— Ah... – a sua cabeça vinha tanta coisa, estava incerta de por onde começar. – Saímos bem cedo – decidiu-se por falar desde o começo – A cabana era mais próxima que a residência do senhor Beorn, mas achei que seria rude passar por lá primeiro, então fomos diretamente até sua casa. – bebeu um pouco de chá, sentia o olha do rei colado a si mesma, era algo que há pouco constatara, seu olhar trazia sensações, mesmo que não o estivesse fitando diretamente.
— Estava presente? – vendo que tinha parado de falar a incentivou a prosseguir o relato.
— Sim, nos convidou para refeição. – sorriu lembrando disso, adorava o pão que Beorn fazia, fora a qualidade indiscutível de seu café com leite. – Acredita que a cadela teve cachorrinhos?
— Está bem de saúde, eu suponho. – sabia o quanto a mortal se importava com aqueles animais, era uma característica sua, nutria afeto grande por eles, havia um esquilo que certamente a seguiria aos confins do mundo, fora o corcel que sempre a tentava proteger. Adorava todos esses bichos e de volta recebia na mesma moeda.
— Ambos estão sim, sabe há marcas... – voltou sua mirada para o rosto do rei – Mas os filhotes ainda são bem pequeninos, ainda não abriram os olhos.
— E o troca-peles? – estava curioso quanto a esse assunto, sabia que para Luna o pagamento por sua estadia era desconhecido, Arale fora muito bem instruída nesse sentido.
— Ele está bem, consegui agradecê-lo e despedir-me. – respondeu com simplicidade.
— Pegou suas coisas na cabana? – o relato avançava, estava ansioso, sabia que precisaria se conter, sentia a prévia indignação e fúria, devia conter-se diante da mortal, além disso para ela ocultaria que o que dissesse faria diferença na punição.
— Sim, eu as coloquei na bolsa do Tempestade. – era bom lembrar disso, pegaria depois. – Sentia falta do meu par de all star, até mesmo meu jeans. – percebendo que ele não entendera muito bem a que ela se referia emendou. – Tudo que eu vestia e calçava quando cheguei, trouxe para cá. – considerava que até ali a informação tinha sido dada.
— E como foi sua volta? – estava ansioso.
— Ah... Arale conseguiu chegar bem. – dizendo isso pensou nisso um instante – As outras três estão bem? Já chegaram? – se algo tivesse acontecido a elas sentiria culpa, afinal estavam fora e expostas apenas para a acompanhar em uma empreitada que em nada as dizia respeito.
— Chegaram antes de você, todas em bom estado. – garantiu, viu a postura da pequena dama mudar, parecia menos tensa. – Diga como foi. – seu tom era calmo e acolhedor.
— Tivemos dificuldades, foi então que decidimos nos separar. – disse com simplicidade – Elas tinham medo de que se me deixassem sozinha, fossem punidas.
— Mesmo assim a deixaram. – por dentro fervia.
— Era necessário, eu garanti que conversaria com vossa majestade. Estavam fora para me acompanhar. – tinha que conseguir algo dele.
— A partir daí? – já tinha ideia do que faria.
— Arale continuou comigo, mas estava difícil permanecer assim, pareço mecânica falando disso? – tinha certeza que sim, mas era complicado falar desse assunto. – Ela ordenou que eu deixasse, estava com uma aranha para cuidar. Eu relutei, mas ela assanhou Tempestade.
— Como se machucou? – seus olhos fixos nas bandagens.
— Tempestade corria muito, sentia sabe-se lá o que... – respirou fundo – Ele freou de uma vez, eu acabei caindo, era um buraco estranho, uma vala talvez. Pedi para que voltasse, acho que ele realmente consegue me entender.
