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História Probabilidade e o improvável - Quinta - Feira


Escrita por: Prejuiza

Notas do Autor


Demorei, mas voltei. No capítulo anterior estava uma nota minha sobre o andamento do enredo, que eu modifiquei e coloquei o conteúdo da história. Porém o Spirit Fanfic não gerou nenhuma nota de atualização sobre isso, então eu peço que antes de ler este capítulo novo, volte ao anterior e verifique se já o leu, para não ficar lacunas no seu entendimento da história.

Obrigado...

Capítulo 12 - Quinta - Feira


Pelos olhos da Luna.

Acordei com a guarda batendo na grade.

- Detenta, nove seis seis, Zulema Zahir, está sendo solicitada na enfermaria pela doutora Luzia pra ter a sua medicação – estava virada pra parede á minha direita, rolei para a esquerda e vi a guarda com uma prancheta na mão anotando alguma coisa, as outras na cela olhavam com curiosidade – Anda Zulema, não tenho o dia inteiro.

- Tô indo chefa, estou indo – vi de relance o vulto da sua calça preta, pra indicar que somos perigosas, fala sério não mato nem uma barata, eu não sou perigosa nesse nível, mas quando se está na prisão precisa viver em conjunto, e de regra se é punido em conjunto, ela desceu da sua cama, e Saray falou baixo.

- É a quelação? – Zulema acenou brevemente confirmando, coçou a barriga por cima da regata branca e seguiu para as grades, a guarda encostou seu cartão no leitor e fez barulho abrindo a porta, ela saiu e as grades foram fechadas novamente – Ei que horas é agora? – Saray gritou da sua cama, a guarda que estava esperando as grades baterem do outro lado confirmando seu fechamento olhou para o relógio no seu pulso.

- Seis e trinta – Saray agradeceu, a porta fechou e elas seguiram corredor á fora.

- Ei meninas que negócio é esse que a Zulema vai fazer? – Antonia falou entre o seu bocejo.

- É um como se fosse soro, mas é para ajudar ela a melhorar da intoxicação que ela teve. – Macarena falou com a voz rouca do sono.

- E ela foi intoxicada? – Goya perguntou ainda virada pra parede.

- Segundo alguns exames, sim – a cama da Maca fez barulho, provavelmente se ajeitando novamente para dormir.

- Ela foi envenenada com, o quê? – Tere soltou, tentando se inteirar do assunto.

- Arsênico. – Saray se remexeu na cama ajeitou a coberta – Não foi nada demais é somente por prevenção.

- Seja lá quem fez isso deveria ter pensado em um veneno mais potente do que esse tal de Arsênico. Do jeito que Zulema é ruim, ela tomou esse negócio como se fosse água, nem deve ter sentido um mal estar, nem uma coceira sequer com isso – Macarena riu e compartilhou da mesma opinião que a Antonia, eu observei tudo da minha cama alta e olhei pra Tere que estava me observando e deu um sorriso breve e um aceno, retribuí e voltei a deitar.

 

 

 

Pelos olhos da Zulema.

A guarda me levou até a enfermaria, a doutora está sentada na maca mexendo no celular, ela mantém nos pés o par de scarpin marrom envernizado com salto baixo, uma calça social preta, e uma camiseta social despojada com o jaleco branco por cima disso tudo, óculos com armação transparente, e seu cabelo aparentemente longo preso em um coque. Ela levantou seu olhar para nós, deu um breve sorriso e agradeceu a guarda, que se retirou. Fiz um biquinho rápido em assimilação á toda aquela cena.

- Bom dia – ela disse entre um bocejo, assenti com a cabeça, ela voltou a atenção para seu celular e depois de uns vinte segundos ela desligou o aparelho e colocou no bolso do jaleco, “Novamente... Muito fácil” – Dormiu bem?

- Sim, mas pelo jeito não posso dizer o mesmo de você. – ela bufou e riu enquanto acenava afirmativamente com a cabeça.

