Eu fiquei pensando no que aconteceu por muito tempo.
Ao tomar banho, ao preparar algo para comer, ao deitar no sofá para descansar.
O vazio do loft não ajuda muito, Emily está de plantão e o silencio era meu único conforto. Me faz pensar imediatamente como nos despedimos brevemente e eu fui um pouco grosseira com Chloe. Uma sensação me deixa inquieta.
[9:22PM] Eu: Me desculpe, eu fui rude, não convidei você para entrar =/
[9:22PM] Eu: Você tinha algo para me contar no hospital? .-.
Eu fiquei olhando para a tela do celular até a luz se apagar esperando pela resposta. Quando ela não vem imediatamente eu largo o aparelho um pouco frustrada e me pergunto o que Chloe estava fazendo agora. Eu me sentia um pouco estranha. Meu peito estava estufado, um pouco apertado, como se existe um furacão dando giros descontrolados. A força das batidas e das voltas chegava até a base da minha garganta me deixando eufórica.
O dia tinha sido um verdadeiro caos.
Um caos de sentimentos.
De raiva, de tristeza, de angustia, mas no final, de confusão. Não era superficial, não era inocente, tinha um propósito, transportava uma energia que agitava todo o meu corpo e eu não sabia como lidar com isso.
Era o Feeling mais poderoso que havia experimentado até então.
Porque, eu não podia parar de pensar no toque dos seus dedos contra a minha pele, como seus olhos estavam brilhantes e como a aproximação do seu corpo fazia borboletas voarem em meu estômago. Lembrar tolerava reviver a sensação, como se fechasse os olhos e me transportasse até aquele momento. Eu ainda podia sentir seu toque em meu braço, a força que ela aplicara, o formigamento das partículas, o momento exato que ela soltou e a sensação gélida que ficou no lugar.
Eu levo minhas mãos até o rosto e solto uma longa rajada de ar. Aquele furacão estava pressionando minhas emoções de uma maneira assustadora. Igualmente, eu gostava de sentir. Porque, eu estava sentindo algo. Não era solidão, nem receio, era algo novo e desconhecido. Chloe me fazia pensar mais do que minha capacidade mental permitia.
Chloe me fez sentir coisas sem muito esforço.
Ela era tão misteriosa que criava um desejo de entrar no meio daquele turbilhão, de chegar ao núcleo e deixar o resto voar ao redor. Eu queria saber desesperadamente o que a machucou tanto a ponto de transparecer seus monstros no toque retraído. No segredo que ela guardava em seu peito que a fazia perder a voz, que o brilho em seu olhar se transformasse em uma sombra.
A vibração do celular me tira daquela bolha e eu o alcanço rapidamente.
[9:50PM] Chloe: Não tem problema. Não é algo muito importante ;)
Ao ler a mensagem eu sinto meu coração palpitar de uma forma diferente, e quando ela não manda nada mais, eu fico um pouco impaciente. Não era meu estilo ficar assim, mas eu começava a me acostumar com a ideia que com Chloe era diferente.
[9:57PM] Eu: Chloe?
[9:57PM] Eu: Não vai me contar?
[9:57PM] Eu: Estou um pouco curiosa. =/
Nenhuma resposta, em vez disso, alguns minutos depois, eu recebo uma chamada. O nome dela pisca na tela me fazendo encarar com um pequeno sorriso.
“Beca Mitchell está curiosa? Essa é uma grande novidade”. A voz dela está alegre.
“Você me deixou esperando, não é muito legal”.
Chloe está rindo.
“Não é nada demais!” Garante.
“Eu acho que é sim, pode me contar por favor?”
“Você está pronta?”
“Absolutamente não”.
Ela ri novamente.
“Ok”. Um suspiro profundo. “Eu consegui um emprego”.
“Chloe? O que? Oh meu deus! Isso é maravilhoso”.
“Eu estou tão animada”. Sua voz parece brilhar do outro lado.
“Nós devemos comemorar!”. Me sento no sofá de repente com o celular grudado no ouvido. “Oh deus, eu sou tão insensível, você foi me procurar mais cedo e eu estava toda estranha e....” Minha voz morre no meio do caminho porque imediatamente meus pensamentos correm diretamente para onde não deviam. “Por favor, me deixe recompensar...”
“Está tudo bem Becs”. Sua voz é tão quente e harmônica que eu sinto meu corpo relaxando sem nem mesmo perceber que estava tenso. “Na verdade, eu acabei de falar com Kate, estou aqui perto e...”
“Você pode passar aqui”. A interrompo e percebo que fui depressa demais. “Se você quiser...” Levo minha mão a testa e meus olhos frisam silenciosamente pedindo para que ela não perceba o desespero em minha voz. “Eu tenho uma garrafa de vinho, nós podemos pedir uma pizza e você me conta tudo”, tento consertar e o silencio do outro lado quase me mata de ansiedade, “ou podemos deixar para outro di-“.
