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História Pobres almas desafortunadas - Arco 2 - Parte 9


Escrita por: Jude_Melody

Capítulo 13 - Arco 2 - Parte 9


O tempo fizera bem a Ariel. Suas feições estavam mais maduras, e o corpo já não era tão franzino. Na verdade, ele parecia mais forte. Trazia um garfo preso ao braço esquerdo por algumas algas. Normalmente, eu faria perguntas sobre isso. Mas já não nos víamos por mais de dois anos... Eu tinha coisas mais importantes para perguntar.

— Oi, Daren — ele murmurou.

— Por que essa estranheza?

— Você está... diferente...

— Mas é claro, pois agora eu sou humano.

Ele abaixou a cabeça. Era como se não me conhecesse mais.

— Você também está diferente, Ariel.

— Mas é diferente! Eu... É mesmo você, Daren?

Eu estendi o braço, mas não consegui tocá-lo. Acho que esbocei uma expressão de sofrimento, porque Ariel se aproximou de mim e se debruçou sobre a madeira. Inclinei-me para ele.

— É claro que sou, minha musa.

Ariel afastou-se em um rompante. Olhei assustado ao redor para o caso de haver marinheiros por perto.

— Você não está em conluio com eles, está? Eu te vi em meio aos humanos que sequestraram o Hugo!

— Ariel...

— Depois de todo esse tempo, não esperava isso de você, Daren. O que está acontecendo?

— Ei, ei, sossegue essa cauda aí, moleque. Você está em pânico.

— Sossegar a cauda? Moleque? Do que está me chamando? O que isso quer dizer?

— Desculpe — grunhi. — Adquiri alguns maus hábitos de fala nesses últimos anos.

Ariel cerrou os olhos, fitando-me com desconfiança.

— É você mesmo, Daren?

Desta vez, apenas sustentei seu olhar.

— Uma parte, pelo menos.

Ariel pareceu aliviado. Nadou para perto de mim e tocou meu joelho. Eu percebi o fascínio em seu olhar. Então este recaiu sobre meu rosto. E eu finalmente vi o brilho que tanto conhecia.

— Você ainda é você. Desculpe, Daren. É que estou tão nervoso...

— Eu sei. Sinto o mesmo. Nós precisamos pensar em uma forma de... Mergulhe!

Ele afundou bem a tempo. Um marujo beberrão apareceu no convés de um dos navios atracados, segurando uma lamparina. Cumprimentou-me ao me ver.

— Cuidado, senhor Daren! À noite é quando as sereias atacam! — Ele gargalhou da própria piada e retornou à cabine.

Suspirei.

— Daren... — chamou Ariel, emergindo.

— Ariel, não é seguro conversarmos aqui. Há muitos humanos bisbilhoteiros. Procure-me daqui a uma semana, neste mesmo horário, naquele lugar em que nos despedimos daquela vez.

Trocamos olhares. Eu tive o vislumbre de sua compreensão. Ariel não disse nada. Mergulhou sem fazer barulho e desapareceu no oceano.

 

Rever Ariel perturbara-me mais do que eu poderia imaginar. Contudo, tinha de me ater ao plano que ao poucos se formava em minha mente. Depois de tanta aflição, eu finalmente confirmara que Ariel e Hugo eram amigos. Talvez até um pouco mais... Tentei não pensar na segunda possibilidade.

Nos dias que se seguiram, permaneci no castelo, observando a rotina dos funcionários e memorizando os mínimos detalhes. A quantidade de guardas em cada porta, seus turnos, se eram espertos ou suscetíveis a engano. Também observei Henrique de longe. O capitão parecia atarefado, mas nem por isso deixava de me vigiar. Sempre que passava por ele, meus olhos o seguiam, e eu podia sentir os olhos dele sobre mim. Olhos pequenos e perfurantes como os de um tubarão. Mas o bigode ainda era de morsa.

À noite, eu estudava meus cadernos de feitiços e poções e procurava fraquezas no plano. Não tinha todos os ingredientes de que precisava, por isso pediria ajuda a Ariel. E havia ainda aquele aspecto muito preocupante... Chamar Erika estava fora de cogitação. Se eu queria uma cobaia, usaria alguém inútil, mas não a ponto de estragar tudo como o idiota daquele moleque.

Suspirei. Esse hábito já estava se tornando irritante. Levantei-me, espreguiçando o corpo de olhos fechados. Sentia falta da mainha. Ela saberia preparar o feitiço em poucos instantes. Perfeito, sem uma falha sequer. Porque ela mesma era perfeita. Ah! Que saudades da mainha!

Olhei pela janela, nostálgico. Distraí-me com um borrão que se aproximava da torre em que Hugo fora aprisionado. Parecia... uma gaivota. Mas àquela hora da noite? Balancei a cabeça. Já era muito tarde. Eu devia ir dormir.

