Escrita por: Otsutsuki_Akane
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Enquanto seu bimotor piper apache cortava o céu de cartão-postal a mil e quinhentos metros do oceano Pacífico, a piloto, Emma Milligan, 23 anos, ouviu o som - uma sutil mudança de timbre - quando os motores começaram a ratear.
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O copiloto, Carl Hemingway, 26 anos, também ouviu. Até então, o voo de duas horas de Oahu à ilha do Havaí fora tranquilo. Eles eram apenas dois pilotos jovens, desconhecidos um do outro, querendo completar horas de voo com uma viagem curta sem passageiros.
Quando ouviram o som pouco depois das três da tarde, Carl baixou o aparelho para mil metros de altitude, e os motores pareceram funcionar mais suavemente. Então, sem aviso, os pilotos perderam a potência do motor direito. Um momento depois, o esquerdo parou. Sentados no compartimento de metal muito acima do oceano, ouviram o que todo piloto teme: um silêncio assustador. E levaram um instante para processar o fato de que podiam cair.
Os minutos seguintes foram um borrão de atividade. Quando começaram a perder altitude, os pilotos repassaram os itens da lista de emergência - ligar bombas de combustível, dar aceleração máxima - que às vezes conseguem religar os motores. Nada deu certo. Seguindo o treinamento de emergência com exatidão, Carl entregou os controles a Emma e, combatendo o jorro de ar quente, forçou a abertura da porta da cabine. Agora não ficariam presos lá dentro depois do esperado pouso no mar. A cerca de trezentos metros e caindo depressa, Emma fez o último chamado de socorro.
"Estamos quarenta quilômetros a noroeste de Kona", disse ela ao controle de tráfego. "Vamos cair"
Emma agarrou os controles. Na escola de pilotagem, ensina-se a fazer um pouso forçado sobre a água, mas só é possível praticar quando se cai no oceano. Ela sabia que a probabilidade de sobrevivência era pequena. Se batesse na água em um ângulo agudo demais, a força da colisão os mataria. Se deixasse a ponta de uma asa tocar a água primeiro, o avião poderia girar incontrolavelmente e se fazer em pedaços.
"Basta pousar como se estivesse pousando na terra", disse Emma a si mesma. Enquanto o avião despencava rumo ao oceano, ela imaginou uma pista se estendendo na superfície agitada da água. O ar rugia em seus ouvidos enquanto o oceano subia para encontrá-los. No último momento, com o Pacífico ocupando seu campo de visão, ela puxou o manche, elevando um pouquinho o nariz do apache. Então, tudo embranqueceu de repente quando o avião fez contato com o mar.
O aparelho bateu na superfície com um impacto explosivo e arrepiante, e seu mergulho no oceano espirrou água no para-brisa. Carl e Emma foram jogados para diante com violência, como se atingidos por trás por um caminhão.
Meio zonzo. Carl abriu os olhos. Recompôs-se e percebeu que, milagrosamente, estava bem. Emma se achava com o corpo caido para frente ao seu lado em choque e sangrando, mas ainda consciente. Carl sentiu a água entrar pela porta aberta e percebeu que tinham que sair dali depressa. Então soltou o cinto de segurança e subiu na asa.
- Emma, saia ! - gritou.
Ela o fitou com os olhos nebulosos. Porque segurava os controle, não se preparara para o impacto, e quando teve o corpo atirado para a frente, quebrou o nariz.
A piloto se levantou, tonta, e sentiu o sangue escorrer pelo seu rosto, uma isca para os perigosos tubarões que frequentavam as águas perto do Havaí.
- Saia! - Gritou Carl outra vez.
A água ja estava chegando aos joelhos dentro do avião e, em segundos ele afundaria.
- E os tubarões ? - Perguntou
- Não dá pra pensar nisso agora ! - Respondeu Carl.
Emma vadeou rumo à porta e, pelo caminho, pegou dois coletes salva vidas. Quando subiu na asa, a água ja cobria as poltronas do avião.
Enquanto o aparelho afundava, eles pularam no mar. Em segundos, o avião desapareceu sob a superfície. O oceano apagou todos os vestígios de vida humana, a não ser pelas duas figurinhas que boiavam sozinhas na vastidão do Pacífico.
Enquanto as ondas se quebravam em torno deles, Carl sentiu uma calma estranha. Puxou a lingueta do salva-vidas e a tampa que fechava o cartucho de CO2 caiu, deixando um buraco no pedaço de plástico agora inutil. Calmo, nem isso o perturbou. Tinha nascido em Oahu e crescera dentro d'água, surfando, andando de canoa, e passara anos na equipe de natação. Ele e Emma tinham feito o impossível ao sobreviver a um pouso forçado no oceano. Fazia um dia claro e bonito, e a Guarda costeira sabia onde estavam. Agora só precisavam ficar ali boiando no mar quente até serem resgatados.
No entanto, Emma estava um lixo, apavorada, aos prantos. Carl tentou acalmá-la e manter os dois de costas para as ondas, conversando:
- Fale da sua família. Você tem irmãos?
