Na tarde de domingo, enquanto todos faziam algo pelo qual sentiam apreço, Pedro estava em seu gabinete com o querido amigo Caxias. O marquês era umas das pessoas mais próximas do imperador, ultrapassando os interesse políticos.
- Como se sente, meu amigo? – Caxias perguntou à Pedro. Ele sabia que a condessa tinha partido a alguns dias e podia mensurar o que se passava na mente do imperador.
Pedro suspirou. Não sabia o que falar. Como verdadeiramente estava se sentindo? O imperador se viu num impasse, onde ele não conseguia responder uma simples pergunta sobre si mesmo.
Na última semana se afundou tanto em trabalho, que, sinceramente, não teve tempo de sofrer.
- Estou bem, meu caro amigo! – Pedro respondeu dando de ombros. – Ou não estou. Na verdade, se quiser uma resposta sincera de minha parte, terei que lhe responder essa pergunta outro dia. Quando eu tiver condições de refletir sobre ela.
Pedro percebeu que talvez estivesse tentando ludibriar a si mesmo. Estava com medo. Medo do passado e do futuro que o esperava. Não era tão devoto quanto a esposa, mas tentou se convencer de que o melhor estava o aguardando.
Pedro sentia falta de Luísa. Afinal de contas, havia se acostumado à companhia da condessa de Barral.
- Como ela teve coragem de me abandonar, Caxias? Pensei que o que tínhamos era sagrado. – Pedro exclamou com uma voz de desilusão. – Mas na primeira oportunidade, ela me abandonou, sem ao menos se despedir direito.
- Majestade, se me permite o conselho – Caxias o respondeu – talvez essa seja a segunda oportunidade que a vida está lhe dando. Olhe para o lado, já não estamos no auge da nossa juventude. Estamos velhos, grisalhos e quem permanece ao nosso lado são sempre as mesmas pessoas.
Caxias não citou o nome da Imperatriz, mas ele e Pedro sabiam a quem estava se referindo.
- Sinto vergonha! Mal posso encará-la nos olhos. – Pedro deu sequência – Ela me consolou, Caxias. Teresa me consolou enquanto eu chorei por Luísa. Nunca quis magoá-la e pensei que ela sentisse naturalidade com tudo isso.
Desde que Teresa havia explodido com Luísa e a expulsado da Quinta, Pedro tinha certeza dos sentimentos que a esposa nutria por ele. Não que ele não soubesse. Por Deus, quem não saberia? Era nítido que a Imperatriz amava o marido, mas Pedro fingia não perceber. Talvez fosse mais fácil de justificar suas infidelidades, considerando que Luísa não fora a única.
- Ela é a melhor Imperatriz que eu poderia ter! – Pedro exclamou e logo foi cortado pelo amigo.
- Todos temos ciência de tal fato, meu amigo. Inclusive a própria Imperatriz, já que que vossa majestade faz questão evidenciar esse ponto sempre quando tem oportunidade.
- Teresa é mais que a Imperatriz, Caxias! Ela é... – Pedro tropeçou nas palavras. O que ela era? O que Teresa representava? Pedro tentou justificar. – Ela é a mãe de minhas filhas, dona dessa casa, minha companheira de vida, minha grande amiga!
- Escute suas próprias palavras, meu amigo. Nem mesmo você sabe o quanto é dependente dessa mulher. – Caxias dizia quando foi interrompido pela porta do gabinete se abrindo.
- Meus queridos, o dia está tão belo, que pedi que servissem uma mesa de chá no jardim. Espero que nos façam companhia. – Teresa falou com simpatia.
Os homens sorriram e seguiram a Imperatriz até o jardim.
Pedro agradeceu, em pensamento, por ter sido tirado daquela conversa cheia de interrogações. Caxias já estava perdendo paciência e, por um momento, pensou que talvez o amigo fosse um caso perdido.
O lanche no jardim estava delicioso. Todos comeram, conversaram e se divertiram. Teresa era uma bela anfitriã! Apesar de não organizar muitos eventos na Quinta, ela havia sido moldada para isso. Possuia uma educação e simpatia ímpar. Apesar da língua afiada, quando necessário. Gastão que o diga! O conde era tão inapropriado em seus inúmeros comentários inoportunos, que já era costumeiro a Imperatriz lembrá-lo, vez ou outra, quem realmente era a senhora daquela casa.
Pedro estava entretido com as várias pessoas falando e rindo ao mesmo tempo quando, num instante, a viu. Não a olhou! A viu! Viu com um olhar diferente de como tinha visto a vida inteira.
- Tão diferente... – Pedro pensou e logo foi trazido novamente de seus pensamentos quando os genros o perguntaram sobre algum assunto que ele, definitivamente , não estava interessado.
