1. Spirit Fanfics >
  2. Perdido L.S >
  3. Thirty-five

História Perdido L.S - Thirty-five


Escrita por: brunah179

Capítulo 35 - Thirty-five


Acordei completamente desnorteado, meu corpo todo doía e a luz do sol fazia meus olhos lacrimejarem. Olhei ao redor, estava no meu quarto na casa de Harry. Ele estava ali, assim como o médico. Minha memória voltou como um raio, fazendo minha cabeça latejar. Encolhi-me na cama, como um bicho acuado, sentindo todas as juntas doerem.

 — Não vão me levar viva pro hospício! — ameacei, procurando alguma coisa para poder usar como arma, caso eles tentassem me pegar. 

Harry se aproximou lentamente da cama, os olhos grudados nos meus. Eu me encolhi mais quando se sentou na cama com deliberada lentidão. 

Eu ainda não tinha encontrado nem uma arma.

 — Ninguém o levará a parte alguma. — um sorriso agoniado nos lábios. — Jamais permitirei que alguém o machuque. 

— O Dr. Almeida está aqui porque você está doente. Ardeu em febre por dois dias. — explicou.

 Dois dias?

 Não me lembrava de quase nada! Tive um sonho estranho, cheio de imagens soltas.Harry me colocando na banheira ainda vestido. Eu podia ver seus lábios se moverem, mas ouvia o que ele dizia, parecia estar muito assustado. Madalena correndo apavorada com uma bacia nas mãos, o rosto de Gemma cheio de lágrimas, o médico tocando meu pulso, uma colher cheia de gosma preta — essa imagem se repetia diversas vezes.— e depois o gosto amargo descendo em minha garganta. Os olhos verdes desesperados e úmidos, seu rosto retorcido pela dor, seus lábios tocando as costas de minha mão de novo e de novo. Tudo muito confuso. 

— Senhor Louis, você teve hipotermia por ter ficado tanto tempo naquela tempestade. — o médico disse sem se aproximar. — Quando finalmente conseguimos aquecê-lo, começou a queimar em febre. Imagino que se resfriou.

Funguei um pouco. Meu nariz realmente estava um pouco entupido. 

—Pensei que fosse perdê-lo. — Harry sussurrou, a voz cheia de angústia. — Você não reagia, resmungava muito enquanto a febre estava alta, pensei que... — Ele não continuou.

Abaixou a cabeça e deslizou sua mão sobre o lençol à procura da minha. Recuei um pouco e ele desistiu.

 — E o pior é que seria por minha culpa! —e fechou os olhos.

 — O pior já passou, Senhor Styles. — disse o médico, se aproximando lentamente. — Não se aflija mais. A melhora dele é visível! 

Não tirei os olhos do médico. Esperava que, a qualquer momento, um bando de enfermeiros entraria no quarto e me amarraria numa camisa de força. E o castiçal, que poderia ser tão útil caso isso acontecesse — eu poderia derrubar dois ou três deles antes que me pegassem —, estava sobre a cômoda, ao lado da poltrona, jamais o pegaria a tempo.

 — Preciso checar sua temperatura, senhor, — esclareceu o médico quando me afastei de sua mão.

 Fiquei imóvel, mas muito alerto. Pularia pela janela ao menor sinal de enfermeiros. O médico, lentamente, tocou minha testa.

— Ainda está um pouco quente. — ele disse a Harry. — Acho melhor que tome o elixir novamente.

Harry concordou. O médico pegou uma garrafinha e uma colher.

 — Creio que ele prefira que você faça isso, Senhor Styles. — o médico sorriu sem graça. Harry abriu o vidro escuro e um forte odor atingiu meu nariz.

 — Eca! Não vou tomar isso! — cruzei os braços teimosamente.

 — Precisa tomar para se curar, amor. — pediu numa súplica. Não deixei de notar a falta de surpresa nos olhos do Dr. Almeida. — Por favor? 

Observei a colher cheia de meleca escura.

 — O que é essa gosma? — Não sabia o que era, mas sentia seu gosto amargo no fundo da garganta.

