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Os Gênios Pensam Igual - Parte I


Escrita por: Mondrongo

Capítulo 1 - Parte I


O restaurante de Ma Huenkel nunca ficou tão cheio como naquela noite. Novos e velhos rostos circulavam pelo lugar. Alguns tiveram o privilégio de conhecer o Rei de Gotham em pessoa, outros apenas sabiam da fama. Waylon Jones, também conhecido como Croc, faleceu neste mesmo dia há um ano.

Bem em cima da mesa em que costumava esvaziar imensos copos de cerveja há agora um porta retrato com o rosto do próprio. Ele não está sorrindo, mas também não está zangado. Quem o conhecia bem sabia que provavelmente o grandão estava feliz por tirarem uma foto sua na hora.

Para Selina e Edward, que admiraram o retrato por longos minutos, essa também é a oportunidade de lembrar outra pessoa que deixou bastante saudades (e plantas para serem regadas).  Mas com certeza ela preferiria um local mais verde para ser homenageada.

É meio impossível não voltar a falar sobre os velhos tempos quando se revê tantos rostos conhecidos, mas Eddie convenceu sua nova parceira de que numa ocasião como essa isso não é tão ruim assim.

Não que isso irrite Selina, mas ela só conseguiu resistir tanto tempo na cadeia se apegando ao futuro. Enquanto podemos criar novas histórias, vamos nos concentrar nisso, é o que ela repetiu para ele mais cedo.

Bem, acontece que o passado tem um jeito muito especial de nos encontrar. No caso daqueles dois ele veio entrando pela porta da frente com passos largos. Ao passar o olhar pelo salão, ela se incomodou com aquele sujeito de óculos parado, sem interagir com ninguém, ainda bem ao lado da porta. Eddie, por seu turno, o reconheceu de imediato e seu sorriso sumiu na mesma hora.

 

Há 15 anos alguém foi colocado no Asilo Arkham. Alguém que muitos acreditavam que não merecia estar lá. O Coringa era claramente louco, Duas Caras na época estava mais instável do que nunca, mas ele... ele nunca esteve mais consciente de si.

Ao atravessar os corredores algemado, ele sequer piscava. Jurava que sairia em alguns meses por bom comportamento. Como aconteceu antes. Claro que o promotor usou isso para pedir sua transferência para Blackgate, principalmente depois do que ele fez, mas os peritos foram  decisivos para convencer o júri que o homem era insano.

Uma das primeiras coisas que ele fez ao entrar em sua cela foi pedir pelos seus óculos. Afinal, ele queria poder ler e escrever, como sempre fez, mas dessa vez Jeremias Arkham não queria facilitar para um de seus ex-colegas.

O bom doutor inclusive se sentia culpado. Afinal, se não fosse tão condescendente com o paciente, ele não teria saído tão cedo da instituição. Mas agora é tarde: várias crianças estão traumatizadas para sempre graças a sua displicência.

 

-Jonathan!

O homem de cabelos curtos e grisalhos franziu o cenho. Ele se esforçava para reconhecer o sujeito na sua frente. Mas isso foi só por um minuto, afinal aquele timbre de voz é inesquecível.

-Como vai, Ed? – E acenando para a mulher ao lado do colega, continuou – Prazer revê-la também.

-Queria poder dizer o mesmo – Selina não escondia seu desprezo – Veio para prestar seus sentimentos (se é que tem algum) ao Croc?

Ele esfregou um lenço que trazia no bolso da camisa polo contra a lente dos óculos, sem expressar qualquer emoção.

-Não, eu só vim para cá porque é o único lugar que está do mesmo jeito que antigamente. Nunca me dei muito bem com o réptil, mas soube que Pamela faleceu e isso realmente é uma pena.

Tanto Edward quanto Selina levaram um ligeiro choque com essa afirmação: Crane elogiando alguém gratuitamente? Talvez realmente 15 anos preso mude mesmo a pessoa para melhor.

-Ela realmente era muito inteligente, apesar de ter morrido de forma bem estúpida.

Kyle com o dedo em riste a poucos palmos do rosto do supervilão à paisana, avisou pela primeira e última vez que não aceitaria que ele falasse mau de seus amigos na noite de hoje. Fazendo jus ao seu apelido, o infeliz não demonstrou medo, apesar de uma ameaça de Selina nunca ser vazia.

-Não se preocupe, eu não pretendo falar deles. Eu prefiro falar daqueles que ainda estão entre nós. Afinal, eles ainda podem nos ouvir – nesse momento ele olhou maldosamente para Nygma.

 

Sem livros e sem óculos, o único passatempo possível para Crane era desenhar. Lhe deram um pedaço de carvão e muitas folhas de papel, algumas já amassadas e sujas de café. Ele se dedicava a desenhar criaturas aladas com asas desproporcionais.

Um dia o carvão acabou, mas o papel continuou sendo passado para dentro da cela. Ele entendeu tudo: Jeremias estava lhe dando uma lição. O pensamento até divertiu o doutor. Como uma criança birrenta, ele se comprometeu a pagar para ver.

Seu primeiro passo foi cobrir as janelas, a câmera de segurança e a porta de vidro da cela com papel molhado. Os funcionários tiveram que transferi-lo para outro local até limparem tudo. Ele repetiu a dose mais duas vezes. Finalmente veio a ordem para deixa-lo na solitária.

Uma, duas, três semanas depois e Jonathan Crane sentia que desaprendera a falar com outro ser humano, mas ele não podia dar o braço a torcer. Voltou para seu primeiro leito impávido, ao menos por fora. Ele odiava ter de admitir que seu comportamento havia sido moldado. Não, ele já foi maleável antes, mass desde que se tornou o terrível Espantalho, nunca mais.

