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História Quando o amor bate à porta - Revelações


Escrita por: xviperx

Notas do Autor


Olá galera, todos estão bem? Se cuidem por favor,.
Será que neste capitulo Samantha vai conseguir guardar seu segredo ainda?
Boa leitura, nos vemos la em baixo.

Capítulo 4 - Revelações


Fanfic / Fanfiction Quando o amor bate à porta - Revelações

Lica começou a cantar enquanto trabalhava,. Atrás dela, a janela aberta revelava um belo dia ensolarado, vez por outra assaltado pela leve brisa fria de abril e permeado pelo inevitável ruído das ruas de São Paulo.

No entanto, o sol do lado de fora não estava menos radiante do que o humor de Lica. Virando-se para o espelho preso à parede, a seu lado esquerdo, tentou imitar uma expressão de espanto que pudesse ajudá-la na caracterização de sua personagem. Porém, tudo que conseguiu fazer foi sorrir. Sorrir com plena satisfação.

Já havia sido beijada antes, claro. Entretanto, todas as experiências que tivera se comparavam a um mero "incendiozinho" local, se comparadas à explosão vulcânica que fora se ver nos braços de Samantha.

Na noite anterior permanecera com aquela deliciosa sensação de zonzeira durante horas. Adorara cada um dos momentos daquela espécie de arrebatamento de sensualidade feminina. Poderia haver algo mais incrível do que sentir-se vulnerável e forte, boba e sábia, confusa e esclarecida, tudo ao mesmo tempo?

E tudo que precisava fazer para sentir aquilo era fechar os olhos e deixar sua mente devanear, livre de qualquer censura. Imaginou o que ele estaria pensando, o que estaria sentindo. Ninguém conseguiria ficar indiferente a um experiência daquela... magnitude. Ninguém não poderia beijar uma outra pessoa daquela maneira e não sofrer... digamos... algum efeito colateral.

Sofrer até que era uma palavra adequada, concluiu ela, pensando nas conseqüências em seu próprio corpo. Riu, suspirou alto, então voltou a se concentrar no trabalho, cantando com Aretha Franklin as maravilhas de se sentir like a natural woman. Sim, estava mesmo se sentindo como mulher natural. Natural até demais. O beijo da Lambertine deixara um rastro de chama em seu corpo e, embora aquilo fosse delicioso, era também assustador ao mesmo tempo.

-  Pelo amor de Deus, Lica, está muito frio aqui! Lica levantou a vista.

-  Oi, Tina. Olá, meu amor! - acrescentou, olhando para Vitor.

O bebê olhou para ela com um sorriso sonolento, enquanto Tina se aproximava da janela, mantendo-o apoiado sobre seu quadril.

-  Está sentada diante de uma janela aberta, e a temperatura não deve estar mais do que vinte graus lá fora. - Tina fechou o vidro, com um arrepio de frio.

-  Eu estava sentindo um pouco de calor - declarou Lica, deixando o lápis de lado para apertar a bochecha rechonchuda de Vitor.

-  É milagroso, não, que as pessoas se transformem dessa maneira? Nascem como bebês lindinhos assim e depois... Uau! Transformam-se naquilo tudo.

Tina franziu o cenho, olhando a amiga com ar de curiosidade.

- Está com uma expressão meio engraçada - disse ela. - Sente alguma dor? - Pousou a mão sobre a testa de Lica, em uma atitude maternal.

-  Não está com febre. Agora mostre a língua.

Lica obedeceu, ficando vesga ao mesmo tempo só para fazer Vitor cair na gargalhada.

-  Não estou doente. Estou é em estado de graça.

-  Hum... - Tina apertou os lábios, não parecendo muito convencida. - Vou pôr meu filho em sua cama para tirar uma soneca. Ele está até zonzo de sono. Depois prepararei um café para nós duas e quero que me conte o que está acontecendo.

-  Claro.

Voltando a adquirir o mesmo ar sonhador, Lica pegou o lápis novamente e desenhou pequenos corações sobre o papel. Então se empolgou e começou a desenhar outros maiores, esboçando o rosto de Lambertine dentro de um deles.

Sim, ela tinha traços fortes e marcantes, mas que se amenizavam quando sorria. Ela adorava fazê-la sorrir. Aliás, fazer as pessoas sorrirem era um de seus talentos.

