ainda ria, e Wooyoung entendeu que toda aquela graça era sinónimo de felicidade.

Ao soltar a camisa de San viu-o voltar-se para si. Ele cheirava a sol e sabão floral. O sorriso terno dava-lhe um ar indefeso, e Wooyoung desejou passar-lhe a ponta dos dedos pela face: contornar-lhe a lateral do rosto afiado, a cana do nariz, as sobrancelhas retas, os olhos, os lábios. O sorriso desaparecera, assustado com a intensidade absurda a que o coração batia apenas por encará-lo. Á sua frente, San ainda sorria e, erguendo o braço, tocou subtilmente com a mão no braço de Wooyoung. Atónito, agarrou-lhe a mão, entrelaçando os seus dedos nos de San. Aproximou-se mais e supriu o desejo de tocar-lhe no rosto, espalmando a mão na sua bochecha. San fechou os olhos ao receber o carinho.

 

Infelizmente, Wooyoung não podia ficar para sempre (nem por muito tempo) e três ou quatro dias passaram tão rápido quanto num piscar de olhos; horas que se dissiparam por entre os dedos suados das mãos. San pertencia àquele lugar, e Wooyoung precisava de regressar à cidade — lá o tempo corria e ele não podia ficar para trás. Além disso, os pais deviam estar preocupados, somando o facto de que ele precisava de retomar as sessões de fisioterapia. Chegara o momento de regressar à agitada Busan — e San não estaria lá.

  Arrumou as roupas na mochila, limpou as migalhas da banca da cozinha, fechou as portadas e o portão de madeira. Antes de seguir caminho contemplou a fachada da casa de praia uma última vez —  teria saudades. Depois seguiu vagarosamente até à estação de comboios. San já o esperava perto dos carris e correu ao seu encontro quando o viu atravessar a velha porta de madeira envidraçada. Naquele dia não sorriu — e ele sorria sempre.

  — Um dia eu volto — prometeu num trémulo sussurro, e San concordou com a cabeça, lançando-se ao seu pescoço enquanto chorava baixinho, envolvido por braços fortes que o apertavam contra si. Os corações batiam dolorosamente. Wooyoung enterrou o rosto na curva do pescoço de San, passando a ponta do nariz sobre a pele morena num carinho, e quando San se afastou do abraço, foi para juntar os  lábios aos de Wooyoung num beijo com gosto a despedida e saudade.

Quando entrou no comboio sentou-se num lugar à janela. Era apenas ele, e o revisor passou para conferir o bilhete. San ainda estava do lado de fora, com os olhos pregados na janela onde Wooyoung espalmou a mão em sinal de adeus. Por fim, o comboio deu o sinal barulhento da partida, e as carruagens começaram a movimentar-se lentamente sobre os carris em direção ao mar.

 

San ficou para trás.


Notas Finais


ressuscitada, apesar de ainda não estar completamente feliz com o resultado... talvez um dia eu consiga!

obrigada a quem chegou até aqui <3


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