História Quem Dera Fosse Verdade - Capítulo 4

O sol atravessou a fina cortina incomodando seus olhos, o cheiro da grama molhada pelo sereno da madrugada invadiu seu quarto, mostrando que já era hora de levantar. Heloisa todos os dias acordava assim, com o sol, gostava de fazer suas rotinas diárias. 

Sentiu algo remexer ao seu lado e sorriu ao ouvir a pequena risada de Clarinha, era uma delícia acordar com esse som. Clara era um bebê calmo, quase não chorava e nem dava trabalho a ninguém. Observou a pequena engatinhar pela cama e se aproximar do seu rosto. 

Daqui a pouco já estará andando, pensou alto e riu ao vê-la tentar sentar e cair em seguida. 

-Vamos, Clarinha, vamos levantar que temos coisas a fazer- pegou a menina em seus braços e tratou de se ajeitar

Desceu para a cozinha, tomou seu café, deixou Manuela cuidando da pequena e foi fazer sua caminhada. Sentiu o calor abraçar seu corpo e suas bochechas ficarem vermelhas com o bronze em sua pele. Passou por uma pequena roseira e lembrou de Leônidas, ele tomava conta de seus pensamentos desde antes mesmo de dormir, sorriu lembrando de todas as vezes que lhe presenteava com uma rosa e quando a chamava assim.

Ela não se acostumou a esse apelido, ela gostou dele, gostou da forma doce, do olhar passivo, do toque quente e agora pensava em como seria os seus lábios, o beijo seria calmo ou urgente? A sua língua saberia dançar com a sua? Agora o sol se fazia mais quente, ou seria uma reação de seu corpo a seus pensamentos?

Abaixou-se para colher a pequena flor e se assustou ao ouvir a voz daquele que a inebriava.

- minha rosa?- 

Seu corpo saltou e sem querer seus dedos foram espetados pelos espinhos da flor que tentara colher.

-aí! - quando olhou pra sua mão tinha algumas gotas de sangue escorrendo pelos dedos 

-minha rosa, tome cuidado- disse Leônidas se aproximando e pegando-lhe a mão

Tirou do bolso de sua camisa um pano e limpou o sangue que escorria, tendo toda a atenção da mulher em seus gestos. 

Heloísa se sentia queimar com os toques em sua pele, ele tinha um cuidado, um certo carinho ao toca-lá como se tivesse medo que ela quebrasse. Ao terminar Leônidas levou os dedos dela até a boca e os beijos, diferente da outra vez, Heloísa não fugiu, nem retirou a mão. 

-para sarar mais rápido?- perguntou ela num tom risonho e ele riu 

Leônidas olhou para a mão dela e seu sorriu abriu mais ainda ao ver que o anel que pusera em seu dedo ainda estava ali 

-você ainda está com o anel - disse ainda segurando a mão dela

-É… acho q esqueci de tirar- respondeu sem graça, desfazendo o enlace de suas mãos - onde está Matias? Vocês sempre costumam caminhar esse horário- 

-O doutor não quis levantar da cama hoje, se sente cansado. Então vim caminhar sozinho- 

-Posso acompanhá-lo, se quiser-

-É claro que quero, minha rosa- 

Leônidas levantou seu braço como um pedido para que ela cruzasse o seu ao dela, e ela o fez. Como ontem. 

Caminharam juntos observando as lindas paisagens da fazenda, por mais que já tivessem visto a mesma durante anos, de fato era linda de se admirar.  Entre um ou dois passos Heloísa sempre perguntava sobre os estudos e os lugares por quais Leônidas já tinha passado. 

-Londres é linda! Bastante fria. Diferente daqui- 

-Você gosta mais daqui ou de Londres?- 

-Daqui, com toda certeza- Leônidas soltou um riso e olhou com carinho para a dama e ela enrubesceu 

-Eu sempre tive vontade de conhecer outros lugares- ela disse desviando o olhar - sempre fiquei presa nessa fazenda e quando eu achei que poderia seguir minha vida, tive que ficar para ajudar minha irmã- 

-Você se arrepende de ter ficado?-

Heloísa ficou pensativa, ela queria muito ter vendido o engenho e conhecido outros lugares, mas por outro lado estava muito feliz em ter sua irmã e sua sobrinha juntos a ela, infelizmente com isso veio um peso enorme que trazia seus traumas a tona, mas gostava de ter sua família por perto.