- Sim, tenho uma irmã - Disse ela, ofegante.
Era pela familia que Emma estava naquele vôo. Com apenas poucos anos de carreira, a jovem piloto era muito concentrada no trabalho, fazia o máximo possível de vôos durante a semana e trabalhava como agente de bagagem e rampa da Hawaiian Airlines nos fins de semana.
Naquela noite seria a festa de aniversário do pai, mas, em vez de tirar o dia inteiro de folga, Emma decidiu trabalhar pela manhã e alugar um avião para voltar para casa à tarde, completando algumas horas necessárias no controle de um avião com mais de um motor.
Como seu copiloto costumeiro não pôde acompanhá-la, Carl que também queria completar horas num bimotor, resolveu ir junto.
- Quando a Guarda Costeira vai chegar? - Perguntou Emma.
- Eles ja estão vindo - respondeu Carl - Vamos ficar flutuando aqui .
Dali a algumas horas, a previsão de Carl pareceu se realizar. Um avião da Marinha surgiu no céu e sobrevoou o local, enquanto Carl, contentíssimo de vê-lo, agitava o salva-vidas. Então, sem nenhum sinal de reconhecimento, o avião continuou seu caminho. A salvação tinha chegado e, com um choque para eles, sumira no horizonte.
Nas horas seguintes, mais e mais aviões os sobrevoaram, fazendo círculos em busca dos pilotos perdidos. Todas as vezes, Carl e Emma fizeram o possível para que os vissem. E todas as vezes o provável avião de resgate continuou voando sem avistá-los.
Quando o sol foi baixando, a calma de Carl começou a ceder. Ele ficou com medo.
"Teremos que passar a noite na água"- pensou.
E Emma viu o medo no rosto do companheiro. Ela sentiu que a corrente mudava de direção, as ondas agora indo para sudoeste. Natural do Havaí, Emma sabia o que todos os habitantes da lá sabem: não há nada ao sul do Havaí até chegar à Antártida, a 12 mil quilômetros. Ela e Carl tomaram uma decisão rápida. Olharam o contorno dos vulcões de Kailua-Kona, a 40 quilômetros, e nadaram naquela direção.
Por volta das dez da noite, Emma começou a sentir cãibras nas pernas e passou a nadar apenas com os braços, arrastando as pernas atrás de si. Logo, Carl ficou ainda pior. As mais de oito horas na água o tinham deixado exausto.
Ele também teve cãibras e comecou a tremer incontrolavelmente com a brisa noturna. Apoiara Emma nas primeiras horas, e agora chegava sua vez de assumir esse papel.
Nadando de barriga para baixo, disse a Carl que segurasse seus joelhos com os braços. Ele descansou a cabeça na parte de trás das pernas dela enquanto nadavam em conjunto: com os braços, Emma puxava Carl, de 1,75 m, enquanto ele batia as pernas. Mas, mesmo com esse apoio, aos poucos ele foi percebendo: Se continuarmos assim, vou acabar me afogando.
- Emma, preciso parar - Disse.
Emma soltou-se dele e o encarou. Na tentativa desesperada de ajudar, examinou o colete salva-vidas do companheiro e descobriu que havia dois compartimentos de ar separados. Ambos estavam vazios, mas Carl não esperimentara o segundo cartucho de CO2.
Ela puxou a lingueta com cuidado, e aquela metade do colete se encheu de ar. Mas logo começou um vazamento, e o segundo cartucho caiu. Carl enfiou os dedos para tapar os dois furos onde os cartuchos tinham rasgado o plástico e descobriu que, se expirasse no tubo de ar, conseguiria manter o colete inflado de um lado, dando-lhe apoio suficiente para se manter na superfície.
Então segurou o tornozelo de Emma com a mão livre e descansou, recuperando as forças, enquanto ela o puxava rumo à margem.
- Isso! Basta você segurar meus tornozelos - Disse ela.
Hora após hora enquanto nadava, Emma sentiu a calma domina-la. A lua estava clara, cintilava na água e jogava sua luz nas montanhas distantes. Os dois haviam começado como colegas que nunca tinham conversado, mas no silêncio da noite viraram parceiros. Ficar sozinho no oceano era horrível e apavorante. Mas estar com outra pessoa, sentir a presença confortadora do outro no escuro, tornava o sofrimento suportável.
- Ei, Carl... - Disse Emma baixinho em certo momento. Fizia algum tempo que ela não o ouvia.
- Oi, Emma - respondeu ele.
- Esta tudo bem?
- Sim, tudo bem.
Enquanto ainda se achavam nessa posição, com Carl agarrado às suas pernas, Emma sentiu um golpe lancinante de dor. Levantou o braço e, à luz da lua, viu algo branco e sedoso grudado no antebraço, soltando-se em pedaços gosmentos. Água-viva. Em segundos as vespas-marinhas havaianas, podem provocar náusea, inconsciência, problemas musculares e dificuldade para respirar. Agora, em seu estado enfraquecido, Emma nadava em um cardume delas. E, momentos depois da primeira picada, sentiu o veneno se espalhar pelo corpo. Parecia que o coração batia mais devagar. Ela ofegou, tentando respirar enquanto o corpo todo se contraía em cãibras. Então, perdeu a consciência.
