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História Pardebi - Fade away


Escrita por: Marurishi

Notas do Autor


#revelações
Boa leitura ! ;D

Capítulo 36 - Fade away


“So when this body fails to mend

Will I start to begin or will I fade away with them.” [30]


 

Dois garotos numa plataforma de trem se apresentavam timidamente.

 

— Qual seu nome? — o garoto moreno perguntou, sorrindo.

 

— Mikare… e o seu?

 

— Kanth.

 

Em algum lugar, um telefone tocou. O trem apitou, era hora de partir. Ambos os garotos olharam para o homem baixinho de uniforme amarelo e ambos riram achando-o engraçado nos gestos exagerados.

 

— Você é de Nirdovi? — Kanth perguntou sem rodeios, era a primeira vez que encontrava um Pardebi que não era da agência.

 

— Sim...

 

— E como faz para chegar lá?

 

— Do mesmo modo que você! — respondeu curto e grosso, mas, quando o outro continuou a encará-lo, como se quisesse uma resposta mais completa, sentiu-se confuso, pois um Pardebi não saber como retornar a Nirdovi era algo muito improvável. Perguntou receoso. — Você não sabe como voltar? Você danificou o seu mapa?

 

— Não… Na verdade, eu não posso ir a Nirdovi porque estou preso em um lugar estranho. Você pode me ajudar?

 

— Mas você é um Pardebi licenciado pela agência Miríade! — retrucou completamente abismado.

 

— Como sabe sobre minha licença?

 

— A menos que tenha roubado o uniforme de um agente! — Revirou os olhos. — Como você pode estar preso em outro mundo se você está aqui?

 

—  Você acreditaria se eu dissesse que venho aqui através de um banheiro no hospital em que estou preso?

 

Mikka ficou sério e preocupado, pois não apenas acreditava como também se lembrou das histórias sobre os Pardebis que estavam em outros mundos e usavam o paralelo 24 como porta de entrada para Nirdovi. Se esse fosse o caso, ele havia encontrado uma pessoa muito especial.

 

— Bem… Você quer me contar a sua história? — Mikka perguntou, com interesse genuíno.

 

— Se você quiser ouvir, mas não há muito o que contar, eu não lembro de muitas coisas. Talvez a sua seja mais interessante.

 

Não era. Pelo menos Mikka não achava sua história interessante. Ele era o filho abandonado dos pais desaparecidos após saírem numa missão para outro mundo, o neto rejeitado, o estagiário apaixonado pelo chefe, o aluno que sempre pegava exame, o Pardebi com o poder idiota de termogênese. Ele não era interessante…

 

Algumas pessoas passaram por eles empurrando bicicletas. Outro trem chegou e agora era um homem vestido de azul que sinalizava o embarque e desembarque. Tudo tornou-se muito barulhento. Alguém gritava que havia filmado fantasmas na noite passada.

 

Os garotos saíram andando na direção contrária à estação ferroviária. Queriam conversar mais. Mikka contou sua história — deixando de lado a parte sobre seus sentimentos pelo chefe — enquanto Kanth contou o que se lembrava da sua até aquele momento.

 

— Pode ser que você se esqueceu porque eram memórias ruins! — Mikka tentava confortar o novo amigo. — Em geral é isso o que acontece com as pessoas que vêm para Mirabilis. É porque tiveram uma vida desagradável no mundo onde estavam.

 

Cruzaram por uma cabine telefônica onde uma moça dançava ao som de uma música romântica.

 

— As pessoas daqui são semelhantes com as que estão no hospital. — Kanth falou observando a moça dançar na cabine — Como surgiu esse mundo?

 

— Acho que ninguém sabe… Esse é um mundo delicado, como um infinito sonho coletivo.

 

— Mikka, você não deve perder as esperanças de encontrar os seus pais! Tenho certeza que eles estão vivos em algum lugar.

 

— Não é fácil manter as esperanças tendo essa porcaria de vida… Aliás! — Pensou por um momento, como se ponderasse um arrependimento. — Eu nunca contei essas coisas para ninguém...

 

— Fico feliz em ter ganho sua confiança, eu não tenho conversado com pessoas reais há muito tempo e estava precisando de um amigo para desabafar.

