• Berlim, março de 1940
Tomito estava voltando para casa após um longo dia de trabalho no hospital. Já fazia seis meses que havia começado a fazer o curso de enfermagem, oferecido pelo Hospital Charité e, fazia dois meses que tinha começado a trabalhar na enfermaria. Claro que não era a mesma coisa do curso de medicina que tanto almejara, mas ela nem se quer pensava mais sobre o assunto. Na verdade, estava feliz com sua profissão e sabia que poderia crescer mais e mais como profissional daquela área, e, além disso, ela ganhava um bom salário para ajudar nas necessidades de casa. Principalmente naqueles dias difíceis em que sua mãe, com muito esforço, conseguia pegar algumas roupas para lavar e passar. Isso rendia pouco dinheiro, mas sempre era muito bem-vindo. Além dos dois salários pertencentes às duas mulheres, havia as pensões que eram fornecidas pelo Ministério do Exército para tentar suprir a ausência dos membros masculinos da família. Era um pequeno salário que não supria muito as necessidades, mas também ajudava. De qualquer forma, não ligava para aquele dinheiro, preferia mil vezes que seu pai e seu irmão estivessem ali ao seu lado, pois, eles eram muito mais importantes. Ninguém conseguia imaginar a falta que eles faziam a ela e, principalmente, a sua mãe. A última notícia que tivera dos dois foi há um mês, quando seu pai enviara uma carta informando que tinha sido transferido para outra divisão, e, isso significava que a partir daquele momento ele e Naruto iriam ficar separados. Sua mãe não gostou nada em saber que seu filho, de apenas 18 anos, iria ficar sozinho em um lugar hostil e sujeito a todos os tipos de aprovações. Isso resultou em longos dias de conversa para tentar acalmá-la e convencê-la de que Naruto iria ficar bem. De qualquer forma, já fazia algum tempo que não tinham mais notícias de ambos e mesmo que sua mãe soubesse que eram comuns os atrasos das correspondências naqueles dias, como ficou bem claro, quando, no final de dezembro elas haviam enviado um singelo presente de aniversário para seu pai que completava 39 anos e ele só foi receber na metade de janeiro. Além de ela saber que eles ainda se encontravam no centro de treinamento dentro da Alemanha, isso não a tranquilizava em nada. Ficar por tanto tempo sem receber notícias das pessoas mais importantes da sua vida era angustiante e isso estava acabando com elas. De qualquer forma, não tinham muito que fazer além de ficarem esperando por alguma notícia.
Andava pelas ruas perdida nesses pensamentos, quando sentiu um forte vento gélido soprando em sua direção, fazendo com que se abraçasse e tentasse fechar o máximo que podia seu casaco, única proteção contra o frio, já que sua vestimenta consistia em seu uniforme de enfermeira, que era bem leve. O inverno estava quase no fim, as temperaturas haviam aumentado consideravelmente desde dezembro. Quase não se via mais neve pelas ruas, e as únicas coisas que deixavam a amostra o inverno rigoroso que tinha sofrido, eram os rios congelados, as árvores em sua maioria sem folhas e aquele vento gelado que ainda teimada em ficar. Mas, também era possível ver a primavera batendo a porta, já que não havia mais nuvens negras e o sol permanecia a maioria do tempo visível e brilhante no céu. Também, já era possível ouvir diversos cantos de passarinhos e observar algumas flores aqui e ali a desabrochar. Tomito gostava muito do inverno, mas amava a primavera, pois, era sublime, cheia de cores, cheia de vida, deixando claro que a natureza voltava a dar sinais de vida, trazendo esperanças, demonstrando que apesar de toda a escuridão, de todo o silêncio e a devastação trazida pelo inverno, ele logo passava e a primavera surgia, trazendo consigo toda a beleza, toda a vida, trazendo um novo recomeço. Todas as sensações que ela trazia consigo eram maravilhosas e inebriantes e Tomito desejava do fundo do seu coração que seu pai e irmão também pudessem estar desfrutando de todo aquele espetáculo.
Pensar nisso a deixou feliz, fazendo com que estampasse um leve sorriso de canto de lábio, adentrando sua casa sem anunciar sua presença. Rumou até a sala de jantar, retirando seu casaco e, finalmente, reparando que havia algo de estranho. A casa estava estranhamente escura e em completo silêncio. Achou isso muito esquisito, já que sua mãe costumava estar em casa naquela hora do dia. E ela sempre fora muito barulhenta, deixando bem claro onde se encontrava.
Direcionou-se até a cozinha para ver se descobria o que poderia estar acontecendo. Ao se aproximar da porta ouviu um som de vozes bem baixas que vinham do outro lado, indicando que sua mãe estava acompanhada. Tomito achou isso um pouco estranho, pois, elas não costumavam receber visitas já há um bom tempo, mas não era impossível de acontecer.
Suas preocupações se esvaíram de imediato e ela adentrou o cômodo, deparando-se com uma cena que a fez se arrepiar dos pés a cabeça. Sua mãe estava de pé e de costas para ela, não permitindo qu fosse visível suas feições. Junto a ela havia um homem sentado em uma das cadeiras, de lado, permitindo que visse apenas seu perfil. Era um homem sério, de feições duras e um olhar gélido que, ao mesmo tempo transmitia malícia. Seu cabelo era bem curto em um tom dourado e sua pele pálida. Tomito nem precisava vê-lo de pé para saber que era bem alto, provavelmente até mais do que seu pai, e seus ombros eram bem largos, indicando que deveria ser bem forte. Mas, não foi sua aparência que a fez sentir medo, e sim suas roupas. Ele usava uma jaqueta cinza com botões prata e uma braçadeira vermelha com o símbolo nazista do lado direito e o seu quepe, que estava sobre a mesa, continha um botton de um crânio e uma águia. Era um uniforme que ela conhecia muito bem.
Mesmo não conseguindo ver o rosto de sua mãe, podia adivinhar suas expressões faciais, pois, não era uma boa coisa receber a visita de um integrante da SS. O quê será que aquele homem estava fazendo na sua casa? O quê ele queria com sua mãe?
