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História Peccatum Nostrum - Two


Escrita por: DiasCarol

Notas do Autor


Eu sei que está tarde, eu sei, mas prometi que postava hoje e aqui está.

Capítulo 2 - Two


Fanfic / Fanfiction Peccatum Nostrum - Two

Enquanto observava a multidão acidentalmente seus olhos se encontraram com os de Will e foi inevitável não se lembrar do dia em que o conhecera, o dia em que sua vida foi virada do avesso e que ele foi jogado em um lugar que não conhecia e que as pessoas o desprezavam, um lugar onde ele não tinha nenhum porto seguro e nem ninguém em quem se apoiar.

Seus reinos eram próximos, ambos ricos e militarizados, mas rivais. Viviam em disputas constantes a gerações e ocasionalmente conflitos ou guerras aconteciam, entretanto na maioria das vezes não havia vencedor e nem perdedor já que ambos eram grandes potências e caso estas guerras fossem levadas adiante haveria apenas destruição mútua.

No entanto, em algum momento o rei Apolo passou a fortalecer o reino em segredo dos demais. E então, de forma repentina, atacou seu rival sem dar chance de defesa, com seu melhor e mais cruel guerreiro no comando, o general Ares.

Tudo aquilo não durou mais do que uma semana. Em uma semana todo um reino caiu, milhares de pessoas foram assassinadas, dentre homens mulheres e crianças. A família real foi completamente dizimada para que não houvesse descendentes.

Nico era o único filho homem de um duque, Hades Di Ângelo, e naquele tempo, naquele lugar, o nome Di Ângelo, era sinônimo de respeito e nobreza. Ele, Nicolas Di Ângelo estava destinado a herdar de seu pai o título de duque e então administrar uma parcela do reino, em nome do próprio rei, assim como seu pai fazia.

Sua família era composta por nobres e não por soldados, eles aprendiam tudo que se poderia aprender sobre política e administração, mas nada sobre o campo de batalha. Eles não viviam no castelo, mas em uma mansão a dois dias de distância se viajasse a cavalo e o animal fosse veloz.

Nico tinha aulas de esgrima, mas era puramente um passatempo, seu instrutor nem sequer lhe ensinava a manusear uma espada verdadeira, apenas de madeira ou com lâminas cegas. Era apenas uma diversão, nada comparado ao manuseio de uma espada em campo de batalha. Nada que pudesse ser o suficiente para ensina-lo a sobreviver.

Hades possuía apenas dois filhos legítimos, a mais velha, Bianca, na época tinha cerca de doze anos, e Nico, o caçula, de oito anos. Eles eram os filhos do duque com sua esposa, Maria, no entanto havia uma outra menina, Hazel, que na época ainda não havia completado cinco anos, ela era sua filha ilegítima, com uma serva da família, que infelizmente morreu durante o parto da filha. Maria aceitou a menina e passou cuidar dela do mesmo jeito que cuidava dos seus próprios filhos.

O ataque aconteceu rápido demais. Nico estava dormindo quando o som de passos apressados o acordou, ele levantou depressa e Bianca entrou em seu quarto, com Hazel no colo, a pequena se agarrando com força na irmã que tinha no rosto uma expressão apavorada.

— Vamos! Depressa... — foi tudo o que ela disse a Nico quando o puxou pela mão e tentou arrasta-lo para fora de casa.

A menina ignorou completamente os resmungos assustados do irmão, bem como suas perguntas, apenas o puxava pela mão, guiando-o entre os muitos corredores que eram tão familiares a eles.

No entanto havia algumas coisas naqueles corredores que, até então, o pequeno Di Ângelo jamais havia visto e que nunca se esqueceria.

Servos corriam para todo lado, atropelando-se uns aos outros sem nem se importar. Pessoas eram pisoteadas, muitas das decorações foram derrubadas e os soldados inimigos estavam em algum lugar que o menino não conseguia ver, apenas via as facas e flechas sendo lançadas e atingirem as pessoas a sua volta, fazendo o sangue respingar no chão e paredes brancas, além de em muitos dos quadros que sua mãe tanto amava.

Os três conseguiram sair da mansão onde encontraram com o duque e um de seus soldados, Maria já estava morta, havia sido assassinada ainda dentro de casa, com uma flecha que lhe atingiu bem no coração e em frente aos seus filhos.

Nico ainda tentara socorrer a mãe, mas Bianca o impediu, sabendo que seria inútil e que apenas os faria perderem tempo e arriscar suas vidas.

