História Por entre estrelas cadentes e sonhos cor-de-rosa - Homemade

Era incrível como Gloria conseguia estragar os seus planos.

Tudo tinha ocorrido assim como deveria ser até aquele momento - Bede havia ganhado facilmente de todos os treinadores com os quais batalhara naquela manhã, e conseguira um número recorde de wishing stones na mina próxima a Motostoke. Quando a avistou se aproximando em direção ao fim da caverna, o garoto estava confiante de que, dessa vez, não deixaria que uma amadora continuasse a levar a melhor numa batalha contra ele. 

Infelizmente, seus planos tinham sido partidos ao meio pelos dentes afiados do Yamper de Gloria quando por fim sua Hatenna atingiu o solo desacordada. 

Bede suprimiu sua raiva; era sorte, nada mais que isso, ele observara o suficiente e certamente não cairia nos truques daquela garota de novo na próxima batalha. Apressando-se para dizer suas despedidas - pois perder o controle era mostrar fraqueza, e acima de tudo ele não podia se comportar de um modo que pudesse trazer vergonha ao Diretor Rose - ele se virou para sair daquela mina e tentar esquecer a derrota…

Só para ver que, nos minutos que gastara batalhando contra Gloria, uma tempestade se instalara no céu antes azulado e a chuva agora pintava um quadro triste e molhado do lado de fora. 

- Nossa… tá caindo o mundo lá fora. - A voz dela soou um pouco atrás de si; Bede mal pôde controlar seu olhar irritado para a garota que parecia caçoar dele com a sua observação. - Você não vai se aventurar nessa chuva desse jeito, vai? 

- O que eu faço ou deixo de fazer realmente não é da sua conta. - Ele disse em resposta, controlando por pouco a irritação em sua voz. Ainda assim, ela saiu mais do que um pouco irônica. Droga. - Eu já passei tempo demais aqui, e não tenho todo esse tempo livre como você.

Ele tinha que comunicar seus achados para o diretor, afinal. Rose certamente ficaria feliz com o número de pedras que o garoto conseguira, e isso era infinitamente melhor do que ficar preso junto dela numa caverna estúpida. 

- O que você tem para fazer realmente é tão importante para arriscar atravessar isso? - Gloria tinha o rosto de quem já discordava de qualquer protesto que ele fosse fazer, apontando um dedo para a rota onde trovões começavam a soar. - E se você ficar doente e isso te atrapalhar no torneio? 

Ela...estava certa naquele ponto. Bede não podia ficar doente e arriscar perder seu patrocínio. Ele comprimiu os punhos - não queria dar razão para ela, mas… 

- Bom… eu suponho que eu não tenha escolha senão esperar. - Ele suspirou, abrindo um sorriso debochado para a garota atrás de si. - Mas não vá pensando que eu vá te dar dicas de batalha nesse meio tempo.  

- Ah não, eu não faria isso! - Gloria deu uma risada baixa, já a meio caminho andado de tirar uma panela de dentro da bolsa. Próximos a ela, os pokémons da garota se espreguiçavam numa toalha que surgira estirada no chão da caverna. - Por que você não senta? Eu vou fazer curry. 

- ...Hein? - O garoto estava confuso. Primeiro de tudo, com a rapidez que ela tivera para se instalar ali como se fosse a sua casa; e por oferecer o convite como se não fosse nada. 

Eles eram competidores, não eram? Por que diabos aquela garota estava o tratando tão amigavelmente?

- Você gosta de comida apimentada? Ou prefere doce? Você tem cara de gostar de curry de maçã… - Gloria pareceu ignorar a confusão do garoto, pois nem olhava para ele enquanto fuçava dentro de sua mochila atrás de ingredientes. Quando Bede não lhe ofereceu uma resposta, ela ergueu o rosto para encará-lo de frente. - Então? 

- ...Você está me oferecendo comida. Por quê? - Ele manteve seu olhar desconfiado para a garota, que piscou antes de franzir o cenho. 

- Por quê…? Bom, eu estou com fome e vou jantar agora. Seria falta de educação não te oferecer nada, não? - Ela se endireitou para por as mãos em seus quadris, falando como se fosse óbvio. - Agora vamos, qual você prefere? 

Bede piscou por alguns segundos, antes de desviar os olhos. 

- Maçã está bom, eu acho. 

- Viu? Não foi tão difícil.-  Gloria sorriu para ele, a vitória estampada mais uma vez em seu rosto. Ah, como ele a odiava. - Agora sente-se! Deve demorar um pouco. Se você quiser soltar seus pokémons, sinta-se à vontade. 

Bufando, o garoto continuou de pé contra a parede da caverna - ele não iria cair naquela falsa familiaridade que ela queria ter com ele, não mesmo - mas acabou por liberar seus pokémons mesmo assim, porque ao contrário do que aquela garota poderia achar, aquele era um lugar público e ele não precisava da permissão dela para fazer isso. 