De uma coisa tinha certeza, a de que nenhuma delas tinha feito nada de errado para receber aquela visita, ou, pelo menos era o que ela achava. Será que sua mãe estava fazendo alguma coisa que ela não sabia? E tinha sido descoberta? Torcia para que não, pois, as pessoas que eram pegas por aqueles homens não tinham um destino muito agradável.
Tomito ficou quieta e estática por alguns instantes, no qual nenhum deles percebeu sua presença, até que aquele homem olhou de lado e acabou a notando, deixando transparecer um leve sorriso.
Kushina logo reparou essa repentina mudança de expressão, virando-se para trás para ver do que se tratava, constatando que era sua filha.
Isso fez com que Tomito pudesse finalmente ver o rosto de sua mãe e reparar no quão pálida e assustada ela estava.
-Filha! - Sua voz saiu fraca e gaguejante. - Você já chegou?
Tomito apenas balançou a cabeça em afirmação, diante a pergunta.
-Ora, ora, veja só quem está aqui. Sua filha, Kushina? - O homem começou a falar, se levantando logo em seguida. - Não vai me apresentar? - Sua voz era dissimulada.
Kushina apenas o olhou assustada, deixando bem claro por suas feições que ela não pretendia fazê-lo.
-Kushina! Você não irá me recusar isso, certo? Há anos que quero conhecer seus filhos. E, agora tenho o prazer de conhecer um deles. Para a minha sorte, é a menina. - Ele disse demonstrando um sorriso, deixando claro as intenções maliciosas. - Não que eu não queira conhecer o seu filho, mas ouvi dizer que ele foi convocado, não é mesmo? E que está no centro de treinamento. Uma pena, pois, aposto que ele se daria muito bem no nosso departamento.
-É claro que não! - Kushina disse apressadamente. - Meu filho nunca seria um de vocês. E, nem se quer pense em chegar perto da minha filha. - Sua voz soou ríspida e ameaçadora.
-Mãe, o que está acontecendo? - Tomito perguntou, não entendendo nada do que estava presenciando.
Quem era aquele homem? Pelo que ela havia entendido sua mãe já o conhecia há algum tempo.
-Nada de mais, querida. Esse senhor só veio nos fazer uma visita, mas já está de saída.
-Kushina, Kushina. Você realmente vai me fazer essa desfeita? De não me apresentar a sua filha? Eu que sou um grande e velho amigo seu, que nos conhecemos desde que éramos crianças. Você realmente vai me fazer essa desfeita?
-Não tenho o que apresentar, você já a conhece. Você já sabe que ela é minha filha.
-Pois, eu discordo. Apesar de saber que ela é sua filha, eu nem se quer sei seu nome.
A ruiva ficou em silêncio, apenas se afastando dele e se aproximando da filha.
-Querida, você teve um longo dia de trabalho, por que não sobe e toma um banho para relaxar? - Ela disse calmamente, mas seu olhar queria dizer muito.
Tomito olhou bem fundo dentro dos olhos esverdeados de sua mãe e notou que ela estava implorando com o olhar para que ela saísse daquele lugar. Isso fez com que ela percebesse, por fim, que aquela situação era séria. Aquela não era uma visita qualquer, e isso a espantava. Sua mãe não era o tipo de pessoa que se deixava assustar por qualquer coisa, mas naquele momento estava. Percebeu que sua mãe queria protegê-la, mas ela tinha que entender que ela não era mais uma criança, já era uma mulher feita e deveria aprender a lidar com situações críticas como aquela.
Ela, então, direcionou um sorriso doce à mãe, depois, se virando para aquele homem, se direcionou a ele esticando a mão para cumprimentá-lo.
-Muito prazer. Meu nome é Tomito, Tomito Uzumaki.
Ele apertou sua mão com força, fazendo com que sentisse um pouco de dor, mas nada demonstrou, apenas esboçando um leve sorriso conciliador.
-Eu é que digo muito prazer, senhorita. Me chamo Thomas Becker. E, se me permite dizer, você é realmente muito bonita. Ouso dizer que até mais do que sua mãe. - Terminou de falar, logo depois aproximando os lábios de sua mão a beijando.
Tomito percebeu de canto de olho sua mãe se aproximando, logo em seguida a segurando por um dos ombros e a puxando delicadamente para trás, para afastá-la dele. Ela a olhou assustada, percebendo que a ruiva possuía um olhar possesso. Suas feições eram lívidas de raiva, no qual Tomito nunca havia visto antes na vida.
-Agora que você já a conheceu, poderia fazer o favor de se retirar? Já está tarde e não ficaria bem-visto um cavalheiro como o senhor frequentando a casa de duas damas sozinhas até tão tarde.
-Ah! Mais é claro. Que cabeça a minha! Acabei perdendo a noção do tempo na sua presença, querida Kushina. Você não deve ter noção do quão encantador e apaixonante é estar na sua presença.
Tomito olhou para a mãe, sem entender nada do que estava acontecendo e reparou que suas feições estavam ficando cada vez mais sérias.
-Eu agradeço o elogio, mas, por favor, queira se retirar.
Ele apenas maneou a cabeça em concordância, pegando seu quepe e se aproximando da porta, dando a entender que iria embora. Mas, ao passar ao lado de Kushina, ele a segurou com força no braço, as assustando com aquela ação.
-Você realmente acha que vou embora assim? Sem mais nem menos?
-Me solta! - Ela falou com ódio.
-Kushina, Kushina. Minha linda ruiva de temperamento difícil. Você nem pode imaginar há quantos anos eu espero por este momento. Há quantos anos eu tenho esperado para vê-la livre daquele idiota do seu marido.
-Não fale nada de Minato. Você nunca chegara aos pés dele, Thomas.
-Minato sempre foi um idiota. Sempre me perguntei o porquê de você ter o escolhido ao invés de mim.
