Depois disso, Menma se fechou. Continuou conversando sobre outros assuntos — tempo, futebol, os Smurfs —, mas não falou mais nada sobre o Daedalus ou o que eles fizeram com ele e a Honoka. Parte de mim sentiu-se grato. Não sabia muito bem quanto mais eu suportaria descobrir, por mais egoísta que isso pudesse soar.
O lado ruim, porém, foi que assim que paramos de conversar sobre coisas sérias, meu cérebro se voltou imediatamente para o fato de não saber onde o Naruto estava nem o que estava fazendo. Quando o relógio bateu meia-noite e ele ainda não havia chegado, não consegui mais permanecer sentado.
Não podia continuar esperando sem fazer nada.
Assim sendo, me despedi do Menma e atravessei correndo o jardim que separava nossas casas. A primeira coisa que fiz ao entrar foi verificar meu celular. Meu coração pulou uma batida ao me deparar com uma mensagem de texto.
Desculpa por hoje. A gente se fala amanhã.
A mensagem havia entrado fazia uma hora. O que significava que ele continuava com a Shion — ou melhor, o Toneri, a Karin e a Shion.
Olhei de relance para o relógio como se com isso pudesse alterar a hora. Meu coração martelava tanto que tinha a sensação de ter corrido uma maratona. Ao baixar os olhos novamente para o celular, lutei contra a vontade de atirá-lo na parede. Sabia que estava sendo ridículo. Eles eram amigos do Naruto, inclusive a Shion. Não havia problema algum em ele sair com eles sem a minha presença. E, com o abismo que se instalara entre mim e a Karin, ele não vinha passando muito tempo com a irmã.
Ridículo ou não, eu estava magoado. E odiava esse sentimento — odiava perceber que algo tão idiota podia me incomodar tanto.
Subi para o quarto com o telefone e, enquanto lavava o rosto, escovava os dentes e vestia o pijama, tentei decidir se mandava uma mensagem de volta ou não. Queria ter a força de vontade para não mandar, dar uma de não tô nem aí. Mas, que inferno, isso seria uma tremenda estupidez levando em consideração tudo o que vinha acontecendo.
De qualquer forma, estava incomodadíssimo com a situação. Assim sendo, botei o telefone na mesinha de cabeceira e me enfiei debaixo das cobertas, puxando-as até o queixo. Fiquei ali, brigando comigo mesmo por não ter respondido à mensagem, por ter inicialmente saído com o Neji e o beijado, e por ficar ali deitado de olhos abertos, me punindo. Por fim, meu cérebro cansou e desligou pelo restante da noite.
Tempos depois, imerso naquele estágio em que a realidade se mistura com o subconsciente, não tive muita certeza se estava sonhando ou não. Parte era sonho, isso eu sabia, pois podia ver o Naruto numa casa estranha. No entanto, sempre que tinha um vislumbre de seus cabelos loiros, ele desaparecia. Eu o via num aposento, mas, antes que conseguisse alcançá-lo, ele já estava em outro. Era como se estivesse perambulando por um labirinto interminável, sem jamais responder aos meus chamados.
Fui tomado por uma profunda sensação de frustração, a ponto de ficar com o peito doendo. Eu o perseguia sem parar, só para chegar perto e perdê-lo de novo… uma busca sem fim.
Mas, então, senti um movimento na cama e a casa desapareceu, desfazendo-se em fumaça e escuridão. Algo pesado se acomodou ao meu lado. Senti um roçar de dedos afastando meu cabelo do rosto e acho que sorri, pois ele estava ali comigo, o que me tranquilizou. Resvalei novamente para um sono profundo, povoado por sonhos nos quais eu não mais perseguia o Naruto.
...
Assim que o dia amanheceu, virei de lado, esperando encontrá-lo. Itachi costumava trabalhar até quase a hora do almoço nos sábados, e Naruto criara o hábito de ficar até o último momento, mas minha cama estava vazia.
Alisei o travesseiro extra e inspirei fundo, esperando sentir o perfume de natureza e especiarias tão típico dele, mas tudo o que consegui sentir foi um leve traço de limão. Será que eu havia sonhado com a presença do Naruto?
Credo, isso seria o cúmulo.
Franzindo o cenho, sentei e peguei o celular. Naruto me enviara outra mensagem por volta das duas da manhã.
Café da manhã: ovos e bacon. Vem pra cá quando acordar.
