As lágrimas que ela estava segurando arderam em seus olhos. Amedrontada, Regina as limpou rapidamente com as costas de uma das mãos. O telefone celular, a bolsa e o GPS do veículo foram abandonados em algum lugar naquela estrada nunca antes percorrida.
— O que você quer de mim? — foi tudo o que ela se arriscou a dizer sem chorar.
Não houve resposta. Temendo pela própria vida, Regina permaneceu o resto do caminho em silêncio, concentrando-se na paisagem à sua volta onde tudo parecia florescer em perfeita harmonia com a natureza.
O sol estava se pondo quando a ordem para que ela parasse o carro açoitou os seus ouvidos. Ela observou a cabana abandonada diante dos seus olhos tentando registrar cada detalhe, mas David pareceu compreender suas intenções e então lhe cobriu a visão com uma venda. De repente, a porta do carro se abriu e ela foi puxada para fora.
— Por favor… — Regina choramingou enquanto era levada para dentro da cabana. — Se é dinheiro que você quer, meu pai pode lhe dar — disse ela, mas a única resposta que obteve foi o barulho de uma porta se fechando atrás de si.
Ainda que estivesse apavorada, Regina soltou um suspiro de alívio quando percebeu que podia retirar a venda dos olhos. Ao menos poderia circular pelo quarto e estudar uma forma de escapar daquele lugar. Ela analisou o cômodo e para sua tristeza, não havia janelas. Havia apenas um colchão, uma cadeira de madeira e um banheiro minúsculo ao fundo.
Regina sentiu vontade de gritar, cair de joelhos e esmurrar a porta até que aquele homem a abrisse, mas estava tão à beira das lágrimas que não ousou se mexer ou falar. Aos poucos, foi tentando se tranquilizar.
Alguns dias depois…
As horas iam passando lentamente e do outro lado da porta, David caminhava em círculos, preocupado pela ausência de notícias por parte de Killian, e irritado com os gritos de Regina. Ela implorava o tempo todo para que ele a deixasse ir embora. Foi então que ele se lembrou de Emma e do que havia lhe prometido. Alcançando a mochila, David pegou um dos celulares descartáveis e digitou o número da irmã.
— Alô? — disse Emma, enquanto procurava um canal interessante na TV.
— Emma, sou eu, David.
— David? De onde é que você está ligando? Parece-me que…
— Emma, depois eu explico. Eu só queria saber se está tudo bem e dizer que, infelizmente, eu não vou poder te encontrar essa noite como havíamos combinado.
— Porque será que eu não estou surpresa?! — ela riu, sabendo que o laço entre os dois era mais forte e maior do que a mágoa e o ressentimento.
— Desculpe, está bem? É que eu estou muito ocupado tentando investir no nosso futuro. E se tudo der certo, você nunca mais precisará trabalhar em uma droga de cozinha de restaurante.
— David, eu sou uma Chef, estudei para isso e gosto do meu trabalho — ela revirou os olhos, chegando a conclusão de que seu irmão jamais a compreenderia.
— Tudo bem, mas você não me respondeu: como vai? O que está fazendo?
— Eu vou muito bem, irmãozinho. Tirei o dia de folga pensando que você viria. Agora estou aqui, entediada porque na televisão não se fala de outra coisa que não seja o sequestro da filha de um político.
As palavras chegaram aos ouvidos de David como pedaços de metal partido, afiados e frios. Suas mãos começaram a tremer e o celular quase caiu.
— De quem você está falando? — indagou ele, tentando disfarçar a preocupação em sua voz.
— Do candidato a governador, Henry Mills. A filha dele foi sequestrada, mas parece que a polícia já conhece o seu paradeiro.
— Como assim? Descobriram onde ela está?
— Bem, não sei exatamente…
— Emma, eu preciso desligar.
E foi o que ele fez. Desligou e atirou o telefone no chão, chutando os pedaços que se espalharam por todos os lados.
Levando as mãos à cabeça, ele pensou por alguns segundos o que deveria ou não fazer. Ligaria para Killian, e estava prestes a fazê-lo, mas então se lembrou das últimas palavras que Emma lhe dissera: “a polícia já conhece o seu paradeiro”.
— Maldito Killian…como eu pude ser tão idiota? — ele murmurou, caminhando em direção ao quarto onde Regina se encontrava.
O estrondo da porta se escancarando fez Regina dar um grito. Seus olhos castanhos se arregalaram, parecia que saltariam de sua cara. Foi nesse momento que David percebeu que estava sem a máscara, mas isso já não importava. Em silêncio, ele vendou os olhos dela, amarrou suas mãos e a conduziu para o carro lá fora.
Depois de dirigir por algumas horas, David finalmente parou. Em meio a um bosque qualquer, ele desceu do veículo e trouxe Regina consigo. Sem saber o que fazer, David recarregou a pistola. O som aterrorizante fez o coração de Regina acelerar. Seus olhos, mesmo tapados, se encheram de lágrimas, e sem conseguir controlar, ela começou a soluçar. Soluços fortes que sacudiam seu corpo e não a deixavam respirar direito.