 — Láudano. Sua temperatura voltará ao normal mais depressa. — explicou o médico. — Eu mesmo o preparei. É uma mistura de ópio, vinho e ervas.

 Que maravilha! 

— Mas ele não cura nada, apenas alivia a febre? — perguntei apressado. Eu não pretendia tomar a coisa gosmenta.

— Não cura, mas lhe deixará um pouco mais disposto. 

Não respondi. Apenas olhei para o médico.

 Assenti para ele.Harry se aproximou com a colher cheia da gosma outra vez.

 —Você pegou minha mochila ontem, quer dizer, sábado. — Ele suspirou exasperado. 

— Sim, eu trouxe suas coisas. Agora, por favor, tome o elixir. — seus olhos suplicantes.

 —Desiste,Harry. Eu não vou tomar! Obrigada, Dr. Almeida. — eu disse, olhando para o médico. — Agradeço sua... preocupação e sua ajuda. Mas leve seu remédio para alguém que precise dele, eu tenho algo parecido na mochila. — mesmo que não tivesse, não tomaria o remédio que ele mesmo preparou. Podia ser algum tipo de truque para me derrubar e, na próxima vez em que eu abrisse os olhos, estaria num quarto branco forrado de espumas enlouquecedoramente brancas.

 Arrastei-me para fora da cama, sentindo tudo doer.

Deve ter sido um puta resfriado!

 Peguei a cartela de antitérmico em minha mochila e fiquei aliviado ao ver o celular dentro dela. Não me lembrava se havia guardado ou não. Engoli um comprimido com um pouco de água. 

— O que é isso? — o médico perguntou curioso.

 Voltei para cama trazendo a cartela — e o castiçal, só por precaução — comigo. Desviei de Harry, coloquei o castiçal na mesinha de cabeceira e me deitei outra vez. Notei que estava usando uma roupa estranha. Um vestido horroroso e longo, bem solto. Uma camisola talvez. 

—Isso é parte da minha loucura, — atirei a cartela para Dr. Almeida, que não esperava pelo meu arremesso e acabou deixando o remédio cair no chão. —Imagina que enlouqueci ao ponto de inventar que cientistas conseguiram colocar nestas bolinhas uma droga medicinal poderosa que alivia a dor e diminui a febre em vinte minutos? — disse, sarcasticamente. — Tô piradão! 

Depois de pegá-la do chão, o médico examinou a cartela com curiosidade, me olhou de volta e vi o ceticismo em seus olhos.

 — Pode ficar com alguns, se quiser experimentar, apenas me deixe o suficiente para o resfriado. — daí me lembrei. 

— Isso aí é diferente da sua gosma. Só pode tomar com intervalos mínimos de seis horas! — depois, eu ri. Achei engraçado ensinar a um médico como usar paracetamol. 

—Vamos ver como seu corpo reage a isso primeiro, sim? — proferiu. Eu não era o único desconfiado ali. — Vou até a cozinha pedir para que lhe tragam uma sopa. Seu corpo está fraco demais e você precisa estar forte para combater a doença. Voltarei logo. 

Dei de ombros. Não que não gostasse dele pessoalmente, não gostava dele medicamente. 

— Como se sente? — Harry perguntou, assim que o médico saiu. Seu rosto angustiado. 

—Como se tivesse tomado chuva a noite inteira, — estava furioso com ele, primeiro por mentir para mim e, depois, por continuar me dando tanta atenção. O que ele pretendia com isso eu não fazia ideia. 

Seu rosto ficou ainda mais infeliz. 

— Como me encontrou? 

— Não encontrei. Foi Storm quem a encontrou. — ele sorriu, mas era um sorriso triste. Não entendi o que ele quis dizer com aquilo,Harry percebeu e continuou. — Eu a procurei em todos os lugares... A tempestade me deixou ainda mais angustiado porque eu não sabia se você estava protegido ou se estava debaixo daquele dilúvio... Fiquei desesperado, Louis. — seus olhos aflitos demonstravam isso. 

Ótimo! 