- Verdade. Já tive noites melhores sem sombra de dúvida. Mas, sente-se, que eu irei pegar a medicação – se eu pegar esse celular as câmeras de segurança irão registrar, “vamos ter que ir a sala do lobo”, porque simplesmente não a confronto?, “porque ter planejamento ás vezes é melhor”, minha paciência não está para planejamentos.

Após ponderar comigo mesma o que fazer, segui a doutora até a sala dela no fundo da enfermaria. Ela está de costas pra porta da sala, a porta de remédios dela está aberta e ela está pegando alguns potinhos de vidro, lendo o nome e descartando, eu entrei e encostei a porta. Desde aquele acontecimento com a Barbie essa porta ficou sem chave para trancar, dá somente para encostá-la. Quando ouviu a porta fechando a doutora virou pra mim e suspirou dramaticamente.

- Deseja alguma coisa? – acenei positivamente, ainda considerando as possíveis abordagens – O que?

- Comece por você, eu insisto, o que você quer?

- Ok, você está bem?... Eu não quero nada, estou tentando trabalhar, na realidade – ela fez uma expressão de atordoada que não me convenceu. Eu acenei positivamente ainda considerando a situação – Vai querer o tratamento ou não? – fiquei imóvel e em silêncio – Porque se não for, gostaria que você por gentileza saísse, pra mim terminar de preencher os meus relatórios – não movi um músculo sequer do lugar, cerrei meu olhar na direção dela, e procurei em cada parte do meu corpo motivos pra não matá-la, afinal, ainda preciso dela viva, eu acho. Ela veio na minha direção á passos lentos e receosos, ela ficou muito próxima de mim, senti sua respiração no meu rosto – O que você quer de mim? Se não me disser, ficaremos aqui a manhã inteira – seus olhos cor de âmbar agora estão quase castanhos, sua pupila dilatou, o lobo está pronto para caçar. Cá uma curiosidade para os leitores, o cachorro simplesmente ataca, estando sozinho ou não, o lobo ronda a presa para avalia-la e dificilmente ataca sozinho, e quando o lobo ataca é porque já mediu as possibilidades e tem certeza de que vai vencer.  A primeira vez que eu a vi notei um volume no bolso inferior do seu jaleco, quando estávamos socorrendo a loira vi o que era, é um bisturi, pequeno e muito, muito afiado, pelo corpo esbelto que ela tem e pela postura naturalmente ereta como se fosse um militar é visível que ela pratica algum tipo de luta.

- Quero conversar, apenas isso – vi seus ombros caírem, seu olhar clareou novamente e seu rosto adotou uma expressão de desânimo.

- Ótimo, então fale – ela se afastou e sentou na cadeira de visita enquanto eu continuei encostada na porta, “ as escutas, aqui não tem câmeras, mas se ela está com o Fahir deve ter escutas”, acenei positivamente ás minhas próprias afirmações.

- Não teremos o tratamento hoje doutora, apenas isso – ela assentiu, e eu saí da sala dela.

Segui o corredor e encontrei a guarda que me levou de volta até a cela.

- Já terminou? – a mulher olhou confusa.

- Era somente uma injeção, coisa rápida. – a guarda acenou fingindo compreender, subimos as escadas, o portão abriu, fui pra cama e voltei a dormir.

“Um lugar para colocar a escuta, onde ninguém repara, mas que teria um bom alcance e seria discreto?”, antes de finalizar o dia eu encontro a resposta.

 

 

 

 

Pelos olhos da Saray.

Depois do banho, café da manhã, fomos cuidar das galinhas.

- Ei Saray o que acha? A pena dela está estranha, não está? – assenti fracamente para a Macarena.

- Sim – chamei a guarda que falou que iria chamar o veterinário para ver a galinha ainda jovem, Maca devolveu o animal pra descansar na palha, e eu continuei a recolher alguns ovos.

- Como está o preparativo para o aniversário da Zulema? – balancei a cabeça negativamente.

- Lento.

- Você já pensou em conversar com o Palacios?