— De fato... – no começo Thranduil duvidava bastante, mas agora estava mais que claro que ela conseguia passar sua mensagem, não era o mesmo dom que ele e Légolas carregavam, mas havia algo fora do comum. – E então? – Luna não sabia que ele tinha procurado e visto seus rastros, tudo que vira batia com o que a mortal falava, mas faltava parte
— Consegui sair pelo lado contrário daquele buraco, deu um trabalho danado, maior parte dos machucados foram ali. Tinha um lago, bem estranho, passei por ele, subi em uma árvore. – falou de forma acelerada. Lembrou-se do veado branco, mas estava incerta em falar sobre isso – Pouco depois o príncipe encontrou-me.
Para o rei estava claro, Luna não incriminaria as elfas, na verdade faria o possível para livrá-las, em nenhum momento reclamou do ocorrido, mas ele sabia que ela estaria bem e sem nenhum ferimento se tivessem se esforçado em continuar unidas. Chamaria cada uma em particular e averiguaria melhor, elas provavelmente cairiam em contradição, cada uma querendo salvar a própria pele, havia a parte real de tudo isso que era a de Luna, mas sabia que a mesma podia também acobertá-las, justiça era algo que faria, sua pequena dama sofreu, correu um risco imenso. Continuou a comer junto da humana, ela voltara o assunto aos filhotes de cães, os descrevia com empolgação.
Alguém bateu a porta, quando a humana ia se levantar o monarca se adiantou, ela estava meio vacilante antes, abriu a porta e deu de cara com o médico e Arale. Pensou em sair do ambiente e os deixar a sós, mas não gostou da ideia, continuaria ali. Houve tanta reverência desnecessária.
Abrindo a maleta o médico élfico começou a retirar alguns frascos dali, olhou sua paciente e disse.
— Coloque uma camisola adequada... – lembrava de haver ferimentos que não estavam expostos.
— É mesmo necessário? – o tom de Luna era manhoso quase choroso.
— Sim. – foi seco.
Thranduil assistiu a curandeira ir para o cômodo de antes, ela usara o vestido por pouco tempo, tinha sentido dor ao colocá-lo e agora precisava o tirar e substituir pela peça de antes, era tristemente cômico. O médico mal fitava a humana, parecia ter medo de fazê-lo, um sorriso imperceptível se desenhou no rosto do rei élfico, com certeza o jovem elfo tinha medo de olhar demais para mortal, depois do que acontecera na véspera, era engraçado constatar que fora ele a deixar o médico assim tão receoso, quando não o permitira despir a pequena dama.
Houve alguma queixa da humana, ainda estava com bastante dor, mas nem de longe se equiparava ao que sentia na véspera. Evitava olhar para os dois elfos, quando sentia que precisava de apoio dirigia seu olhar a Arale.
— Sua temperatura me preocupa... – disse finalmente terminando de fazer um curativo, tinha entoado um cântico potencializador. – Vou deixar aqui a medicação necessária, assim como as instruções. – tinha pressa de sair dali, a todo momento o monarca o observava e tinha medo de em algo falhar.
Teladriel estava no quarto da zona de espera, a cama era forrada com um lençol de algodão branco, estava limpo, mas não era tão boa sua textura, era um tanto grosseira. Quando os guardas a vieram buscar em seu domicílio quase acho ser mentira. A humana estaria morta? Era o que podia supor, nunca quis matá-la, a queria fora de seu caminho, mas isso conseguiria com tempo, até mesmo por saber como era limitado tempo de vida de que aquela mulher dispunha. A falta de informação a que era submetida naquele momento a enervava, entendia que se a mortal tivesse falecido haveria repreenda, mas e se ela estivesse viva? O rei seria capaz de puni-la? Era ridículo pensar em como ele parecia querer proteger aquela curandeira, ela era tão desinteressante, fisicamente falando era totalmente sem qualquer atrativo, parecia falsa sua personalidade, forçosamente meiga, doce de maneira irritante. Thranduil era milenar, como podia ser iludido dessa maneira?
O médico já tinha se retirado, Luna estava aliviada de os procedimentos daquele dia já terem passado, sentia os locais onde as feridas antes sangraram um certo frescor, não doía. Tratou de sair das vistas do rei, agora que sabia o quanto aquela camisola era inadequada foi para o outro cômodo e com ajuda de Arale colocara o vestido anterior.