O menino não sabia o que esperar do lado de fora da casa, mas definitivamente não estava preparado para o que viu. Haviam vários corpos jogados para todo lado, o sangue manchava o solo, as roupas e a pele das pessoas. Soldados lutavam uns contra os outros, o ruído do metal se chocando ecoava juntamente de gritos de dor e desespero.

Tudo aquilo era novo e aterrorizante para o menino, que se sentiu sufocado e apavorado diante da situação em que se encontrava. Ele teria ficado paralisado ali mesmo, se a mão de Bianca não o segurasse a sua com firmeza e o puxasse constantemente.

Hades levou as crianças para o estábulo, enquanto seu guarda-costas ficava para trás tentando ganhar tempo. O nobre ainda conseguiu por as crianças montadas em cavalos, tanto Nico quanto Bianca tiveram aulas de montaria. Mesmo que o menino as odiasse era habilidoso o bastante para controlar o animal naquela situação.

Hazel ainda era pequena demais e estava muito assustada para fazer qualquer coisa, por tanto ela ficou com Nico, a quem era mais apegada. A menina estava posicionada a frente do irmão, se recusando a solta-lo, o que significava que estava de costas para tudo que havia logo adiante.

Fato este, ao qual, Nico agradeceria no futuro, pois assim ela não veria as imagens que jamais deixaram de atormentar o garoto em seus pesadelos.

— Pai... — chamou Nico assustado enquanto segurava com força demasiada as rédeas do cavalo.

— Vai ficar tudo bem Nicolas. — disse o homem, que sempre preferira usar nome ao apelido que fora dado ao menino. — Vocês vão sair daqui e vão ficar seguros. Mas preciso que me prometa Nico, que vai tomar conta das suas irmãs. Você vai ser o responsável por elas enquanto eu não estiver por perto, preciso que tome conta delas.

— Você vai com a gente, não vai? — perguntou o menino em tom choroso.

— Eu vou estar logo atrás. — disse ele com um breve e significativo olhar a Bianca — Mas talvez tenhamos de ficar separados por um tempo. Confie na sua irmã mais velha, está bem? Bianca sabe o que faz, mas ainda vai chegar o dia em que será você a ter a responsabilidade de protegê-las e não o contrário.

— Estou com medo.

— Eu sei. Nicolas eu sei. Mas agora, você precisa proteger Hazel, se concentre nisso.

O menino assentiu enquanto abraçava a irmãzinha com força.

— Bianca... — começou Hades.

— Eu sei. Tenho que cuidar do Nico. — disse ela com uma expressão cansada e assustada, mas um tom determinado. — Eu posso fazer isso

Hades deu as duas crianças breves instruções sobre o local para onde deveriam ir e estava contando que Bianca pudesse guiar o irmão caçula.

— Vocês precisam ir, agora. — disse ele quando os sons de luta começaram a se aproximar.

Bianca apenas assentiu enquanto dava ao cavalo o comando para correr, Nico a seguiu com medo de ficar para trás.

Entretanto mal eles haviam deixado os estábulos e o local foi invadido.

— Nico, não olhe. — gritou Bianca para o irmão enquanto se mantinha concentrada no caminho a sua frente.

Mas Nico ignorou e olhou para trás apenas para ver sua casa queimando, soldados invadindo o estábulo e apontando para ele, o rosto de seu pai ainda visível pela porta entreaberta, caído no chão com os olhos vidrados e sem vida.

Não importava para onde ele olhasse, tudo que via era seu mundo ruindo, as pessoas que conhecia morrendo, os lugares por onde, até o dia anterior, costumava correr e brincar com suas irmãs entre as suas aulas, agora repletos de sangue e cadáveres. Não importava para onde ele olhasse ou no que tentasse se concentrar, a imagem de seus pais assassinados não saia de sua mente, assim como a sensação de angústia não lhe abandonava.

Enquanto segurava as rédeas com uma mão, usava a outra para envolver sua irmã e tentar impedi-la de ver o que acontecia ao seu redor.

Os três irmãos fugiram o quanto puderam, cavalgaram por uma noite inteira, e pararam apenas quando os cavalos estavam cansados e famintos demais para continuar. Após uma pausa de algumas horas, em que a garota mais velha fez de tudo para consolar ambos os irmãos, eles seguiram viagem em direção ao palácio, onde pensavam que estariam seguros.