O problema é que contamos muitas mentiras para nós mesmo e o tempo se encarrega de os desmascarar. Foi o que ocorreu certa noite, quando o paciente da cela 17 mordeu os dedos de um funcionário que passou a refeição pela porta.

Resultado: mais duas semanas na solitária. Crane sentia que estava realmente se transformando em algo diferente depois de tanto tempo. Não só mentalmente. Suas unhas cresceram, seus longos cabelos cobriam seus olhos a maior parte do tempo e suas narinas sentiam as menores variações de odores no corredor. Essa foi a Fase Feral.

 

-Vocês formam um lindo casal, Nygma.

-Me poupe do deboche. Quem te contou?

-Ninguém. Eu sou bem observador, se lembra?

-E o que planeja fazer agora que está livre?

-Ainda não sei. A cidade não é mais a mesma. Não sem ele.

-Todos nós tivemos de nos adaptar...

-E vocês dois se adaptaram muito bem.

-Olha, se é para continuar lançando indiretas...

-Eu estou escrevendo um livro – a afirmação foi a coisa mais sincera e ausente de maldade que ele tinha dito desde que pisou no restaurante – Acho que vou me aventurar na carreira literária.

Nygma sentia-se levemente orgulhoso pelo ex-colega, afinal, os dois sempre foram ávidos leitores e mais de uma vez aventaram a ideia de escrever romances.

-Que ótimo, Jonathan.

-Vou começar com algo menos ambicioso. Geralmente aconselham a escrever sobre coisas que conhecemos. Assim as palavras soam mais verdadeiras. E é por isso que eu vou escrever sobre você.

Uma pausa constrangedora tomou conta daquele canto, um dos poucos mais reservados do Spot Lock. Edward hesitou em  perguntar se era uma piada, mas o próprio Jonathan foi esclarecendo que estava sendo incorreto.

-Na verdade, seria melhor dizer que é sobre nós.

Ed engoliu seco. Ouvir “nós” saindo da boca de Crane, mesmo com Selina bem distante dali, era sinal de problemas e ele não poderia estar mais certo.

 

O fim da Fase Feral se deu numa quarta feira (Crane se lembra até hoje com perfeição de detalhes) em que ele acordou na cela 17 com uma pilha de cartas deixada pelo enfermeiro. Jeremias Arkham tinha decidido realizar uma trégua. A princípio Jonathan não daria o braço a torcer e rasgaria os papéis, mas assim que viu “Edward Nygma” escrito no primeiro envelope... repentinamente criou interesse.

Sim, era ele mesmo, o Charada, agora fingindo ter se redimido com a sociedade. A maior parte eram observações sobre os ricaços mais estúpidos de Gotham e, como sempre, reclamações e alfinetadas nos colegas reunidos sob o rótulo de “galeria de inimigos de Batman”.

Nygma era especialmente venenoso com dois: Rei Relógio e Pinguim. O primeiro lhe irritava por se arrogar ser extremamente metódico e inteligente. Ora, quem pode ser mais inteligente que o Charada? Quanto ao mafioso, Edward criticava especialmente suas ambições políticas. Afinal, ser prefeito de uma cidade tão podre quanto essa não é uma conquista, mas um castigo.

Eram as pequenas doses de veneno que divertiam o franzino e tóxico homem de palha, que, animado pelas cartas, decidiu responde-las no mesmo tom. No entanto, seus comentários ácidos diziam mais respeito aos funcionários do Arkham, principalmente seu diretor.

Depois de alguns meses de comunicação intensa, quando abrir os envelopes para ler as novidades já tinha se tornado um hábito, ele decidiu abordar assuntos mais profundos. Na carta de 8 de Junho, Jonathan Crane muito casualmente encerrou o último parágrafo com “você sente minha falta?”.

 

Chame de sexto sentido felino, mas Selina Kyle sabia perfeitamente quando estava sendo seguida. No caso, quem estava em seu encalço era alguém que mesmo tentando parecer silencioso não conseguia deixar de arrastar um dos pés contra o asfalto.

O que ela fez foi dobrar a esquina e esperar e esperar. Assim que viu a silhueta se inclinar na sua direção, ela a agarrou, puxou seus braços para trás e pressionou sua cabeça contra o muro. A violência do movimento fez com que os óculos do perseguidor caíssem.

Ela esperava que Jonathan Crane desse as caras novamente, mas mais que isso: ela estava torcendo para ele tentar algo com ela. Seria um prazer encher a sua fuça de porrada.

-Você nunca foi muito discreto, meu bem. Da próxima vez trate essa perna manca.

-Anotado.

-O que temos aqui? O bom e velho gás do medo? – Selina conferiu os bolsos do casaco e encontrou uns papéis amassados – Já ouviu falar de pendrive?

-Eu sou meio antiquado.

Ela o virou, de modo que ambos podiam se encarar. Ela continuava severa e ele, indiferente.

-O que é isso?

-Um presente.

Por mais irônico que fosse, Kyle não estava para enigmas e charadas hoje, ainda mais vindo desse desgraçado, por isso ela torceu um pouco seu pulso e o passarinho começou a cantar:

-É um rascunho. Do meu livro de memórias. Eu queria que você lesse primeiro.

-Quanta consideração. Por que não enviou para o Eddie?

-Porque você precisa saber quem ele é de verdade.

Sabemos muito bem o que dizem sobre gatos e curiosidade: não é uma combinação aconselhável, sobretudo para o gato, ou nesse caso, a gata.



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