-Você sempre se perguntou isso? Pois, não deveria. Está bem mais do que na cara que ele é um homem mil vezes melhor do que você.
-Não, não.
-Você sempre foi um arrogante, mimado, que sempre fez tudo o que quis, sem se importar com as pessoas a sua volta. Você machuca pessoas por diversão. Isso faz com que eu sinta nojo de você. Estou me sentindo envergonhada em estar comparando meu marido a você. Ele que é um homem de verdade, um homem no qual você nunca será.
Thomas começou a rir com aquelas palavras, a puxando para perto e a segurando mais forte, falando:
-Um homem de verdade? Não me faça rir, Kushina. Você nunca conheceu um homem de verdade. - Ele pegou um das mechas de seu cabelo e inalou profundamente seu perfume, logo em seguida segurando seu rosto. - Você nunca conheceu um homem de verdade, pois, se tivesse conhecido não falaria desse jeito. Mas, sorte a sua que estou aqui e estou disposto a ensiná-la.
Ele a segurou com mais força, fazendo com que Tomito, que até aquele instante estava em um estado de transe apenas observando a cena, despertasse, ao perceber que sua mãe estava soltando lágrimas por estar sendo machucada.
-A solte agora! - Ela disse alto, se aproximando dos dois.
Ele apenas a olhou rindo, falando logo em seguida:
-Confesso que você até que é bonitinha, mas nunca vai se comparar a sua mãe. Kushina é única, e você é apenas uma cópia mal feita. Você não passa de apenas uma mistura dela e daquele idiota do Uzumaki. Então, me faz um favor e fique quietinha no seu canto, pois, os adultos estão conversando.
Aquelas palavras não agradaram em nada a morena, que começou a se aproximar, mas logo foi repreendida pela mãe, que percebeu suas intensões.
-Tomito! Vá agora pro seu quarto. Você não ouviu o que ele disse? Essa é uma conversa que diz respeito a apenas nós dois. - Tentava falar firme, mas sua voz vacilou.
Kushina tentava se manter forte, mas Tomito percebeu que ela estava aterrorizada.
-Mãe.
-Faça logo o que eu disse. Saia daqui, Tomito.
-Eu não...
-Por favor! Não me obrigue a vê-la se machucar. Eu posso ter perdido o seu pai e seu irmão. Então, por favor, não faça com que eu a perca também. - Ela começou a chorar.
-Você nãos os perdeu! Eles vão voltar para casa. E, definitivamente você não vai me perder.
Thomas riu diante daquela cena e a olhando com frieza, disse:
-Ah, a juventude. Não acha tocante, Kushina, ver que essa criança ainda tem esperanças de que o papai e o irmãozinho vão voltar para casa? Isso me da vontade de rir. - Ele deu uma pequena gargalhada. - Coloque isso na sua cabeça, menina. Eles nunca irão voltar. Minato é um molenga, e pelo que ouvi dizer, o filho também é farinha do mesmo saco, ou seja, dois idiotas que irão morrer logo, logo. E, é por isso que estou aqui. Para consolar sua mãe e mostrá-la o que é um homem de verdade. Quem sabe eu até vire o seu padrasto? Já imaginou isso? Você não gostaria que eu fosse o seu padrasto? Pois, tenho certeza que irei adorar ser. - Disse dando uma pequena piscadela, se aproximando dela e sendo de imediato impedido por Kushina, que o segurou pelo casaco.
-Nem se quer pense em tocar um dedo nela. Como você mesmo disse, o assunto é entre nós dois. Então, deixe-a ir embora, agora!
-Tudo bem. Mas, isso é só porque você pediu. - Disse sorrindo, logo depois acenando com a cabeça para que Tomito saísse da cozinha.
Ela apenas olhou para a mãe, perdida. Sem saber o que fazer, pois, via medo nos olhos dela e não queria abandoná-la. Sabia muito bem o que aquele cretino pretendia fazer, por isso, não podia deixá-la. Ela era sua mãe, sua companheira, sua melhor amiga. Não podia simplesmente dar as costas e sair sem olhar para trás, fingindo que nada de mais iria acontecer. Mas, ao mesmo tempo, percebia que o medo estampado no rosto da ruiva não era por si mesmo, mas sim por ela, sua filha. Ela temia que algo de ruim acontecesse com Tomito, por isso, queria que ela saísse dali o mais rápido possível.
Começou a se sentir dentro de um dilema. O que ela deveria fazer? Ficar ali e enfrentá-lo? Mesmo sabendo que não tinha chances nenhuma contra aquele homem tão maior e mais forte do que ela? Ou, simplesmente sair e deixar sua mãe sozinha com ele? Que também não teria chances alguma contra ele? É claro que se ela saísse dali poderia chamar por ajuda, mas, quanto tempo demoraria para alguém vir socorrê-las? Talvez pudesse ser perdido um tempo muito precioso esperando por alguém, e muitas coisas poderiam acontecer.
Então, acabou se decidindo. Sabia que poderia ser a escolha errada, mas tinha que fazer alguma coisa para ajudar sua mãe. Fazer alguma coisa por ela, que já fizera tanto por Tomito, que dera tudo para ela. Assim, ela apenas balançou a cabeça em concordância, virando-se para aquele homem odioso e falando seriamente:
-Solte minha mãe agora ou prometo que irei machucá-lo.
Isso fez com que ele risse, falando logo em seguida:
- Olho só para isso, Kushina. Tenho que admitir que pelo menos a garota é corajosa. Ela puxou isso de você, não é mesmo? - E olhando para morena, completou. - Fique sabendo garota, que se você tentar fazer qualquer coisa, não serei tão bonzinho com você.
-Tomito, saia daqui agora!
Kushina disse em vão, pois, Tomito se aproximou rapidamente dos dois, puxando o braço dele para que pudesse soltá-la.
-A solte agora! - Falou aos gritos, fazendo toda a força possível para afastá-lo da ruiva.