Quando finalmente chegaram o rei os recebeu pessoalmente e lhes disponibilizou quartos no castelo, após ouvir seus relatos sobre o ataque que não era o primeiro. Outras cidades do reino já haviam sido atacadas, mas eram cidades pequenas da fronteira e eles acreditavam serem ataques isolados, no entanto o assassinato do duque e sua esposa, além do ataque a sua mansão, deixavam claro que aquilo era um ato de guerra e o rei estava começando a tomar providencias sobre isso.

Ainda assim não era como se o rei pudesse fazer algo sozinho. Ele mobilizou seus soldados e os deixou preparados para um ataque, mas antes de revidar precisava encontrar-se com os outros nobres que lhe auxiliavam no comando de seu reino, então ele os convocou para uma reunião. O que ele não esperava descobrir é que haviam acontecido mais ataques do que acreditava inicialmente e que muitos destes nobres haviam sido assassinados e quase ninguém sobrevivera para poder relatar o ocorrido, por que Apolo tinha espiões dentro do reino, o que significava que aqueles ataques haviam se iniciado de dentro.

O rei mal havia descoberto sobre a possibilidade de existirem espiões quando o palácio foi atacado e as informações demoravam tanto para chegar de um lugar a outro que, naquele momento, o reino já estava tão destruído que dificilmente se reergueria.

Poucos foram os que tiveram tempo de fugir.

Bianca reagiu, para proteger os irmãos mais novos, utilizando uma espada que havia pego escondido do arsenal na mesma noite em que chegaram ao castelo, uma espada especial feita de um metal estranhamente negro. No entanto a garota não sabia lutar e apesar de ter conseguido ganhar algum tempo, sua tentativa de salvar os irmãos resultou apenas em seu próprio assassinato na frente dos mesmos.

Hazel estava paralisada e apavorada, os olhos castanhos arregalados e úmidos pelas lágrimas.

Tomado pela raiva, Nico pegou a espada e começou a lutar da melhor maneira que pode.

Em suas aulas de esgrima ele havia aprendido várias técnicas e regras, que não podia aplicar em um combate real. Descobriu isso da pior forma e acabou sendo ferido algumas vezes por ter seguido as mesmas normas que seu professor lhe ensinara.

O menino acabou aprendendo que deveria usar toda a sua força se quisesse ter chance de sobreviver, e que não deveria tentar movimentos complicados, a menos que seu adversário cometesse algum erro e lhe desse uma brecha para isso.

Nico não tinha a habilidade necessária para que conseguisse controlar a luta, e mesmo assim era habilidoso o bastante para conseguir matar alguns dos soldados que lutaram contra si, e consequentemente proteger sua irmã, que era um alvo fácil.

Perto do fim da batalha, quando o seu reino já havia caído e apenas alguns poucos soldados ainda restavam para lutar pela vida do rei, Nico se deparou com alguém que conhecia.

O garoto tinha apenas doze anos, era um amigo de Bianca, mas estava sendo treinado para se tornar um soldado desde que o Di Ângelo conseguia se lembrar, e era aclamado como um guerreiro talentoso e promissor.

Seu nome era Percy, um filho bastardo de um lorde do palácio, que era também irmão do atual rei.

— Nico... — ele disse assim que viu o menino segurando a espada coberta de sangue em posição defensiva em frente à irmã caçula. — Nico, por favor, desista. Se você se render eu posso cuidar de você e Hazel. Não precisa continuar lutando, você não é um soldado.

— Você... — disse Nico enquanto se dava conta do que acontecia. — Você é um traidor... Um espião... É claro, você passou informações do palácio, por isso eles conseguiram invadir. Você tinha acesso a informações importantes, como quais são os locais mais vulneráveis... Mas... Por quê? Seu pai e seus irmãos estão aqui... Eles...

— Eu sou um bastardo, Di Ângelo. — resmungou ele — Meu pai não é como o seu. Ele nunca se importou realmente comigo. Meus irmãos? Tyson está longe daqui, eu garanti que estivesse. Quanto a Triton e Kym? Aqueles dois fizeram questão de tornar minha vida um inferno, não é como se eu me importasse.

— Mas...

— Por favor, se renda.

Nico não se rendeu, ao invés disso atacou o garoto a sua frente, sabendo que as chances de sobrevivência, mesmo que se rendesse, eram pequenas. E, no entanto também sabia que Percy era muito mais talentoso e habilidoso do que ele.

Quando a batalha encerrou Nico estava exausto, machucado e desarmado, no entanto, mesmo que tenha reagido e o atacado, foi Percy quem garantiu que os dois irmãos fossem levados como prisioneiros ao invés de assassinados pelos outros soldados ali mesmo.