— Quando eu estava de folga e sabia que não ia sair de casa, ficava o dia inteiro de camisola ou pijama, era tão confortável. – comentou enquanto recebia auxilio.
Para o rei era possível escutar cada palavra da pequena dama, pensava no que faria com o resto de seu dia, estava livre e disso se aproveitaria, era raro que tivesse tanto tempo disponível para gastar como quisesse. Se podia ficar junto dela, assim o faria.
— Vou recolher... – comentou a elfa, já tudo arrumando.
— Está dispensada até o almoço. – disse o monarca. – Sente sono ou cansaço? – dirigiu-se a sua dama.
— Um pouco de sonolência, mas não quero dormir mais. – respondeu com simplicidade, era algo raro ficar sozinha com o elfo a essa hora. Gostava muito da presença dele, bem-estar e segurança era o que sentia próxima a ele.
— O que gostaria de fazer? – daria oportunidade para que escolhesse qualquer coisa.
— Eu... – parou para pensar por um segundo – Podemos jogar algo? – sugeriu.
— Podemos, sente-se bem para andar? – perguntou, se ela tivesse dificuldade em caminhas mudaria seus planos, estendeu sua mão para ajudá-la se levantar.
— Sim. – aceitando a ajuda, Luna ergueu-se, estava bem melhor que antes do atendimento, ainda mais lenta que seu ritmo normal, mas não sofria para deslocar-se.
Mantendo a mão da mortal junto a seu braço a guiou, tinha bem traçado o lugar que a levaria, observava de perto seu estado, lembrava do que o médico tinha dito. Revelou uma porta escondida atrás de uma pesada tapeçaria, outro lugar de acesso restrito, aos poucos revelava recantos ocultos do castelo. Abriu à pesada porta de madeira, aquele recinto era interessante. Deixou que Luna adentrasse primeiro.
— Isso é um salão de jogos?! – analisou tudo que vi ali, boa parte das coisas eram desconhecidas, havia tabuleiros dispostos, mesas com mecanismos desconhecidos, em uma caixa de vidro havia peças de xadrez, baralhos, dardos, dados, a variedade do que ali encontrava era diferente do que tinha imaginado.
— Sim. O que gostaria de tentar? – viu a humana examinar as coisas, parecia curiosa.
— Desconheço boa parte do que está aqui. Algo com baralho? Talvez xadrez? – estava indecisa.
— Podemos começar pelo baralho e depois para xadrez. – dizendo isso pegou a caixa de madeira onde estavam as cartas, era possível jogar uma gama quase infinita de jogos com aquelas cartas, deixaria que a pequena curandeira escolhesse. – Sente-se. – indicou a cadeira a frente.
— Par ou ímpar? – perguntou, era assim que geralmente começava, o rei escolheu o número par, mas perdera, tinha a ligeira impressão de ter sido proposital, o movimento dele tinha sido lento. – Certo, embaralhe que eu distribuo. – tinha escolhido jogar truco, em dois era algo rápido e divertido.
Gastara pouco tempo nesse jogo, Luna era péssima blefando, mas tinha uma sorte imensa, ganhara do rei baseada apenas em desistir quando suas cartas eram piores que as dela. A humana tinha dificuldade de ler o elfo, ele realmente tinha uma excelente poker face, sendo assim só pedia truco quando suas cartas lhe davam certeza de vitória.
— Ganhei! Bem, sei que não apostamos nada, mas eu adoraria uma recompensa. – disse displicente, reunia as cartas e as alinhava, não jogariam mais com o deck, sorriu com a mera possibilidade.
— O que deseja? – curioso perguntou, sempre que ela pedia algo em si havia expectativa.
— Cozinhe algo! – se atreveu, no máximo ouviria um não, se ele tinha uma cozinha exclusiva, supunha que soubesse cozinhar, teve depois algum medo de se exceder, mas mesmo assim, o sim valia o risco de receber o não. – Claro, se quiser...