— Eu vou deixar você ir embora — disse ele, de supetão. — Mas você vai me prometer que nunca dirá a polícia que viu o meu rosto. Prometa! — gritando, David a segurou com uma certa violência pelo braço.
— Eu prometo — ela sabia que estava murmurando em meio as lágrimas, mas não conseguia dar um volume maior a sua própria voz.
— Só retire a venda depois que eu desaparecer — alertou, enquanto desamarrava as mãos dela. — A estrada logo atrás de você vai levá-la para fora do bosque. Será fácil pedir ajuda para voltar para casa — dado o aviso, David entrou no carro e partiu.
Em choque, Regina retirou a venda dos olhos e quase desmaiou ao se ver sozinha em meio a um bosque. De repente, lembrou-se da mãe, das noites de tormenta onde os raios e trovões lhe roubavam o sono, mas Cora se encarregava de aplacar os seus temores. Ela dizia que os medos eram coisas feitas de ar e sem forma, até que os tornamos sólidos com os nossos pensamentos e a nossa voz. E depois que lhes damos esse peso, eles podem nos esmagar. Foi então que Regina se pôs a correr deixando para trás todos os seus medos.
[…]
— Eu não deveria ter feito isso — ecoou o lamento do pai ao tomar conhecimento de que a polícia chegara ao cativeiro onde Regina fora mantida, mas não havia ninguém lá.
Henry estava tentando descobrir como voltar atrás, algo impossível agora, quando o telefone tocou. Ele nem se deu o trabalho de atender, então Killian o fez.
— Regina foi encontrada, papai! Estão trazendo-a para casa! — aliviado, Killian desligou o telefone e correu para junto de Henry. — Eu disse que daria certo, papai. Pode se considerar eleito!
E conforme Killian imaginara, acontecera. Os últimos dias que restavam de campanha eleitoral foram o suficiente para que a foto de Regina estampada nas manchetes dos jornais abraçando o pai, causasse um tipo de comoção nacional. Embora não houvesse certeza de que o resultado fora fruto de sua artimanha, Henry Mills venceu a eleição para governador do estado.
Alguns meses depois…
— Amiga, eu sinto muito pela minha ausência no momento em que você mais precisava.
— Não se preocupe, Zelena. Já passou e está tudo bem.
A verdade era que ninguém sabia o que dizer para lhe consolar, e ela não podia culpar os próprios amigos ou a família. Ela mesma não sabia o que queria ouvir.
— A polícia já encontrou os sequestradores?
— Não e não me importa. Eu só quero esquecer tudo isso de uma vez por todas.
— Tem razão, minha amiga. Vamos falar de coisas boas! Como vão as aulas na universidade? Nunca imaginei que você seguiria a carreira de professora. Pensei que fosse acompanhar o seu pai na política.
— É o desejo dele. Mas o ambiente político não é para mim. E quanto as aulas, pedi demissão. Foi ali que tudo começou e…
Percebendo que a pergunta não havia sido apropriada, Zelena a interrompeu.
— Quer saber? Esquece o que te perguntei. Afinal, temos apenas vinte minutos para chegar ao restaurante mais aconchegante que já frequentei em toda a minha vida.
— Será que algum dia você vai perder essa mania de me arrastar para restaurantes sem antes me perguntar se eu estou a fim de ir?
— O problema é que você nunca está a fim de ir.
— Não é verdade.
— É claro que é. Agora vamos!
Meia hora depois, um garçom as conduzia para a mesa reservada bem no meio do salão. O local era indiscutivelmente elegante, mas Regina discordou da amiga no quesito “aconchego”.
— Gostou? — indagou Zelena, olhando para todos os lados enquanto sorria animadamente.
— Sim, é muito bonito. Mas não é aconchegante.
— É claro que é. E acho bom você mudar essa cara pois daqui a pouco o Chef passa pelas mesas para saber se está tudo bem.
— E daí?
— E daí que ele vai pensar que a comida está azeda se você continuar com essa cara. Além disso, ele é um gato.
— Ah, está explicado!
— Não é o que você está pensando.
— Não, claro que não. A propósito, parece que hoje o Chef não é um gato — abafando um sorriso, Regina indicou o outro lado do salão.
Virando-se, Zelena observou a estatura esguia de costas para elas. Deixando escapar um suspiro, ela ergueu a taça de vinho e propôs um brinde a sua falta de sorte.
— Logo hoje que eu estava decidida a convidá-lo para sair.
Sem conter uma discreta risada, Regina acompanhou o gesto da amiga e ergueu a taça, mas o objeto escapou de sua mão involuntariamente quando seus olhos castanhos cruzaram com um par de olhos verdes que lhe pareceram familiar.
— Regina, você está bem? — levantando-se de supetão, Zelena se colocou ao lado da amiga enquanto limpava os respingos do vinho com o guardanapo.