— Duas da manhã? — Olhei fixamente para o celular. Será que ele tinha ficado na rua até essa hora?
Meu coração começou a martelar enlouquecidamente de novo, e me deitei de costas, gemendo. Pelo visto eu era um verdadeiro idiota e o Naruto tinha ficado até de madrugada na rua sem a minha companhia.
Arrastei-me para fora da cama, tomei um banho e vesti uma calça e uma camisa preta. Atordoado, sequei o cabelo mais ou menos e segui para a casa ao lado. A porta estava trancada.
Apoiei a mão na maçaneta e esperei até escutar o clique das trancas. Assim que abri a porta, fui tomado por uma súbita ansiedade. Era fácil demais entrar na casa de qualquer pessoa, inclusive na minha.
Com um sacudir de cabeça, fechei a porta sem fazer barulho e inspirei fundo. A casa parecia um túmulo de tão silenciosa. Presumindo que todos ainda estivessem dormindo, subi a escada, tomando cuidado com os dois degraus próximos ao topo que costumavam ranger. Tanto o quarto do Menma quanto o da Karin estavam fechados, mas escutei um suave zumbido de música vindo do quarto do Naruto.
Abri ligeiramente a porta do dele para dar uma espiada. Meus olhos recaíram imediatamente sobre a cama e, mesmo que quisesse, não consegui evitar a cambalhota em meu peito.
Naruto estava esparramado de barriga para cima, sem camisa, um dos braços estendidos num ângulo de noventa graus com o corpo e o outro apoiado sobre o abdômen. Os lençóis estavam amarfanhados em torno do quadril estreito. Seu rosto parecia quase angelical, as linhas marcantes atenuadas pelo sono e os lábios relaxados. Pestanas grossas roçavam o topo das bochechas.
Dormindo, ele parecia bem mais jovem e, de um jeito estranho, areia demais para o meu pobre caminhãozinho. Sua beleza masculina era de outro mundo, intimidante. Algo que só existia nas páginas dos livros que eu gostava de ler.
De vez em quando, tinha dificuldades em me convencer de que ele era real.
Aproximei-me pé ante pé e me sentei na beirada da cama, incapaz de desviar os olhos. Não queria acordá-lo. Assim sendo, fiquei ali sentado como um perfeito maluco pervertido, observando o subir e descer ritmado daquele tórax definido. Imaginei se tinha sonhado com ele na noite anterior ou se Naruto havia realmente dado um pulo lá em casa para ver como eu estava. Meu coração deu outra cambalhota e quase consegui esquecer a ansiedade da noite anterior. Quase, mas…
Naruto se virou subitamente para mim e passou um braço em volta da minha cintura, forçando-me a deitar do seu lado. Em seguida, enterrou o rosto em meu pescoço.
— Bom dia — murmurou ele.
Um sorriso se desenhou em meu rosto enquanto apoiava uma das mãos em seu ombro. A pele dele estava quente.
— Bom dia.
Ele jogou uma das pernas por cima da minha e se aconchegou ainda mais.
— Cadê meus ovos com bacon?
— Achei que você ia preparar.
— Você entendeu errado. Vai logo pra cozinha, homem.
— Até parece. — Virei de frente para ele. Naruto ergueu a cabeça, plantou um beijo em meu nariz e enterrou a cabeça no travesseiro. Eu ri.
— É cedo demais — grunhiu.
— São quase dez da manhã.
— Como eu disse, cedo demais.
Uma pedra se assentou em meu estômago. Mordi o lábio, sem saber ao certo o que dizer.
De maneira preguiçosa, ele passou um braço em volta do meu quadril e virou a cabeça para que eu pudesse ver seu rosto.
— Você não respondeu minha mensagem ontem à noite.
Ele tinha que trazer esse assunto à tona.
— Imaginei que você estivesse ocupado e… acabei pegando no sono.
Naruto arqueou uma sobrancelha.
— Eu não estava ocupado.
— Passei aqui ontem à noite e fiquei esperando um tempinho. — Comecei a brincar com a ponta do lençol, torcendo-a entre os dedos. — Você ficou na rua até tarde.
Ele abriu um olho.
— Então você recebeu a mensagem. Podia ter respondido.
Eu tinha caído direitinho na armadilha.
Ele suspirou.
— Por que me ignorou, gatinho? Fiquei magoado.