— Posso providenciar, ainda hoje se quiser. – dizendo isso guardou a caixa que continha as cartas. – Xadrez você sugeriu. - Dispôs o tabuleiro sobre a mesa.
— Sim, fazem anos que não jogo, confesso que não sou muito boa, mas é divertido. – confessou, quando estava no ensino médio aprendeu a jogar, era o que fazia nas aulas de educação física, passava com uma média ridiculamente baixa, mas era o que gostava de fazer, poucas vezes ganhou, mesmo assim foi chamada a representar sua turma, afinal poucos sabiam e gostavam de tal jogo. – Prefiro usar as peças negras.
— Tudo bem. – iniciaram o jogo, Thranduil observou que Luna era muito mais defensiva que ofensiva em seus movimentos, não era boa jogadora de fato, mas dava certo trabalho, estava a há um tempo jogando e mesmo com pouquíssimas peças ela conseguia proteger seu rei.
— Está entediado? – perguntou movendo seu rei para um canto inacessível a rainha de Thranduil.
— Não, mas sabe que em uma guerra você já estaria liquidada. – disse em tom descontraído, vendo a expressão divertida no rosto da mortal, então ela riu um pouco. – Do que ri?
— Liquidada? – questionou – Pense novamente, olhe o tempo empregado e ainda não deu xeque mate, sei que dará. Mas estamos falando em um cenário de guerra, quanto mais tempo uma guerra leva, maior será o prejuízo do vencedor, nunca ganhará em integralidade em tal situação. Isso se estivermos levando em conta apenas tempo, vossa majestade pode argumentar que são imortais e tempo para sua raça nada representa, porém entra nessa conta prejuízo material, além das baixas já sofridas. Presuma então seu dano e seu ganho, não é para mim um fracasso completo.
— Linha de raciocínio interessante. – respondeu o rei, de fato a pequena curandeira era dotada de alguma eloquência, além de um senso de lógica um tanto afiado. No dia em que Teladriel a tentou manipular observara que não era assim tão fácil de levar, sua lógica era coerente. – Mas uma derrota é uma derrota.
— Sim, não posso isso negar. Porém, prejuízo continua sendo prejuízo! – fez um movimento com seu cavalo, tomara para si uma torre branca, sabia que com isso a guarda de seu bispo estava aberta, a peça que no momento protegia o rei. O elfo fez o movimento que ela sabia que faria, agora estava praticamente entregue. Antes que ele pudesse arrematar a partida, Luna derrubou seu próprio rei.
— Outra partida? – ofereceu, a expressão no rosto feminino fora engraçada, era um sim, então tratou de reorganizar as peças. Trocaram a cor, dessa vez Luna era branca, gastaram tempo considerável nessa partida, o elfo procurava não encerrar a partida tão rápido, dava leve vantagem, embora de modo algum desistisse de ganhar.
Dessa vez não se rendeu, chegou até o momento fatídico em que o xeque mate veio. Estava um pouco cansada dos jogos, sentia verdadeira preguiça.
— Já que eu venci, posso pedir algo também, não é?– disse de forma displicente e a viu assentir em concordância – Quero que faça uma sobremesa! – sentia desejo real de provar outro doce feito pela humana, pressentia que seria tão bom ou melhor que a geleia. Notando que parecia cansada perguntou.- Quer jogar outra coisa? Ou deseja dormir um pouco?
— Dormir não. – correu o olhar pelos jogos, poderiam voltar ali em outro momento. – Podemos ir ao jardim? – estava realmente estranhando a quantidade de tempo em que o monarca estava em sua presença, apreciava mesmo assim.
Thranduil guardou o tabuleiro junto das peças, faria naquele dia o que ela desejasse, se era ao jardim que queria ir, então logo estariam lá. O caminho que percorreram era desconhecido a mortal, mas logo estavam no jardim que ela tanto adorava.
Continua...
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