“Ok”. Agora, é a vez dela me cortar.
“Ok?” Pergunto incerta se tinha entendido.
Por algum motivo meu coração está saltando pela boca, o furacão em meu peito está totalmente sem controle.
“Sim”, ela confirma novamente, “eu vejo você daqui a pouco”.
Um sorriso espontâneo e leve nasce em meus lábios, eu não sabia se era pela notícia, se era porque Chloe estava a caminho ou a mistura de tudo.
•
“Eu não acredito nisso, estou me sentindo culpada”.
Eu estava um pouco chocada depois de ouvir a história de como ela voltou ao orfanato, falou com a Sra. Collins e decidiu ajuda-la em tempo integral.
“Eu não esperava que acontecesse, mas você sabe que eu queria algo, algo que fosse especial, não é? Então, foi como se fosse para ser...”
“Chloe! Como você me diz que isso não é grande coisa?”
Ela sorri timidamente.
“É mais como um trabalho voluntario, você sabe, mas estou muito feliz com a minha decisão”.
“Isso é incrível!” Estou expressando minha alegria novamente.
“Eu amo o quão animada você está com isso, aparentemente, foi a única, eu acho”. Ela torce os lábios em uma careta.
E não precisa dizer mais nada para que eu entenda tudo.
“Aubrey?”
“Eu não preciso da aprovação de ninguém”. Diz complacente. “Ela não entende o que eu preciso nesse momento”. Existe uma pausa, pequena, mas está ali.
“Eu não sei sobre Aubrey, mas estou realmente feliz por você e pelas crianças. Afinal elas vão ter uma pessoa incrível todos os dias”.
O sorriso que aparece em meus lábios está ali sem que eu tenha mandado o comando ao cérebro e quando Chloe retribui, meu coração se aquece por inteiro.
•
Quando a noite vai passando e a garrafa de vinho esvaziando, as risadas vão ficando mais altas e desconexas. Eu não posso deixar de pensar novamente como era fácil e divertido estar com Chloe e ainda, como parecia cada vez mais que meu corpo respondia a ela. Eu sinto o impacto das ações mais simples, do sorriso aquecido, do movimento continuo e desenhado que se transformava em uma gargalhada, como seus cabelos caem pelos ombros, da voz ficando mais suave e um pouco rouca em frases que podiam facilmente ter um duplo sentido.
Chloe estava jogando algum tipo de feitiço sobre mim?
Eu tomo o último gole do vinho, minha cabeça está apoiada na mão e meu cotovelo no encosto do sofá buscando algum suporte a pequena tontura que começa a preencher meu corpo. Quando Chloe encerra seu monologo sobre tudo o que quer fazer no orfanato, eu me dou conta que estou muito acima da minha capacidade de álcool. Porque, de repente, eu quero despejar uma quantidade absurda de informação, todos os pensamentos de mais cedo parecem tomar uma forma mais sólida e estão a ponto de explodir.
“Desculpe por ser um pé no saco mais cedo”. Descanso a taça de vinho na mesa de centro e tento desviar o que estava flutuando na superfície.
Chloe estava do outro lado do sofá, mas me pareceu muito mais perto. Meus pensamentos estão se movendo como um cubo mágico, eu tento combinar todas as cores e quando acho que consegui, os outros lados não se encaixam.
“Você é pior na maior parte do tempo”. Ela pisca rapidamente e toma um gole de vinho em seguida.
Seu copo está vazio agora e ela está deixando de lado como eu havia feito. E instantaneamente, ela está me encarando, o pequeno sorriso presente em seus lábios diminuindo até desaparecer. A atmosfera está mudando, outro lado do cubo parece se encaixar e mesmo faltando peças, eu vejo uma chance.
“Chloe, eu preciso perguntar algo...”
Eu estava perdida, meus sentidos parecem desligar como se um botão fosse acionado no controle remoto. Os segundos passam e uma sensação preenche meu coração e eu quero fugir, minha mente corre em alta velocidade para longe daquele momento, mas para onde quer que eu vá, eu volto para onde Chloe está. Os meus instintos retornam onde deveriam, eu sinto meus dedos formigarem, minha pele queima de dentro para fora e meu coração palpita fortemente.
“O que você quer saber?” Sua voz soa um pouco rouca, parece que ela está me dando uma carta branca e mesmo que fosse pela quantidade de álcool eu iria aceitar.
“Sobre o que aconteceu mais cedo...”
“Exatamente qual parte?”
Era um desafio? Eu a olho atentamente, não existe mudança na sua expressão, mas há uma luz, um calor e eu quero tocar aquela chama, senti-la passando por mim e expandindo por meu corpo.
“Eu estou tentando evitar, mas toda vez a pergunta simplesmente volta e eu fico imaginando...” Chloe está me olhado atentamente e a pausa é decorrente do nervosismo que eu estava sentindo, “se eu fui a única a sentir algo diferente entre nós...”