— Depois de algumas horas, eu voltei para casa na esperança de que um dos criados tivesse lhe encontrado. Mas ninguém tinha notícias suas. Eu não sabia mais o que fazer e nem onde procurar. Então, sem pensar com coerência, fui até a baia de Storm, contei a ele que você havia fugido e pedi sua ajuda. Montei nele facilmente, ele me permitiu. — não vi o sorriso que esperava ver por, finalmente, ter dominado o bicho. Seu rosto estava sério. Os olhos intensos. — Deixei que ele conduzisse por um tempo e, quando notei para onde ele estava me levando, assumi as rédeas e fui o mais rápido que pude. 

Eu não disse nada. Estava feliz por ele não ter se machucado tentando montar Storm só para me procurar. Isso não significava que tinha me esquecido de suas mentiras.

 — Perdoe—me, Louis, eu jamais deveria... Eu agi sem pensar! Fui um imbecil outra vez. Mas é que as coisas que me disse... 

— São verdadeiras! Todas elas. Eu nunca menti para você! — enfatizei, para que ele entendesse que alguém ali mentia.

— Eu sei disso, amor. — um arrepio percorreu meu corpo todo quando ele disse a palavra de forma tão carinhosa. Tentei ignorar. — Não pode imaginar o quanto lamento! 

Queria muito acreditar que ele me amava, mas então por que não acreditou em mim? Tudo bem que eu mesma tive dificuldades para aceitar a verdade no começo mas, ainda assim, eu esperava que ele já tivesse tido provas o suficiente de que eu era diferente de tudo ali.... 

Fiquei sentado na cama, tentando não olhar em seus olhos. Eu sabia que, se não evitasse isso, minha resolução de ignorá-lo cairia por terra. Notei, então, que sobre a mesinha de cabeceira onde eu tinha deixado o castiçal, havia uma bacia cheia de água e um pano ensopado.

 — Pra febre? — perguntei indicando com a cabeça.Harry assentiu, o rosto muito sério.

Ao lado da bacia, vi a ponta de um livro com capa de couro.

— O que é isso? — me estiquei para pegar o objeto, mas Harry foi mais rápido e o alcançou, me entregando logo em seguida. 

— É um livro. Tentei usá-lo para manter-me lúcido, mas não foi de muita ajuda. Não consegui me concentrar em nada, pensei que eu fosse enlouquecer, Louis. Vê-lo tão mal e ser incapaz de lhe ajudar... Foram duas noites muito longas. Mas parece que será útil afinal, já que você ficará na cama por um tempo. — seu rosto ainda estava angustiado e mesmo eu estando furioso com ele, não pude evitar querer confortá-lo. 

Olhei para a capa de couro marrom novinha... Minha boca se abriu e acabei deixando uma exclamação de surpresa escapar quando folheei algumas páginas. Era meu livro favorito Orgulho e Preconceito, em inglês, a primeira edição que eu tinha nas mãos. 

— Caramba! Valeu, Harry! Isso vai me distrair. Este é meu livro favorito da Jane Austen. Meu livro favorito no mundo todo! — não pude deixar de sorrir para ele. — Já o li umas duzentas vezes. O meu já está todo estropiado.

 Observei o livro sob vários ângulos, revirei várias páginas e me surpreendi com a encadernação firme e bem feita. 

Seu rosto ficou cauteloso.

 — Que foi? — perguntei.

— A autora deste livro não é conhecida. Ela o lançou anonimamente. 

— Eu sei. Só muitos anos depois de sua morte a família resolveu dar o crédito que ela merecia.

 — Como sabe disso? — perguntou desconfiado. 

— Eu sei tudo sobre ela. É minha autora favorita. Este livro foi lançado em 1813, sob o pseudônimo By a Lady, assim como todos os outros. Mas como eu disse, ela ganhará notoriedade daqui a alguns anos. Na minha opinião, ela é a melhor escritora de todos os tempos!

 Ele apenas me encarou.

 Ah! Chega! 

Levantei-me da cama rapidamente e fui até a mochila outra vez.

 — A propósito, o que é isso? — eu disse, tocando o tecido branco do vestido horroroso.

— É uma camisola de dormir. Madalena o vestiu. Ela não permitiu que eu ou Dr. Almeida fizéssemos isso. 