Ficaria mais tranqüila quando conseguisse arranjar um emprego para ele. Depois providenciaria um sofá para aquela sala vazia, mas isso não seria difícil com seus

contatos. Tinha muitos amigos que poderiam ajudá-la a encontrar móveis práticos e por um bom preço. Queria ver Lambertine instalada com mais conforto, só isso. Claro que não havia nenhum interesse de sua parte, afinal, faria isso por qualquer pessoa. Ainda mais por uma vizinha maravilhosaa que beijava como um deusa saída diretamente do sonho de toda mulher.

Satisfeita com seus planos, cruzou as pernas sob si e voltou a se concentrar no trabalho.

Depois de deixar Vitor no quarto, dormindo feito um anjinho, Tina desceu para o andar de baixo e abaixou o volume do aparelho de som. Então, sentindo-se como se estivesse em sua própria casa, foi até a cozinha e preparou o café. Subiu a escada pouco depois, carregando uma bandeja com duas xícaras de café e alguns biscoitos. Aquele pequeno ritual matinal era um de seus momentos preferidos do dia.

Considerava Lica como uma irmã e por isso fazia de tudo para vê-la feliz. De fato, não se dava tão bem nem com a própria irmã, que só sabia viver reclamando da vida.

Deixando a bandeja sobre a mesa, entregou uma xícara de café a Lica.

-  Obrigada, Tina.

-  Fez uma ótima tira esta manhã. Não acredito que Emily esteja disfarçada com um casaco e um chapéu, seguindo a srta. Misteriosa por toda São Paulo. De onde ela tirou essa idéia?

-  Você sabe que ela é uma criatura impulsiva e dramática. - Lica provou um biscoito. Era comum as duas se referirem a Emily e aos outros personagens como se fossem pessoas de verdade.

-  E abelhuda também. Ela simplesmente precisava saber.

-  E quanto a você? Já descobriu alguma coisa sobre nossa srta. Misteriosa?

-  Sim - respondeu Lica, com um suspiro. - O sobrenome dela é Lambertine.

-  Também ouvi dizer isso. - Instantaneamente alerta, Tina apontou o dedo para a amiga.

-  Ei, você suspirou!

-  Não, só respirei mais fundo.

-  Não, você suspirou. E por qual motivo?

-  Bem, na verdade... - Lica estava morrendo de vontade de falar sobre aquilo.

 - Nós... acabamos saindo ontem à noite.

-  Vocês saíram? Como um casal? - Tina puxou a cadeira mais para perto da amiga no mesmo instante. - Onde? Como? Quando? Detalhes, Lica. Quero detalhes.

-  Está bem, então. - Lica virou mais a cadeira, até ficarem uma de frente para a outra. - Você sabe que a Josefina, desde que descobriu que eu sou lésbica, está sempre querendo que eu saia com a sobrinha dela, não é?

-  Ah, de novo?! - Tina revirou os olhos. - Será possível que ela não vê que vocês não têm nada a ver uma com a outra?

O imenso carinho que Lica sentia pela amiga foi o que a impediu de dizer que aquilo também servia para ela e Alice.

-  Bem, é que a Josefina adora a sobrinha. De qualquer modo, ela arranjou outro encontro entre nós ontem à noite, só que eu não estava com a mínima vontade de ir. Mas você terá de jurar que não vai dizer isso a ninguém.

-  Exceto a Anderson.

-  Tudo bem. Maridos estão excluídos do voto de silêncio nesse caso. Bem, o fato é que eu disse a ela que já tinha um encontro... com a Lambertine.

-  Você tinha um encontro com ela?

-  Não, eu só disse isso porque fiquei desesperada. E você sabe como começo a gaguejar quando minto.

-  Deveria praticar mais. - Tina comeu outro biscoito.

-  Talvez. Mas assim que acabei de dizer isso, percebi que ela iria ficar olhando pela janela para se certificar de que eu ia mesmo sair com ela, por isso tive de apelar e fazer uma espécie de acordo com minha vizinha. Dei cem reais a ela e lhe paguei um jantar.