Ele se viu pego de surpresa por aquela atitude inesperada, mas logo se recompôs, a empurrando com muita facilidade na direção contrária, fazendo com que batesse com força na pia. Isso fez com que Kushina soltasse um forte grito, o puxando para longe da filha. Ele se virou para ela, desferindo um forte tapa em seu rosto, que a fez cair no chão com o impacto.
Tomito ficou desesperada ao presenciar aquela cena e partiu para cima dele, para tentar afastá-lo de sua mãe, o segurando pelas costas, gritando para que se afastasse. Ele conseguiu se desvencilhar dela, empurrando-a novamente com brutalidade. Ficou um pouco atordoada com o impacto, ficando com dificuldades para se localizar, sentia falta de ar e dor nos braços. Apenas escutava ao longe sua mãe gritando para que ele se afastasse dela.
Tomito viu de soslaio que ele se aproximava dela, e o ouviu dizer:
-Você é bastante arrisca. Diria que até mais do que sua mãe. E isso me excita bastante. - Sua voz soou repugnante. - Já que insiste, irei juntá-la a brincadeira.
A segurou pelo ombro a virando de frente para ele, a agarrando com muita força, a machucando. Tomito percebeu um vulto vindo por trás dele, o agarrando pelo pescoço e o puxando para trás. Ele novamente conseguiu se soltar, empurrando Kushina por cima da mesa.
-Fique quieta. Sua filha será a primeira e você ficará assistindo. Prometo que depois será a sua vez, meu amor.
Ao terminar de falar voltou-se novamente para Tomito, a empurrando novamente para cima da pia, ficando por trás dela, impelindo sua cabeça para baixo, mantendo seu rosto o mais perto possível do tampão da pia, com a outra mão segurou um de seus braços para trás. Esse movimento fez com que ela sentisse uma dor lancinante em seu ombro. Sabia que se ele puxasse mais um pouco seu braço para trás seu ombro iria ser deslocado.
Juntando todas as forças que possuía, tentou se virar. Ao realizar o movimento reparou em um pequeno objeto bem próximo de sua mão livre e sem pensar duas vezes o pegou, logo depois desferindo um golpe rápido na altura de seu peito.
Tudo isso não havia demorado mais do que alguns segundos, mas fora o suficiente para que ele se afastasse bruscamente. Com isso, ela conseguiu visualizá-lo por completo e viu o que havia feito. O objeto que ela tinha pegado era uma faca, e a tinha enfiado até o cabo no peito dele. Olhou dentro dos seus olhos, que se encontravam arregalado de surpresa pelo ocorrido. Ele olhou para o objeto cravado em seu peito, depois a olhou novamente dentro dos olhos. Ele tentou se aproximar novamente, mas seus passos ficaram vacilantes, e perdendo suas forças, caiu no chão.
Tomito estava aterrorizada com todos aqueles acontecimentos. Estava toda descabelada e as roupas amassadas, sentia uma dor muito forte no braço esquerdo, além da falta de ar, mas apesar de tudo aquilo, a pior coisa era assistir aquela cena daquele homem caído a sua frente, com os olhos arregalados e o sangue que vertia do ferimento e escorria por todo a carpete a sua volta. Ao olhar para frente viu sua mãe, que não se encontrava em um estado melhor. Seus olhos estavam arregalados, não acreditando no que via.
-O quê você fez? - Ela perguntou assustada, no qual Tomito não esboçou nenhum tipo de reação. - Você sabe quem ele era?
-SS. - Foi tudo que Tomito conseguiu pronunciar.
-Não é só isso, mas ele também era um integrante da Gestapo¹.
Ao perceber que não iria receber mais nenhuma resposta, Kushina se aproximou aos poucos do homem caído, se agachando ao seu lado, tentando sentir a pulsação em seu pescoço. Logo depois, se virou para a filha, com os olhos ainda mais arregalados do que antes, disse:
-Ele está morto.
Apesar de Tomito ter uma leve ideia daquilo, ao ouvir aquela constatação se sentiu horrível, pois, apesar dele ser um nojento que estava as agredindo, ainda assim era um ser vivo, e ela havia o matado.
-Morto? - Perguntou gaguejando, ainda não querendo acreditar.
Kushina apenas balançou a cabeça, se aproximou e a abraçando fortemente, logo em seguida começando a chorar.
-Você não deveria ter feito isso. Você não deveria ter tentado me ajudar. Deveria ter ido embora. Você poderia ter se machucado e não sei o quê eu teria feito se isso tivesse acontecido, meu anjo. - Ela dizia aos prantos, agarrada a filha. - Me prometa que você nunca mais irá fazer algo tão imprudente assim em sua vida.
Tomito ainda estava estática, sem esboçar nenhum tipo de reação. Após alguns instantes Kushina encerrou o abraço e a encarou dentro dos olhos.
-Tomito? - Kushina a chamou, sem receber resposta alguma. - Tomito? Me escuta, Tomito. - Falava a chacoalhando para tentar chamar sua atenção.
Tomito apenas a lançou um olhar distante, perdido em pensamentos.
-Olhe para mim minha filha. - A ruiva continuou a falar, colocando ambas as mãos no rosto da mesma. - Preste muita atenção no que vou falar. Você precisa ser forte agora, entendeu? Você não pode deixar se abalar por isso. Temos que fazer alguma coisa, agora. Temos que agir o mais rápido possível ou iremos nos dar muito mal. - Falava apressada, mas não recebeu nenhuma resposta. - Tomito! Você está me escutando!?
Ela apenas a olhou, balançando a cabeça.
-Ótimo! Eu sei que tudo isso que aconteceu é horrível e você está em choque, mas agora não é hora, entendeu? Deixe isso para depois, agora temos que agir. Temos que nos livrar do corpo o mais rápido possível, pois, se alguém o encontrar aqui, estaremos perdidas. Nem quero imaginar o que pode nos acontecer se alguém descobrir isso. Temos que pensar em algum plano, alguma coisa para nos livrarmos dele.
