História Quando éramos apenas crianças sob as estrelas - Eu ainda sou aquele mesmo garoto que gosta de The Kodan's

O jantar hoje seria sufocante, mas seria pior ainda a festa de terça que a minha tia convenceu todos a fazer por causa da minha volta.

Entrei antes de todas as selecionadas, mas logo me arrependi de fazer isso. Antes, Shalom sentava do meu lado e nós conversávamos o jantar inteiro, agora ele estava sentado longe e me deu um sorriso sem jeito quando me viu.

"É bom mesmo que você não saiba o que explicar." Foi o que pensei, mas... não. Eu não posso e nem preciso ter ciúmes de Shalom. Não mais.

As selecionadas foram chegando e ocupando a mesa. Shalom se obrigava a sorrir pra elas. Essa falta de espontaneidade me causou uma certa duvida. Shalom não era obrigado a fazer essa seleção, e nem parece feliz com ela, então por que ele fez?

-Oie. -Lana disse sentando do meu lado.

-Oi. -Respondi. -Foi legal no Salão das Mulheres?

Ela e Piper abaixaram a cabeça como se fossem chorar.

-Voce podia ter ido lá. Sua mãe estava lá.

-Nao, obrigada. Acho que só entrei lá umas cinco vezes.

-Voce é muito sortuda! Você mora aqui para sempre, se quiser, e ainda não é obrigada a fazer essas coisas idiotas. -Piper disse.

-Falando nisso, por que você ficou tanto tempo longe?

Comecei a explicar sobre a minha viagem para a Noruecia e a explicação se estendeu até o final do jantar. Piper disse que não aguentaria ficar tanto tempo longe, já Lana disse que tudo que mais queria era visitar o lugar de onde seus avós tinham vindo e ver o antigo Cristo Redentor.

Elas foram para os quartos delas e eu fiquei conversando com a minha família por um tempo. Não falei com Shalom, não conseguia.

Fui para o meu quarto e dormi. Queria que tudo passasse mais rápido e eu me acostumasse com o fato de tudo ter mudado.

Mais dois dias aqui e, de novo, acordei cedo, infelizmente. Não tinha nada para fazer até o café e eu não estava a fim de arriscar encontrar alguém nos corredores.

-A senhorita não gostaria de nada? -Minha criada perguntou quando eu sentei na frente da varanda.

-Nao, está tudo bem.

Sentia falta da Finde e Maravyne, elas tinham parado de trabalhar aqui pouco antes de eu voltar.

Fiquei olhando para o jardim, reparando que pelo menos ele ainda era o mesmo. Estava entretida com as piscinas ao fundo quando alguém chegou no jardim. Usava um blazer branco e calças azuis, e tinha um cabelo que eu conhecia muito bem.

Era Shalom.

Ele começou a fotografar alguma coisa e eu fiquei sorrindo ao observar ele. Ele parecia feliz, mas então eu vi que ele olhou para o lado e saiu praticamente correndo. Franzi as sobrancelhas e fiquei olhando até que vi duas selecionadas se aproximando. Comecei a rir desesperadamente. Isso era simplesmente a cara dele.

Será que Shay tinha realmente mudado tanto assim? Acho que sim, se ele ainda fosse o mesmo, não teria conversado comigo apenas uma vez desde que eu cheguei.

Impedi que as lágrimas que se acumulavam nos meus olhos ao lembrar de tudo o que passamos juntos caíssem e uma ideia cintilou na minha mente. Algo que poderia me dizer um pouco sobre se Shay era o mesmo.

Subi as escadas tentando lembrar da ordem das portas, mas não era como se fosse algo que eu pudesse esquecer.

E então lá estava eu, empurrando com toda a força a porta emperrada e sendo atingida por uma onda de poeira.

O lugar não estava sujo como achei que estaria e ainda era o mesmo. A cama velha, o sofá velho, as pilhas de livros, a escada para o telhado... Meus olhos se encheram de lágrimas e não deu nem tempo de limpa-las. Ainda estava tudo ali, e inclusive, estava bagunçado, como se alguém tivesse usado aquele espaço recentemente.

Comecei a andar pelo quarto que me trazia lembranças tão boas quando me deparei com uma coisa que não estava ali antes.

Era uma espécie de cortina, um tecido enorme pendurado no teto na frente de uma parede ocupando um espaço enorme. O que teria ali? Bom, só há um jeito de descobrir. Puxei o tecido e não consegui me mexer depois de ver o que estava ali atrás.