 

Mikka sorriu sentindo-se igualmente feliz e sem arrependimentos. Ele também não tinha ninguém para contar nada da sua vida, tinha amigos, mas o medo do que pensariam dele era maior do que a possibilidade de confiar neles. Agora havia encontrado Kanth e uma amizade parecia ter acontecido.

 

Cruzaram por um banco de ferro e ambos se sentaram lado a lado.

 

— Meu chefe na agência disse que não é comum Pardebis fora da Miríade virem a Mirabilis, você tem algum motivo para estar aqui? — Kanth perguntou curioso.

 

Mikka apertou os lábios, constrangido. Como explicar seus motivos sem parecer egoísta ou aproveitador?

 

— Bem… Venho aqui na esperança de encontrar meus pais ou o  Dono da Torre.

 

— O Dono da Torre? — Com o olhar questionador de Kanth, Mikka soube que precisaria explicar tudo desde o começo.

 

— O Desvirador de Barcos… Você é um agente, deve saber como funcionam as coisas aqui em Mirabilis.

 

— Ah, sim! — Sorriu ao compreender e deu um resumo do que era repetido incansavelmente aos agentes novatos. — Aqui as comunidades são chamadas de “mar”, tudo o que acontece no “mar” é chamado de “barco”, e, quando um barco vira, catástrofes acontecem, e somente o Desvirador de Barcos, o Pardebi de nível Parveli, pode resolver.

 

— Então… Eu tenho esperanças de encontrar esse Pardebi Parveli.

 

— E como você pretende encontrá-lo se ninguém sabe quem ele é?

 

— Bem, todo mundo sabe que ele entra aqui através dos sonhos e unicamente para resolver problemas graves, como barcos virados que afetarão mortalmente uma comunidade. Então, se encontrar um Pardebi que corresponda a essas características, deve ser ele!

 

— Ahh, entendi! — Ponderou por um momento. — Isso porque somente um Pardebi Parveli tem esse poder de entrar fisicamente em outros mundos  através dos sonhos, né?

 

— É… Pelo que você me contou, você entra aqui fisicamente pelo paralelo 24, que é uma porta, mas não é um sonho, porque se fosse por sonhos você não conseguiria manter essa união de corpo e mente.

 

— Esse Parveli é mesmo incrível. — Kanth divagou olhando para o céu cor-de-abóbora. — Nem o meu velho amigo sabia sobre ele, mesmo sabendo de tantas coisas sobre os Pardebis… até mesmo sobre o paralelo 24… Imaginar que todo esse tempo estou lá e não sabia!

 

— Pode ser que você soubesse para onde estava indo e fosse sua ideia usar o portal do paralelo 24 para ir a Nirdovi, mas como você se esqueceu…

 

— Sim… Eu não consigo me lembrar de como cheguei lá… Pode ser que eu tenha ido com essa intenção mesmo, apesar de que não tenho ideia de como usá-lo para ir a Nirdovi. — Um suspiro resignado escapou e Kanth continuou. — Quem sabe era exatamente isso, eu já sabia que era um Pardebi e pretendia usar o paralelo para sair do meu mundo original, que sei, não tem paranormais!

 

— Mas parece que você usou de uma forma bem errada, já que suas memórias foram separadas da sua mente… — Encarou-o como se tivesse descoberto uma grande verdade. — Ou isso também era parte da sua intenção para ter uma nova vida em outro mundo onde as habilidades psi são naturais!

 

— Sim! — Riu altruísta. — Pode ser isso, já que agora o  passado não me importa. Quem sabe que tipo de vida horrível eu tinha?

 

Um feixe de luz fez Mikka piscar e ele percebeu que seu tempo se esgotava.

 

— Eu preciso ir, está passando do limite do meu tempo. Os mapas são danificados se excederem o tempo estimado e você sabe que, por estarmos aqui fisicamente, podemos sofrer danos reais.

 

Mikka não prolongou a despedida e se levantou com pressa. Acenou enquanto corria para longe e percebeu tarde demais que deveria ter, pelo menos, apertado a mão de Kanth, pois a última imagem que viu foi o semblante triste do moreno. Não saberia dizer se foi pela sua saída apressada ou pelos sentimentos despertados pela menção às memórias perdidas.

