Em menos de três semanas, eu já havia me acostumado a maior parte das atividades e obrigações — que, na verdade, eram a mesma droga de coisa, uma vez que você também era obrigado a participar das atividades — da Mãos de Ferro.
Pelas manhãs, os "alunos" tinham os esportes, que sempre variavam entre futebol, vôlei e basquete. Em seguida, a pastora Felícia chegava com a sua bíblia cor de rosa em baixo do braço e dávamos início ao — como ela amava chamar — "Ensino Religioso". E antes de almoçarmos, partíamos para a limpeza, que era o trabalho mais cansativo de todo o dia, mas com o tempo, eu também me acostumei a isso.
No período da tarde, todos nós estudávamos. No terceiro prédio — no mesmo em que ficava a enfermaria —, existiam salas de aula e ficávamos das catorze às dezenove lá dentro, aprendendo o mesmo que iriamos acompanhar no colegial — caso não tivéssemos sido presos.
Nesse período de tempo, eu não conversei muito com Doug. Ele sempre me cumprimentava, chamando-me de "seu loirinho preferido" ou algo assim, mas optei por não dar muita bola. E quanto ao oficial, eu pensei que o encontraria no chuveiro, mas me enganei, pois ele não chegou a aparecer, surpreendendo-me como havia feito da última vez. De certa forma — principalmente, de acordo com Arthur — era melhor dessa forma, nunca terminava bem relações entre "alunos" e guardas da instituição.
— Já está pronto, rapariga? — perguntou-me o meu colega de quarto, enquanto mexia em seus pôsteres. Arthur era extremamente obcecado por eles, não me deixava nem chegar perto, com mede de que eu os rasgasse. Como não respondi a sua pergunta, ele tornou a falar, aumentando o seu tom de voz: — você não quer perder a única visita que terá nos próximos três meses, não é?
E, realmente, eu não queria perder a chance de ver Gabriele e Roberto — o mais próximo que eu tinha de uma família.
O meu amigo me explicara como funcionava as visitas de familiares na instituição, elas ocorriam de três em três meses. Nesse determinado dia, a "Mãos de Ferro" abria os seus portões e trazia todos os familiares para dentro, permitindo que houvesse uma espécie de interação entre todo mundo.
Só de saber que, em alguns minutos, eu estaria ao lado da minha melhor amiga, absolutamente tudo pareceu melhorar, de uma maneira instantânea.
Arrumei as minhas coisas e fui com Arthur para a entrada, esperar por Gabriele. Diferente de mim, o meu colega de quarto não passaria o domingo na instituição, ele iria visitar a mãe e retornaria só no final da tarde.
Domingo era o único dia em que não existiam atividades obrigatórias no Mãos de Ferro, todos podiam escolher o que fazer, alguns optavam por praticar esportes e outros preferiam ficar em seus quartos, descansando da semana cansativa. Entretanto, como esse era o "Domingo da Família", as regras mudavam e ninguém poderia permanecer nos dormitórios, mesmo os que não fossem receber visitas.
A instituição estava cheia de gente, completamente lotada. Alguns detentos chegavam a receber três pessoas — o limite máximo de visitantes por "aluno" —, eram poucos os casos onde alguém recebia uma ou nenhuma visita, pois, como Arthur fizera questão de reexplicar, a maior parte deles eram "filhinhos de papai", com familiares extremamente preocupados.
E se eu já não soubesse da verdade por trás da instituição, desconfiaria no momento em que encarei os visitantes, pessoas extremamente bem vestidas com seus ternos e vestidos caros. Era evidente o nível delas. Eu era, provavelmente, a pessoa mais mal vestida de todos eles — e não me importava nem um pouco com isso.
Eu estava tão nervoso e ansioso para ver a minha amiga, que quase não percebi que Arthur estava se despedindo de mim. Eu acenei com a cabeça e ele disse algo parecido com "que porra de cumprimento é esse, viado?" e me abraçou, desejando-me um bom dia.
Ele, definitivamente, já era um amigo pra mim.
Continuei encarando a entrada, esperando pela garota morena. A cada segundo que se passava, a minha ansiedade aumentava, deixando-me quase louco. Em determinados momentos, eu dizia para mim mesmo que ela não viria ou que eles não receberam o recado da instituição. Várias eram as teorias em minha mente paranoica.
Mas depois de mais alguns minutos de espera, eu finalmente a vi. Ela estava ao lado de Roberto, os dois me identificaram rapidamente e vieram em minha direção. Minha amiga estava com um vestido florido e com o cabelo liso — algo que eu não via há algum tempo.
O pai dela, como de costume, usava uma calça jeans e uma jaqueta de couro marrom escura. O homem moreno segurava uma mochila vermelha na mão esquerda, deixando-me curioso a respeito de seu conteúdo.
Gabriele não aguentou e correu para um abraço que nem pensei para retribuir.