-acho que não- disse enfim 

-Um dia eu te levarei… te levarei para fora daqui- 

-Vai me levar a Londres?- 

-Também… mas acho que Veneza combina mais com você- 

Se olharam por meros segundos que pareciam infinitos, essa breve promessa de um futuro não negada pela mulher que ele amava, aquiescia seu coração de esperança, ele sabia que Heloísa também sentia algo, talvez não fosse amor, mas de uma pequena faísca pode-se sair um fogaréu. Ele não desistiria dela. 

-Estou preocupada, Leônidas- quebrou o pequeno contato 

-Com o que, minha rosa?- 

-E se seu pai suspeitar de tudo?- 

-Fica tranquila, minha rosa. É como um teatro, vamos fingir que estamos apaixonados- ele disse se aproximando dela 

-Sempre fui péssima com atuação- ela disse se sentindo sufocada com a presença dele tão perto

-É só você me olhar com esses olhos brilhantes sempre- Leônidas diz e da mais um passo à frente 

-Me chamar de “Meu amor” como fez antes- mais um passo 

-Rir quando eu contar uma piada, mesmo que seja sem graça- mais um passo 

O coração de Heloísa batia como uma escola de samba, mexia descontroladamente em seu cordão, que já estava preste a arrebentar, sua boca secou e não sabia se teria forças para resistir a tudo isso.

-e não negar quando eu lhe fizer carícias - ele continuou, e pôs uma mecha de cabelo dela atrás da orelha  

-É só não resistir a mim, Heloísa -

Suas bocas já estavam quase se tocando, os olhos conectados, as mãos trêmulas e o cheiro de paixão no ar. Heloísa levou as mãos ao peito dele e Leônidas rodeou sua cintura.

-Leônidas!- Manuela gritou de longe e Heloísa deu um pulo para trás - Leônidas!-

O casal, que não era um casal, se olhou novamente recobrando a respiração e o juízo

-Leônidas, isso não pode se repetir- Heloísa disse firme 

-Leônidas!- Manuela gritou novamente 

-Estou aqui, Manuela!- ele respondeu 

❤️

-tira essa menina daqui!- gritava Matias 

-Mas papai, é só um bebê- dizia Isadora com Clarinha que estava aos berros 

-O que é isso?!- Heloísa entrou como um furacão já imaginando que tudo era culpa do cunhado 

-O Matias viu a clarinha e começou a surtar- disse Manuela 

-Doutor, é só um bebê, mantenha a calma - Leônidas dizia se aproximando 

-É a menina que ninguém queria-

-Cala a boca, seu louco!- gritou Heloísa 

-Calma, minha rosa. Isso não vai ajudar- 

Clarinha levantou os braços para a costureira, como quem pedia por socorro, Heloísa prontamente tomou-a em seu colo e a aconchegou.

-Eu não sei o que você tem nessa sua cabeça cheia de minhocas- a mulher se virou para Matias dizendo - mas se acostume, porque a clarinha agora mora aqui e não quero você se aproximando dela- deu as costas e partiu 

❤️

-nossa! Você está gulosa hoje- disse Heloísa quando clarinha agarrou mais um dos biscoitos que estava em sua mão 

A menina já havia devorado quase o pote todo que estava sob a cama. A mais velha observava com fascínio, Heloísa sabia que ela não era a sua filha e que a qualquer momento iria embora, mas parecia que tinha algo que as ligava desde o primeiro momento em que a viu. 

Era impossível não lembrar de sua filha e de como gostaria de ter vivido esses momentos com ela, de ter ouvido sua risada enquanto brincava com os dedos de sua mão, de saber qual seria sua primeira palavra, de ter visto seus primeiros passos. Seus olhos já enchiam d’água quando uma batida foi dada na porta.

-com licença, minha rosa- Leônidas entrava no quarto e como um passe de mágica seus pensamentos se tornavam coloridos - oi, Clarinha! Você está comendo?- se aproximou delas, falando de um modo engraçado arrancando risadas das duas ali presente

Clarinha que tirou sua atenção dos biscoitos e olhou para o moço que se aproximava, levantou os braços pedindo colo e fora prontamente atendida.

-olha, ela gosta de você- Heloísa disse observando os dois 

Não tinha como negar, era impossível não gostar de Leônidas, ele era carinhoso, sensível, engraçado e muito bonito, ela entendia Clarinha. 