 

Contudo, lembraria de abraçá-lo na próxima vez que se encontrassem e não falaria mais naquele assunto, pois aquela era uma amizade que tinha futuro e queria manter.

 

 

“And in the afterlife, 

tell me we'll be fine.” [30]


 

— Então quer dizer que minha querida irmãzinha tem um domínio inteiro e secreto em um mundo paralelo? — Stefian encarava Miyumi com os olhos arregalados, não era comum ele demonstrar uma emoção de admiração e surpresa ao mesmo tempo.

 

— Eu contei sobre os sonhos diferentes, que eram missões nesse mundo particular.

 

— Sim, e que poderia usar os sonhos das pessoas para encontrar pessoas, que, aliás, nunca serviram de nada para encontrar o Kanth… E agora, você simplesmente vai para aquele mundo e ta-dan! — Gesticulou dramaticamente. — Ele está lá!

 

— São coisas diferentes, Stef! Usar sonhos para encontrar alguém ou moldar a realidade da pessoa que está sonhando é uma coisa, aquele mundo é outra bem diferente, eu só entro lá quando preciso realizar algo importante.

 

— Eu entendi. — Colocou a mão no queixo, pensativo. — Talvez seja esse o motivo de nunca termos encontrado o Kanth na malha dos sonhos do Maros ou do Ryth, porque ele esteve esse tempo todo em um paralelo que não era acessível dessa forma.

 

— Exato, e agora que ele entrou em Mirabilis, eu consegui localizá-lo!

 

— Entretanto… — Coçou as costas da mão sob a finas luva de pelica, como se algo ali o incomodasse. — Tem certeza que o Kanth que você encontrou é o verdadeiro ou é uma memória? Porque Mirabilis é feita de memórias, muitos que estão lá são apenas isso, uma memória.

 

— Era o verdadeiro, pois se fosse uma memória eu o veria como um garoto. Eu nem sequer conheço ele! Só o vi pelas fotos que o Ryth nos mostrou! — Pensou por um momento. — Eu não disse que o nome era Mirabilis, muito menos que tipo de mundo era aquele… COMO você sabe?

 

— Acha que consegue encontrá-lo novamente? — Virou-se para a janela, encarando o céu de densas nuvens cinzas, ignorando a pergunta indignada da irmã. — Se ele puder nos dizer como ele entrou em Mirabilis… — Sussurrou para si.

 

— Stef!

 

— Você disse o nome, sim! — Virou-se e a encarou com um sorriso charmoso. — Você precisa tomar cuidado com o que fala, um dia pode entregar informações sigilosas sem querer!

 

 

“We leave nothing but our thoughts

And memories beneath the dust.’ [30]


 

Passou-se alguns dias até que Miyumi conseguisse retornar a Mirabilis. Procurando uma cidade grande que pudesse ter um prédio com oito elevadores, como o indicado por Kanth.

 

— Elevadores existem em prédio e não há muitos aqui… — pensava alto enquanto observava a comunidade em que estava.

 

Era um bairro de uma cidade pequena, com lojas vazias e pouco movimento. Não havia automóveis nas ruas, mas havia estacionamentos. Algumas pessoas passaram de bicicleta ao seu lado, um homem empurrava um carrinho de supermercado vazio e uma senhora idosa regava alguns matos que cresciam nas rachaduras da calçada.

 

Continuou caminhando até as casas terminarem e só haver mato de ambos os lados da rua. Aquela parecia uma rota de ciclistas, pois vários passavam por ela e foi uma criança que lhe chamou atenção quando caiu da bicicleta e machucou os joelhos.

 

— Você está bem?! — Correu para ajudá-la. — Consegue se levantar?

 

— Sim, foi só um arranhão.

 

— Que bom! Sabe me dizer que comunidade é essa?

 

A criança era um garoto com menos de 10 anos de idade e sorriu inocente, parecendo muito feliz por conversar com uma pessoa desconhecida.

 

— Você não é daqui, né? Que legal, eu não conheço muitas pessoas, você vai morar aqui?