Mediante essas palavras a morena começou a recobrar a consciência e com uma voz bem fraca, perguntou:
-Como pretende fazer isso?
-Eu não sei. Temos que pensar em alguma coisa.
Kushina começou a andar de um lado para o outro, visivelmente agitada e tentando pensar em algo.
-Podemos enterrá-lo. - Tomito sugeriu.
-Sim, mas onde?
-Não sei! No jardim?
-Não, muito arriscado. Alguém pode ver. - Kushina se aproximou da filha e falou baixo. - Lembre-se Tomito, quero que você sempre tenha isso em mente. Todos são seus inimigos, não importa quem seja. Todos à sua volta estão esperando um pequeno deslize seu para poder te entregar, para conseguir algum tipo de benefício em troca. Lembre-se que as paredes têm ouvidos. Se alguém nos vir o enterrando em nosso jardim podem alertar as autoridades e, imagine que horrível seria em tê-los batendo em nossa porta e quando chegassem ao nosso jardim vissem a terra revolvida. Isso não seria nada agradável para nós, acredite em mim. Além do assassinato, ter tentativa de ocultação de cadáver? Nem quero imaginar no que iria nos acontecer.
-Morte?
-Ah, não. Você sabe que isso seria fácil demais.
Tomito balançou a cabeça em concordância.
- Então não no jardim, mas podemos colocá-lo embaixo do assoalho. Não será difícil retirar o madeirame.
-Sim, mas, pense bem. Depois de alguns dias o cheiro dentro de casa não ficaria nada agradável e chamaria a atenção. Não. Temos que nos livrar desse corpo em definitivo, sem deixar nenhum rastro. Nada que indique que ele esteve nesta casa.
-Mas como iremos fazer isso?
-Não sei! Estou pensando.
-Então podemos queimá-lo.
-Não temos madeira o suficiente. E, de qualquer forma...
-A fumaça chamaria atenção. - Tomito completou o raciocínio da mãe, que concordou. - Nunca passou por minha cabeça que se livrar de um cadáver fosse tão difícil assim.
-É, e não se trata de qualquer cadáver. Pra piorar a nossa situação esse filho da mãe faz parte da Gestapo. - Falou fervorosamente, se aproximando do homem caído no chão, o dando um forte chute nas costas. - Seu desgraçado desprezível. Será que nunca passou por sua cabeça que você nunca teria chances comigo?
Ela, então, abaixou-se novamente ao seu lado, segurando a faca e a puxando com força, fazendo com que jorrasse uma grande quantidade de sangue pelo ferimento, manchando ainda mais suas roupas e todo a carpete a sua volta. Kushina ficou parada na mesma posição por algum tempo e se levantou abruptamente, olhando para a filha com olhos faiscantes.
-Tive uma ideia. Precisamos de alguma coisa para colocá-lo dentro.
-Alguma coisa?
-É. Algum armário, baú, qualquer coisa no qual ele caiba dentro e que possamos carregar.
-Tem o meu guarda-roupa. É pequeno, mas tenho certeza que ele cabe dentro.
-Ótimo. Irei buscá-lo e você arranje qualquer coisa na qual possa envolvê-lo.
Tomito apenas concordou ao mesmo instante que via sua mãe saindo apressadamente. Ela foi rapidamente para a sala de estar, onde havia um enorme tapete sobre o chão. Afastou os móveis de cima do mesmo, o pegando e o levando rapidamente para a cozinha. Logo depois voltou para a sala, vendo sua mãe no topo da escada arrastando seu guarda-roupa.
-Tomito, venha me ajudar aqui. - Ela pediu, no qual Tomito se apressou em ajudá-la.
Após longos minutos, conseguiram descer com o guarda-roupa até o térreo. Apesar de ele ser de madeira, não era tão pesado, já que ele era pequeno, com apenas duas portas, e ambas conseguiam carregá-lo deitado. Tomito se perguntava o que sua mãe estava pensando em fazer com aquilo. Será que ela estava pensando em colocá-lo dentro do guarda-roupa? Se essa fosse a ideia, era muita loucura de sua parte, pois, aquele homem deveria pensar no mínimo uns noventa quilos, somado ao peso do guarda-roupa e do tapete, que não era nada leve. Tudo isso iria ficar muito pesado para que apenas as duas carregassem, se é que aquela era sua intenção.
-Mãe, o que você pretende fazer?
-Vamos enrolá-lo nesse tapete e colocá-lo dentro do guarda-roupa e iremos levá-lo até o rio Spree² e o jogar lá.
-O quê? Esse é o seu plano?
-Sim.
-Ok, mas espera um segundo. Acho que não entendi direito. Como é que você pretende carregar um cadáver daqui até lá, já que a distância é de aproximadamente uns 650 metros? Teremos que atravessar três enormes quarteirões. De a pé demora aproximadamente 8 minutos, e isso sem um peso enorme para carregar. Sem contar que há pessoas na rua e também não vamos conseguir carregar, já que é muito pesado.
-Eu sei que tudo isso parece loucura e quase impossível de ser feito, mas, por favor, confie em mim. É a única coisa que podemos fazer.
-Não podemos pedir ajuda a alguém?
-É claro que não! Não ouviu o que eu disse!? Ninguém aqui é confiável. Além de mim e você, ninguém nessa cidade inteira é confiável. Não podemos pedir ajuda a ninguém, você me ouviu!?
-Sim.
-Ótimo!
-Mas, como iremos sair carregando um guarda-roupa pelas ruas da cidade sem que ninguém desconfie de nada?
-Esqueceu-se do mercado livre? Lugar onde se vende de tudo um pouco? Ele fica no caminho, assim, se alguém nos parar e perguntar o que estamos fazendo, podemos falar que estamos indo para lá.
Tomito concordou, ainda um pouco desconfiada de que aquele plano pudesse dar certo. Mas, o que poderiam fazer? Não podiam simplesmente deixá-lo jogado no chão da cozinha, esperando que alguém chegasse e o encontrasse ali.