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O sol já estava se escondendo quando Caxias se despediu. Os empregados da Quinta desmontavam a mesa no jardim enquanto Pedro e Teresa acompanhavam o amigo até a saída.
- Tenho notado, você está... diferente! – Pedro falou para Teresa a oferecendo braço enquanto entravam novamente na casa.
- Diferente? Diferente como? – Teresa Interrogou.
- Não sei, apenas... diferente! Tenho percebido que você está mais solta. Mais à vontade e mais feliz. – Continuou ele.
Teresa sentiu as palavras de Pedro entrarem por seus ouvidos e quase não acreditou. Era a primeira vez, em anos, que ela tinha sido notada pelo marido.
- Talvez eu goste mais das companhias que tenho agora do que as que tinha antes. – Teresa disse fazendo menção à companhia de Luísa que sempre a foi imposta.
Os nobres subiram as escadas juntos enquanto Pedro se perdia nas próprias palavras. Teresa parecia diferente para ele e ele não tinha noção de como explicar esse tal diferente.
Celestina estava na porta do quarto da amiga quando eles viraram a curva do corredor do palácio. Era rotina que a baronesa preparasse os banhos da Imperatriz ao entardecer.
- Celestina, me espere lá dentro, si! Disse Teresa.
- Sim, majestade! Ela assentiu com a cabeça e fez o ordenado.
Enquanto fechava a porta de seu quarto, Teresa olhou para o marido e falou com a voz bem mansa e baixa. – Pedro, talvez eu não esteja diferente. Talvez o meu marido esteja me vendo com outros olhos!
Teresa não teve coragem de esperar por uma resposta. Quando fechou a porta do quarto ele a olhava como se não tivesse entendido bem o que acaba de ouvir.
Pedro caminhou até seu quarto e buscou em sua memória como Teresa era no início do casamento de ambos. Ele não se lembrou! Como pôde ser capaz de esquecer? Como não se lembrava de como a própria esposa era ou é? Pedro se deu conta de que não conhecia Teresa, mas que tinha interesse em conhecer.
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A noite logo chegou e todos já estavam jantando. Pedro ainda estava pensativo sobre suas recém descobertas conclusões e se pegou fitando os olhos sobre a esposa enquanto ela comia.
- Teresa, qual seu prato preferido? – Pedro interrogou interrompendo algum outro assunto que estava sendo tratado à mesa, mas que ele não fazia ideia de qual fosse.
- Papai! – Leopoldina disse com tom óbvio. – Todos, até mesmo Gastão que é tão desatento, sabe que “Imperatrice” não recusa um bom prato de massa. O sangue italiano fala mais forte! Você já deveria saber.
E devia mesmo! Pedro se sentiu quase que constrangido. Onde ele estava com a cabeça nos últimos anos que não sabia nem o prato preferido da esposa?!
O jantar se desenrolou tranquilamente. Pedro, por um milagre, comia devagar. Como se estivesse apreciando o sabor da comida ou da companhia. No singular mesmo, já que ele só enxergava a esposa que estava sentada à sua direita.
Quando todos terminaram, Pedro se dirigiu à esposa e perguntou:
- Teresa, posso falar com você em meu gabinete?
- Sí, é claro! – Teresa concordou acompanhando o marido.
Pedro fechou a porta do cômodo e foi em direção à mesa de canto do sofá que era aparador de uma garrafa de licor de jabuticabas. Pegou dois copos e serviu duas doses.
Teresa sentou-se no sofá e perguntou o que o Imperador precisava tratar com ela.
- Nada de tão urgente. Apenas desejo apreciar da companhia de minha esposa durante uma boa conversa sobre o assunto que mais lhe agradar. – Disse Pedro, com a voz suave e um pouco trêmula, enquanto entregava o cálice com licor para Teresa.
Ele não tinha um plano. Pedro simplesmente havia feito o convite no impulso. Ultimamente a esposa estava despertando uma certa curiosidade no nobre.
Teresa não conseguiu disfarçar a surpresa ao ouvir o marido. Bebeu um gole do licor para, quem sabe, criar um pouco de coragem e levar a conversa à diante.
- Va bene! Farei esforço para sustentar um assunto que atraia a atenção do Imperador. – Teresa falou, bebendo outro gole do licor, com certa ironia presente na voz.
Pedro bebeu o licor que havia servido para si em apenas um gole e, prontamente, serviu outra dose. Ele não sabia o que estavam fazendo ou o que iriam fazer, mas tinha certeza que o álcool seria aliado. Os dois estavam nervosos e meio desconfortáveis. Se conheciam a tanto tempo. Estavam casados a tanto tempo e eram, praticamente, dois estranhos. Dois estranhos que dividiam o mesmo teto.