 

As mãos tentaram cobrir meus olhos, mas só ficaram balançando pateticamente sem conseguir alcançá-los. Virei-me para Erika, que recuou com um sorrisinho.

— Adivinha quem é?

— Acho que é uma passarinha. Uma linda passarinha e o amontado de pelos e baba que ela chama de cachorro.

Max latiu para mim.

— Obrigada pela parte do “linda”. E então? Fazendo o quê?

Erika debruçou-se ao meu lado na mureta. Usava um vestido lilás e um colar de pérolas, certamente por insistência da mãe. Os cabelos negros dançavam com a brisa, da mesma forma que os cabelos ruivos de Ariel dançavam quando ele girava na água. O cheiro salgado do mar nos atingia. Estávamos no pátio aberto do castelo.

— Apenas observando.

— Gosto de observar também. Oh, olhe, uma gaivota! — Ela apontou o pássaro pousado no parapeito de uma das janelas da torre de Hugo.

Fitei-a com incredulidade.

— Ah, não. Você, não!

— Eu o quê? Só estava brincando. Tem um monte de gaivotas por aí.

— Sei — resmunguei. — Diga-me, minha cara princesa, não deveria estar em uma aula ou algo do gênero?

— Ah, eu fugi. Não conte para o Henrique, ok?

Sorri sem humor.

— Até parece que eu contaria. O Bigode de Morsa anda um pouco atarefado, não é?

— Sim, ele está ajudando meus pais com os preparativos para a viagem.

— Uma viagem?

— Sim! Foi isso que eu vim te contar!

Erika saltitou para longe da mureta e pôs as mãos nas costas.

— Meus pais vão viajar para um reino vizinho daqui a alguns dias. Só voltam em 1º de agosto. Não é maravilhoso? — Ela estendeu os braços. — Um castelo inteiro só para mim! Vou deixar o Grimsby louquinho da silva com o Max correndo por todos os cômodos!

— Que menina travessa! — Pus as mãos na cintura. — Comporta-te como a princesa que és! Não queres honrar tua família?

Ela fez um barulho estranho com a boca, contendo o riso.

— Que papo é esse agora? — Riu. — Virou escritor?

— Estou apenas brincando também. — Afaguei os cabelos dela.

Erika desvencilhou-se.

— Quando você fica bravo, usa a segunda pessoa. É engraçado, sabia?

— Não estou bravo.

— Eu sei que não. — Ela ajeitou o vestido. — Bem, era só isso que eu queria dizer mesmo.

— Jura? Essa matraca aí não tem mais nada a dizer?

— Observa esse teu vocabulário, marinheiro! Veja como fala com tua princesa. — Erika ergueu o rosto, pomposa. — Viu como você parece bobo falando assim? Mas, respondendo à sua pergunta, é que eu fiquei muito feliz com a notícia e precisava compartilhar com alguém. Agora, se me der licença, tenho de voltar à aula de História antes que Grimsby decida me procurar aqui. Até logo, Daren.

Ela ficou na ponta dos pés e me deu um beijo na bochecha. Depois saiu correndo sem me dar chance de qualquer resposta. Sorri. Garotinha travessa... Eu disse para você não se envolver em meus planos.

 

Está tudo se encaixando, mainha. Já decidi todos os detalhes do feitiço. Em breve, encontrarei Ariel e pedirei que me traga os ingredientes faltantes. Agora só preciso de uma cobaia. Veja seu filho agora. Você tem orgulho do que ele se tornou? Eu sinceramente não sei. Mas, mainha, eu tenho orgulho de mim.

 

Por pouco consegui conter o grunhido. Nos últimos meses, ouvira muitos humanos falando nessa história de “sinal divino” que me parece uma besteira sem tamanhos. Mas, de todos os marinheiros e conhecidos que eu poderia encontrar durante meu passeio na cidade, é claro que seria ele a cruzar meu caminho.

Não entendi de imediato o que acontecia. Elliot estava discutindo com três garotos mais velhos. Soava quase tão firme quanto um molusco. Pensei ter ouvido a palavra “tritão” antes de um dos garotos empurrá-lo. Os três riam. Estavam se divertindo ao torturar o pobre moleque.

Fiz menção de me aproximar, mas Elliot levantou-se em um átimo e segurou um deles pelo pulso e pela axila. Com um movimento magnífico, ergueu o jovem por cima de seu ombro e o derrubou de costas no chão. Senti até um arrepio na coluna.

— Vai pagar por isso, seu babaca! — bradou um dos agressores, ajudando o amigo a ficar de pé. O outro deu um soco em Elliot antes de os três partirem.