 

— Não exatamente, eu procuro alguém que está aqui, num prédio bem grande que tem muitos elevadores. Já viu um prédio assim?

 

Miyumi não sabia se aquilo era bom ou ruim. Ela não costumava interagir com as pessoas quando ia naquele mundo, mas tudo havia mudado drasticamente ao ponto de agora estar conversando normalmente. Sem saber muito o que fazer ou dizer, apenas sorriu, o garoto continuou sério e alertou.

 

— Se você está indo para o centro da cidade, evite passar pelo canteiro das flores azuis, elas são altamente tóxicas e todos que cruzaram por lá morreram.

 

— Ah, certo. Obrigada por me avisar! — Miyumi sorriu novamente, achando aquilo engraçado e curiosa para ver as tais flores azuis.

 

— Posso ir com você, assim não correrá o risco de se perder ou de tocar nas flores e morrer.

 

Ele subiu na bicicleta e saiu pedalando. Miyumi sentiu certa frustração, pois não tinha uma bicicleta e não poderia acompanhá-lo. Até porque ela nem sabia andar de bicicleta! Na sua infância e adolescência era dedicada somente aos patins.

 

Andando sempre em frente, chegou em um cruzamento em T e ficou paralisada ao ver um enorme canteiro com belíssimas flores azuis. O canteiro ocupava a quadra toda, as flores pareciam lírios e eram maiores que uma mão aberta. Quase sentiu vontade de tocar, mas lembrou-se que deveriam ser as famigeradas flores que matavam.

 

Pensou até que ponto o veneno seria eficiente em si, mas não queria arriscar, tinha algo a realizar e não podia correr o risco de “morrer”.

 

Decidiu deixar as flores de lado e, depois de alguns minutos caminhando, chegou num bairro de muitas casas e prédios, alguns velhos e assustadores, outros elegantes e sofisticados. Entre tantos, um edifício se destacou.

 

Era o mais alto da rua, com uma fachada elegante em tons claros e charmosos, porém, pelo jardim revirado e a tinta fresca nas janelas, ficou evidente que passava por alguma reforma. Miyumi contou oito andares e imediatamente suas sobrancelhas se elevaram e um sorriso satisfeito se abriu em seus lábios pintados de vermelho-borgonha.

 

— Resta saber se possui oito elevadores!

 

A compreensão de estar no lugar certo era intrínseca e Miyumi nunca se preocupou com explicações lógicas para esse fato, exteriorizar a telergia de forma a criar malhas que moldavam mapas de localização correta era tão natural quanto respirar.

 

Foi entrando sem se preocupar com educação ou convite, ela sabia que naquele mundo era normal entrar ou sair de qualquer lugar, além de que ninguém poderia vê-la se ela não desejasse. Pelo prédio estar em reforma, parecia não ter ninguém, o que tornava o lugar frio e, ainda que bonito e de cores claras, parecia sombrio. Talvez fossem as cortinas esvoaçantes saindo pelas janelas abertas como fantasmas querendo escapar, talvez fosse apenas seu coração retumbando em emoção no mesmo ritmo dos seus passos pelo corredor vazio com piso de ardósia.

 

E, no fim do corredor, os oito elevadores. Ela sabia que somente um era o correto, sua escolha não foi aleatória, era aquele poder incompreensível de saber exatamente o que, como e por que fazer.  Ao entrar e apertar no botão do oitavo andar, piscou longamente e esperou que a sensação da subida não lhe causasse enjoo, como às vezes acontecia quando estava muito nervosa.

 

Quando as portas se abriram, estava no lugar correto, havia um corredor enorme, com painéis de gesso em ambos os lados. Continuou até o fim do corredor e dobrou à esquerda, onde o piso ainda estava inacabado, somente no contrapiso.

 

O chão estava molhado, havia gotas caindo do teto como se tivesse uma grande infiltração, uma pilha de azulejos brancos e mofados estava escorada em um canto ao lado de espelhos quebrados, mas Miyumi não se preocupou, deviam ser descartes da reforma pela qual o prédio estava passando.