— Ah! — dei de ombros. Estava tentando dar um gelo nele, mas quando me olhava daquele jeito, tornava tudo mais difícil! 

—Toma. — estendi meu livro surrado e agora um pouco empenado por culpa da chuva. Enfiei-me na cama novamente. O remédio ainda não tinha começado a agir. — Veja você mesmo!

 Ele observou a capa do livro, tão diferente da que ele acabara de me entregar. Uma fotografia de Elisabeth e Darcy. Harry abriu o livro e folheou algumas páginas. Sua boca caiu e seus olhos se abriram tanto que achei que pudesse saltar das órbitas. 

— Já que você conhece a história, pode notar que está tudo aí, o Senhor Darcy, a Lizzy, Pemberley e tudo mais. E está em português, como já deve ter percebido. Acho que a primeira edição traduzida saiu em 1950, mas não tenho certeza disso. — ele observava a primeira página com atenção. 

— É um livro muito bom! Sabia que em 2000 foi considerado o livro mais bem escrito de todos os tempos?

 Ele não respondeu, continuava a folhear o livro com olhos incrédulos. Esperei para que pudesse colocar os pensamentos em ordem.

 Então era para isso que o livro me serviria! Para provar que eu não estava louco!

 — É o mesmo livro? — perguntou depois de um curto silêncio, sua voz apenas um murmúrio.

 — É. — concordei. Seus olhos encontraram os meus. — Mas pode ser que você se contagiou com a minha loucura e começou a imaginar coisas também... 

Encaramo-nos por um longo período. Eu sabia o que ele estava pensando. Mas isso é impossível! Da mesma forma que eu pensei quando cheguei ali e percebi que ele não estava brincando quando me disse que estávamos no século dezenove. 

— Mas... — ele começou, porém, não continuou. O choque tão evidente em seu rosto o impediu de falar. 

— Eu sei. Também não entendo como é possível, mas eu estou aqui! 

Ele ergueu uma mão, hesitante, e, dessa vez, não me afastei. Seus dedos quentes tocaram suavemente a lateral do meu rosto. Inclinei a cabeça, incapaz de resistir à sua carícia.

 — Mas você é real! — ele exclamou, a voz intensa. 

A intensidade de seu olhar derreteu meu ressentimento temporariamente. 

—Tenho tentado me convencer disso todos os dias. Que você é real! — sorri timidamente. 

— Mas... como? — seu rosto fascinado, espantado e muito, muito confuso. 

— Não sei, Harry. Eu realmente não sei. Te contei quase tudo o que sei. 

Vi muitas dúvidas atravessarem seus olhos, o conflito sendo substituído pela incredulidade.

 — Como é possível? — ele sussurrou. — Eu... Você é tão real! O que eu sinto... 

— sua mão desceu para meu pescoço, seu rosto se aproximou do meu num piscar de olhos.

 Não recuei de seu súbito ataque. Permiti que Harry me beijasse. Fui incapaz de afastá-lo quando senti a fúria, o desespero, a paixão de seus lábios. Meu corpo reagiu imediatamente e, de repente, era eu que o agarrava.

 Claro que meu coração e minha respiração rapidamente se comportaram como o esperado: o primeiro parecia uma escola de samba no ensaio final e a segunda a, assustou com o batuque, e tentava fugir a qualquer custo, me deixando sem ar.

 —Perdoe-me, Louis, — ele murmurou sob meus lábios. — Por favor, perdoe-me por ter sido tão estúpido!

—Tá! 

— Eu fui um tolo! Como pude duvidar de sua história. Você é especial, eu sempre soube disso! — Harry colocou as duas mãos nas laterais de meu rosto, sua boca ainda grudada na minha. — Eu o amo tanto!

A convicção de suas palavras afugentou meu medo, meus receios de vez.

 Ele me amava! É claro que me amava. Como pude duvidar disso? 

Por que outra razão se daria ao trabalho de me procurar no meio daquela tempestade? Por que outra razão teria me trazido de volta para sua casa? Por que me olharia daquela maneira se não me amasse?