— Babacas são vocês! — ele gritou. — Droga... Mas que droga! — resmungou, esfregando as costas das mãos no lábio ensanguentado.

— Ei, moleque.

Elliot virou-se para mim, assustado.

— Seu pai não te ensinou a escolher melhor as brigas?

— Não... — Ele abaixou o rosto. — Meu pai era mais do tipo que sai de casa sem avisar ninguém e nunca mais volta.

Qualquer pessoa minimamente decente expressaria suas condolências. Mas eu não ia com a cara do moleque. Azar o dele.

— Então, acho que deveria aprendê-lo por conta própria. Quem eram aqueles, afinal?

— Edward e sua gangue. São uns idiotas. Eles fazem pouco de mim porque conseguiram se tornar guardas reais, e eu não. Normalmente, não perderia tempo com eles, mas os babacas estavam dizendo atrocidades sobre o Hugo...

Que problema esse moleque chamar o tritão pelo nome... Esfreguei a nuca.

— Venha. Estou com fome. Quero que pague algo para eu comer.

— Por que eu tenho que pagar algo para o senhor comer?

Dei-lhe um tapa na nuca.

— Ai! Devia ser ao contrário! Eu sou pobre. O senhor que devia me pagar um café.

— Está bem. Está bem. O que seja. Apenas fique quieto. O que você vai querer?

Seu rostinho se iluminou.

— Um sanduíche de presunto! E biscoitos! Mas biscoitos gostosos. Não aquele troço de sal horroroso que servem no quartel. E leite, porque mamãe dizia que faz a gente crescer.

— Não tenho dinheiro para isso, moleque. Vai ser pão com queijo.

— Pão com queijo? — Ele fez uma careta.

— E desista dessa história do leite. Se não te fez crescer até hoje, é porque não terá mais efeito.

Comecei a descer a rua, dirigindo-me à padaria ao lado da estalagem em que costumava dormir antes de me mudar para o castelo. Não ouvi os passos ruidosos do moleque me acompanhando, então olhei para trás.

— Você vem ou não?

Elliot saiu do transe e veio correndo.

 

Sentamo-nos nos degraus de uma ruela pouco movimentada. Elliot fitava seu pãozinho com melancolia. Alguma coisa em seus gestos lembrava um pouco Ariel. O moleque não tinha nenhum talento notável, e eu às vezes duvidava de sua inteligência. Sentado naquele canto, com a cabeça levemente abaixada, parecia-se com as plantas de alma que eu costumava colecionar. Como se estivesse preso ao chão pela própria mediocridade e olhasse ao redor desejando ser livre. Decidi pegar leve com ele.

— Você gostaria de conversar sobre seu pai?

— Não há muito o que dizer... Ele foi um bom pai, ao menos até fugir sem aviso e deixar eu e minha mãe para trás. Eu tinha onze anos na época. Não entendi nada. Achei que a culpa fosse minha.

Ele fez uma pausa. Eu já havia devorado metade do meu pão, mas o dele permanecia intacto.

— A partida dele destruiu a minha mãe. Ela sempre teve a saúde meio frágil, sabe? Ficava resfriada por qualquer coisinha. Às vezes, passava quase um mês acamada. E ele sabia disso. Era ele que sustentava a gente... Depois que ele foi embora, minha mãe desmoronou. Ela morreu pouco depois de eu completar doze anos.

Órfão de pai e mãe aos doze anos de idade. Essa história me soava familiar.

— Não me restaram muitas escolhas. Tentei ingressar na Guarda Real, mas era muito fraco e subnutrido. Não tinha como competir com os garotos das famílias mais ricas, que quase sempre tinham o dobro do meu tamanho. Acabei virando faxineiro. Bom, um faz-tudo, na verdade. O pessoal da Guarda pede de tudo para mim porque eu tenho uma boa resistência para os serviços e faço as coisas rápido e sem reclamar. Por causa disso, eu acabo conhecendo todo mundo, o que também não quer dizer que todo mundo reconheça algo de bom em mim. Ao menos eu posso a ir a vários lugares, como a torre do tritão, que me mandaram limpar, já que ninguém aceitava a tarefa... E de vez em quando arranjo uns bicos pela cidade para ganhar um dinheirinho a mais. Não é uma vida boa, mas dá para sobreviver.

Eu não estava me identificando com o moleque. Apenas reparava nas semelhanças. Ele provavelmente nunca teve alguém que o acolhesse. Mas é como minha mãe me ensinou: o que não te mata só te deixa mais forte.

— Meu pai disse uma vez que eu tinha um irmão.

— É mesmo? — Pensei em dar outra mordida, mas meu pão havia acabado.