 

Sua atenção estava numa placa de “saída de emergência”,  achou engraçada e bastante inusitada. Logo, estava a última porta, que, diferente de todas as outras, era de madeira talhada com desenhos de arabescos. Ignorando qualquer tipo de educação ou convenção, empurrou sem precisar fazer força, e entrou no apartamento onde tudo era novo e de bom gosto, como se fosse recém-adquirido e ainda estivesse em processo de organização.

 

Sentou-se para analisar o novo ambiente, afagando as almofadas fofas ao seu lado. Os tons rosês davam um ar delicado e antigo, diria até convidativo e confortável. Curiosa, correu os olhos pela sala captando os detalhes e foi quando viu, na poltrona do canto mais afastada, Kanth lhe encarando desconfiado, segurando um coelho de pelúcia.

 

Emocionada, não conteve o grito e imediatamente levantou-se para abraçá-lo:

 

— Kanth! — exclamou, mas foi parada pelo protesto do garoto.

 

— Fique aí! — disse estendendo a mão num gesto claro de que não queria aproximação. — Eu não sei quem é você e nem como conseguiu chegar aqui tão facilmente!

 

— Quem disse que foi fácil? — Sentindo uma pressão em seu peito, sentou-se novamente, como se tivesse sido empurrada de volta ao sofá, mas não pensou muito sobre isso e continuou empolgada. — Tem ideia de quantos anos estamos te procurando?

 

Kanth franziu as sobrancelhas intrigado, mas logo em seguida abriu um sorriso bastante gentil. Miyumi não saberia dizer se ele ficou feliz ou decepcionado em saber que estava sendo procurado há tantos anos. 

 

— Qual seu nome? — Kanth perguntou com interesse, soltando o coelho ao lado.

 

— Miyumi Dzlieri, estou aqui por você.

 

— Desde aquele dia no casamento, eu quero muito saber de onde você me conhece e como você entrou e me encontrou aqui nesse mundo…

 

Aquela era a deixa para Miyumi começar uma interação e nada mais eficiente do que dizer a verdade. Ela não fazia ideia do quanto Kanth sabia sobre tudo o que o cercava, se ele sabia da existência de outros paranormais além de Ryth, pois quando fora levado de Nelovânia nem mesmo a trupe estava totalmente formada. Assim, precisava explicar tudo desde o começo.

 

— Bem, assim como você, eu possuo habilidades paranormais. A minha é a projeção astral para entrar nos sonhos, mas também consigo moldá-los e até trazê-los para a realidade usando da transfiguração. — Pacientemente, tentou explicar da forma mais clara possível. — Você já deve estar ciente de que estamos em Mirabilis, um mundo que está no mesmo paralelo dos sonhos, e, por causa do meu poder, posso entrar quando há grandes distúrbios para ajudar as pessoas que estão correndo riscos graves. Não sei te explicar pela lógica como consigo entrar aqui fisicamente através dos sonhos, mas…

 

Ela não chegou a concluir sua fala quando Kanth desfez a distância entre eles a passos rápidos, com semblante impressionado, ajoelhando-se aos seus pés com um sorriso encantado, segurando-lhe as mãos como se precisasse confirmar que Miyumi era feita de matéria física:

 

— A Dona da Torre, a Desviradora de Barcos! — disse ele, estupefato.

 

— O QUÊ? 

 

Miyumi gritou estarrecida, pois, ainda que estivesse acostumada com as bizarrices que aconteciam em Mirabilis, ver Kanth de joelhos diante de si daquela maneira e a chamando por aqueles títulos era demais até mesmo para ela. Não que os títulos fossem estranhos, era o contrário, eles eram muito familiares, pois faziam parte de sonhos antigos e nunca imaginou que alguém além de si soubesse daquilo.

 

— Como sabe sobre a torre e os barcos?

 

— Desde que cheguei aqui, tenho ouvido falar de você. Ou, pelo menos, do tipo raro chamado Parveli, como uma divindade que tem o poder de equilibrar esse mundo. Mas ninguém jamais soube o seu nome ou o mundo no qual você vive!

 

— Eu não sou uma divindade! — falou constrangida. — Sou igual a você! Por favor, se levante e pare de agir estranho.