Ele tentou explicar ao Di Ângelo os seus motivos, mas o garoto não queria ouvir, se sentia traído e nem sequer sabia o por que. Talvez fosse por Percy ter sido um amigo relativamente próximo de Bianca. Ou talvez fosse algo mais.

O garoto também apareceu para visita-los depois que Nico e Hazel foram presos, algemados a uma carruagem.

O Di Ângelo sentiu certo prazer ao ver que o antigo amigo de sua irmã estava mancando, com as roupas rasgadas e um corte no rosto na altura de sua sobrancelha, onde havia uma certa quantidade de sangue seco.

— Nico. Eu realmente sinto muito pela Bianca. Não queria que ela morresse. De verdade.

— O que você ganha com isso? — perguntou o menino com os olhos já úmidos enquanto voltava a sentir toda a dor da perda e da traição — O que você ganhou com isso Percy? Se souberem que você tem sangue real então será executado na hora, não importa se ajudou eles ou não.

— Mesmo que você dissesse isso a eles não pode provar. — argumentou ele — Oficialmente não sou filho de ninguém. Não sou ninguém. E perante a igreja sou amaldiçoado por um erro que meus pais cometeram. Você ainda não tem idade para entender essas coisas...

— Você não ganhou nada. Fez isso apenas porque odeia que seu pai tenha abandonado sua mãe.

— Ele não abandonou apenas a minha mãe, abandonou a mim. — disse ele com rancor — Diferente do seu pai que assumiu ter cometido adultério para assumir Hazel como sua filha, o meu simplesmente me rejeitou e se recusou a admitir quem eu era. É claro que todos sabiam, eu tive o azar de ser idêntico a ele, mas oficialmente nunca foi dito nada e por isso eu não sou nada, nem sequer um sobrenome eu possuo.

— Hazel também não tem o sobrenome do nosso pai... — o garoto começou antes de ser interrompido.

— Hazel ganhou outro sobrenome. — resmungou Percy — Ela não pôde receber o Di Ângelo porque seria uma desonra a sua família, mas Hades criou outro sobrenome para ela, Levesque. É assim que ela vai se chamar até o momento em que se casar. Hazel é uma garota, não precisava de um sobrenome só dela, mesmo que não possuísse nenhum agora, no futuro ela ainda teria o de seu marido. Agora, eu sou um homem, e jamais terei um sobrenome, ao menos continuaria assim se dependesse do meu pai. Eu não poderia nem sequer dar um sobrenome a meus filhos no futuro.

Nico não tinha o que responder.

Sabia qual a importância de um sobrenome. Era aquilo que definia quem você era, que era capaz de abrir ou fechar portas. Ter um sobrenome significava ter um status, o que era ainda mais importante do que dinheiro. Mas Percy nunca poderia ter esse tipo de coisa, ele nunca poderia ser considerado alguém importante, seria sempre visto como um camponês qualquer, por mais que tivesse o sangue real.

Nico não podia imaginar o que era saber que nunca poderia ter aquilo que era seu por direito, aquilo que deveria ser a sua herança.

No entanto apesar de Percy tentar manter ambos, Nico e Hazel, vivos, Ares não parecia gostar muito da ideia. As discussões sobre o destino de todos os prisioneiros durou quase dois dias e por fim Percy perdeu, por mais que o Di Ângelo fosse obrigado a admitir que ele lutou com tudo o que podia, usou de toda a sua pouca autoridade entre aqueles homens.

Mas Ares havia conseguido o que queria, os prisioneiros seriam executados.

Mas o rei Apolo havia ido averiguar a situação e havia levado consigo seus filhos, as princesas Kayla e Rachel de doze e onze anos, e o príncipe William de apenas sete anos de idade.

A ideia era certamente a de deixar o pequeno príncipe a par da realidade com a qual ele teria de lidar em algum momento. Deixa-lo ciente das decisões que teria de tomar no futuro, das mortes que causaria, direta ou indiretamente. Morte de seu povo, seus soldados ou dos seus rivais.

Nico e Hazel estavam sem se alimentar a dias, ambos sujos e maltratados. A menina resmungava, choramingava de fome, enquanto não entendia seu próprio destino e era abraçada pelo irmão que parecia tentar usar o seu próprio corpo como um escudo que a protegeria do mundo.

Esta cena atraiu a atenção do pequeno príncipe, que, Di Ângelo notou, tinha uma expressão muito triste no rosto e, diferente de qualquer nobre que já conhecera, apesar da ordem do pai para que olhasse com atenção o que estava acontecendo, ele não olhava.