-  Você pagou a ela?! - Tina arregalou os olhos, mas estreitou-os em seguida, com ar especulativo. - Mas isso é brilhante. Se eu houvesse tido essa idéia na época da faculdade, quando não estava namorando ninguém e nem tinha com quem sair, a história teria sido outra, minha amiga. Como se decidiu pela quantia de cem reias?

-  Achei que parecia justo. Ela não está trabalhando regularmente, e achei que ficaria agradecida pelo dinheiro e pela refeição. Até que nos divertimos - acrescentou, com um sorriso. – Foi realmente muito bom. Só espaguete e boa conversa. Bem, na verdade, o encontro tendeu mais para o monólogo, porque ela não é muito de falar.

-  Lambertine - Tina repetiu o nome devagar. - Ainda soa misteriosa. Não sabe o primeiro nome dela?

-  Ela não o disse em nenhum momento e nem me ocorreu perguntar. De qualquer maneira, é melhor assim. Acho que fui meio precipitada, Tina. Ela estava parecendo relaxada, quase amigável, então vi o carro da Katiane e entrei em pânico. Imaginei que a Josefina não iria me deixar em paz se eu não demonstrasse com clareza que estava interessada em outra pessoa. Então fiz outro acordo com ela e ofereci cinqüenta reais por um beijo.

Tina apertou os lábios, antes de tomar outro gole de café.

-  Deveria ter deixado claro que esse valor estava incluído nos cem reais - disse ela.

-  Não houve tempo - justificou Lica. - Já havíamos definido o acordo e não havia mais tempo para renegociar. A Josefina estava nos espiando através da janela. Então ela me beijou bem ali, na calçada do prédio.

-  Uau! – Tina comeu outro biscoito. - E qual movimento de impacto ela usou?

-  Ela me puxou de uma vez e colou meu corpo ao dela. Normalmente eu que faço isso!

-  Minha nossa! A puxada súbita. Oh, adoro esse movimento.

-  Então fiquei lá, em meio aos braços dela .

-  Sim!!!!- anuiu Tina, ainda mastigando o biscoito. -

-  Oh, Deus. - Tina lambeu os dedos, sem desviar os olhos da amiga. - Então. E depois?

-  Bem, ela... se inclinou.

-  Ah, meu Deus... Uma puxada súbita com inclinação! - Em sua empolgação, Tina quase derrubou o outro biscoito que havia acabado de pegar. - Um movimento clássico. Quase ninguem utiliza isso hoje em dia, minha cara. Você tirou a sorte grande com ela. Anderson fez isso em nosso sexto encontro, e foi assim que terminamos no meu apartamento, experimentando a comida de um fast food chinês, na cama.

-  Pois ela agiu como uma perita no assunto. Então, quando eu estava sentindo a cabeça girar, ela se afastou de repente e simplesmente olhou para mim.

-  Mulheres - disse Tina, com ar de censura.

-  E fez tudo novamente! - festejou Lica.

-  Um duplo?! Não acredito! - Tina segurou a mão da amiga, quase dando um-pulo de alegria. - Você recebeu um duplo, Lica! Há mulheres que passam a vida inteira sem sequer saber o que é isso! Sonham com isso, claro, mas nunca passam pela emoção de experimentar a puxada súbita com inclinação seguida de beijo, olhar intenso e beijo.

-  Foi minha primeira vez, você sabe que normalmente eu que tomo a iniciativa - confessou Lica. - E foi... maravilhoso!

-  Tudo bem, tudo tem. Agora apenas a parte do beijo, certo? Apenas a parte dos lábios e das línguas. Que tal foi essa parte?

-  Muito ardente.

-  Ah, meu Deus! Acho que terei de abrir a janela de novo. Estou começando a suar. Dizendo isso, levantou-se com um movimento súbito e abriu a janela, respirando fundo.

-  Então foi ardente. Muito ardente.

-  Continue.

-  Foi como ser... Sei lá, devorada. Sabe quando seu corpo inteiro fica trêmulo, um calor gostoso se espalha por seu corpo e... - Lica moveu as mãos, tentando encontrar as palavras certas para se expressar. - Não sei como descrever.

-  Tem de se esforçar. - Aflita, Tina segurou-a pelos ombros. - Tente isso: -na escala de um a dez, que nota você daria?

Lica fechou os olhos.

-  Não há escala...

-  Sempre há uma escala - Tina a interrompeu. - Não é possível...