Ainda em meus braços, ela sussurrou: — desculpe a demora... nós fomos revistados, todos estão sendo e isso demorou bastante.
Eu entendia completamente sobre o que ela estava falando e me perguntei se ela precisara tirar a roupa também. Por ser algo bem constrangedor, optei por não estender o assunto da "verificação".
Abracei Roberto, que, diferente de Gabi, não fez nenhuma cerimônia para encarar o ferimento na lateral do meu rosto. Depois de passar a mão pelo machucado, já cicatrizado, ele questionou o que havia acontecido.
Tentei mentir, dizendo que havia caído, mas ele trabalhava na delegacia — era o próprio delegado —, conhecia muito bem marcas de briga.
— Não vamos estragar o clima de hoje falando sobre isso — respondi, mostrando a ele que não estava me sentindo confortável para dialogar a respeito da minha surra.
Voltei o meu olhar para Gabriele e com uma expressão animada, perguntei: — você precisa me atualizar do mundo... aqui é tipo um Big Brother Brasil, eu não tenho acesso a televisão, internet ou a qualquer outro meio de comunicação...
Provavelmente, o "BBB" não era o melhor programa para se comparar com uma instituição para criminosos. Entretanto, eu estava disposto a fingir que não estava "preso", pelo menos, enquanto estivesse perto dela.
Antes que a minha amiga pudesse responder a minha pergunta, o delegado pediu para conversar comigo às sós, já entregando que falaríamos a respeito do meu rosto.
Gabriele foi ao banheiro e eu fiquei com o seu pai, esperando por suas palavras, que não demoraram a chegar.
— Se você não falar comigo, não me contar o que está acontecendo... isso vai continuar acontecendo, Lucas — começou ele, que, de certa forma, estava com razão. — Então, vamos tentar novamente. O que aconteceu com o seu rosto?
— Realmente foi um acidente, eu tropecei em cima de outro cara e ele achou que foi proposital e me socou — respondi, finalmente contando a verdade a respeito do ferimento. — Mas eu não quero que se preocupe... você já fez o bastante.
Arthur havia me feito enxergar o quanto Roberto se sacrificara para me colocar na instituição, que, provavelmente, estava devendo um favor bem caro a alguém, que não hesitaria em cobrar quando lhe conviesse.
— Eu não entendi...
— Eu sei o que é esse lugar e que me enfiar aqui não foi fácil — disse rapidamente, sem hesitar. — Você fez algum tipo de acordo para que eu fosse transferido pra cá... eu sei.
— N...
— Obrigado — cortei a sua fala, forçando um sorriso. — Desculpe por reclamar de estar vindo pra cá, se eu soubesse o quanto havia sido difícil me enfiar aqui, não teria sido tão ingrato.
Ele tornou a me abraçar e, como eu suspeitava, não comentou a respeito do favor que estava devendo e nem nada relacionado a isso. Entretanto, Roberto também não havia negado nada do que eu disse, o que comprovava a veracidade das coisas que o meu colega de quarto havia me contado.
— Eu já estou de saída... esse dia é seu e da Gabriele — comentou ele, após se afastar. O pai da minha amiga sorriu, prosseguindo: — no próximo, talvez eu resolva ficar e atrapalhar vocês dois um pouco.
De acordo com ele, Gabriele já estava ciente. Ele me entregou a mochila vermelha, que estava cheia de lanches e porcarias que os dois compraram no caminho e foi embora, avisando que voltaria para buscar Gabi às dezoito horas, no momento em que o horário das visitas chegava ao fim.
Peguei a mochila e caminhei pelo bosque da instituição, a procura da minha amiga, que, com toda a certeza, já não devia estar no banheiro. Ela, provavelmente, nem chegou a ir, só quis dar espaço para que eu conversasse com o seu pai.
Enquanto andava em meio a todas aquelas pessoas, fui puxado por alguém. A principio, eu pensei ser Gabriele, mas eu estava enganado. Douglas Lancaster estava segurando o meu braço e ao seu lado, estava uma mulher loira, alguém que logo reconheci como a mãe dele — eles eram bem parecidos, tinham o mesmo nariz e os olhos dela tinham uma cor tão verde quanto a que ocupava o olho direito de Doug.
Ela estava com um vestido preto, algo bem sofisticado. Seus cabelos dourados tinha um comprimento médio, terminando um pouco acima dos ombros. Em seu pescoço, um colar de brilhantes era iluminado pelo sol. O mesmo acontecia com o seu pulso, decorado com um bracelete do que parecia ser ouro.
Douglas estava tão arrumado quanto a mãe. Usava uma calça jeans preta e uma camisa branca, onde três botões estavam abertos, deixando parte de seu peito à mostra. Diferente da mãe — e igual a todos os outros detentos —, ele não estava usando nenhum tipo de assessório, pois era uma regra da instituição.
— Mãe, eu quero que você conheça o Lucas... o meu namorado — disse Doug, fazendo com que eu arregalasse os meus olhos.
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