Will fechava os olhos ou virava o rosto toda vez que uma execução acontecia. Ele parecia estar sofrendo. E em certo ponto ele até mesmo tapou os ouvidos enquanto virava o rosto e lágrimas discretas caíram de seus olhos.

Era nítido que ele era afetado pelo choro dos prisioneiros, o som das pessoas se engasgando com o seu próprio sangue, das espadas e machados sendo afiado ou dos grunhidos engasgados e desesperados que vinham daqueles que eram condenados à forca.

Talvez por Will ser o príncipe e demonstrar claramente isso que sentia, mas os prisioneiros passaram a implorar ainda mais por suas vidas, e os choros que já não eram muito contidos, passaram a aumentar ainda mais.

O príncipe foi repreendido algumas vezes e Ares parecia ter dificuldades em parar de rir do sobrinho enquanto se divertia com todo aquele sofrimento. Ele não parava de falar o quanto o príncipe era patético e covarde.

Mas Nico estava vendo por outro lado. É claro que a reação do menino era anormal, era considerada um sinal de fraqueza e talvez por isso mesmo que se destacasse tanto. Mas ao mesmo tempo ele não hesitou em desobedecer uma ordem. Em momento algum ele tentou se forçar a obedecer ao pai e observar aquela cena.

O príncipe chamou a atenção do Di Ângelo por não se preocupar com a ordem que lhe foi dada.

Mas, por mais interessante que o pequeno Solace pudesse ser, Nico ainda estava muito mais preocupado com sua irmã do que com qualquer outra coisa. Ele não deixou que Hazel visse nada, mas não podia impedi-la de ouvir.

Então chegou sua vez.

Sob os olhos azuis e atentos do príncipe Nico foi afastado a força da irmã por alguns soldados. Hazel gritou assustada, e Nico tentou dizer a ela que ficaria bem.

Enquanto era arrastado para longe da menina os olhos do Di Ângelo se encontraram com os de Percy. Ele estava claramente triste e não conseguia desviar os olhos do chão. Seu rosto estava inchado e um pouco arroxeado, o que fez com que o garoto se perguntasse com quem o príncipe bastardo teria brigado.

Percy podia ser excelente com uma espada em mãos, mas o mesmo não se pode dizer com as mãos nuas, por isso ele praticamente nunca se permitia ser desarmado.

Quando Nico passou por ele teve a impressão de ouvir algo como um “Sinto muito” vindo dele.

Por mais que o Di Ângelo soubesse que o antigo amigo estava sendo sincero, ele ainda sentia muita raiva. Era inevitável.

Os soldados guiaram Nico para a forca. O menino não reclamou e nem chorou como os outros, tudo o que fez foi soltar um longo suspiro.

Mas antes que pudesse subir no banco onde teria a corda amarrada em seu pescoço, ele viu os olhos de Will fixos em si e com um brilho que na época Nico não conhecia ou entendia.

Era o mesmo olhar que ele veria tantas vezes após aquele dia. O brilho determinado de quem tomou uma decisão na qual não voltará atrás independente das consequências.

— Pare. — ele disse alto e claro enquanto dava um passo à frente.

O príncipe ainda tinha o rosto um tanto quanto úmido pelas lágrimas, mas mesmo assim ele foi prontamente obedecido, o que fez com que recebesse um olhar extremamente irritadiço de Ares e outro cansado de Apolo.

— William. — chamou Apolo.

— Ele é só um menino. — disse Will.

Seu tom não combinava com sua aparência infantil e as bochechas rosadas. Ele soava sério e até um tanto quanto indignado.

Ele falava com a autoridade de um príncipe, mesmo que ainda fosse uma criança.

— É um prisioneiro. — disse Ares em um grunhido — E um nobre. Se o deixarmos vivo, em algum momento este menino se tornará um homem e pode vir a destruir nosso reino.

— Então por que destruímos o dele primeiro? Por terras? Já tínhamos o bastante... Não há sentido em nada disso.

— William, por favor, pare com isso. — disse Apolo impaciente.

— Não! — resmungou com teimosia — Esse menino não é muito mais velho que eu. Porque ele precisa morrer?

— Will, chega... — pediu Kayla.

— Deixe-o falar. — resmungou Rachel.

— Dê um único motivo lógico em deixa-lo vivo. — pediu Apolo — Algo racional, com algum sentido.