-  Não, Tina, o que eu senti não se enquadra em nenhuma escala. Tina deu um passo atrás.

-  Deus meu... Preciso me sentar. - Tina sentou-se, passando a mão pela testa. - Você experimentou um beijo que não se enquadra em nenhuma escala. Acredito em você, Lica. Mas muita gente não acreditaria. Muitas pessoas poderiam até zombar dessa afirmação, mas eu acredito no que disse.

Lica sorriu.

-  Eu sabia que poderia contar com você.

-  Sabe o que isso significa, não sabe? Significa que essa Lambertine arruinou sua vida. Agora, nem mesmo um beijo nota dez vai satisfazê-la. Você vai sempre procurar um que não se enquadre em nenhuma escala.

-  Isso já me ocorreu. - Pensativa, Lica pegou lápis e começou a tamborilá-lo sobre a mesa.

 - Mas creio que será possível levar uma vida tranqüila e feliz, alcançando com certa regularidade uma escala entre sete e dez, mesmo depois dessa experiência. O homem pode até ir à lua, Tina, viajar pelo espaço e se ver em outro mundo por algum tempo, mas tem de voltar para a terra e continuar vivendo.

-  Puxa, isso foi sábio. – Tina tirou um lencinho de papel do bolso da calça. - Quase heróico.

-  Obrigada - Lica agradeceu e, com um de seus sorrisos marotos, acrescentou:

-  Mas, enquanto isso, não fará nenhum mal bater à porta em frente de vez em quando, certo?

Lica estava descendo para o andar de baixo, após uma manhã de intenso trabalho. Ao ouvir o familiar e agradável som do baixo, pensou em bater à porta de sua vizinha para lhe oferecer um café, mas o som do interfone lhe interrompeu os pensamentos.

-  Sim?

-  Estou procurando a sta Lambertine, do 8A - disse uma voz feminina.

-  Não, ela está no apartamento 8B.

 

-  Oh, droga, então por que ela não está respondendo?

-  Provavelmente porque não ouviu o interfone, já que está tocando- explicou Lica.

-  Então poderia me anunciar? Sou a empresária dela e já estou cansada de ficar aqui tocando esse interfone.

-  Empresária dela? - Lica repetiu.

Bem, se Lambertine tinha uma empresária, queria conhecê-la. Já havia pensado em indicá-la a várias pessoas e talvez essa fosse sua chance de ajudá-la de alguma maneira.

-  Claro, pode subir - dizendo isso, acionou o botão que destravava o portão de entrada.

Em seguida, abriu a porta de seu apartamento e ficou esperando do lado de fora. A mulher que saiu do elevador parecia muito profissional e bemsucedida, segundo Lica notou- com certo espanto. O tailleur vermelho lhe atribuía um ar de elegância e sofisticação, assim como a pasta executiva de modelo feminino.

Lica franziu o cenho. Então por que o cliente dela parecia estar passando por dificuldades financeiras?

 - Você é a moradora do 8A?

-  Sim, meu nome é Heloísa.

-  Sou Benedita, mas pode me chamar de Benê. Obrigada por haver aberto o portão para mim, Heloísa. Nossa "garota" aqui não está atendendo ao telefone e, pelo visto, esqueceu-se de que tínhamos uma reunião à uma hora, no Restaurante Four Seasons.

-  O Four Seasons? -Lica se surpreendeu. Aquele era um dos restaurantes mais caros da região. - No Centro?

-  Esse mesmo. – Com um sorriso, Benê apertou a campainha do apartamento 8B. - Samantha é muito talentosa, mas temperamental demais de vez em quando.

-  Samantha? - Lica levou um instante para entender sobre quem ela estava falando. - Ah, Samantha Lambertine. - Com um suspiro de indignação, acrescentou: - A autora de Rede de Almas.

- Isso mesmo - confirmou Benê. - Vamos lá, Samantha, abra logo esta porta... - falou ela, tamborilando os dedos sobre a madeira. - Quando ela decidiu passar alguns meses na cidade, pensei que conseguiria ter mais acesso a ela. Mas, pelo visto, eu me enganei mais uma vez. Ora, até que enfim.

Ambas ouviram o ruído das trancas sendo abertas com gestos súbitos e, aparentemente, mal-humorados. Então ela abriu a porta.