- Cachos me falou a mesma coisa. Ela já fez tanta merda, não creio que Palacios vá ajudar, mas vou ver isso com ele, ainda hoje.

- Não tenho nada em mente pra fazer mais tarde, se quiser, depois que terminarmos aqui podemos ir lá.

- É... Pode ser – Recolhi todos os ovos, sequei o suor da testa, olhei pra trás e Macarena está abaixada retirando algumas palhas que estão sujas com fezes colocando em um saco de lixo para descartar, do outro lado em uma sacola preta ao seu lado oposto, está recolocando palha limpa, sua regata branca justa está toda suada também não é pra menos aqui dentro está o dobro da temperatura que esta lá fora.

 

 

 

 

Pelos olhos da Macarena.

Essa palha fede muito, após sair daqui irei direto pro banheiro.

- Onde está sua noiva? – Saray falou em tom debochado.

- A cachos? Não sei ela deve estar jogando basquete ou algo assim – Saray mordeu o lábio superior e balançou a cabeça negativamente.

- Boa tentativa. – eu sorri e concordei com ela - Mas eu não a vi desde o café da manhã.

- Não faço a menor ideia Saray, deve estar planejando como acabar com o mundo em algum canto – ambas rimos – Você ainda tem muito tempo aqui? – ela limpou o suor que escorria pelo seu pescoço.

- Não sei, creio que sim, apesar de tudo o que fiz, sempre peguei as condenações como cúmplice, então sempre somei uns dois anos a menos que a Zule, ela nunca deixava eu assumir como mandante, por mais que eu fizesse mais estragos que ela, sempre dava o depoimento falando que eu fui coagida a participar.

- Quantos anos de amizade até esse milagre acontecer? – admito que essa nova informação me surpreendeu.

- Sempre foi assim.

- Tem sorte – peguei o saco de lixo levantei ele segurando pelo ombro – Creio que nem no fim dos tempos ela faria o mesmo comigo – ela sorriu e acenou em compreensão.

- Não é totalmente verdade – eu parei próximo a porta pequena de madeira e coloquei o saco de lixo no chão, já exausta, perguntei “como assim?” – Lembra naquele dia em que a Zulema bateu na detenta que deu uma bandejada na Cachos? – acenei afirmativamente – Então, naquele dia você tentou tirar a Zulema de cima dela e acabou indo pra solitária certo? – assenti – Isso é uma meia verdade. Você só foi pra solitária porque a detenta disse que você também estava atacando ela, enquanto os guardas te arrastavam na frente, a Zule atrás falava pro Palacios que a mulher no chão estava mentindo e que você não tinha tido participação naquela historia toda, foi algo como “porque está levando a loira Palacios? Acha que preciso de ajudante pra arrebentar a cara dela? Hein? RESPONDE!” ela estava transtornada aquele dia, nunca eu a vi daquele jeito totalmente fora si.

- Pensei que ela estava sempre assim – É, nesse momento eu estou tentando digerir essas novas informações, embora nada disso faça sentido pra mim, tendo base o que eu já conheço da árabe.

- Não. Foi diferente, ela estava furiosa simplesmente por estar assim, em dias normais ela fica desse jeito com algum motivo extremamente especifico, e quando chega nesse nível ela mata quem quer que seja. Você sabe o porquê daquilo? – neguei com a cabeça.

- Não faço uma puta ideia.

- Vale (ok). Vamos sair que o cheiro aqui está insuportável.

 

 

 

 

Pelos olhos da Tere.

Luna está cabisbaixa com ares triste.

- Ei Luna, o que foi?

- Ele não veio dessa vez – demorei alguns segundos para entender o assunto.

- O dia ainda não terminou Luna, talvez ele venha mais tarde – ela suspirou e cruzou os braços.

- Não entendo Tere. Nós tínhamos brigado, mas ele sempre vinha para o vis a vis. Será que ele já está com outra Tere? – muito provavelmente sim, esse “namorado” dela só vem para trepar e mais nada, não a julgo por ainda receber ele, a solidão as vezes é mais forte do que o orgulho.