Ele deslizou suas mãos grandes para minha cintura e senti o calor delas sob a camisola. Harry era melhor que os antitérmico. Muito melhor! Esqueci da dor imediatamente. E por um momento, pensei que não seria capaz de parar de beijá-lo nunca mais.

 No entanto, fui obrigado. Assim que ouvimos passos se aproximando no corredor, Harry me afastou gentilmente com um meio sorriso triste nos lábios. Ele também não queria interromper o que estávamos fazendo. 

Gemma e Teodora entraram no quarto. Souberam da minha melhora e queriam mais noticias. Na verdade, o remédio ou os beijos de Harry — começavam a fazer efeito. Meu corpo doía menos. A febre devia ter cedido. 

— Estou bem! Não se Preocupem. Como foi o baile? — perguntei para as duas garotas, que trocaram um olhar conspiratório. — Foi bom assim? — perguntei baixinho.

 Elas sorriram e eu ri da cara de Harry, que claramente tinha detestado cada minuto do baile. 

— Podemos lhe contar tudo depois, agora você precisa descansar para se curar. — Gemma disse. Ela era tão madura para idade! — Mas você está bem mesmo? 

— Estou, já disse! Pare de se preocupar. Sempre me recuperei rapidamente das doenças, e foi só um resfriado à toa. 

Sua testa se enrugou. 

— Não foi apenas um resfriado, Louis. O Dr. Almeida realmente ficou alarmado com seu estado. Disse que talvez não conseguisse... — ela não terminou.

Seus olhos ficaram tão tristes quanto os de seu irmão.

— Ai, Gemma! Que exagero! Acha que eu sou assim tão frágil? Vaso ruim não quebra fácil! — eu ri, tentando aliviar a tenção do quarto.

 — Vaso ruim? — Teodora perguntou confusa. 

— É, Teodora. Já reparou? Se você tem um vaso raro, muito caro, uma relíquia, ele se espatifa só de olhar, mas se for um daqueles de loja barata. Um vaso bem vagabundo, não quebra nem mesmo depois de arremessá-lo contra a parede. Entendeu?

 Teodora assentiu, mas não acreditei realmente que tivesse compreendido. 

— Fico feliz que esteja bem, senhor Louis. — e sorriu para mim. Achei bacana que seu antagonismo parecia diminuir cada vez mais. 

— Valeu, Teodora! — também sorri para ela. Conversamos mais um pouco até o médico voltar com Madalena e a sopa. Tomei tudo sem reclamar. Madalena ficou preocupada de verdade, de uma forma que me fazia lembrar de minha mãe. Fazia muito tempo que ninguém cuidava de mim daquela forma. Assim que terminei a sopa, me senti bem imediato.

 O médico tocou minha testa mais uma vez e suas sobrancelhas se arquearam. 

Sorri um sorriso de "não te disse?" para ele. Seus olhos voaram para a cartela de remédio sobre a mesa.

— Bem, parece que funciona. E rapidamente! Então... — ele parecia não saber o que fazer já que a gosma preta não seria de nenhuma utilidade. — Tome muito líquido e repouse até que a febre cesse de uma vez.

 — Beleza, doutor. — eu não iria discutir com ele que não era necessário ficar deitada para o resfriado acabar. Na verdade, me sentia cansado mesmo tendo dormido dois dias inteiros. Um pouco mais de cama não faria mal. — Acho que amanhã estarei pronto pra outra. 

— Realmente espero vê-lo melhor. Você me deu um susto, meu jovem. — um sorriso sincero. — Virei visitá-lo amanhã de manhã. 

—Tudo bem. 

O médico se despediu de todos, recebeu os agradecimentos fervorosos de Harry com um sorriso satisfeito no rosto, depois fez uma reverência e partiu. Fiquei mais tranquilo depois disso.

 As garotas saíram do quarto a contragosto. Praticamente foram enxotadas por uma Madalena preocupada que também pudessem adoecer.Harry se recusou veementemente a me deixar. Alegou que estava ali desde que eu adoecera, se tivesse que ficar doente já teria ficado e que o risco não o preocupava. Ele deixou muito claro que não sairia do meu lado por razão alguma. 