-  O que diabos... Benê?

-  Você perdeu o almoço - ironizou ela. - E não atendeu ao telefone.

-  Eu me esqueci do almoço e o telefone não tocou.

-  Você esqueceu de novo carrega-lo?

-  Provavelmente sim. - Samantha continuou no mesmo lugar, olhando para Lica, logo atrás de Benê.

-  Entre - disse à empresária. - Só me dê um minuto, sim?

-  Eu já lhe dei uma hora - ironizou Benê, falando por sobre o ombro enquanto passava pela porta. - Obrigada mais uma vez - ela agradeceu a Lica.

-  Não há de quê. - Lica forçou um sorriso. Então fuzilou Samantha com o olhar. – Canalha - disse ela por entre os dentes, antes de entrar em seu apartamento e bater a porta.

-  Não há nenhum lugar para se sentar aqui? - protestou Benê, atrás dela.

 - Não. Quer dizer, sim. No andar de cima - resmungou em resposta, tentando ignorar a onda de culpa que a atingiu. - Não costumo ficar muito neste andar.

-  Estou vendo. Quem é a garota que mora em frente?

-  O nome dela é Heloísa Gutierrez.

-  Achei que ela me parecia familiar. É a criadora das tiras cômicas Amigos e Vizinhos, não é? Conheço o empresário dela. O homem é louco por ela. Vive dizendo que ela é sua única cliente à prova de ego e livre de neuroses. Nunca se queixa, não atrasa os prazos e está sempre lhe dando lucro com a venda de seus personagens em agendas, calendários e outras coisas do gênero.

Diante do silêncio de Samantha, Benê acrescentou:

-  Imagino como seria bom ter uma cliente livre de neuroses, que se lembrasse dos almoços de negócios e que me mandasse presentes no meu aniversário.

-  As neuroses fazem parte do pacote, mas sinto muito sobre o almoço. O aborrecimento de Benê cedeu lugar à preocupação.

-  O que aconteceu, Samantha? Parece alterada por algum motivo. O livro não está indo bem?

-  Não, ele está caminhando. E melhor do que eu esperava. O problema é que não tenho dormido muito bem ultimamente.

-  Continua saindo para tocar até altas horas da noite?

-  Não.

Estava era passando as noites em claro pensando em Lica, Samantha admitiu para si mesmo. Andando de um lado para outro e desejando tê-la em seus braços. Só que agora ela devia estar profundamente magoada com ela.

-  Bem, já que não teremos mesmo o almoço, que tal me oferecer um café? - sugeriu Benê.

-  Ainda há um pouco na garrafa - disse ela. - Estava fresco às seis horas da manhã.

-  Então, deixe-me preparar outro.

Depois de preparar o café, com os ingredientes que já se encontravam sobre a pia, Benê abriu alguns armários, à procura de algo para comerem. Considerava o bem- estar de Samantha como parte de seu trabalho.

-  Meu Deus, Samantha, por acaso está fazendo greve de fome? Não há mais nada aqui, além de restos de batatas fritas e do que um dia foi um pão francês, mas que agora só serve para experimento científico.

 - Não fui ao supermercado ontem - explicou ela, sem conseguir deixar de pensar em Lica. - Para jantar, geralmente faço um pedido a algum restaurante.

-  Pelo mesmo telefone que você não atende?

- Eu vou recarregar a bateria, Benê.

-  Espero que sim. Se pelo menos ele estivesse funcionando, agora estaríamos sentadas a uma mesa do Four Seasons, tomando champanhe Cristal para comemorar.

-  Com um sorriso, acrescentou: - Fechei o contrato, Samantha. Rede de Almas vai se transformar em um grande sucesso do cinema. Terá os produtores que quiser, o diretor que preferir e a opção de fazer o roteiro pessoalmente. Tudo isso regado a uma generosa quantia, claro.

-  Não quero que estraguem o roteiro - foi a primeira reação dela.

-  Isso só dependerá de você. - Mandy suspirou.

-  Para não correr o risco de que algo não a agrade, faça você mesma o roteiro.

Sem dizer nada, Samantha se aproximou da janela, ainda tentando absorver a notícia. Um filme mudaria a perspectiva que o livro tinha atingido, mas, por outro lado, geraria uma renda de milhões de reais.