- Olha, eu não sei mas, você mesma disse que ele sempre vem, então vamos esperar mais um pouco e quem sabe ele ainda venha pra colocar um sorriso no seu rosto – é nisso que a prisão te transforma, mendiga, por alguns minutos de “carinho”, pra depois passar dias e anos chorando, sozinha novamente.

- Você tem razão Tere, quem sabe – a expressão dela clareou e voltamos a jogar canastra – Mas e você? Tenho observado que você está mais feliz que o normal – ela abaixou as suas cartas na mesa e me olhou seriamente – Tere pelo amor de Deus não me diga que você está se drogando novamente por-

- Não! – algumas detentas voltaram a sua visão para nós, eu abaixei o tom de voz para disfarçar – Não... É que, eu tive uma noticia boa ontem, apenas isso – dei um sorriso contido e ela relaxou os seus ombros, e se animou.

- E que noticia foi essa?

- Segundo a advogada, eu posso pegar condicional daqui a sete meses. – eu sorri descontroladamente, e Luna tampou a boca para conter de chamar a atenção pelo tamanho do seu sorriso, colocou as suas mãos nas minhas e apertou em cumprimento.

- Santa mãe, isso é ótimo – ela soltou nossas mãos e disfarçou novamente, seu sorriso se desfez – Não fique espalhando isso por ai Tere, se não você já sabe o que acontece – eu assenti. Sei perfeitamente o que acontece se essa informação cair nas mãos erradas.

 

 

 

 

 

Pelos olhos da Zulema.

Interessante. A gaiola da junkie (viciada) já está para se abrir. Eu ouvi todo o discurso encostada em uma viga próximo a mesa de plástico delas no térreo, elas não me notaram, pra minha felicidade, agora pra dela já não garanto muito.

Cada detenta tem o seu trabalho ou ocupação aqui dentro, algumas ficam na cozinha, outras vão para o galinheiro, organizam a biblioteca, auxiliam na enfermaria, ou então vão pra lavanderia. Hoje eu vou pra lavanderia, e tragicamente, estou escalada com a loira oxigenada e a Goya. 

Saí de trás da viga e segui pra lavanderia.

 

 

Pelos olhos do Inspetor Castillo.

Cocei a barba rala em descontentamento, ouvi o bip da porta liberada pra mim passar. Ao entrar na sala de visita, pedi que montassem a mesa com as três cadeiras e pedi que trouxessem aquelas duas sacanas pra cá.

Enquanto eu esperava o rádio em cima da mesa chiou, “Inspetor, Román Ferreiro já está na delegacia”, apertei o botão e respondi, “Ok, obrigado Hernandez”.  Encostei a bengala na mesa e suspirei exasperadamente, minha cabeça dói fruto de anos sem férias, ou uma pausa longa, Macarena e Zulema entraram conversando e rindo entre elas, Macarena me cumprimentou com a mesma cortesia de sempre, embora Zulema parta para o deboche excessivo.   

- O que manda Castillo? – falou a Zulema enquanto se encostava desleixadamente no espaldar da cadeira – Muito difícil de achar o Fahir? – ela abriu um sorriso irônico no mínimo.

- Cansativo, ele é pior que uma enguia, até parece alguém que eu conheço – retribui a ironia dela.

- Aprendi com os melhores – ela acenou positivamente orgulhosa de si, enquanto Macarena apoiou o queixo na mão, já entediada.

- Tenho boa e má noticia.

- Manda a má primeiro – Zulema sentou-se ereta.

- O que você falou está certo Zulema, tem alguém aqui que faz jogo duplo ou até triplo.

- Tá – Zulema deu de ombros - nenhuma novidade, pelo menos pra mim. Acabou?

- Não, segundo fontes seguras, tem escutas por toda a prisão, literalmente, em todos os lugares, até mesmo no puto copo de vocês embaixo deve ter um microchip, – respirei fundo tentando manter o tom de voz calmo pra não chamar atenção - é impossível revistarmos a prisão inteira á procura dessas coisas, mas dá para escolher um lugar especifico e sempre verificarmos e mantermos limpo.