 

— Aqui, os Pardebis como você são vistos assim. — Levantou-se e sentou-se ao lado dela. — Principalmente os que possuem o seu nível de poder, os Parvelis.

 

Naquele momento ela soube que Kanth não estava às escuras, ele sabia de muitas coisas, talvez até mais que ela. 

 

— O que sabe sobre os Pardebis de Nirdovi?

 

— Bastante… — Sorriu, como se aquele assunto fosse o seu favorito. — Tudo começou com as histórias que meu velho amigo escreveu, depois pela visita de uma pardebiana chamada Marsha, que facilitou eu poder sair daquele hospital e descobrir esse mundo.

 

— Onde é o hospital que você se refere? — Ali estava a informação que Miyumi mais desejava saber.

 

— Sendo você também uma Pardebi, deve saber sobre o paralelo 24.

 

— Claro! Qual a relação dele com você?

 

— O hospital é o próprio paralelo 24.

 

Ela achava que estava preparada para tudo, mas se enganou. Ficou chocada com aquela revelação.

 

— Como é possível que você esteja no paralelo 24? Como você chegou lá?

 

Imediatamente lembrou-se da teoria de Stefian, de que nunca encontraram sinal algum de Kanth, nem mesmo nos sonhos, porque ele estava em um paralelo inacessível. O paralelo 24.

 

— Eu não me lembro exatamente como foi... — ele falou baixo desviando o olhar. — Também não lembro de grande parte da minha vida antes de estar lá, como família, colegas ou amigos.

 

— Você não se lembra de sua vida em Geor ou Nelovânia?

 

— Eu me lembro das cidades e de tudo sobre aquele mundo em que nasci, porém é como se eu nunca tivesse vivido lá. — Seus olhos cinzas pareceram duas poças de água e Miyumi já sabia que aquilo era uma novidade preocupante.

 

Porém, ela esperava que ele a bombardeasse com perguntas sobre a vida que não se lembrava, mas ele simplesmente sorriu como se não tivesse interesse nas memórias perdidas e mudou o assunto.

 

— Por que você decidiu me procurar? Minha presença em Mirabilis pode causar desarmonia e virar um barco?

 

— Nada disso! Há muitas coisas envolvidas que não conseguiria explicar de uma só vez, mas você tem certeza que está no paralelo 24? 

 

— Sim. Eu estou preso e não posso voltar ao mundo real… O máximo que consigo fazer para sair de lá é vir aqui.

 

— Então é possível aos Pardebis entrarem aqui fisicamente através do paralelo 24?

 

— Exato, mas você é uma raridade incrível, você consegue entrar através dos sonhos sem precisar de nenhum portal, por isso tem o status de Parveli. Eu acredito que você conseguirá uma forma de encontrar o paralelo 24 no seu mundo.

 

— Nós já temos uma forma! Graças a um senhor muito inteligente que acreditou em tudo isso e desenvolveu um mecanismo. — Uma ideia passou em sua mente. — Aliás, quem é o seu velho amigo que escreveu  sobre os Pardebis?

 

— Ele nunca me disse o seu nome. Talvez ele também tenha se esquecido.

 

— Eu gostaria muito de ter visto esses escritos... — Não era apenas por curiosidade, mas desejava uma confirmação de algo que supôs assim que Kanth mencionou “as histórias que meu velho amigo escreveu.”

 

Kanth não respondeu. Levantou-se e foi até uma escrivaninha e retirou uma pasta de veludo antigo, entregando-a para Miyumi.

 

Quando ela começou a ler aqueles documentos, não teve nenhuma sombra de dúvida, eram as histórias sobre os Pardebis de Nirdovi sob a ótica do Dr. Venk Daekh.

 

— Como eu imaginei, seu velho amigo é o Dr. Venk! — Riu vitoriosa. — Então a mente dele realmente se fixou no paralelo 24 para passar adiante o seu conhecimento! Esqueceu-se de quem foi, até mesmo seu nome, mas manteve todo o conhecimento sobre Nirdovi e a origem do Pardebis...

 

Ela pensou em como era impressionante que todos estivessem ligados de alguma maneira, parte de uma única coisa, separados em algum momento, mas destinados a se juntarem novamente!