O nosso antigo mapa com pesquisas agora ocupava a parede toda e era um emaranhado de fios e folhas que cobria quase a parede toda. Lágrimas caíram pelas minhas bochechas ao pensar que Shay continuou se dedicando a isso. Eu queria abraça-lo, queria beija-lo. Queria mesmo, mas nem sabia onde ele estava agora.

Olhei para as escadas para o telhado e respirei fundo. Será que eu estava pronta para aquelas lembranças?

Tremendo, coloquei a mão na escada e comecei a subir. Senti tanta falta da rajada de vento que batia na minha cara quando subia aqui. O telhado era o mesmo, não que eu esperasse alguma mudança nele.

Olhei para ele e de repente eu pude ver eu e Shalom sentados aqui com uma garrafa de vinho, ele me chamando pra dançar, nossos giros....tudo passava na minha frente como se estivesse acontecendo ali agora mesmo e eu estivesse assistindo.

Minhas bochechas estavam molhadas e quentes, mas a pior parte foi ainda depois, quando eu voltei para a noite depois do meu aniversário. A noite do nosso primeiro beijo.

Algo explodiu dentro de mim e de repente era tudo muito pesado. Me ajoelhei no chão e comecei a chorar mais.

Tudo mudou. Tudo mudou. Tudo mudou.

Nada nunca mais vai ser como era antes, nada. Não sei se eu estava pronta pra isso ou se algum dia estaria.

Me recompus de desci para o corredor outra vez, mas desejei ter demorado uns segundo a mais para ter feito isso.

-Crystal? -Shalom disse ao esbarrar em mim. -O que faz aqui?

Segurei as emoções que queriam me invadir.

-Apenas fui recordar algumas coisas.

-Hum... -Ele disse entendendo. -Nao acredito que mal conversei com você. Tudo é muito estressante, aagg! Trezentos mil relatórios para ver, problemas para resolver, discursos para decorar e ainda tem a seleção!

"Então por que fez essa seleção, seu idiota?!" Quis berrar.

-Imagino. -Foi tudo que consegui falar, forçando um sorriso.

-Sabe, devíamos fazer algo juntos, sabe, pra lembrar os velhos tempos.

-Sim.

-A sala do piano está sempre aberta para você. Assim como meus braços e eu sei que você precisa de um abraço agora. Achou mesmo que ia conseguir esconder essa carinha de mim? Logo de mim?

Queria permanecer forte, queria falar para ele que estava tudo bem, mas não estava. Tudo que eu eu me sentia agora era fraca e, mesmo querendo estar com raiva, queria mais que tudo um abraço de Shalom.

Me joguei nos braços dele e ele me apertou. Não sei em que momento o choro me venceu.

-Calma, está tudo bem. -Ele disse.

-É que... é que está tudo tão diferente! Eu não consigo parar de lembrar de quando éramos duas crianças correndo por esses corredores...

-Ei, calma. Olha pra mim. -Tentei olhar em seus olhos e ele colocou uma mecha do meu cabelo para trás da orelha. -Eu fiquei distante durante esses dois dias, e eu sei que isso não foi nada legal, mas saiba que você ainda pode contar comigo. Crystal, você é uma das pessoas mais importantes que eu tenho e ainda é minha amiga. Eu posso parecer diferente, mas ainda sou aquele garoto que gosta de The Kodan's e que não entendeu o final de Cidades de Mentira. -Ele me arrancou um sorriso. -Quero te ver sorrindo pelas nossas memórias, e não chorando. Prometo que de agora em diante nós vamos nos encontrar muito mais, okay?

-Okay...

-Agora me dá mais um abraço. -Eu sorri e nós nos abraçamos. -Ah, como eu estava com saudades disso!

Eu também. Eu também.

-Agora eu preciso ver a minha mãe. Te vejo depois, Crystal Ally.

-Ate, Vossa Alteza.

Ele seguiu pelo corredor e virou para trás uma vez para sorrir.

Quando ele olhou pra mim e abriu aquele mesmo sorriso, simplesmente igual ao de antes, meu coração bateu com mais vida e eu poderia sair pulando.

Crystal, espera, não! Você não pode estar se apaixonando de novo por ele! E pior ainda, você não pode nunca ter deixado de ama-lo!