Começaram a enrolá-lo no tapete que Tomito havia pegado na sala. Somente ao realizar essa mínima tarefa já foi muito difícil, pois, como ela havia imaginado, ele era muito pesado, assim, dificultando bastante. Após minutos exaustivos, elas conseguiram o enrolar por completo, e com muita dificuldade e com grande esforço físico, conseguiram colocá-lo dentro do guarda-roupa.
Tomito estava bastante cansada com aquela tarefa e percebeu que sua mãe também estava. Elas já se encontravam naquele estado apenas fazendo isso, imagine todo o esforço que iriam ter que fazer para carregá-lo.
-Não vamos conseguir.
-Vamos sim! Eu sei que temos forças o suficiente para conseguir.
-Não, não vamos. Já estamos cansadas e nem se quer saímos de casa.
-Eu sei que é difícil, mas mantenha isso em mente. Tudo isso é para a nossa sobrevivência. E para nosso bem-estar, vamos conseguir. Você me entendeu? - Kushina disse com firmeza.
-Sim.
-Ótimo, então vamos começar a carregá-lo.
-Ok, mas, e o sangue no chão?
-Limpamos depois que voltarmos. Está quase escurecendo e não podemos fazer isso quando já for de noite, porque aí chamaremos muito mais atenção. Vamos fazer isso por enquanto que o sol ainda está no céu.
-Meu Deus do céu, isso é loucura.
-Eu sei que é loucura, mas é necessário.
Ambas seguraram em cada extremidade do móvel e tentaram levantá-lo. Tomito nunca antes havia feito tanto esforço para conseguir levantar alguma coisa. Sentiu seus músculos arderem e começarem a doer de imediato, e seu ombro, que havia sido machucado, soltava pontadas agudas de dor.
-Não vou conseguir. - Falou soltando uma pequena lágrima de dor.
-Vai sim. Nós iremos conseguir. - Kushina a incentivava. - Vamos começar a andar.
Começaram a andar com muitas dificuldades.
Nos primeiros metros, apesar de todo o esforço físico, não estava sendo tão difícil como imaginaram. Desceram pela rua lateral da casa e rumaram em direção a Unter den Linden. Haviam percorrido aproximadamente 170 metros, quando perceberam que seria praticamente impossível chegar até o rio.
-Aguente mais um pouco, logo estaremos lá. Prometo que tudo isso logo vai acabar. - Kushina dizia, tentando confortar a filha.
Apesar de todo aquele esforço, apenas uma coisa as tranquilizava. O fato de que a ruiva teve razão ao falar que elas não seriam alvos de curiosos ao carregarem aquele móvel em direção ao mercado livre, já que ninguém olhou mais do que duas vezes para as duas mulheres que carregavam um guarda-roupa pelas ruas de Berlim. Aquela cena se tornara bastante comum naqueles dias, onde era possível ver pessoas carregando seus móveis pelas ruas para que pudessem vendê-los no mercado, já que estava começando a ser comum ver pessoas venderem seus objetos para conseguirem algum dinheiro para sobreviver. Devido a isso, ninguém as questionou por algum tempo, até faltar apenas um quarteirão para chegarem ao destino, acabaram sendo abordadas por um policial que se aproximava.
-Posso saber o que é isso que as senhoritas estão carregando?
As duas pararam de andar de imediato, ficando estáticas no lugar, na presença dele. Tomito olhou assustada para mãe, que apesar de tentar se manter tranquila, era visível em seus olhos a preocupação evidente. Elas colocaram o guarda-roupa no chão com bastante cuidado, logo depois, Kushina se voltou para o policial dizendo com um sorriso, tentando dissimular o máximo seus sentimentos:
-Senhor, boa tarde.
-Boa tarde.
-Em que podemos ajudá-lo?
-Gostaria de saber o que as senhoritas estão carregando a está hora do dia? - Falava com curiosidade.
-Nada de mais, senhor. É apenas um guarda-roupa velho que estamos levando ao mercado livre, para que seja vendido. - Disse tranquilamente.
-Entendo, mas neste horário o mercado já está fechando. Vocês não acham que é tarde demais para ir até lá? - Perguntava desconfiado.
-Eu sei, mas é que nós trabalhamos o dia inteiro e somente agora tivemos tempo o suficiente para levá-lo para vender.
-Não irão conseguir nada nesse horário.
-Provavelmente, mas não custa nada tentar.
-Ele parece ser bem pesado. Vocês estão custando a carregá-lo.
-Bem, ele é de madeira pura, ou seja, é bastante pesado para apenas duas mulheres. Mas, não tem nada que possamos fazer, já que os homens da casa estão servindo ao nosso Führer.
-Sim, como todos os homens de bem devem fazê-lo.
-Concordo plenamente. - Kushina se apressou a falar.
Ele ficou as encarando por alguns instantes, parecendo pensar no que fazer e acabou concluindo:
-Abram o guarda-roupa. - Disse sério, fazendo com que as duas se olhassem assustadas.
-Como? - Kushina perguntou.
-Eu disse para abri-lo.
-Mas não há necessidade, senhor. Ele está completamente vazio.
-É isso que vamos ver quando você o abrir.
-O senhor não tem necessidade de desconfiar. É apenas um velho guarda-roupa, sem nada dentro.
-É a senhorita que está dizendo, mas eu não sei se você está falando a verdade, por isso, por favor, faça a gentileza de abri-lo para que eu possa constatar que está realmente falando a verdade.
-E poderia ter o quê ai dentro? -Tomito falou pela primeira vez, fazendo com que ele a olhasse.
-Eu não sei, pode ter objetos de grande valor, contrabando, todo o tipo de coisas. Hoje em dia se vê cada coisa que é quase impossível de imaginar. Pelo que sei, pode ter até mesmo algum fugitivo político ou até mesmo algum judeu que está tentando fugir e vocês estão o ajudando.
-Pois, eu posso garantir ao senhor que não há nada disso aqui dentro. Ele está completamente vazio.
-Então o abra. - Disse firmemente.