- E que lugar seria esse? - Macarena mirou-me descrente de que isso daria certo. E foi a vez dela encostar na cadeira, o rádio chiou, “Inspetor, Román  está sob custódia e quer falar somente com o senhor”, suspirei cansado e apertei o botão na lateral para responder, Macarena fez uma expressão de surpresa mas não me atentei á ela, “Ok Hernandez, segura ele mais uma hora e meia, já estou a caminho”.

- Román? – assenti desdenhosamente. Esses inúteis, porque não usam palavras como suspeito, meliante, individuo, qualquer coisa, é impossível que eles não tenham visto pelo menos uma vez em suas malditas vidas essas merdas de programas policiais.

- Ele está bem Macarena não se preocupe – ela assentiu. Chamei a guarda próximo de nós, Palacios trocou mais da metade do efetivo de homens para mulheres na segurança interna, os homens estão somente fazendo a ronda e segurança da entrada, essas mulheres parecem terem tomado fermento ou então é academia em excesso, elas são tão intimidadoras quanto os guardas antigos.

- Sim senhor – ela ficou próxima de nós na mesa.

- Sabe me dizer se existe algum lugar pequeno aqui na prisão de livre circulação? – ela balançou a cabeça negativamente.

- Além da sala de vis a vis senhor? – assenti – Não, não tem outra. – Macarena começou a rir baixinho enquanto tentava disfarçar mordendo o lábio superior, Zulema bufou e balançou a cabeça negativamente. Eu agradeci a guarda e ela se retirou novamente para o seu posto.

- Olha, eu sei que você odeia o Fahir, mas chamar ele para um vis a vis Castillo – ela tentou segurar o riso – não é a solução, acredite em mim. – ela bufou e riu enquanto Macarena continuou tentando ser discreta. Depois que o acesso de riso passou ela ficou séria novamente – Mas manda. Porquê você quer uma sala pra isso, o que pretende? – considerei devolver na mesma moeda a sátira.

- Bom... – não queria falar isso na frente da Zulema mas ela acabaria descobrindo mais cedo ou mais tarde – Antes de responder a pergunta, eu preciso falar de outra coisa. Macarena, a queixa contra você foi retirada. – ela ficou perplexa, piscou rápido algumas vezes e continuou séria – Não é uma brincadeira de mal gosto nem nada do gênero, não se preocupe – coloquei a mão no bolso interno do meu casaco e peguei o papel dobrado assinado pelo seu ex chefe e amante Simón e pelo juiz, entreguei á ela. Ao contrário do que eu pensei ela não pulou de alegria e tão pouco agradeceu algum Santo ou Deus, ela simplesmente fez um bico rápido nos lábios em consideração, e me devolveu o papel.

- Interessante. Inesperado pra dizer o mínimo – ela suspirou com ares preocupado – quanto tempo ainda tenho aqui?

- Não sei, a condenação de sete anos foi retirada, porém você deve ter mais uns cinco anos devido aos crimes anteriores, fuga, matar uma presa, e tudo mais, mas deve conseguir condicional em dois – dei de ombros, poderia ser mais anos ou menos anos, como eu vou saber? Não sou advogado – pensei que ficaria feliz? – até mesmo a Zulema virou na direção dela esperando uma resposta.

- Castillo. Porquê só agora ele fez isso? Que alegação Simón usou? – seus olhos azuis assumiram um tom morto e duro.

- Ele me procurou na delegacia, e... Disse que você já sofreu demais, fez isso por pena, por dó. – seu olhar ainda continuou fixo na mesa, Zulema também ficou sombria ela pegou algo no ar da Macarena, que eu não entendi – Mas já está feito, para maiores detalhes consulte um advogado – ela assentiu ainda inerte em seus pensamentos – A questão é... Você está com pouquíssimos anos de condenação e não é reincidente. Então daqui a alguns dias Macarena eles irão te mudar de bloco.

