“Sejais nobres como o Sol, que tem a humildade de emprestar a sua luz para que outros possam brilhar também”
- Augusto branco.
Quando nasci, regada de luxos e riquezas, logo pensei que estava destinada a obter tudo aquilo que quisesse. Qualquer brinquedo seria meu, possuia nas mãos os últimos smartphones de lançamento, além de incontáveis vestidos e sapatos exclusivos. Tinha empregados específicos encarregados da minha rotina, desde me dar banho, me levar a escola, ou cumprir qualquer uma das minha ordens pessoais.
Os outros me olhavam com inveja, desejando ser eu. Os garotos beijavam o chão que eu pisava somente para ter a chance de ganhar minha atenção.
Logo, sendo sempre mimava de tal forma, era natural que concluísse minha própria superioridade.
Eu não podia estar mais enganada.
Ironicamente, a única coisa que eu realmente quis na vida, Dylan Brassard, nunca pode ser meu. Por mais que eu desesperadamente, e com todas as minhas forças tentasse alcançar ele, não era possível nem ao menos tocá-lo com as pontas dos meus dedos.
Eu era uma garota ignorante que não fazia ideia de como as coisas realmente funcionavam. Claro que a minha burrice não poderia ser parada naquela altura do campeonato. Eu estava cega e frustrada, louca apaixonada, e com o orgulho extremamente ferido depois de tantas rejeições.
Mesmo que no fundo soubesse que aquilo tudo era errado, eu me negava a aceitar. Porque desistir iria significar se submeter, e uma Orsini jamais poderia abaixar sua cabeça para ninguém.
Foi então que aos 13 anos de idade cometi meu primeiro erro fatal.
Dylan Brassard era desejado por todas as garotas do colégio desde que me conheço por gente, mas apesar disso nunca vi ele se interessar por nenhuma delas. Ele era indiferente, e olhava para aquele bando de patinhos, o seguindo para todos os lados, batendo as asas e grasnando vergonhosamente, como vermes nojentos.
Naquela época eu gargalhava alto enquanto assistia aquelas meninas implorando pela atenção dele, sem o mínimo de classe.
Achava elas dignas de pena. Patéticas.
"É óbvio que sou muito superior a cadelas no cio como elas."
Mal sabia eu que não era tão diferente assim.
Na verdade... eu era pior.
Minha loucura e obsessão conseguiam ser ainda mais vergonhosas do que todos os gritos histéricos delas juntos.
Dylan friamente passava por entre o amontoado de garotas naturalmente, como se estivesse caminhando em um parque, ignorando todo o barulho. Eu sabia que isso nunca iria mudar, portanto não me preocupava com tantas concorrentes na sua cola.
Até que um dia... isso mudou.
Sendo mais específica, foi após a transferência de uma bolsista prodígio para o colégio, que as coisas começaram a mudar estranhamente.
Anya Lennox era uma garota doce, otimista, corajosa e inteligente. Ela chamava atenção por onde quer que passasse. Dito isso, não demorou muito para a mesma causar um grande choque coletivo nos nascidos em berço de ouro. Todos aqueles herdeiros viveram sua vida inteira em uma bolha com confetes e arco-íris, então nunca lhe passariam pela cabeça que houvesse pessoas passando necessidades em alguma lugar do reino.
Era realmente admirável uma garotinha de 12 anos estar educando um monte de burgueses egocêntricos.
Mas... com muita vergonha e arrependimento, admito.
Eu odiava ela. Tudo nela me causava ânsia. Talvez, porque mesmo eu vindo de uma família proeminente, e sangue azul correr pelas minhas veias, toda a atenção era roubada por ela. Com o orgulho ferido, minha primeira reação, como já era esperado de uma criança imatura, foi diminuir a mesma por sua classe social.
E como sempre, ela rebatia meus comentários desprezíveis de cabeça erguida, com muito orgulho de sua origem e criação. Vendo que não estava resolvendo, comecei a passar dos limites, e o que eram só palavras maldosas e infantis, se tornou brincadeiras perigosas, com direito a agressões físicas.
Foi em uma dessas brincadeiras infelizes que eu, sem querer, acabei aproximando Dylan de Anya.
Eu tinha descoberto essa informação através de uma subordinada minha. Anya tinha fobia de lugares escuros. Quando era criança, ela foi trancada durante três dias em um porão sem qualquer acesso à luz. Por conta disso, a escuridão era uma espécie de gatilho que a fazia lembrar desse trauma.