— Você vive falando sobre a bíblia. — disse Will confuso — Vive falando de Deus, você trás bispos e cardeais para me darem catequese, mas a bíblia diz claramente “Não matarás”. Você diz que um rei tem de dar o exemplo. Que exemplo? Você fala de compaixão e só distribui mais e mais crueldade. Você fala sobre céu e inferno, que estes homens queimarão no inferno, mas você os acompanhará. Todos nós.

Ares soltou uma risada divertida ao ver a expressão do irmão.

Apolo estava claramente contrariado, Rachel não conseguia conter um sorriso e Kayla parecia um tanto temerosa com o rumo que as coisas estavam tomando.

Nico observou o príncipe enquanto ele se colocava a frente de si e desafiava o próprio pai, que além de tudo, também era o rei, apenas pela sua vida.

Não importava como tentasse, Di Ângelo não compreendia.

Respeitar e obedecer ao pai era a maior regra de basicamente todas as sociedades e não era preciso que ela fosse verbalizada para que todos soubessem e a cumprisse. Desrespeito ao pai era considerado um crime de mais alto grau e que inclusive, resultaria em uma suposta intervenção divina.

— Se você quer citar a bíblia então aqui vai. — disse Ares — “Não desrespeitar pai e mãe”.

— Ainda é menos grave do que assassinato. — retrucou Will — Talvez seja errado contrariar os pais, mas nunca será algo tão grave ao ponto de tirar uma vida.

— Majestade... — começou um soldado com um olhar assustado após atrair a atenção de todos para si — Esse menino matou alguns dos nossos soldados. Por mais que nenhum deles se destacasse ainda eram nossos homens...

— E quantos do povo dele vocês mataram? — perguntou Will olhando para todos os soldados — Quantos? Dos nossos, apenas homens foram mortos, soldados. Mas e quanto às mulheres e crianças que nós matamos? Pessoas que não podiam se defender...

— Isso é a guerra, William. — resmungou Ares.

— Não é não. — o retrucou com veemência — Uma guerra sugere que ambos os lados percam, mesmo que para um a perda seja menor que a outra. Mas não foi o que houve aqui. Isso mais se parece com um genocídio do que com uma guerra.

— Me dê um motivo. — pediu Apolo — Um único motivo para permitir que esse garoto viva. Algo racional e que não arrisque o nosso reino.

— Permita que ele seja meu servo. — disse Will de forma imediata, pegando a todos de surpresa, incluindo o próprio Nico que também sentia-se indignado — Permita que ele e a menina vivam no castelo. Sob minha proteção e supervisão. Eles estarão perto o bastante para serem vigiados, seria impossível que fizessem qualquer coisa contra nós.

— William… — Apolo esfregou o rosto.

O rei estava impaciente. Nunca tivera paciência para as manhas, manias ou caprichos de seus filhos e geralmente acabava lhes dando exatamente aquilo que pediam apenas para que parassem de lhe atormentar. E Will costumava ser particularmente determinado quando queria algo.

— É racional e não oferece risco ao nosso reino. — disse o menino.

— Você responderá pelos atos dele. — disse Apolo — Por ele e pela menina. Você será o responsável, entendeu William?

— Sim, senhor. — disse o menino

Com isso tanto Nico quanto Hazel foram soltos, embora fosse para ter uma vida completamente oposta a que haviam tido até então, Di Ângelo estava aliviado que ao menos tivessem uma vida.

Apesar disso, da proteção de Will, todos ainda olhavam para Nico e Hazel como se eles fossem aberrações.

Durante o resto das execuções o príncipe não voltou a intervir, e continuou a desviar o olhar, mas desta vez, de perto, o moreno podia perceber claramente as mãos cerradas do Solace, que deixavam claro que, apesar de não interferir, ele repudiava aquilo.

Nos dias seguintes eles seguiram viagem até o reino. Nico não tinha ideia de como seria, sequer sabia se conseguiria lidar com aquela situação e Hazel tinha muito medo de tudo e todos ao seu redor.

Como a viagem duraria vários dias, mesmo a cavalo, eventualmente eles precisavam parar para comer e descansar, coisas das quais os animais também necessitavam.

Durante estas paradas Nico aprendeu a montar barracas, ou melhor, foi obrigado a aprender. Ele e Hazel podiam ter uma só para eles, contanto que se mantivessem próximos de Will e os seus guarda-costas.

Na primeira noite de viagem, quando suas barracas ficaram em um campo, que já havia sido uma zona de plantio, Hazel reclamou muito sobre não conseguir dormir por medo dos pesadelos que já vinha tendo há vários dias. Reclamações estas que cortavam o coração de Nico, mas ainda eram mais suportáveis do que seus choros de fome.