A conversa, com o passar da tensão do primeiro momento, foi ficando mais leve. Lembraram de algumas viagens e situações embaraçosas que passaram juntos. Pedro, que estava sentado a um metro de distância de Teresa, depois de muito tempo, relaxou. O vidro de licor já estava quase no final e o papo estava deliciosamente engajado, como se pudesse durar a noite inteira.
Não havia mais nenhuma pessoa acordada no palácio e, quando só restava o vidro vazio do licor e algumas boas risadas que ambos se esforçavam para que não fosse alta suficiente e incomodar alguém que estivesse dormindo, concordaram em descansar.
Subiram juntos as escadas, ambos com as mãos tampando a boca, tentando conter as gargalhadas.
Já no corredor, Teresa pisou na barra do seu vestido e perdeu o equilíbrio. Por instinto, Pedro a segurou em seus braços e só quando o susto passou se deram conta do quão próximos estavam.
Pedro, que já tinha as mãos sobre as mãos da esposa, trouxe uma delas até a boca e depositou um beijo, demorado demais se comparado aos outros.
Teresa sentiu o coração bater mais forte. A respiração estava descompassada e ela se manteve estática até ouvir o marido.
- Obrigado pela noite! Ha muito tempo não me divertia tanto! – Pedro agradeceu
- Sono felice em conseguir agradar vossa majestade! – Teresa disse com um sorriso provocativo, fazendo uma pequena reverência.
- Boa noite, Imperatriz! – Pedro devolveu a provocação se despedindo da esposa.
- Buona notte! – Teresa falou quase não percebendo as palavras saírem de sua boca.
Pedro deitou em sua cama e suspirou. Estava sorrindo, como não sorria a muito tempo. Tinha se esquecido de como a companhia de Teresa poderia ser agradável. Pedro amava Teresa e se lembrou desse sentimento. Um amor, não de paixão, de ternura, de companheirismo. Ele sabia a importância da Imperatriz em sua vida. Pensava que sabia... O sono chegou de mansinho e ele adormeceu ainda com o sorriso no rosto.
Teresa ainda estava eufórica. Que misto de sensações! Ela amava Pedro, com desejo, e tinha plena ciência de seus sentimentos, mas se assustou em como o seu corpo ainda correspondia ao marido. Com a simples proximidade, só com um toque de mãos, ela sentiu as pernas estremecerem. Ela estava feliz! A noite com o marido havia sido perfeita e ela sentia que estavam se aproximando novamente.
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Na manhã seguinte Pedro acordou pensativo. Enquanto se aprontava para mais um dia, lembrou dos momentos após o jantar. Podia jurar ter ouvido o som da risada de Teresa novamente. Sorriu! Acabara de se lembrar que a esposa havia visitado seus sonhos na noite passada...
- Sonhando com Teresa... Devo, realmente, estar precisando de um descanso! – Pedro disse a si mesmo enquanto descia as escadas.
Quando sentou-se à mesa, ouviu a conversa que as filhas estavam tendo em si. Tinham decidido passar o próximo final de semana em Petrópolis, na casa da família. Pedro entendeu que seria a oportunidade perfeita para organizar os pensamentos e poder descansar o corpo.
- Vamos todos! – Pedro falou com entusiasmo.
As filhas não esconderam a empolgação e Teresa confessou com o olhar que estava bastante satisfeita.
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Na quinta-feira, já do lado de fora da casa, todos estavam prestes a partir rumo a Petrópolis. As carruagens estavam prontas e carregadas com as bagagens. Todos se sentiam animados, o final de semana prometia ser bastante agradável.
A viagem não foi tão longa e, apesar do mal tempo, chegaram em segurança. Petrópolis, que ficava situada nas montanhas, tinha fama de ser mais fria que o Rio Janeiro e ser, também, mais chuvosa.
O jantar se desenrolara perfeitamente bem. A chuva tinha se intensificado e alguns trovões faziam um barulho tão alto, quase suficiente para assustar a família que estava reunida na sala.
Os empregados estavam arrumando as bagagens nos devidos quartos quando, nos aposentos do imperador, perceberam que o chão estava encharcado de água da chuva. Havia uma goteira exatamente em cima da cama do quarto e, devido à chuva forte, seria impossível alguém repousar ali aquela noite.
- Majestade, sinto informar que o quarto de vossa majestade está inabitável! – Nicolau informou com uma voz preocupada.
- Dio Santo, Nicolau! O que aconteceu? – Teresa perguntou imediatamente, se levantando da poltrona onde estava sentada.