Como eu era odiável...
As pessoas costumam achar que crianças são puras e inocentes, mas por saber exatamente como eu era nessa época, duvido sinceramente dessa afirmação.
Anjinho? eu estava mais para demoninho.
Reuni o máximo de peões que eu consegui, e pedi para uma delas trazer Anya até um banheiro antigo e abandonado do primeiro andar. Assim que ela entrou, fui rápida em trancar a porta.
Eu ria sem parar da pobre garotinha agonizando atrás da porta. Os gritos dolorosos despertavam meu lado sádico. E quando me cansei, pedi para que as outras garotas vigiasse todo o perímetro e não deixasse ninguém entrar. Ordenei também que só soltasse Anya quando estivesse quase no fim da última aula. Já estava indo embora, mas parei ao perceber o ambiente ficar estranhamente tenso.
Dylan tinha aparecido.
Tentei impedi-lo, mas não fui capaz. Eu sabia que se eu chegasse perto dele, independente de ser garota ou não, voaria longe.
Ele arrombou a porta em um chute, pegando delicadamente Anya nos braços, que já tinha desmaiado por conta do choque. E a levou até a enfermaria, com uma névoa negra assustadora o rodeando.
Naquele dia eu tremi, caindo no chão por não suportar sua presença massacrante.
Pesadelos diários me alertavam que voltar para o colégio, enquanto a cabeça do Brassard ainda estivesse quente era o mesmo que cometer suicídio. Por isso me ausentei temporariamente, fugindo como um cachorrinho com o rabo entre as pernas.
Logo que voltei, me dei conta que havia me tornando o pior inimigo de Dylan.
E antes o mesmo que antes pelo menos me via como alguém insignificante, agora se negava a sequer olhar na minha cara.
Mas estava grata por ainda estar ilesa. Acrescentando mais um argumento para minha paranóica teoria do porque Dylan Brassard tinha sentimentos ocultos por mim.
Assim que eu ganhei um lugar especial na lista negra do herdeiro da Brassard Company, meu fim já estava mais do que previsto. Mas para a minha versão burra de antes não era suficiente. Precisava agravar ainda mais a ira de Dylan, para que meus atos fossem imperdoáveis, e sua retaliação implacável.
Foi então que começou uma série interminável de planos diabólicos contra Anya, que terminaram em fracasso total. Pois sempre Dylan aparecia montado em seu cavalo branco para resgatar a princesa em perigo.
Quanto mais eu conspirava contra a vida dela, mais aqueles dois se apaixonavam.
Já posso me chamar de cupido?
Não, a vilã de desenho animado combina mais comigo.
Obviamente, que meu final trágico ficava cada vez mais próximo também.
No verão do meu último ano como uma pessoa livre, me encontrei com Dylan.
— Olá! Tudo bem, Lorde Brassard? – Digo, calmamente tirando meu óculos de sol. — Está um dia bem ensolarado hoje, não?
Dylan tinha marcado uma reunião comigo em um restaurante de luxo. Eu só aceitei o convite porque sabia que o presidente da Brassard Company só iria me ameaçar para deixar Anya em paz, como ele sempre fazia
— Poupe-me de suas ladainhas estúpidas, demônia. — Ele vociferou, me olhando com desprezo.
— Credo, meu lorde. Só estava sendo educada. — Digo cinicamente, colocando a mão no peito.
Ele me ignorou, jogando uma pilha de papelada em cima da mesa.
— Então, para que serve isso? - Questionei confusa.
Dylan respirou fundo, cruzou as pernas, colocou as duas mãos apoiadas no joelho de forma elegante, e em seguida me encarou impaciente.
— Eu vou lhe propor um acordo. – Disse ele.
— Prossiga, por favor – Peço interessada.
— Irei esquecer tudo que fez com Anya. Me livrarei de todas as provas que te incriminam, além de ajudar seu irmão a sair da crise…
Aquilo não parecia nada tentador para mim, então somente levantei as sobrancelhas em zombaria.
— Em troca de que? – Perguntei já sabendo a resposta.
— Farei tudo isso, se você aceitar sair do país para sempre.
Eu gargalhei alto.
— Dylan, como você é ingênuo. O que te faz pensar que eu concordaria com uma coisa dessas? – Digo me levantando e me aproximando lentamente dele. Me inclino perto de seu ouvido e em seguida sussurro. — Você nunca vai conseguir se livrar de mim, querido.