— Tenho certeza de que a Shion te consolou. — Quis me socar assim que as palavras saíram da minha boca.
Ambos os olhos estavam abertos agora. Ele, então, fez algo que tanto me surpreendeu quanto me irritou: abriu um daqueles sorrisos de orelha a orelha.
— Você tá com ciúmes.
O modo como disse isso me deu a impressão de que era uma coisa boa. Fiz menção de sentar, mas seu braço me impediu.
— Não tô, não.
— Gatinho…
Revirei os olhos e fui subitamente acometido por um caso crônico de diarreia verbal.
— Fiquei preocupado com a visita do antigo e você prometeu que conversaríamos depois. Mas você não apareceu. Em vez disso, resolveu sair com o Toneri, a Karin e a Shion. Sua ex-namorada Shion. E, como eu descobri? Através do seu irmão. E como foi que vocês se sentaram no restaurante, hein? A Karin e o Toneri de um lado e você e a Shion do outro? Aposto que ficaram superconfortáveis.
— Gatinho…
— Não vem com essa de gatinho pra cima de mim. — Franzi o cenho e continuei descascando. — Você saiu por volta das cinco, e voltou a que horas mesmo? Depois das duas da manhã? O que vocês estavam fazendo? E pode tirar esse sorrisinho idiota da cara. Não tem a menor graça.
Naruto tentou conter o sorriso, mas não conseguiu.
— Adoro quando você mostra as garras.
— Ah, cala a boca. — Exasperado, empurrei o braço dele. — Me solta. Por que não liga pra Shion e pede para ela te preparar os ovos com bacon? Fui!
Em vez de me soltar, Naruto mudou de posição, erguendo-se acima de mim, as mãos plantadas uma de cada lado dos meus ombros. Ele agora estava rindo — aquela risadinha atrevida e irritante.
— Quero ouvir você admitir que está com ciúmes.
— Já falei, seu usuratonkachi. Estou com ciúmes. Por que não estaria?
Ele inclinou a cabeça ligeiramente de lado.
— Ah. Não sei. Talvez porque eu jamais tenha desejado a Shion, não como desejei você desde a primeira vez que te vi. E, antes que comece, sei que demonstrei isso de uma maneira terrível, mas você sabe que eu sempre te quis. Só você. Esses ciúmes não fazem o menor sentido.
— Não? — Lutei para conter as lágrimas de raiva. — Vocês namoraram.
— Nós estamos namorando.
— E ela provavelmente ainda te quer.
— Mas eu não a quero, portanto isso não tem a menor importância.
Tinha importância para mim.
— E ela é tão linda quanto uma modelo.
— Você é mais bonito.
— Não tenta me bajular.
— Não estou tentando.
Mordi o lábio, os olhos fixos em algum ponto acima do ombro dele.
— Sabe de uma coisa? A princípio achei que mereci o cano de ontem. Agora sei como você se sentiu quando eu saí com o Neji. Senti como se o cosmos estivesse me dando uma lição, mas não é a mesma coisa. Nós não estávamos juntos na época e eu e o Neji não temos nenhum tipo de história.
Naruto inspirou fundo.
— Tem razão. Não é a mesma coisa. A saída de ontem não foi um encontro. Toneri deu uma passada aqui em casa e começamos a conversar sobre o Akira. Ele estava com fome, de modo que decidimos sair para comer alguma coisa. Karin resolveu ir junto, e acabamos encontrando a Shion lá, porque, você sabe, ela é irmã dele.
Dei de ombros. Certo, o argumento era bom.
— No fim das contas, não jantamos em nenhum lugar. Apenas pedimos uma pizza, fomos para a casa do Toneri e ficamos conversando sobre o que pretendemos fazer amanhã. Shion está morrendo de medo de perder o Toneri também. Karin continua querendo matar o Neji. Passei horas conversando com eles sobre isso. Não foi uma festa para a qual você não foi convidado.
Senti vontade de dizer que festa ou não, eu não tinha sido convidado, mas isso seria estupidez.
— Por que você não me disse nada? Podia ter me avisado. Assim eu não teria ficado imaginando um monte de coisas.
Ele me fitou por alguns instantes e, em seguida, saiu de cima de mim, sentando-se ao meu lado.
— Pensei em dar um pulo na sua casa quando cheguei, mas estava tarde.
Então a noite passada tinha sido um sonho. Confirmado, eu era um idiota.
— Olhe só, eu agi sem pensar.