Kushina, a contra gosto, balançou a cabeça em concordância e pegou a chave que estava dentro de seu bolso, direcionando à fechadura da porta para abri-la.
Tomito ficou apavorada ao ver que sua mãe realmente iria abri-lo, pois, apesar daquele homem está envolto pelo tapete, era mais que visível que ali dentro havia um corpo. Mas, não tinha muito que fazer, elas haviam sido pegas. Se recusassem a realizar o pedido iriam ser vistas como suspeitas e estariam em uma péssima situação. Ou seja, de qualquer forma elas estavam perdidas.
Kushina destrancou a fechadura e quando estava prestes a abrir as portas escutaram um grito mais ao longe. Todos olharam de imediato na direção do som e ouviram uma mulher gritando:
-Policial, socorro, policial. Acabei de ser assaltada.
O homem que estava ao seu lado começou a andar na direção da mulher que o chamava, mas antes de sair, disse:
-Fiquem bem aqui, que já volto. Entenderam? Nada de gracinhas. - Falou ameaçadoramente, saindo correndo.
Ambas se olharam com alivio. Tomito tinha quase certeza que seu coração não iria mais aguentar outras emoções como aquela. Aquele tinha sido um grande golpe de sorte. Parecia que Deus e o destino estavam as ajudando de certa forma.
-Essa é a nossa chance. Vamos sair daqui agora. - Kushina falou apressadamente, trancando novamente a porta e levantando seu lado, logo sendo seguida pela filha.
-Mas, se ele nos ver saindo? -Tomito perguntou preocupada, olhando para trás.
-Se nos apressarmos ele não vai ver.
Começaram a andar mais rápido, sem saber de onde conseguiam tirar tanta força para carregar aquele pesado fardo.
Após alguns minutos conseguiram por fim chegar ao rio. Elas se aproximaram com bastante dificuldade de sua margem. Naquele momento o sol tinha quase que completamente sumido, apenas sendo possível visualizar o horizonte sendo avermelhado pelos últimos raios de sol.
A margem do rio já estava escura e mal era possível enxergar muito ao longe. Perceberam que as fumaças que eram soltas pelo curso d'água indicava que as suas águas estavam congeladas.
Ambas olharam com bastante cuidado para ver se não havia ninguém por perto que pudesse vê-las. Após constatarem que tudo a sua volta estava vazio, Kushina abriu o guarda-roupa, e com a ajuda da filha, tiraram o corpo ainda enrolado no tapete e o depositaram no chão. Logo depois, a ruiva abriu um pouco o tapete e começou a enchê-lo de pedras.
-Por que está fazendo isso? - Tomito perguntou.
-Para que o corpo afunde com mais facilidade. Quero que demore alguns dias para que ele seja descoberto.
-Ok, mas como iremos jogá-lo no rio? As margens são rasas e não tem uma forte correnteza para arrastá-lo.
-Essa é uma boa pergunta.
-Podemos jogá-lo de uma ponte.
-Isso seria de fato bem mais fácil, mas a ponte mais próxima fica 2 km rio acima, além de ela ser muito movimentada. Ou seja, iria chamar muita atenção, coisa que não queremos na nossa situação atual.
-Então, o que está planejando?
-Pensei que como você é uma boa nadadora poderia levá-lo para o mais longe possível da margem.
-Mas, irei acabar me molhando toda, e alguém pode perceber isso. E, além do mais, não sei se tenho forças o suficiente para levá-lo nadando. Estou muito cansada e meus braços estão muito doloridos.
-Eu sei que é pedir muito, mas...
-Temos que tentar. - Ela completou, aquiescendo.
-Tire suas roupas, assim elas não ficarão molhadas.
Tomito concordou, as tirando, sentindo de imediato uma vente gélido a atingir, fazendo com que começasse a tremer de frio.
-Está frio. - Disse se abraçando.
-Calma. Logo tudo isso vai acabar.
Kushina começou a arrastar o tapete para dentro do rio, e quando a água estava batendo em seus joelhos, ela passou para sua filha.
Ao adentrar na água, Tomito sentiu um frio como nunca antes. E, conforme ela ia adentrando cada vez mais, sentia como se milhares de agulhas a penetrassem, devido ao frio emanado por aquela água congelada. Mesmo com todo o esforço que fazia, não conseguia para de sentir frio, na verdade, era como se cada segundo que passasse dentro daquela água ela ficava com mais frio. Após alguns metros rio adentro não conseguia mais sentir o fundo ao mesmo tempo em que começou a se sentir cansada. Todo o seu corpo doía e sentia dificuldades para respirar. Mesmo conseguido manter sua cabeça para fora da água era como se não conseguisse respirar. Sentia que estava em seu limite e não iria conseguir ir mais longe. Se insistisse iria acabar se afogando. E, rezando para que aquela distância fosse o suficiente, ela finalmente soltou aquele fardo, o empurrando com todas as suas forças para baixo. Após vê-lo afundar começou a voltar o mais rápido que conseguia para a margem. Sua consciência estava começando a falhar, e lutando contra todas as probabilidades, conseguiu atingir solo firme.
Sua mãe veio acudi-la de imediato, a envolvendo com seu casaco. Ela desabou no chão, sendo amparada pela ruiva que a abraçava na tentativa de aquecê-la. Percebeu que não sentia mais seus dedos, que estavam arroxeados. Também tremia em grandes espasmos e mal conseguia respirar. Com toda sua experiência com sintomas clínicos, sabia que estava entrando em estado de hipotermia, e isso era bastante perigoso, precisava se aquecer o mais rápido possível. Mas, apesar das necessidades de seu corpo, elas não podiam permanecer naquele lugar por muito tempo. Então, com a ajuda de sua mãe, se vestiu o mais rápido que pôde, começando a se aquecer um pouco.
-Seus cabelos estão um pouco molhados, mas nada que não possa ser disfarçado. - Kushina dizia ao mesmo tempo em que ajeitava seus cabelos o melhor que podia. - Estamos quase no fim. Agora só temos que voltar para casa.