— Sim. Ele comentou isso quando eu tinha uns cinco anos, eu acho. Comentou por alto. Eu sei que perguntei a ele várias vezes quem era meu irmão e onde ele estava. Mas, nessas horas, meu pai simplesmente se perdia... Sabe quando uma pessoa olha fixamente para um ponto, mas não tem nada ali? Podia ser qualquer coisa. Um canto da parede, a ponta da mesa, os sapatos no chão, uma sujeira na janela... Ele parecia entrar em transe e não respondia à minha pergunta. Depois de um tempo, eu parei de perguntar.

— Sua mãe não sabia de nada?

Ele balançou a cabeça.

— Eu perguntei uma vez. Ela respondeu que só podia ser um filho de um casamento passado, mas que nunca o tinha conhecido. Talvez fosse só uma invenção do meu pai. Ele às vezes não batia muito bem das ideias, segundo ela dizia. E não era só quando eu perguntava do meu irmão, sabe? Várias vezes, ele parava do nada e fitava o vazio... Como se tivesse se perdido de si mesmo. E eu tinha medo de tocá-lo e fazer algum mal a ele por tirá-lo do transe.

— Bom, isso explicaria muita coisa.

— Como o quê? — Elliot encarou-me, esperançoso.

— Não é nada. Prossiga.

— Bom, não tenho muito mais o que contar, na verdade. Ele foi embora, minha mãe ficou doente. Quando dei por mim, estava sozinho. Acho que meu único amigo de verdade era o Capitão Alfred. Eu cheguei a trabalhar com ele algumas vezes. Até participei de uma de suas viagens. O Capitão Alfred era incrível... Mas ele morreu, né? Já o teriam encontrado a essa altura se ele estivesse vivo...

— Eu também gostava muito do Capitão Alfred. Ele era um bom homem.

— Às vezes, eu queria que ele tivesse sido o meu pai.

— Não podemos mudar o passado, garoto.

Elliot suspirou. Finalmente começou a comer a droga do pão, o que achei uma pena, porque tinha certeza de que conseguiria filá-lo para mim. E o moleque mastigava devagar, como se lhe custasse comer o sanduíche.

— Escute, Elliot, você disse uma vez que queria salvar o tritão, não é mesmo?

Ele assentiu com vigor.

— Sim, eu faria qualquer coisa. Eu... — Começou a tossir e deu alguns soquinhos no peito. — Desculpe, engasguei. Mas por que isso agora, senhor Daren?

— Bom, nós não podemos mudar o passado, mas podemos mudar o presente. Eu reuni informações preciosas nos últimos dias. Acho que é possível resgatarmos o tritão.

Os olhos dele brilharam.

— De verdade?

— Sim. E eu preciso da sua ajuda.

Brilharam ainda mais.

— O senhor precisa... de mim?

— Sim, mas não faça muito alarde. Discrição é um ponto crucial neste plano.

— Sim, senhor! Discrição. Eu serei muito discreto. Então, o que preciso fazer?

— Eu preciso que você durma.

— Oh... — O rostinho dele ficou amuado. — Bom, isso dá para fazer.

— E mais duas coisas.

— O quê?

Arranquei uns fios de cabelo dele.

— Ai! — Ele pôs a mão na nuca. — Para que isso?!

Coloquei os fios cuidadosamente sobre um lenço, dobrei e guardei no bolso. Encarei Elliot, cujos olhos pareciam uma tempestade confusa.

— E mais uma coisa.

— O quê? — Ele recuou, temeroso.

— Você não quer salvar o tritão?

— Quero! Claro que quero! — Elliot engoliu em seco. — Do que precisa, senhor Daren?

Sustentei seu olhar, gravando cada detalhe de sua reação.

— Da sua voz.


Notas Finais


Curiosidade: Elliot tinha acabado de completar 23 anos quando o Daren o convidou para o plano de resgate do Hugo. Não tenho muita certeza de se esse foi um bom presente de aniversário. *risos* Aproveitando a oportunidade, divulgo uma pequena lista com as datas de aniversário dos personagens e, entre parênteses, a idade que eles tinham neste momento da história:

Ariel – 23/02 (22)
Daren – 21/04 (32)
Elliot – 08/07 (23)
Erika – 03/03 (23)
Henrique – 01/04 (35)
Hugo – 19/11 (23)

Não, a data do Ariel não é oficial (ou seja, segundo a Disney). Eu apenas escolhi a que achei melhor para a história. E, sim, eu escolhi 1º de abril para o Henrique de pura sacanagem, antes que me perguntem. Divulgarei as datas das irmãs do Ariel em um capítulo futuro. Se vocês gostaram dessa nota com curiosidades, deixem nos comentários. Quem sabe que não penso em outras coisas interessantes para dizer aqui? ;) Abraços!


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