- Essa é nova – Zulema murmurou baixo – você quer que nós ajudemos você a descobrir quem está infiltrado, e que de quebra, pode á qualquer momento tentar nos matar – ela gesticula com a mão vez ou outra para dar ênfase.

- Valeu Román por me meter nessa – Maca passou a mão no rosto consternada e cansada.

- Estaremos separadas, e você como é uma criatura bondosa – a ironia dela assumiu um tom teatral - irá deixar uma sala sem escutas para nós duas nos vermos que incrivelmente será a sala de vis a vis para fazermos o serviço dos seus homens. – eu assenti confirmando descaradamente – Não vai rolar Castillo. Tô fora. – já sabia que isso iria acontecer.

- Bom, já imaginava, e é por isso que também trouxe isso – peguei um envelope de cor parda e entreguei para a Zulema, ela cerrou o olhar na minha direção e abriu o envelope.

 - O que é isso?

- Na primeira folha é a carta do juiz escrita a mão, e na segunda é a confirmação dos termos dele. Resumindo, significa que se você colaborar com essa investigação, o juiz poderá reduzir no mínimo nove anos da sua sentença, fazendo com que você consiga sair daqui antes de adotar uma bengala ou um andador. Fahir está tentando no mínimo te ferrar Zulema, se pegarem ele, e por ventura esse maldito alegar que você está colaborando com ele, sem evidências que comprovem o contrário, você pegará tantos anos que quando sonhar em sair daqui seus ossos já terão virado pó.

- Sair pela porta da frente não faz meu estilo – eu suspirei alto. Macarena está acompanhando a conversa, mas é visível que sua cabeça está em outro lugar.

- Esse papel fica comigo – ela me devolveu a carta do juiz, olhei para as duas depois para o teto, em claro desconforto.

- Já terminou? Posso ir? – Macarena levantou e assenti, a guarda levou ela quando Zulema ia levantar pra fazer o mesmo eu a chamei.

- Sabe Zulema. Você é o puto elfo do inferno, mas continua sendo humana, e a tendência é que todos nós envelheçamos. Você já passou dos quarenta, e quando sair daqui, com muito otimismo, estará muito próximo dos sessenta. O vigor já não é o mesmo Zulema, a saúde também não, confie em mim, experiência própria – ela ficou quieta e pareceu pela primeira vez, considerar verdadeiramente o que estou dizendo á ela – Se você quiser envelhecer fora daqui, é bom começar á apostar em um plano mais seguro e duradouro, do que tentar sair daqui arrebentando essas grades com a cabeça. 

- Bonitas palavras pra coisas tão complexas. – pareceu considerar o que ela mesma disse e depois assentiu. - Quem sabe na próxima reencarnação Castillo. – ambos sorrimos e ela foi embora.

 

 

 

 

Pelos olhos do Palacios.

A mesa a minha frente está com pilhas e pilhas de papéis, ouvi os saltos dela ecoar corredor adentro rumo ao meu inferno. A porta abriu e ela entrou.

- Bom tarde Palacios – acenei em cumprimento e ela sentou na cadeira de visitas e cruzou as pernas – o que é que gostaria de tratar comigo urgentemente?

- Senhora Cruz eu estava olhando os balanços contábeis desse ano e os comparei com os anos anteriores – peguei o papel e entreguei á ela – no mês de julho ainda na gestão do Sandoval tivemos um gasto três vezes maior que o normal, a senhora tem o conhecimento disso? – ela pegou com desinteresse o papel, apanhou o óculos na bolsa em seu colo e analisou os dados.

- Sim, eu sei do que se trata. Sandoval conversou comigo, ele pegou essa parte do dinheiro em caixa para ajudar a mãe dele a construir um hotel, acho que o nome é Oasis. – fiquei boquiaberto, sem acreditar no que estava vendo.

- Com todo o respeito senhora Cruz, foram um milhão e meio de euros, não é pouca coisa – ela assentiu e colocou o papel na mesa.