 

— Você se lembra de um amigo chamado Ryth Nateli? Ou um rapaz chamado Maros Daekh, que foi mordomo na sua casa.

 

Kanth negou e Miyumi apenas suspirou deprimida. Antes mesmo de pensar sobre o caso, decidiu que ocultaria aquela informação, seria doloroso demais se Ryth soubesse que havia sido esquecido, bem como para Maros.

 

— Eu fico um pouco aliviada em saber que o Dr. Venk é seu amigo e estão cuidando um do outro. — Pensou em como Maros receberia aquela notícia. — Contudo, agora que já sei onde você e ele estão, fica mais fácil decidir os próximos passos. Porém, me preocupa muito a falta das suas memórias.

 

— Eu posso me acostumar com isso — respondeu tão prontamente que Miyumi o encarou surpresa. — Alguém me disse que elas são ruins e foi muito bom tê-las perdido.

 

— Há memórias ótimas que você não deveria querer perder! Kanth, você não deve aceitar isso tão facilmente!

 

Havia um tempo certo de permanência e Miyumi o esgotara. Tinha receio do que poderia lhe acontecer caso não retornasse, por isso sentiu a urgência em retornar.

 

— Kanth, eu preciso ir mesmo querendo ficar, mas saiba que vamos te salvar! Nós já temos quase tudo o que precisamos, o que faltava era saber do seu paradeiro, mas agora que me foi revelado tenho certeza que vai ficar tudo bem.

 

— Como eu ousaria não confiar na Desviradora de Barcos? — Estava genuinamente feliz e segurou timidamente a mão dela. — Quero ser seu amigo e um dia saber de todas as missões que concluiu com sucesso aqui!

 

Miyumi sorriu, apertando a mão dele entre as suas. Kanth era encantador e deveria ter só coisas boas na vida, ela queria ainda mais levá-lo novamente para o mundo e colocá-lo ao lado de Ryth e de todos que o amavam e o queriam bem.

 

— Já somos amigos! — disse se levantando. — Quando você voltar a Nelovânia, eu te conto!

 

Ainda que diante dela estivesse um rapaz bem crescido, ela o via como um garotinho gentil que precisava ser abraçado e protegido. Pensou em se despedir dando um beijo na testa, mas percebeu que ele era muito mais alto que ela, provavelmente ele estava com mais de 180 cm e ela, com seus 160 cm, não alcançaria sua testa se ele não se inclinasse. Seria vergonhoso, por isso desistiu e apenas acenou.

 

Pareceu-lhe que houve um semblante frustrado em Kanth, como se ele quisesse uma despedida mais afetuosa, mas Miyumi não tinha mais tempo, desapareceu em seguida.

 

Kanth fechou o sorriso e abraçou o próprio corpo, velho hábito defensivo que exasperava inconsciente sua frustração. Fazia tanto tempo que ele não era abraçado por uma pessoa real e ninguém parecia notar o quanto ele ansiava por isso.


 

“And all my demons they come crashing in

Will I start to begin.” [30]

 

Na primeira oportunidade, Miyumi revelou a todos não apenas sobre aquela visita a Mirabilis, onde encontrou-se com Kanth, mas sobre um mundo inteiro que até aquele momento ela achava que estava apenas nos seus próprios sonhos.

 

Ela era uma Parveli, mas, até pouco tempo, sequer sabia que existiam classificações para os Pardebis. Não havia nada disso nos estudos do Dr. Venk, mas Mirabilis era real e ela passou a ver em proporções muito maiores tudo o que aquilo representava em sua vida. Tudo o que ela própria representava para si, para os outros e para aquele mundo. Contudo, não precisava mencionar sobre isso tão logo, afinal, o foco era Kanth, e não ela. 

 

 


Notas Finais


[30] Música tema: Afterlife - Illenium feat. Echos

Anaaaaaaaa, te amoooo, obrigada por mais um capitulo betado! <3

E obrigada a todos que aqui estão, que continuam empolgados e não desistiram! Bjss para todos! <3

https://www.spiritfanfiction.com/jornais/guia-basico-para-estudos-pardebianos-16751636


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