Carl observou com horror Emma desmaiar diante de seus olhos.
- Emma !! - berrou, dando-lhe tapinhas desesperados no rosto.
Ela estava fria, o corpo trêmulo. Carl a agarrou para manter-lhe a cabeça acima da superfície, movendo a água com os braços e pernas e ignorando as picadas que tambem recebia.
- Você está bem? - Perguntou ele varias vezes.
Os olhos de Emma se abriram devagar. Seu corpo relaxou e ela sugeriu com a voz fraca:
- Acho que talvez fosse bom fazer uma pausa....
Eles flutiaram alguns minutos. Depois, Emma disse:
- Não quero mais ficar com essas águas-vivas.
- Então vamos embora - respondeu Carl.
Ele se segurou de novo nas pernas dela, e, sem saber como, Emma arranjou forças para nadar para terra novamente.
Naquela manhã, quando o sol nasceu, os dois pilotos foram saudados por uma linda visão :a ilha do Havaí, verde e majestosa, mais perto do que ousariam sonhar. Apesar da exaustão e das águas-vivas, eles tinham feito um progresso extraordinário durante a noite .
Ao amanhecer, lindos peixinhos pretos nadavam sob eles, acompanhando-os em sua jornada. Em qualquer outra circunstância, pensou Emma, seria muito agradável - a água quente do oceano tão azul e transparente que parecia que conseguiriam ver ofundo.
De repente, os peixinhos pretos sumiram, assustados. Emma viu uma sombra diante deles que fez a respiração se prende na garganta. Carl viu também: um tubarão de uns três metros sob a superfície.
- O que vamos fazer? O que vamos fazer? - perguntou Emma, em pânico.
- Continue olhando para a frente - respondeu Carl - Não se debata, só continue nadando.
O tubarão fez círculos metódicos em torno deles. Estava bastante calmo, pensou Carl, provavelmente apenas curioso. Rondou-os durante uma meia hora e em seguida sumiu. Mas meia hora depois, voltou. Dessa vez, Carl sentiu um frio na barriga. Sobrevivemos ao acidente; Conseguimos vencer a noite, pensou ele. Isso não pode acabar com um ataque de tubarão.
- O que você vai fazer se ele se aproximar? - perguntou Emma.
- Chuto o olho dele - disse Carl com calma.
Então, tão tranquilamente quanto aparecera, o tubarão foi- se embora outra vez, e Emma e Carl voltaram a ficar sozinhos. Agora estavam a uns 15 quilômetros da praia, os detalhes da ilha começavam a ficar visíveis. Eles fizeram um pacto : Estariam em casa ao pôr do sol.
- Vamos sair para comer depois? - brincou Emma - O que você acha do McDonald's?
Pouco antes do meio-dia, viram a conhecida forma alaranjada de um helicóptero da Guarda Costeira. Ele zumbiu no alto, logo à direita deles, e os dois acenaram as mãos tentaram ficar mais visíveis contra a água. Como antes, o aparelho desapareceu; Oitra agonizante oportunidade perdida.
Depois de quase 20 horas, o corpo de Emma estava simplesmente sem energia. Em certo momento, depois de passar horas lutando, a cabeça alimenta uma idéia : E se eu desistir?. Ela estava chegando a esse ponto. Foi então que ouviu de novo o zumbido do helicóptero.
- Ele está vindo! - gritou ela.
- É esse, Emma! - acompanhou Carl - Esse é o que Deus nos mandou!
Emma e Carl caíram em prantos. Abraçaram-se na água quando compreenderam a imensidão do que tinham passado. Sozinhos, qualquer um deles morreria. Juntos, tinham conseguido sobreviver. Quando um enfraquecia, o outro tinha forças.
- Sabe, nem nos conhecíamos, mqs agora você ultrapassou todos os niveis de amizade - disse Emma a Carl.
Um segundo helicóptero chegou dez minutos depois, e um socorrista desceu até o oceano, seguido por um cesto metálico de resgate preso ao helicóptero. O socorrista levou Emma até o cesto e, com um sacolejo, ela subiu no ar rumo à segurança do aparelho. Em seguida, foi a vez de Carl.
Mais tarde, depois que os socorristas deram a Carl todos os sanduíches que tinham no helicóptero, depois que os médicos cuidaram do nariz quebrado e das picadas de vespa-marinha de Emma, depois que ela finalmente desejou feliz aniversário ao pai, Carl e Emma, que permaneceram amigos, recordaram o ponto de virada emocional. Ocorreu talvez meua hora depois de caírem na água. Emma estava chorosa, em pânico, temendo o pior. Carl começou a consolá-la, embora só se conhecessem a poucas horas.
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" Vamos ficar bem ", dissera ele, embora não tivesse a mínima idéia do que os esperava. " Vamos contar essa historia a nossos filhos e netos ".
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