No entanto, não ficamos totalmente "sozinhos". A cada minuto, um empregado aparecia com um suco, ou um chá, ou apenas para saber se eu estava bem. Madalena devia ter percebido nosso envolvimento. Imaginei que Harry não tivesse se preocupado em esconder nosso relacionamento enquanto eu ardia em febre. 

— Então... —Harry começou quando ficamos sozinhos outra vez. — Como é o futuro? 

Não pude deixar de sorrir da curiosidade latente em seus olhos. 

— É muito diferente disso aqui. Mais simples em alguns aspectos, mais complicado em outros. Tem suas vantagens, mas também desvantagens.

 — Como o que? — perguntou divertido. 

— Como se locomover, por exemplo. Imagine uma carruagem sem cavalo, movido por um tipo de máquina a óleo e que anda muito rápido. Com um desses, chegaríamos à cidade em uns trinta minutos. 

— É mesmo? — sua testa vincada. 

— Dependendo do motor, pode ser até mais rápido! 

Expliquei mais detalhadamente sobre os carros, sobre o metrô, as motos, os aviões. Ele sempre tinha uma pergunta sobre tudo, principalmente sobre o avião. Ficou fascinado que realmente pudesse voar e acabou um pouco decepcionado quando eu não soube responder como tanta ferragem podia realmente flutuar no céu.

 Revelei a ele como era a vida das pessoas, sempre corrida com tantas obrigações que mal sobrava tempo para diversão. E quando ele me perguntou como eram as pessoas no futuro e eu disse: "São assim como eu.", ele gargalhou alto e respondeu. "Então deve ser muito conturbado por lá". E eu corei porque, na verdade, ele não errou muito.

 Narrei a ele como eram as mulheres em meu tempo. Ele ficou horrorizado ao saber que mulheres também usavam calças, que dividiam a conta no restaurante, que muitas delas eram as provedoras financeiras de suas casas. Falei também sobre os homens e suas roupas, o futebol da quarta-feira, a cerveja do fim de semana, como flertavam com as mulheres. Dessa vez, foi ele quem corou.

Contei sobre os filmes, as peças de teatro, as música que eu gostava. Harry pareceu gostar e tentei muito explicar a ele como eram os shows de rock, mas envolvia muita coisa que ele não conhecia. Fiz o melhor que pude, contudo, acho que ele não entendeu direito.

 Falei sobre a comida e o quanto eu sentia falta do gelado: bebida, sorvete, sobremesa e contei sobre o disk-pizza, sobre lojas de departamento, computador, meu emprego. Expliquei quase tudo que achei relevante, desde utensílios domésticos, como a cafeteira elétrica, até sobre coisas mais banais, como acender uma lâmpada. Harry parecia fascinado com tudo. E eu fiquei feliz por ele não me olhar mais como se eu fosse um maluco.

 Precisei interromper minha aula sobre o futuro, já que Madalena e alguns empregados apareceram com vários baldes de água para o meu banho.Harry não queria sair do quarto, estava preocupado que eu pudesse precisar de ajuda. 

— Mas eu ficarei aqui com ele, patrão. Vá jantar com sua irmã. Já é tarde! — Madalena o persuadiu. 

— Pode ir, Harry. Eu tô bem, — assegurei a ele, vendo a dúvida em seus olhos.

 Ele me deu um beijo na testa, sem se importar com a presença de Madalena e saiu, claramente insatisfeito. Não deixei de notar o olhar de desconfiança que ela lançou para ele. 

Madalena ficou ali para me ajudar, mesmo quando insisti que não era necessário. Ela evitou me olhar enquanto eu tirava a roupa e depois me ajudou a sair da banheira.

 Vesti a camisa manchada deHarry. Já começava a escurecer e eu logo acabaria dormindo de toda forma. Ela não gostou muito, nada para dizer a verdade, minhas pernas ficavam muito expostas — mas, como eu não tinha muitas outras opções, acabei convencendo-a que ficaria debaixo dos lençóis, que ninguém veria nada e ela acabou cedendo. 