— Pelo visto, sim — murmurei.
Naruto esfregou o peito, logo acima do coração.
— Não achei que você fosse ficar tão chateado, juro. Imaginei que soubesse.
Eu continuava deitado de costas, cansado demais para me mover.
— Soubesse o quê?
— Que mesmo que a Shion entrasse nua no meu quarto, eu a mandaria embora. Que você não tem nada com o que se preocupar.
— Valeu, agora vou ficar com essa imagem gravada no cérebro pelo resto da vida.
Naruto balançou a cabeça e soltou uma risada seca.
— Essa insegurança é irritante, gatinho.
Meu queixo caiu e eu me sentei de imediato, acomodando-me sobre os joelhos dobrados.
— Como é que é? Por acaso você é o único que pode se sentir inseguro?
— Ahn? — Ele deu uma risadinha presunçosa. — Por que eu me sentiria inseguro?
— Boa pergunta, mas como você chamaria sua pequena cena com o Neji no corredor da escola ontem? E aquela pergunta idiota sobre eu querer ajudá-lo?
Ele fechou a boca.
— A-há! Exatamente. Você se sentir inseguro é mais ridículo ainda. Vou repetir mais uma vez. — Com a raiva, a Fonte veio à tona. Senti o poder envolvendo minha pele. — Eu odeio o Neji. Ele me usou e estava pronto para me entregar pro Daedalus. Além disso, matou o Kanji. Eu mal consigo tolerar o cara. Como você pode sentir ciúmes dele?
Seu maxilar tremeu.
— Ele te quer.
— Ah, por Deus, é claro que não.
— Não vou discutir.
Joguei as mãos para o alto.
— De qualquer forma, não faz a menor diferença. Eu. Odeio. Ele.
Naruto desviou os olhos.
— Certo.
— Mas você não odeia a Shion. Parte de você a ama. Eu sei que sim. Talvez não da forma como você me ama, mas existe afeto entre vocês… história. Pode me processar, mas isso é um pouco intimidante.
Levantei da cama, com vontade de sair pisando duro como uma criança birrenta. Quem sabe até me jogar no chão. Pelo menos assim eu conseguiria gastar um pouco de energia.
Naruto apareceu diante de mim e envolveu meu rosto entre as mãos.
— Certo. Entendi o argumento. Eu devia ter te avisado. Quanto à história com o Neji… é, aquilo foi idiotice.
— Que bom que você reconhece. — Cruzei os braços.
Ele retorceu os lábios.
— Mas entenda uma coisa de uma vez por todas: é você quem eu quero. Não a Shion nem ninguém mais.
— Mesmo que os antigos pressionem para que você fique com alguém como ela?
Naruto baixou a cabeça e roçou os lábios pelo meu rosto.
— Não dou a mínima para o que eles querem. Nesse sentido, sou incrivelmente egoísta. — Beijou minha têmpora. — Entendeu?
Fechei os olhos.
— Entendi.
— Estamos acertados então?
— Se você me prometer que não vai mais encher minha cabeça com essa história de eu ir com vocês amanhã.
Ele pressionou a testa contra a minha.
— Você não deixa nada barato.
— Verdade.
— Não quero que você vá, gatinho. — Suspirou e passou os braços em volta de mim. — Mas não posso te impedir. Só me prometa que vai ficar perto de mim.
Meu sorriso ficou escondido de encontro ao peito dele.
— Prometo.
Naruto plantou um beijo no topo da minha cabeça.
— Você sempre consegue que as coisas saiam do seu jeito, não é mesmo?
— Nem sempre. — Fechei as mãos em sua cintura, aproveitando o calor que emanava de seu corpo. Se as coisas saíssem sempre do meu jeito, nada disso estaria acontecendo. Mas esse era exatamente o problema. Imaginei se algum de nós conseguiria que as coisas saíssem do nosso jeito.
Seus braços me apertaram ainda mais e o corpo estremeceu com um suspiro.
— Vamos lá. Vamos preparar os ovos com bacon. Vou precisar de todas as minhas forças hoje.
— Pra quê? Por causa… — Fiz uma pausa, percebendo o que ele estava querendo dizer. — Ah, sim… por causa do Neji.
— Isso mesmo. — Me beijou com suavidade. — Vou precisar de todas as minhas forças para não dar uma surra nele. Você entende, certo? Portanto, quero uma porção extra de bacon.
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