-Você acha que vai dar certo? - Sua voz saiu trêmula e fraca.
-Já deu certo. A parte mais difícil já foi feita. E, você se saiu muito bem. - Falava com um sorriso sincero. - Agora, temos que ir embora.
Após alguns instantes para recuperar o fôlego, elas seguraram novamente o guarda-roupa e começaram a se afastar do lugar.
Quando estavam quase chegando à rua de casa, o mesmo policial de mais cedo as abordou novamente.
-Esperem aí vocês duas. Não pensem que me esqueci de vocês. Eu não disse para me esperarem? - Ele falou se aproximando com uma expressão séria.
-Senhor policial. Conseguiu resolver a situação do assalto? - Kushina falou tranquilamente.
-Isso não é da sua conta. Posso saber o porquê de não terem ficado no mesmo lugar, como eu havia pedido?
-Como você mesmo disse, o mercado estava quase fechando e não podíamos ficar enrolando.
-Não me importa. Vocês desobedeceram à ordem de uma autoridade.
-Nós sentimos muito, mas, como o senhor deve saber, que nós, mulheres, não sabemos muito como as leis em geral funcionam. - Tomito falou com uma voz manhosa e uma feição de ingenuidade.
-Sim. E de qualquer forma, não conseguimos vendê-lo já que, como o senhor nos disse, o mercado já estava fechando quando chegamos. - Kushina completou com um olhar ingênuo.
-Tudo bem. Mas, vocês podem abri-lo agora?
-Com todo o prazer. - Kushina disse o abrindo, revelando seu interior vazio. - Como eu disse mais cedo, ele está vazio.
-Hum! Deem o fora daqui agora, antes que eu perca a paciência.
-Sim senhor. - Ambas falaram em uníssono e voltaram a andar de imediato.
Chegar em casa foi muito mais fácil do que elas imaginaram. E, quando a adentraram, ambas desabaram no chão da sala.
-Estou exalta. - Kushina proclamou, abraçando a filha e percebendo que a mesma estava muito fria. - Está congelando, vou preparar um banho bem quente para você.
Ela tentou se levantar, mas Tomito a segurou pelo braço.
-Mãe. Quem era aquele homem? De onde você o conhecia? - Finalmente a curiosidade tomou conta e ela teve que perguntar.
-Depois eu te conto tudo. Agora você precisa de alguns cuidados.
-Mãe! - Ela a olhou com seriedade. Não estava disposta a deixar aquele assunto para depois.
A olhou com tanta intensidade que fez com que a ruiva desistisse e suspirando, falou:
- Era um amigo de infância. Nós dois éramos meio que comprometidos, mas, acabei conhecendo o seu pai e me apaixonei por ele. O resto você já sabe.
-Então, ele não aceitou muito bem isso?
-Thomas sempre foi um homem muito obcecado e achava que eu pertencia a ele, e nunca aceitou que eu havia escolhido ficar com outra pessoa. Mas, apesar de tudo que ele disse do seu pai, nunca se atreveu a se aproximar, pois, sabia que Minato nunca permitiria isso. Mas, como agora seu pai não está por perto, deve ter pensado que iria conseguir alguma coisa.
-E quase conseguiu.
-Sim. Sorte a minha que tenho você por perto. Você me salvou, sabia disso?
-Salvei!? Eu quase arruinei as nossas vidas. Se é que ainda não tem chances delas serem arruinadas.
-O que está feito, está feito. Agora é só torcer para que nada mais aconteça.
-Eu o matei. Eu tirei a vida de uma pessoa. - Estava triste por isso, e logo grossas lágrimas começaram a escorrer sobre seu rosto.
-Não pense mais nisso.
-Como não!? O sangue dele está em minhas mãos. Acho que nunca mais irei conseguir dormir em paz.
-Não é como se você tivesse planejado fazer isso. Foi impulso do momento. Um instinto de sobrevivência. Você estava tentando se proteger.
-Mas, isso não me da direito de matá-lo. - Sua voz estava embargada de angústia e tristeza.
Kushina a abraçou com força, tentando acalmá-la e a olhando dentro dos olhos, disse:
-Meu amor, você é um doce de pessoa e não fez isso por mal. Tem que parar de ficar pensando nisso e se lamuriando, porque, não é como se você tivesse tirado a vida de uma pessoa boa. Thomas torturava pessoas por diversão e tinha a intensão de nos machucar. Eu sei que dizer isso não irá tirar o peso de suas costas, mas, penso que deve aliviar. Nesse momento você precisa de um banho bem quente e de uma longa noite de sono. Prometo que amanhã estará se sentindo bem melhor.
Tomito apenas concordou com aquelas palavras, secando o rosto o melhor que podia. Kushina a ajudou se levantar a acompanhando até o banheiro e a ajudando a tomar banho o melhor que podia. Depois, a acompanhou até seu quarto e a deitou na cama, ficando ao seu lado até que dormisse.
Depois de constatar que sua filha estava protegida no mundo dos sonhos, Kushina se retirou, indo para a cozinha. Ao chegar ao cômodo, viu os resquícios do que havia acontecido ali mais cedo naquele dia, com as cadeiras caídas no chão e uma enorme poça de sangue espalhada pelo carpete. Sem pensar muito começou a eliminar aquelas provas uma por uma, até que não sobrasse mais nada. Sabia que aquilo ainda não havia acabado, já que tinha quase certeza que alguém deveria saber que Thomas havia ido a sua casa. Mas, também sabia que naquele momento as chances de que elas fossem descobertas eram quase nulas, e, ela se apegava a essa pequena esperança.
Não queria ter visto sua filha passar por aquela situação, muito menos sabendo que era por sua causa, mas, também se orgulhava de saber que ela era forte e que sabia como se defender caso fosse necessário. Ambas eram fortes e sabiam o que era necessário para sobreviver e, se elas se mantivessem unidas nada de ruim iria acontecer.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.