-  Não quero me envolver demais nisso, Benê. Toda aquela loucura do cinema não me agrada.

Ela serviu duas xícaras de café e se aproximou da janela, entregando uma a ela.

-  Então faça apenas o trabalho de supervisão. Ou de consultoria, se preferir.

-  Sim, acho que isso será suficiente para mim. Providencie tudo, está bem?

-  Pode deixar comigo. Agora, se você conseguir parar de dar pulos de alegria, poderemos conversar sobre seu trabalho atual.

Samantha curvou os lábios, sem conter o sorriso.

Levada por impulso, deixou a xícara sobre o parapeito da janela e segurou o rosto de Benê entre as mãos.

-  Você é a melhor e, com certeza, a mais paciente empresária desse ramo.

-  Está absolutamente certa. Espero que esteja tão orgulhosa de você quanto eu estou. Vai dar a notícia à sua família?

-  Deixe-me primeiro digerir a idéia por alguns dias.

-  A notícia vai se espalhar logo, Samantha. Não vai querer que elas a recebam por outros

meios, não é?

- Tem razão - anuiu ela. - Vou ligar para elas. - Com um sorriso, completou: - Depois de recarregar a bateria do telefone, claro. Por que não saímos para comemorar, tomando champanhe?

-  Pensando bem, por que não? Ah, só mais uma coisa – falou Benê, em um tom casual. - Não vai me dizer o que está havendo entre você e a bela garota do apartamento 8A?

-  Não tenho certeza de que haja alguma coisa para dizer - respondeu Samantha, em um resmungo.

Samantha continuava a não ter certeza sobre aquilo quando bateu à porta de Lica naquela mesma noite. Mas sabia que tinha de fazer alguma coisa a respeito daquela sombra de indignação e tristeza que vira nos olhos dela, horas antes.

Não que aquilo dissesse respeito a ela de alguma maneira, lembrou a si mesma. Não pedira a ela que bisbilhotasse sua vida. De fato, fizera tudo para que ela se mantivesse afastada. Pelo menos até a noite anterior, concluiu ela, com um suspiro exasperado.

Sempre detestara agir por impulso, e fora justamente isso que fizera na noite anterior. Para começar, não deveria ter aceitado sair com ela. Ainda mais por um motivo tão idiota. E muito menos beijá-la, ainda que por um motivo louvável: puro desejo.

Quando Lica abriu a porta, Samantha estava mais do que pronta para um pedido de desculpas.

-  Ouça, sinto muito - começou, com um certo tom de impaciência. - De qualquer maneira, isso não era da sua conta. Vamos apenas esclarecer as coisas.

Ela fez menção de entrar, mas parou de repente quando Lica a deteve, levando a mão ao seu ombro.

-  Não a quero na minha casa.

-  Não diga tolices, Lica, foi você quem começou. Talvez eu tenha deixado as coisas saírem um pouco do controle, mas...

-  Comecei o quê?

-  Isso!

Samantha levantou as mãos, aborrecida pela falta de palavras e detestando ver aquela sombra de tristeza no olhar dela.

-  Tudo bem, eu comecei - Lica admitiu. - Nunca deveria ter levado biscoitos para você.

 Sim, foi pura idiotice da minha parte. Também não deveria ter me preocupado em arranjar um emprego para você e nem em lhe oferecer uma refeição decente, por pensar que você não tinha condições de pagar uma.

-  Droga, Lica...

-  Você deixou que eu pensasse tudo isso! - ela a interrompeu, furiosa. - Deixou que eu acreditasse que estava passando por dificuldades, que era uma musicista desempregada, e aposto que deve ter rido muito disso. A brilhante e premiada escritora Samantha Lambertine, a autora do magnífico livro Rede de Almas. Aposto que está surpresa por eu conhecer o seu trabalho. Uma idiota feito eu não anda por aí lendo livros de sucesso, não é mesmo?

Samantha continuou em silêncio, e ela a fez dar um passo atrás.

-  Não é mesmo, Samantha? O que uma "desenhistazinha" de tiras cômicas de jornal iria entender de arte? Ainda mais sobre literatura séria? Deve ter rido muito à minha custa, não? Sua arrogante elitista! - A voz de Lica falhou, sendo que ela havia prometido a si mesma que isso não aconteceria. - Eu estava apenas tentando ajudá-la.