Talvez fosse o vinho que havia me dado coragem, mas eu não me importo, a pergunta está flutuando entre nós. Eu posso ver como seu peito está estufado e ele mergulha devagar quando a sua respiração se solta. Ela apenas me encara, tão fortemente que eu prendo a respiração esperando. Ela estava me analisando novamente, aumentando o tremor das minhas veias me fazendo fechar a mão sobre o joelho para aguentar e quando ela abaixa a cabeça e olha as próprias mãos descansadas no colo, eu penso que talvez tenha imaginado tudo. Existe uma pausa agoniante, eu queria que ela dissesse algo, qualquer coisa que seja para me tirar daquela inércia.
“Não foi só você...” Está dizendo, a voz baixa e continua, mas ao mesmo tempo firme. “Eu senti algo também”. Seu olhar volta a encontrar o meu.
E eu não sei o que fazer com aquela informação. Meu coração está disparando tão profundamente que eu acho que vai ser arrancado do peito. Eu entro em um estado um pouco caótico sentindo meu corpo se transportar para mais perto dela. Chloe não se move, mas eu apenas encurto a distância em poucos centímetros. Estamos presas naquele momento entre as palavras. Eu percebo o quão rápido a noite muda, quando a luz do luar se arrasta para dentro da sala afugentando o calor do verão. O mundo está girando, as pessoas estão vivendo e nós estamos apenas ali. De repente tudo o que eu preciso fazer é alcançá-la. A vontade toma conta de todas as partes do meu corpo, mas eu sei que não posso me mover.
“Chloe...”
“Por favor não diga nada”. Ela me para sem fôlego antes que eu possa formular qualquer coisa, no movimento sua mão encontra a minha, a ponta dos seus dedos está encostando os meus. “Não é tão fácil para mim...”
Ela fecha os olhos, inspira e expira. Eu aceito o silencio percebendo que podia passar o resto da noite apenas olhando para ela, sentindo o efeito que seu toque está causando. A energia entre nós está ficando densa, o cubo mágico que antes tinha apenas uma face colorida, agora tinha mais alguns lados e mesmo que não estivesse totalmente completo, era o primeiro passo para ser preenchido.
O barulho das chaves na porta nós traz de volta a realidade. Chloe abre os olhos e me encara novamente, eu estou me afastando lentamente dela no mesmo instante que Emily entra no loft.
“Hey pessoal...” Ela acena e para a porta nos encarando. “Eu espero que tenha sobrado alguma pizza”, aponta para a caixa no centro, “estou faminta”.
Chloe parece acordar do transe e sorri para Emily.
“É melhor eu ir, está tarde”. Ela se levanta e está pegando a sua bolsa.
Emily está se movendo para a caixa de pizza alheia a tudo e eu ainda estou tentando assimilar o que aconteceu nos últimos cinco minutos.
“Você me acompanha?” Chloe pergunta em minha direção e eu aceno positivamente.
Eu a levo para fora do loft e caminhamos até a calçada em silencio. Eu não deixo ela dirigir, um táxi já está no caminho. Por um momento penso que Chloe vai entrar nele e desaparecer, mas ela para antes disso e me encara. Eu coloco as mãos dentro do jeans porque não sei o que esperar e muito menos o que dizer e por outro instante, apenas nos encaramos.
“Eu sei que temos muito o que pensar e talvez estamos confusas agora”, Chloe suspira e caminha em minha direção, “mas não precisamos fazer nada sobre isso ainda”. Dá outro passo e estamos mais perto, eu sinto o calor do seu corpo e agradeço por minhas mãos estarem presas. “Podemos ir devagar”. A última frase é quase um sussurro.
Me aquece de uma forma que eu não havia sentido antes, me conforta de certa maneira. Faz um pequeno sorriso aparecer em meus lábios e ela está retribuindo timidamente.
“Ok”. Concordo em resposta. “Devagar, é bom ir devagar”.
Chloe sorri, daquele jeito. É um pacto que fechamos e para selar, ela inclina a cabeça lentamente e deixa um beijo arrastado e demorado em minha bochecha. Eu sinto sua respiração contra o rosto, seus lábios estão próximos, eu quero desesperadamente virar a cabeça e deixar que o toque aconteça. O choque está invadindo meu peito. Conscientemente eu percebo que queria beijar Chloe Beale.
“Boa Noite Becs”. Se afasta, entra no carro e desaparece na rua silenciosa.
Ela deixa um vazio a minha volta que precisava ser preenchido. Chloe estava me fazendo pensar demais e eu estava ficando um pouco louca com isso. A única conclusão sensata que eu tiro daquilo é um pouco insaciável e pela primeira vez me faz ter um pouco de medo. Tudo era um pouco mais que um Feeling agora, eu precisava aceitar que talvez, remotamente e explicitamente, eu estava me apaixonando por ela.
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