— Vou pedir para que providenciem uma outra mesa — disse Emma, mas Regina a impediu de prosseguir com a ordem.
— Não precisa — disse ela, parecendo em pânico. — Nós já vamos embora.
Assentindo, Emma esperou que as duas deixassem o salão e só então retomou suas atividades.
…
— Desculpe por estragar o jantar — caminhando até a janela do quarto, Regina ficou olhando para o seu reflexo no vidro escuro.
Era como olhar para uma versão em negativo do seu rosto, sem cor e sem nada por dentro. Na verdade, era como estava se sentindo naquele momento.
— Você não tem que se desculpar por isso, Regina. Eu só não entendi o que aconteceu. Você quer falar sobre isso?
Virando-se, Regina encarou os olhos azuis da amiga e viu algo que tanto necessitava: compreensão.
— O sequestrador…eu vi o rosto dele — ela revelou com hesitação. Percebendo a confusão estampada no rosto da amiga, Regina continuou: — Ele se parecia com ela.
— Ela? — perguntou Zelena, parecendo ainda mais confusa. — Ela quem?
— A tal Chef do restaurante.
— Regina…
— Eu sei, não faz o menor sentido — interrompendo-a, Regina esboçou um sorriso nervoso. — Confesso que preferiria não tê-lo visto.
— Ora, isso facilitará o trabalho da polícia e você verá que não vai demorar para que ele seja preso.
— Eu não contei nada a polícia. Aliás, só você sabe disso e por favor, nenhuma palavra a ninguém.
— Mas, Regina…
— Ele prometeu me deixar ir embora em troca do meu silêncio. Se eu falar, ele voltará para machucar a minha família.
— Tudo bem, calma. Isso ficará entre nós.
— Obrigada, Zelena.
— Não tem nada o que agradecer.
Os pensamentos a entristeceram, mas Regina se deu conta de que já não a destruíam.
— O que será que ela pensará? Deve pensar que eu sou louca.
— Do que é que você está falando?
— Da Chef do restaurante. Meu Deus, Zelena! Saímos de lá sem pagar a conta!
— Regina, você precisa relaxar. Olha só, amanhã eu vou lá, peço desculpas, pago a conta e tudo se resolve.
— Pode deixar que eu vou — disse ela, tentando ocultar seu embaraço. — Afinal, fui eu quem provocou tudo isso.
— Tem certeza?
Quando Regina assentiu, Zelena concordou e aproveitou para se despedir. Já era tarde e o dia seguinte seria longo para as duas.
Assim que a luz do sol apontou em meios as cortinas da janela, Regina se levantou. Não dormira bem conforme havia imaginado, mas, ainda assim, parecia bem-disposta. Após o banho, abriu a maleta de maquiagem e pegou poucos produtos. Não queria exagerar. Quando acabou, deu um passo para trás e avaliou a si mesma: Nem tão elegante e nem tão prática.
— Você está linda — a voz de Henry atraiu sua atenção. — Desculpe por entrar sem avisar.
— Não se preocupe, papai. Achei que já tivesse saído.
— Na verdade estou de saída. Estão me esperando na Assembleia Legislativa. Só vim saber se você estava bem.
— Sim, papai. Estou bem. E você? Parece preocupado.
— Está tudo bem, querida. Bom, preciso ir. Tenha um ótimo dia.
Depois que Henry saiu, Regina observou a hora em seu relógio de pulso. Passava das onze horas da manhã. O restaurante deveria estar fechado para o público, mas certamente a Chef já estaria lá. Então ela deixou o quarto, entrou no carro e partiu. Assim que estacionou, Regina desejou não estar ali.
— Droga, o que é que eu estou fazendo aqui? — murmurando consigo mesma, ela hesitou por alguns segundos. — Eu não devia estar aqui, não tenho motivos para isso — assim que o disse, se deu conta de que não era verdade.
Por fim, ela desceu do veículo e caminhou elegantemente até a porta de entrada. Os seguranças do local a reconheceram como a filha do governador e sequer cogitaram proibir ou questionar sua entrada. Deixaram a tarefa para o jovem rapaz que na recepção prenotava as reservas.
— Bom dia — ela disse, olhando para todos os lados.
— Senhorita Mills! — assim como os seguranças lá fora, ele a reconheceu subitamente. — Em que posso servi-la? Ainda não abrimos, mas fique à vontade.
— Obrigada — disse ela, parecendo sem graça. — Eu gostaria de falar com… — Regina hesitou por um instante.
— Com…?
— Com a Chef. Se não for incômodo.
— Acomode-se, por favor — ele indicou as luxuosas poltronas mais adiante. — Deseja tomar uma taça de champanhe? Ou um cálice de vinho?
— Eu estou bem, obrigada.
— Com licença.
Os minutos de espera pareceram uma eternidade, o que levaram Regina a pensar em ir embora. E com esse pensamento, ela se levantou, mas recuou no instante em que a viu na sua frente.
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