- Algo mais Palacios? – ela assumiu uma postura de, “a prisão é minha e o dinheiro também, eu uso como quiser, você é um mero empregado, então não gaste a minha beleza me importunando.”

- Sim senhora Cruz. – peguei outro papel e entreguei á ela – com relação ao sistema novo de advogados – ela me olhou estupefata.

- Posso saber primeiro qual era o problema com o antigo?

- Senhora Cruz, no antigo gastávamos dois terços a mais com advogados que nem compareciam as sessões com as detentas. Com esse novo, iremos economizar algo entorno de quatro mil euros por mês. – ela considerou tudo – é pago por hora, mas estamos regulando e mantendo apenas uma hora pra cada detenta com os advogados.

- E porque não me consultou antes de mudar as coisas? – seu olhar ficou duro com uma pedra.

- Senhora Cruz com todo o respeito, achei que não haveria necessidade, já que estamos economizando – ela suspirou cansada já provavelmente da minha voz e petulância.

- Palacios você irá retornar ao plano anterior, que era o público. – ela assumiu um tom de mãe quando vai dar bronca no filho mais novo - Eu mantive esse maldito contrato por um motivo, o estado ganha partes generosas com as prisões Cruz, e de quebra me deixam livre pra fazer o que der na minha telha. Vez ou outra também bancamos campanha de alguns políticos e como recompensa não aparecemos na televisão em matérias longas e pejorativas, rendemos no máximo uma nota de rodapé. E vocês também ganham porque os direitos humanos não chegam nem perto do portão principal. Entendeu Palacios?

- Sim senhora Cruz – fechei minha boca que estava entreaberta e engoli o ar que assumiu um gosto de amargo como fel.

- Ótimo. Mais alguma coisa?

- Não senhora.

- Então terminamos – ela descruzou as pernas, ouvi seu salto bater no chão de concreto – o sistema cruz não irá arcar com esse gasto que VOCÊ assumiu. Todo esse erro momentâneo será descontado do seu salário. Tenha uma boa tarde Palacios – ela não esperou eu responder, apenas se virou e saiu batendo a porta com força.

Acionei o rádio e pedi que deixassem as detentas passarem com os advogados apenas hoje. Liguei o computador e puxei o telefone de mesa para mais perto, iria tentar arrumar tudo isso, quebra de contrato costuma sair mais caro do que contratar o serviço, fiz as contas mentalmente, e provavelmente eu irei ficar sem salário pelos próximos seis meses. Eu e Carolina teremos que ir morar com a minha mãe. Dei um soco na mesa em descontentamento, tentei recobrar o controle, me sinto como uma panela de pressão com a válvula de escape entupida.

 

 

 

 

 

Pelos olhos da Zulema.

É quase noite, e ainda estamos na lavanderia, é roupa para todos os lados.

Macarena está passando as roupas, Goya está colocando na maquina pra lavar, e eu estou na secadora. A cada vez que eu bato a porta dessa maquina a loira dá um pulo.

Palacios colocou um televisor de dez polegadas na parede que passa o canal MTV o dia inteiro, nesse momento eles estão reprisando a programação da manhã, las mañanas de MTV (As manhãs da MTV), passa clipes de músicas o dia inteiro, desde artistas novos até aqueles que já foram esquecidos pelo tempo.

- ¡Oye que calor! Mira Zulema (Ei mas que gostosa! Olha Zulema) – Goya parou tudo o que estava fazendo e ficou parada na direção da tela, eu coloquei mais um monte de roupa dentro da secadora e tampei, ao levantar senti uma pontada horrorosa na lombar. Arrumei a alça da regata branca e coloquei as mãos nos bolsos da calça preta, e olhei pra tela.

“Todo comenzó en la barra. Cuando apagaron la' luces. Nos miramos por un rato. Y así fue que le propuse.” (Tudo começou no bar. Quando eles apagaram as luzes. Olhamos um para o outro por um tempo. E foi assim que eu propus.)