Sentei-me na cadeira em frente ao espelho porque ela insistiu em pentear meus cabelos. Entretanto, foi gostoso, como se eu tivesse seis anos outra vez. Isso me fez lembrar de meus pais de novo. Fazia muito tempo que eu não tinha tantas pessoas em minha vida. Como uma família outra vez.

 — Acho que o patrão não deve ficar aqui esta noite, senhor. Agora que está consciente, as pessoas podem pensar mal. — ela disse, ainda escovando meus cabelos.

 — Não me importo com isso, Madalena. 

Ela ficou em silêncio por um tempo.

— O problema, senhor Louis, — ela começou cautelosa. — É que acho que ele está muito... Interessado em sua pessoa.

 Eu ri.

 — Também acho, Madalena. — sua testa se enrugou. —Mas Harry é um cara especial. Jamais faria qualquer coisa que eu não quisesse.

Ela não ficou muito satisfeita com minha explicação. Talvez desconfiasse de mim também.

 — Fique tranquila. Eu sei me cuidar!

 Relutante, Madalena acabou nos deixando sozinhos, mas pela expressão de seu rosto antes de deixar o quarto, imaginei que receberia uma visita durante a madrugada, só para saber se, de repente, eu não precisava de um chá!

Harry se sentou ao meu lado encostando as costas na cabeceira da cama, e eu, cansado, me arrastei até ele. Descansei minha cabeça em seu peito, sua mão brincava gentilmente em minhas costas. Estava tão confortável daquele jeito, tão "em casa" que não demorou muito para que eu ficasse sonolento.

 — Acredito que a Senhora Madalena irá me passar um sermão se nos flagrar abraçados desta forma. — pude ouvir zombaria em sua voz.

 — Posso apostar! 

— Talvez ela não venha pessoalmente .Talvez mande algum empregado para nos vigiar. 

Levantei minha cabeça para observá-lo. Seu rosto estava brincalhão

 — Muito bem! Parece que finalmente aprendeu a tratar seus empregados com mais dignidade. — eu disse, tentando não sorrir de sua careta.

 Depois voltou a ficar sério. 

—Você me fez enxergar muitas coisas, senhor! — tocou uma mecha de meu cabelo e a colocou para trás. 

—Por falar nisso, quero te fazer uma pergunta. 

— O que quiser. — ele respondeu de imediato.

 — Por que você pensou que eu fosse um "senhor" quando nos conhecemos? Por que não pensou que eu pudesse ser um "criado"? — isso me intrigava há vários dias, mas sempre acabava me esquecendo de perguntar a ele.

Harry riu, fazendo meu corpo sacudir um pouco.

 — Bem, soube que você era um senhor porque um criado jamais seria tão petulante e teimoso com um cavalheiro. — seus olhos brilhavam de diversão. 

— Eu não fui petulante. Nem teimoso! — retruquei ofendido. 

— Ah, não. Nem um pouco! Como foi que disse? Ah! Precisa mesmo me apertar tanto? — ele me imitou, seu sorrio exibiu os dentes brancos e perfeitos.

 — O que você queria que eu dissesse? Eu nem te conhecia e você já estava cheio de dedos pra cima de mim! Apenas estava me defendendo. 

— Certamente! E depois levei uma eternidade para conseguir convencê-lo a aceitar minha ajuda. Um criado não hesitaria. — ele tocou meu rosto com delicadeza, deslizou os dedos de minha têmpora até meu queixo. — E, assim que vi seu rosto, eu soube que não se tratava de um criado, mas sim de um príncipe.

 Revirei os olhos e deitei a cabeça em seu peito outra vez. Harry sabia como me enrolar direitinho. Eu já não sentia mais raiva dele. Como poderia? 

Ficamos deitados assim por um tempo,Harry acariciando meus cabelos e a luz fraca e tremulante das velas me compeliam a fechar os olhos. 

— Louis? —Harry chamou quando eu estava quase apagando. Sua voz baixa no quarto mal iluminado parecia uma cantiga de ninar. 

—Humm — respondi meio mole, sem abrir os olhos. 

Ele hesitou por um instante. 

— Ainda me odeia? — sussurrou. Sorri com os olhos ainda fechados.

 — Muito! — resmunguei, me apertando mais contra seu peito.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...