O menino não conseguia dormir, por mais cansado que estivesse. Seu corpo podia estar exausto e acabado, mas sua mente estava trabalhando mais rapidamente do que nunca enquanto tentava descobrir se aquela era ou não uma boa situação para se estar.

E mesmo que soubesse que não conseguiria dormir, Nico não saiu de perto da irmã, mantendo-a envolvida em seus braços e cantarolando em seu ouvido todas as canções de ninar que conhecia, até que a menina finalmente dormisse.

Hazel mal havia pegado no sono quando Nico a deixou dormindo com o único cobertor relativamente fino, que havia sido disponibilizado aos dois.

Estava pensando sobre o que perdera quando o som de passos logo a entrada da barraca lhe chamou a atenção.

— Posso entrar? — perguntou a voz do príncipe em tom baixo e cauteloso.

Sem dizer uma única palavra, Nico apenas afastou o tecido para que Will pudesse passar. Não queria realmente que ele entrasse, mas sabia que não poderia dizer não.

O príncipe entrou e se sentou em frente ao outro menino com um olhar um tanto receoso.

A atenção de Nico foi atraída quase imediatamente para o fato de o príncipe estar usando roupas de dormir que consistiam em uma camiseta e uma calça de linho, o que também significava que tecnicamente ele não deveria estar ali.

— Qual o seu nome? — perguntou ele — Você já sabe o meu, mas, por favor, me chame só de Will.

— Nico. — respondeu o menino incerto — Nicolas Di Ângelo.

Will estendeu a mão para ele e o moreno apenas lhe encarou confuso, até que o loiro por fim a recolhesse.

— Eu sei que nunca será o bastante, mas desculpe por tudo. — ele disse em tom tristonho enquanto desviava os olhos do menino para a menina adormecida — Ela é sua irmã?

— O nome dela é Hazel. — resmungou Nico — Hazel Levesque.

— Ah. Ela gosta de histórias? — perguntou o príncipe com um pequeno sorriso divertido enquanto Nico lhe encarava com confusão — Eu tenho um livro de histórias. Bem, na verdade é da Rachel, mas ela não gosta por que diz que são muito bobas e previsíveis. Mas talvez Hazel goste.

— Ela gosta de desenhar. — resmungou Nico — Mais do que de ouvir histórias.

— Posso conseguir alguma coisa, mas não tenho nada aqui...

— Por que está fazendo isso?

— O que?

— Agindo como se fosse bonzinho.

— Não estou sendo bonzinho...

— Está tentando ser.

— Não, eu...

— É só um príncipe idiota! — disse o moreno com raiva, mesmo sabendo que não devia, as palavras apenas jorravam para fora de sua boca.  — Você pode ter salvado a minha vida e da minha irmã, mas agora somos forçados a sermos escravos e vigiados vinte e quatro horas! Escravos têm mais liberdade e respeito do que nós! Você pode se achar um herói, um salvador, o que quer que seja, mas não é nada! Se não fosse por você e sua família eu e Hazel nem sequer estaríamos nessa situação, nosso reino ainda existiria, minha irmã, meus pais e a maioria dos que conheço ainda estariam vivos!

Will desviou o olhar por um instante com o rosto levemente rosado.

Nico respirou fundo sentindo certo alívio. Estava irritado com tudo o que havia acontecido, com a situação em que se encontrava, mas poder descontar essa irritação em alguém era um alívio, mesmo que parcial.

— Me desculpe. — Will sussurrou enquanto segurava com força as mangas da camisa.

Ele não disse mais nada por algum tempo, tempo o suficiente para que Di Ângelo achasse o clima no local um tanto desconfortável, especialmente por Will não lhe encarar. Quando estava começando a cogitar dizer algo o príncipe se manifestou.

— Eu realmente não tive a intenção de parecer bonzinho. — ele disse com um olhar cauteloso — Estava apenas sendo eu mesmo.

— E como eu posso saber que é a verdade?

Nico lembrava-se com clareza de seu pai lhe orientando a ser cuidadoso quando fosse falar com outros nobres. Hades não cansava de lembrar o menino que ninguém poderia ser considerado completamente confiável e que mentir para levar vantagem era parte de que significava ser um nobre.

E Will era muito mais que um simples nobre.

— Você vai ter que conviver comigo todos os dias. — disse Will dando de ombros — Vai acabar me conhecendo de uma forma ou de outra.  Eu quero que me conheça pelo menos.