Aquele estabelecimento estava vazio, nem uma única alma podia ser vista, com exceção dos funcionários. Eu deveria ter suspeitado que tinha algo de errado. Mas eu estava tão certa que Dylan tinha sentimentos por mim e por isso jamais me faria algo de ruim.
Eu não podia imaginar o quão diabólica era a mente daquele homem. Ele já tinha contra-atacado muitas vezes sem eu nem ao menos me dar conta. Ele anotou todas as coisas ruins que eu tinha feito a sua amada, e depois, sutilmente e de forma gradual, me devolveu cada uma delas, porém dez vezes pior.
Meu pai foi desmascarado pela mídia depois de um "estranho" esquema de corrupção. Misteriosamente mais da metade das lojas da família foram fechadas pela vigilância sanitária por conta de sua "higiene precária". As ações da empresa começaram a despencar. Nossa família se endividou, e consequentemente entrou em falência. Meu pai gastou todas as nossas economias em jogos de apostas, aumentando de maneira exponencial as dívidas. E uma semana depois, ele se envolveu em um acidente de carro. Morrendo de parada cardíaca.
Meu irmão mais velho, por conta dos escândalos da família, perdeu sua vaga na universidade mais prestigiada do mundo. E teve que largar tudo para trabalhar como um assalariado, sustentando eu e a mamãe.
Minha mãe entrou em depressão após a morte do seu marido, e em uma noite qualquer quando entrei no seu quarto, me deparei com ela enforcada por uma corda amarrada no apoio do teto, já sem vida.
Tantas coisas horríveis, em um curto espaço de tempo. Foi inacreditável não ter conectado uma coisa à outra, ou simplesmente burrice mesmo.
Como já era de se esperar, esse tal convite de Dylan, não passava de uma armadilha para executar sua vingança final.
Me colocar atrás das grades.
Ele reuniu todas as provas dos crimes que cometi, desde o ensino médio até aquele exato momento. E as apresentou para o júri.
O mandado de prisão foi autorizado, e aquele show todo foi arquitetado por Dylan para que Martina Orsini não tivesse chance alguma de escapatória.
— Será mesmo que eu nunca vou conseguir me livrar de você, lady Orsini? – Ele sorriu sarcasticamente, sussurrando no meu ouvido.
Instantes depois desse questionamento, um batalhão da polícia arromba a porta do restaurante, eles rapidamente cercam a mesa da qual eu estava e apontam os fuzis em minha direção.
— Você! Não acredito que… – Resmunguei apavorado, tentando processar a situação. — Como você foi capaz de fazer isso comigo…?!
— Que você apodreça até a morte naquele lugar. – Cuspiu Dylan, me jogando rudemente no chão. — Adeus, Martina Orsini.
Gritei, chorei e esperneei, mas tudo foi em vão. Os agentes me levaram à força para a viatura, enquanto tudo era assistido de camarote por Dylan, que calmamente bebericava sua bebida importada.
Até hoje, aquela expressão satisfeita em seu rosto me assombra. Foi a primeira vez, em toda a minha vida, que eu não consegui achar seu sorriso atraente.
Os 5 anos seguintes na penitenciária feminina foram terrivelmente traumáticos. Tudo o que tinha que pagar, foi pago nestes tortuosos 1825 dias. As selas eram imundas, com ratos e baratas que atacavam durante a noite. Ao fazer minhas necessidades fisiológicas, toda a ação era observada pelas vizinhas de sela selvagens. A comida era repugnante, e na maioria das vezes, nem conseguia terminar de comer porque a roubavam antes.
Quando não era punida por algo que nem sequer fiz pelas carcereiras, era agredida ou assediada por alguma gangue de mulheres durante o banho de sol. Os banhos normais eram ainda mais infernais, por eu ter que escutar um comentário atrás do outro sobre o meu corpo, isso quando quando elas não aproveitavam para tocá-lo com suas mãos imundas.
Por algum motivo "desconhecido" eu era o alvo principal da penitenciária inteira. Todos lá queriam tirar um pedaço de mim. Depois de muito tempo lá dentro, me passou pela cabeça que tal coisa tinha dedo de Dylan Brassard, apesar de nunca ter conseguido confirmar.
Já que enlouqueci completamente no último ano.
Não lembro o que aconteceu exatamente nesses poucos meses que antecederam a minha morte, mas tenho certeza que não foi nada bom. E talvez esses acontecimentos estivessem atrelados ao meu fim.
Mas isso já não importa mais, afinal, eu estou morta.
Ou talvez não...
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