-eu também gosto muito dessa pequena- disse o peão, balançando a bebê no alto e ganhando muitas risadas - 

-Não faça isso! - Heloísa se levantou repreendendo-o - ela acabou de comer biscoito-

-Qual o problema, minha rosa? Só estou brincando com a nossa pequena- 

-O problema é que se ela golfar no seu rosto, eu não vou me responsabilizar- disse pegando clarinha no colo, que resmungou pois queria continuar a brincar - e… calma, do que a chamou? - 

-Chamei do que?- disse sonso 

-Eu estou perguntando, você a chamou de “nossa pequena”?- 

-Acho q sim…- disse e viu Heloísa o olhar desconfiada - é um modo de dizer, Heloísa. E eu já considero ela da minha família- 

-Eu não posso me dar o luxo de imaginar isso, ela não é minha filha- seus olhos voltaram a marejar 

-Sim, minha rosa. Mas clarinha faz parte da sua vida também, assim como você faz da dela. Você acha que clarinha vai esquecer quem foi a mulher que cuidou dela nos momentos difíceis? O laço que vocês formaram não vai ser quebrado. Pode não ser mãe dela, mas está sendo uma para ela nesse momento-

Heloísa olhou para a menina que estava em seus braços e Clara sorriu, sorriu como se concordasse com o que Leônidas falara e então pode sentir um alívio em seu peito. Clarinha não era sua filha, mas não havia mal nenhum em ter amor por ela como se fosse uma, precisava permitir-se viver os amores que brotam em sua vida. Olhou então para o homem ao seu lado e como se ele ouvisse os seus pensamentos, sorriu, como se também concordasse com o que pensara. Será que Heloísa estava começando a sentir coisas por Leônidas?

Mal pudera completar sua pergunta, pois entravam duas mulheres desesperadas em seu quarto.

-minha irmã, aconteceu algo?- perguntou assim que viu violeta 

-Que história é essa de que vocês são um casal ?- perguntou Manuela entrando em seguida 

-Aí Manuela! Isso eu explico depois- disse Violeta - Leônidas, seu pai está lá embaixo convidando vocês para jantar com ele mais tarde- 

O casal, que não era casal, se entreolhou.

-olha comigo não tem lorota! -

-Manuela! - disse as duas irmãs em uníssono 

-Eu vou te explicar tudinho, Manuela, eu só peço que minta dessa vez- disse Heloísa 

-Hmm tô começando a achar que essa mentira vai se tornar verdade- riu ao ver a cara de espanto de Heloísa e deixou o quarto 

-Para de rir, Violeta!- repreendeu Heloísa 

-Eu não fiz nada, minha irmã- disse cínica 

-Olha, eu acho melhor descermos antes que a Manuela coloque a boca no trombone - disse Leônidas depois de muito pensar 

Assim que chegaram a sala, encontra Bartolomeu e Anastácia, essa que conseguia tirar o sorriso do rosto de Heloísa em um segundo.

-bom dia, meu filho- disse o mais velho 

-Bom dia- respondeu secamente a seu pai 

-Viemos aqui convidar você e sua esposa para um jantar conosco- 

-Infelizmente não poderemos, Heloísa anda meio cansada- 

-Eu acho que seria ótimo para vocês- disse violeta 

-Violeta, não se mete- Heloísa deu um pequeno belisco em sua irmã e sussurrou em seu ouvido 

-Leônidas , seria maravilhoso ter a presença de vocês, gostaríamos muito de poder conversar sobre tantas coisas- disse Anastácia e Heloísa revirou os olhos 

-Infelizmente não poderemos, quem sabe outro dia…- a costureira se pôs à frente e logo percebeu que cometeu um grande erro, pois viu que a atenção fora direcionada a clarinha que estava em seu colo 

-Leônidas, por que não me contou que eu sou avô- os olhos de Bartolomeu encheram de água e quando Leônidas fora refutar, Violeta tomou a frente 

-Eles estavam com medo, vocês tem tanta coisa para resolver, eu acho que esse jantar será muito importante- Heloísa a olhou como quem a jurava de morte 

-Sabemos que será importante, mas hoje nossa pequena está um pouco mal e precisamos estar com ela- ele disse novamente “nossa pequena”, uma quentura se apossou de Heloísa, pensamentos doces invadiram sua mente, seria lindo demais formar uma família com Leônidas.    

-Se esse é o problema, eu cuido de Clarinha. Chega de desculpas, eles vão- disse Manuela pondo um fim a essa discussão