Enquanto Hatenna subiu em seu ombro no mesmo segundo, seus outros pokémons foram curiosamente interagir com os outros que brincavam enquanto esperavam pelo jantar. Bom, Bede não poderia exatamente culpá-los - porque eles eram sim fortes, apesar de sua dona não ter muito talento.

Seus olhos púrpuras se viraram brevemente para a garota, que tinha um sorriso no rosto enquanto misturava o molho na panela, provavelmente já tendo esquecido que ele estava ali. Que descuidada. Alguém como ela que confiava fácil e achava que podia fazer amizade com todo mundo não duraria nem um pouco naquele torneio, não importa o quão sortuda ela poderia ser… 

Afinal, a sorte sempre acaba alguma hora. Se Gloria se deixasse levar por ela e confiasse que tudo fosse dar certo, iria cair no primeiro tropeço que desse. 

Mas não era como se Bede fosse se importar com isso, claro - ele gostaria sim de acabar de uma vez por todas com o time dela e aliviar a frustração crescente em seu peito, mas Gloria eventualmente perderia de qualquer maneira, e mesmo patrocinada pelo Campeão, não era como se ela fosse especial. Ele era. 

Tão preso em seus pensamentos, o garoto quase deu um pulo quando abriu os olhos e viu o rosto dela bem na sua frente com a testa franzida. 

- O qu-! - Ele trincou os dentes, forçando-se a se acalmar quando sentiu Hatenna estremecer em seu ombro, e bufou. - Você poderia por favor não se aproximar desse jeito? O que você quer? 

- O jantar está pronto, mas você não me ouviu então eu vim te chamar. - Gloria ofereceu um sorriso amarelo, puxando-o pelo pulso em direção à panela de curry em meio aos seus protestos. Ele mal teve o tempo de reclamar quando foi posto para sentar-se em uma pedra próxima, Hatenna pulando de seu ombro quando ele foi entregue um prato cheio de curry em suas mãos. 

O cheiro doce e levemente picante chegou ao seu nariz e o impediu de dizer mais alguma coisa. De repente, ele lembrou-se de que não comera nada desde o café da manhã do hotel naquele dia. Bede segurou a colher hesitante por alguns segundos, tentando ignorar o olhar nem um pouco disfarçado de Gloria em sua direção, e finalmente provou um pouco.

O problema é que o curry estava ótimo. 

Para Bede, que alternava entre jantares chiques com refeições pequenas pagas pelo diretor em suas reuniões e comida instantânea que servia mais para sustância do que qualquer outra coisa, um prato caseiro como aquele provavelmente fora uma das coisas mais gostosas que já comera naqueles últimos anos. 

E era absurdo porque era Gloria quem o tinha feito. A mesma que ganhava todas as vezes que batalhavam não importa o quanto ele treinasse; a que perdia tempo com coisas bobas, que não tinha o mínimo senso de estilo, a que ficava apanhando frutas na estrada para colocá-las num curry que o fizera lembrar de um lar que ele nunca nem sequer tivera. 

O garoto engoliu em seco, tentando afastar os pensamentos de sua cabeça, ignorar o calor que se alastrava em seu peito. Ele não podia se distrair; não quando todas as expectativas de Rose estavam sobre si mesmo naquele momento.

- ...Bede? - A voz dela o fez olhar para o lado, onde a garota tinha um olhar levemente preocupado enquanto o observava. Ao redor de ambos, os pokémons se deliciavam com seus próprios pratos de comida. 

Ele limpou a garganta, voltando a colher para seu prato. 

- ...O curry está passável. - O garoto murmurou, desviando o olhar do rosto dela. 

- Só passável? Mas é a minha melhor receita… - Gloria cruzou os braços, e ele a espiou fazendo bico para seu próprio prato pelo canto do olho. Bede tentou ignorar a vozinha dentro de sua cabeça que o fez pensar que aquela expressão ficava fofa nela. 

- Se você quiser me impressionar, vai ter que tentar melhor que isso. - Ele abriu um sorriso debochado, só para depois congelar em sua posição. Não, espera, falando assim era quase como se ele… 

Gloria pareceu perceber a mesma coisa que o garoto; pois seu sorriso aumentou, e ela riu baixo enquanto continuou a comer. 

- Tudo bem então! Da próxima vez eu vou fazer um curry tão bom que até você vai ter que elogiar! 

Bufando, Bede desviou o olhar dela, silenciosamente pegando mais do curry com sua colher e ignorando o calor que esquentou suas bochechas. 

Ele se recusava a admitir a animação que borbulhara em seu peito ao pensar na possibilidade de uma próxima vez.