O olhar tímido que Will lançou a Nico ao dizer aquelas últimas palavras fez com que o menino não conseguisse mais vê-lo como aquele príncipe que vira intercedendo por sua vida. Aquele príncipe que sabia argumentar e que podia rebater qualquer coisa. Aquele príncipe determinado e com ar de inflexibilidade, em nada se parecia com o menino tímido e inseguro que agora estava sentado a sua frente brincando com sua própria manga.

— Porque desobedeceu ao rei? — perguntou o Di Ângelo.

— Como?

— Quando o rei ordenou que olhasse. Você não o fez. Por quê?

— Ah. — Will mordeu o lábio levemente antes de finalmente responder a Nico — Eu simplesmente não podia.

— Por causa de Deus? — perguntou incrédulo.

O olhar de Will lhe deixou claro que não devia falar sobre religião com aquele tom de voz, de quem desdenha do que diz.

Nico, apesar de ter sido catequizado, também cresceu ouvindo as zombarias que seu pai fazia com relação à igreja e todos os seus argumentos sobre o motivo de não crer na religião. Em algum momento, que o menino não saberia dizer ao certo quando foi, Maria parou de tentar contraria-lo ou repreende-lo sobre seus comentários hereges, embora sempre lhe pedisse para não falar essas coisas na frente dos filhos.

Eventualmente ele acabou achando as palavras de seu pai muito mais sensatas e compreensíveis do que a bíblia e, no entanto ele também sabia que este era um assunto sobre o qual jamais deveria falar com ninguém, a menos que não se importasse em conquistar a inimizade desta pessoa e corresse o risco de ser acusado e morto por heresia.

— Não exatamente. — ele parecia um pouco perdido e Nico podia ver claramente que ele procurava as palavras certas para se explicar — Isso é simplesmente... É simplesmente errado. Eu acho que nunca entendi porque algumas vidas são mais importantes do que outras. Quer dizer, todos nascemos do mesmo jeito, ninguém escolhe onde ou como nascer. Por que, por exemplo, eu, que sou um príncipe, tenho mais direito a vida do que um camponês, ou alguém como você? Qual é a diferença?

— Acho que é só uma questão de que um tem que morrer para que o outro possa viver. — disse Nico — A vida é assim até mesmo com os animais.

Will balançou a cabeça como se negasse tal explicação e o moreno podia ver o quão confuso essa questão lhe deixava.

E, no entanto ele não queria falar sobre isso. Estava cansado de dilemas e enigmas sem saída. Queria apenas algo que fosse simples e fácil em que se focar.

E de algum modo Will parecia querer a mesma coisa.

— Eu sei que disse que queria você como meu servo. — ele falou com um pequeno sorriso surgindo em seus lábios — Mas na verdade eu quero que seja meu amigo.

— Aposto como tem muitas pessoas querendo ser seus amigos no palácio.

— Não. Eu quero que seja você.

— Por quê?

Ele deu de ombros.

— Apenas quero.

— Você não pode ter tudo o que quer. — resmungou o Di Ângelo.

— Eu sempre tenho tudo o que quero. — disse Will em tom de brincadeira e com um sorriso amplo no rosto.


Notas Finais


Bem, eu acho que não tenho muito o que dizer aqui, este capitulo inteiro é um flashback como puderam ver.
Eu confesso, desde que comecei a escrever esse capitulo eu sabia que terminar ele com essa fala do Will então fiz de tudo para criar um contexto para ela, e eu particularmente adoro esse dialogo dos dois. Nico está sendo tão grosseiro e irritadiço por motivos óbvios e ele redireciona tudo isso para Will que é uma das poucas pessoas dispostas a ajuda-los, eu acho que essa conversa deles mostra muito sobre a personalidade de cada um.
Enfim, esse é o passado do Di Ângelo, e eu espero que não fiquem com raiva do Percy pelo que ele fez, porque do ponto de vista dele era o melhor a ser feito, sendo o cap focado principalmente no Nico talvez os motivos dele não fiquem muito evidentes, mas Percy não fez o que fez por maldade e nem nada, ele realmente foi sincero em tudo o que disse para Nico, mas ele era alguém extremamente machucado, alguém que tinha uma perspectiva de vida ruim, ainda que não totalmente terrível, mas que sabia que deveria ter mais e mais pra frente eu vou mostrar ainda mais sobre o Percy, ele não vai ser realmente o foco, mas vai aparecer mais sobre ele e vai ficar mais evidente o motivo desse rancor dele para com o pai.
Me digam o que acharam


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