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História Quando o céu despedaçou - As plantações de eucalipto que eu vi no meio do caminho


Escrita por: rupphires

Notas do Autor


Me desculpem a demora!

Capítulo 7 - As plantações de eucalipto que eu vi no meio do caminho


— Akaashi, conversei com a minha mãe. 

— Sério? Descobriu alguma coisa?

— Ela me disse que quem mostrou a foto pra ela foi a sua avó. Mas que já faz muito tempo isso.

— Como pode fazer muito tempo? Minha avó não sabia da minha existência até eu chegar aqui, praticamente. Ela não poderia ter uma foto minha.

— Aí, já não sei. Mas a minha mãe não mentiria, ela não mente. Ninguém lá em casa mente. 

— Todo mundo mente.

— Na minha casa, não.

— Como você pode ter certeza? Se é mentira, não tem como você saber. Ninguém conhece ninguém de verdade, é o que Goethe dizia. Bokuto, você é uma pessoa ingênua?

— Ingênuo? Não, não. Eu sou alegre.

— Então não deveria pensar que sabe tudo sobre as pessoas que moram com você. A família é coisa misteriosa. Mais misteriosa do que o mar. 

— Ah, não, você não entendeu, Akaashi. Ninguém mente lá em casa, mas isso não significa que eu os conheça de verdade. Tem coisa que a gente prefere que fique no silêncio e é melhor assim e isso não é uma mentira, é só omissão, que são coisas distintas. Tipo o cara da rua de trás que sumiu. Ninguém diz que ele não existiu, porque seria uma mentira, mas ninguém fala sobre ele. Existem coisas que são dolorosas demais para serem ditas.

— Esse é o problema de dar nome às coisas: elas se tornam reais quando são nomeadas. É por isso que eu não gosto de pertencer.

— É, bem, coisa estranha. Mas às vezes é preciso.

— Como assim?

— Assumir nomes, eu digo. Certos grupos precisam assumir nomes para existirem porque a sociedade já se encarrega por si só de esquecer deles.

— Assumir um nome carrega muita responsabilidade e eu tenho medo de lidar com isso…

— Sei lá. Você é o que é, não pode fugir disso. Às vezes assumir um nome é necessário para resistir e sobreviver no mundo. Pelo menos é o que eu acho. Tipo, eu sou gay. Ponto final. Preciso assumir esse nome porque a sociedade inteira vai fingir que eu não existo naturalmente, mas eu preciso mostrar pra eles o contrário: eu vivo. Eu existo. Eu sou. 

...

— Mas e quando se tem muito medo? E quando se é covarde?

— Bem, coragem não é ter medo e mesmo assim enfrentar alguma coisa? Acho que sua mãe entende disso melhor do que eu. Você disse que ela era comunista e militante na época da ditadura, né? Aposto que ela sentia medo.

— Ela não me fala dessas coisas. Sempre que tentava perguntar, seus olhos ficavam perdidos. O meu pai fala mais, só que eu odeio o jeito dele de contar as coisas. Parece que ele tá narrando uma aventura. Eu acho que dar olhos mágicos para um evento terrível é a maneira dele de fugir das lembranças. 

— Por quê?

— Bem, certas coisas são dolorosas demais para serem verbalizadas, foi o que você disse. Eu concordo. 

...

— Já se perguntou como os seus pais eram quando jovens?

— Não me fazia essa pergunta até conversar com a minha avó, na semana passada. Agora, penso nisso constantemente: como minha mãe deveria ser sem ter que carregar a dor de viver em um Estado Totalitário? Como ela era? Era livre? Como teria sido a minha mãe, e o meu pai, e a minha avó, como eu teria sido, se uma ditadura não tivesse ocorrido? 

...

— Meus pais também possuem coisas difíceis de serem ditas. A minha mãe, por exemplo, não consegue falar por que é que ela não foi para a cidade atuar por lá. Toda vez que eu pergunto, ela dá um sorrisinho triste, não me olha, e para de fazer qualquer coisa. Ela acha que eu não percebo, mas percebo. Se ela estiver cortando a cebola, para de cortar. Se ela estiver assistindo a TV, não presta mais atenção. Eu me pergunto se algum dia vou ficar assim. Se vão existir coisas que os meus filhos vão querer saber sobre mim e eu não vou conseguir responder. 

...

— Bokuto, quando eu estava viajando pra cá, na estrada existe um terreno muito extenso que possui plantação de eucalipto. Minha mãe comentou que, uma vez que o eucalipto seja plantado, não se pode plantar mais nenhuma outra semente nesse lugar. Isso porque essa espécie de árvore exige muita água e pode acabar secando todo o solo. Por isso, pra plantar outra semente é preciso fazer todo um tratamento. Isso me deixou meio intrigado. O eucalipto é tipo auto-destrutivo. Ele corrói aos poucos o solo onde está sendo plantado, deixando-o esterilizado. Onde se planta eucalipto não cresce nem grama. Às vezes, eu me sinto exatamente assim. Não importa em que lugar esteja, eu sempre vou acabar sugando muito das pessoas ao meu redor. Eu não sou bom com relacionamentos. Eu não queria ser como um eucalipto. 

— Akaashi?

— Sim?

— Eu vou tentar perguntar pra minha mãe por que ela desistiu do sonho dela. Eu acho que você deveria perguntar também. Pelo menos fale com a sua avó sobre a foto. 

— É… Kundera diz que o amor é uma interrogação contínua. Acho que eu deveria mesmo tomar coragem para perguntar, Bokuto. Eu acho que é só assim que vou achar meu lugar no mundo. 

— Quem é Kundera?

— O meu escritor favorito. Aquele lá, da Insustentável leveza do ser.

— Ah, é. Bem bonita essa definição, né. A gente sempre quer saber mais sobre alguém que temos afeto… Enfim, só… Não fique com tanto medo de pertencer e não se torture por não fazê-lo, também. Eu quero viver minha vida com liberdade: alguns poucos amigos e um amor. Definitivamente, quero muito o amor.

— Sim. Você tem razão. 

— Akaashi?

— Sim?

— Eu gostaria de fazer mais perguntas sobre você. 

— Você pode.

— Vai responder?

— Se me deixar fazê-las também.

— Eu deixo. 

— Qual é a sua cor favorita?

— Azul da cor do mar. Aquele azul que, na falta de luz, quase beira ao preto. Incrivelmente, é a exata cor dos seus olhos. 

— Sabia que, desde que eu te vi, você parece o centro do universo? 

— Não, não sabia.

— Agora sabe. É isso, Bokuto, uma definição que te caiba. 

 


Notas Finais


https://www.youtube.com/watch?v=A9kTV-wpiWk

Não tem nada a ver com o capítulo, mas eu to escutando esse álbum agora e ele é maravilhoso e eu sou meio aleatória mesmo, aí quis compartilhar: https://www.youtube.com/watch?v=NEsv5GWOsiI


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