-  Mas eu não pedi sua ajuda. Eu não queria sua ajuda.

Samantha notou que ela estava prestes a explodir em lágrimas. E quanto mais isso se evidenciava, mais furiosa ela se sentia. Sabia muito bem como as pessoas usavam o choro para arrasar outra, e não deixaria isso voltar a acontecer em sua vida.

-  Meu trabalho diz respeito apenas a mim - acrescentou.

-  Seu trabalho é produzido mundialmente e, se você não sabe, isso o torna público – retrucou Lica. - Não tinha nada que andar por aí fingindo ser uma baixista.

-  Toco porque gosto de tocar, só isso. Não estava fingindo ser alguma coisa, foi você quem deduziu isso.

-  E você não fez a mínima questão de me esclarecer.

-  E se eu tivesse feito isso? Eu me mudei para cá em busca de um pouco de paz e tranquilidade. Queria ficar sozinha. Mas quando me dei conta, lá estava você me trazendo biscoitos, seguindo-me pela rua e me fazendo passar metade da noite em uma delegacia de polícia. Como se não bastasse, depois apareceu pedindo que eu saísse com você para se livrar do olhar bisbilhoteiro de uma mulher de cinquenta anos, só porque não tem coragem de dizer a ela para não se meter em sua vida pessoal. E quando pensei que já tinha visto tudo que poderia ver, qual não foi meu espanto ao receber a proposta de ganhar cinquenta reais por um beijo.

O sentimento de humilhação finalmente fez uma lágrima rolar pelo rosto de Lica, enquanto uma espécie de nó se formava em sua garganta.

-  Não comece com isso - disse Samantha.

-  Quer que eu não chore vendo-a me humilhar desse jeito? Vendo você me fazer sentir idiota, ridícula e envergonhada? -Lica não se importou com as lágrimas que começaram a molhar seu rosto. Simplesmente continuou a encarar Samantha com toda sua indignação. - Sinto muito, mas não sou tão fria assim. Ainda choro quando alguém me magoa.

-  Foi você mesma quem pediu isso.

Samantha tinha de dizer aquilo. De fato, ela estava desesperada para acreditar naquilo.

-  Você conhece os fatos, Samantha - disse ela, num fio de voz. - Tem todos eles à sua disposição, mas insiste em ocultar seus sentimentos por trás deles. Levei biscoitos para você porque pensei que poderia precisar de uma amiga. Já me desculpei por havê-la seguido, mas posso me desculpar novamente.

-  Eu não quero...

-  Ainda não terminei - Lica falou com tanta dignidade que a fez sentir uma onda de culpa. - Levei-a para jantar porque não queria magoar uma senhora e por pensar que você poderia estar faminta. Gostei de sua companhia e senti algo diferente quando você me beijou. Na verdade, pensei que você também houvesse sentido. Portanto, você está certa - ela assentiu, enquanto outra lágrima rolava por seu rosto. - Fui eu mesma quem pediu isso. Suponho que guarde todas suas emoções para o seu trabalho e que por isso não encontre uma maneira de aplicá-las em sua vida. Sinto muito por você. E sinto muito por haver pisado em seu solo sagrado. Nunca mais farei isso.

Antes que Samantha pudesse pensar em algo para responder, Lica fechou a porta. Então ela ouviu as trancas sendo acionadas com fúria. Girando sobre os calcanhares, voltou para seu apartamento e seguiu o exemplo dela, também fechando as trancas da porta.

Finalmente tinha o que queria, disse a si mesma. Solidão. Quietude. Lica não voltaria a bater à sua porta, não a interromperia, não a distrairia e nem a envolveria em conversas das quais ela não queria participar. Não lhe traria sentimentos com os quais ela não sabia o que fazer.

De pé, na sala vazia, suspirou alto. Estava exausta daquilo tudo.


Notas Finais


Finalmente a Lica descobriu. E ainda disse algumas verdades para Samantha. As brigas dessas duas são tensas e parecem que nunca vão acabar hein.
Será que no próximo capitulo Samantha vai pedir desculpa? Não se abstenham o comentem suas indignação, (que eu sei que tem) com a nossa Samanthina.
Até o próximo capitulo.


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