Enquanto Nicolau explicava o acontecido só passava um pensamento pela mente de Pedro. A casa de Petrópolis não era tão grande quanto o Palácio da Quinta da Boa Vista. E agora, com as princesas casadas, o quarto de hóspedes não estava mais desocupado.
- Então terei de me contentar com a poltrona da biblioteca?! – Pedro brincou em um leve tom de preocupação.
- Papai, não vejo motivos, já que você e a mamãe são casados. O seu ronco deve ser suportável por uma noite! – Isabel ponderou, provocando o pai.
De fato, ele e a Imperatriz eram casados, mas nem se lembrava da última vez que dividiram a mesma cama. Talvez ela não se sentisse confortável, pensou.
- Diga, mamãe! – Leopoldina perguntou - A Imperatriz seria capaz de abrigar um pobre sem teto por uma noite?
Todos riram com o comentário da caçula. Teresa não sabia o que fazer, Pedro menos ainda. Sentindo a pressão de todos os olhares voltados para si, Teresa assentiu.
- Meu coração de cristã não ficaria em paz se este pobre homem tivesse que pernoitar nessa poltrona.
Pedro estava feliz por não precisar passar a noite em uma cadeira, mas a expectativa de dividir a cama com a esposa depois de quase uma década o incomodou.
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Já era tarde e todos estavam cansados da viagem. As filhas e seus devidos maridos se despediram dos pais e se direcionaram aos seus respectivos quartos.
Teresa se serviu de alguma bebida que encontrara na estante. Não tinha certeza de qual bebida era, mas precisava se acalmar. Estava tão nervosa quanto Pedro. Ela, muito mais que o marido, tinha idealizado esse momento por diversas vezes, mas não sabia o que esperar.
- Já é tarde! Precisamos descansar se pretendemos estar dispostos no dia de amanhã. – Pedro falou tentando amenizar a tensão.
Teresa concordou com o marido e foram em direção ao quarto do casal.
Ainda chovia muito forte. O ambiente estava mais escuro que o habitual, pois algumas velas tinham se apagado com a força do vento. Teresa agradeceu a quase penumbra do quarto. Estava tímida e não sabia o que se passava na cabeça de Pedro.
O imperador logo se ajeitou na cama. Teresa ainda estava se preparando para dormir. Ele estava deitado do lado esquerdo da cama, enquanto observava a mulher escovar o longos cabelos tão negros quanto aquela noite.
Teresa podia sentir o peso do olhar do marido sobre si, mas ainda lhe faltava coragem para se juntar a ele na cama. Pedro se sentia estranho. Seu coração estava acelerado e ele mexia as mãos, com nervosismo, enquanto admirava a beleza da esposa.
Depois de alguns minutos, quando não dava mais para adiar, Teresa levantou-se, desabotoou o robe ainda de costas para Pedro, caminhou lentamente até a cama e se deitou.
Nenhum dos dois sabia como agir. Teresa sentia o coração quase saltar pela boca e Pedro, ah Pedro... O imperador quase não conseguia respirar.
- Que sensação estranha! Eu realmente estou ficando louco! Talvez essa viajem tenha sido uma péssima ideia! – Pedro pensou quando Teresa se deitou ao seu lado.
A cama era pequena. Quase não sobrava espaço vazio entre os dois. Ambos não sabiam o que dizer ou o que fazer. Teresa se inclinou levemente para o lado de fora da cama, numa tentativa de disfarçar o nervosismo.
Pedro repetiu o movimento da esposa, mas inclinou-se para o lado de dentro da cama. Sentiu o perfume dos cabelos da esposa e não conseguiu conter um leve suspiro.
Ele viu Teresa de costas. Os cabelos estavam bagunçados no travesseiro e ela vestia uma camisola de seda branca, quase transparente, que não cobria os braços. A peça tinha o tecido com tanta fluidez, que marcava exatamente toda e qualquer curva do corpo da mulher. Ele quis tocá-la, na curva do quadril e quase o fez, mas recuou. Teresa chegou a sentir o calor da mão do marido quase encostando em sua pele e sentiu o corpo inteiro arrepiar.
O clima no quarto estava tão forte, que quase foi palpável. Pedro não conseguia pensar em nada, só em como queria tocar Teresa naquele momento.
Os dois ouviam o som de suas próprias respirações. Teresa tinha se sentido mais próxima do marido nos últimos dias, mas ainda não tinha certeza do que isso poderia significar. Pedro, que nunca admitiu sentir atração física pela esposa, sentia seu corpo arder e não conseguia explicar o motivo. Por céus, ele só queria tocá-la! Só conseguia imaginar qual seria o desfecho da noite se a tocasse.
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