Performance é entre duas cantoras que nunca vi na vida, são jovens, e a apresentação está forçada, mas se salva pela letra que é até animada. A loira não olhou pra tela e continuou passando a roupa, fazendo hora ou outra a tela da televisão embaçar. Reparei bem na apresentação e algo me chamou a atenção.

- Maca. O que acha? Não acha que falta alguma coisa nesse clipe?  – apontei pra Tv, ela olhou sem entusiasmo, assistiu alguns segundos e voltou para o que estava fazendo.

- Não. São muito bonitas.

- Até a Maca concordou, e você Zulema? – balancei a cabeça negativamente.

- Não faz meu tipo, eu passo – a maquina apitou quando a roupa terminou, e abri a porta pra colocar tudo no cesto e passar pra Macarena, a loira começou a rir.

- Depois de tantos anos aqui Zulema. Dúvido muito.

- Dúvida do que loira? – eu levei o cesto até ela e deixei na lateral, parando ali pra descansar. Ela balançou a cabeça negativamente.

- Nada Zulema. Nada. – ela olhou pra mim, seus olhos estão azuis e frios como o gelo.

- Ainda está puta com o que o Castillo te disse? – ela respirou fundo e soltou devagar tentando manter a calma.

- Eu vou matar o Simón Zulema – eu assenti compreendendo, essa merda toda aqui já fede o bastante pra alguém vir e jogar tudo isso na sua cara, a loira tem dedo podre pra homem. A liberdade ferida é uma coisa, mas o orgulho ferido é outra história. Dei um tapa com as costas da mão no braço dela e sorri.

- Quando fizer isso, mande meus cumprimentos aos restos dele – dei uma piscadela na direção dela, que bufou e sorriu, suspirei e voltei para o meu posto – maldita seja essa tampa baixa da secadora.

- A idade chega pra todo mundo. – a loira oxigenada murmurou. Eu peguei a trouxa de roupa branca e joguei com toda a minha força na Macarena, ela foi pra frente e quase jogou vapor no próprio rosto, a roupa caiu no chão e o lençol que estava envolto por fora das outras roupas ficou encardido novamente.

- Caralho! Eu acabei de lavar essas roupas! Merda!  – a loira jogou o lençol pra Goya que colocou novamente pra lavar.

Quando terminei lá, encontrei a Cigana pelo caminho que estava auxiliando na enfermaria e ficou sabendo que não recebi a medicação da quelação, ela me infernizou até minha cabeça doer, resultado, acabei voltando lá pra receber a medicação.

 

 

 

Pelos olhos da Macarena.

Na hora de dormir, estava faltando a Luna, o guarda esperou pra fechar a cela e quando ela voltou estava um pouco desgrenhada, eu estava deitada na minha cama embaixo e observei

- Olha ela! Acho que viu um pássaro verde, acho que era dos grandes – a Antonia como sempre perde o amigo, mas nunca a piada. A luna ficou vermelha e começou a rir sem jeito.

- Para com isso Antonia. Eu só tive um bom dia apenas isso.

- Aham sei! Já até imagino o que mudou seu dia – ela fez insinuações e todas começaram a rir. A guarda veio e trancou a cela, falou pra todas fazerem silencio.

Eu virei pra parede na cama, eu poderia sentir nojo de ter que ir em um lugar desses ainda pra ficar pior, com a Zulema, os rumores vão piorar ou simplesmente já darão por certo que estamos juntas e esquecer tudo isso. Mas estou indiferente, diria que estou na fase entorpecida, é um eterno “tanto faz”, isso dentro da cadeia é perigoso, pode acabar se metendo em problemas de dimensões estratosféricas sem perceber, e pra vida também é assim. As luzes apagaram, uma escuridão total se fez presente, a noite dá pra ouvir os roncos, gemidos, sussurros de conversas ou orações, as molas das camas, os guardas nos corredores, tudo.

Assim finalizou o dia.


Notas Finais


Obrigado pelo seu tempo.
Até o próximo capítulo...


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