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História Quick Musical Doodles and Sex (Imagine Min Yoongi) - Estratégias para facilitar uma vida.


Escrita por: biasmut

Notas do Autor


Primeiro, como de costume, começo agradecendo a paciência de vocês que esperam meses por uma atualização nova. Sempre fico muito feliz de entrar aqui e ver que a maioria continua firme e forte!

Em segundo lugar, também como de costume, quero dizer que leio todos os comentários, ainda que eu acabe não conseguindo responder 100% deles. E cada um deles tem um espacinho especial dentro do meu coração! Juro mesmo.

E, em terceiro lugar, desisti de dividir o capítulo no meio pra vocês poderem se divertir bastante com 8 mil palavras de uma só vez hehe, então, perdoem algum erro de escrita, e BOA LEITURA!

Capítulo 20 - Estratégias para facilitar uma vida.


― Será que nunca te falaram que não é seguro convidar um cara pra entrar na sua casa essas horas? O que os vizinhos vão pensar de você?

A voz de Yoongi flutua até mim e se agarra em minha pele, percorrendo meu corpo e se alastrando por minha derme, até alcançar meus ouvidos e escorregar para dentro de meus tímpanos, como uma canção jamais esquecida. Sua sentença se funde em uma só palavra que não parece fazer parte de meu vocabulário - ou de qualquer outro - e o sopro de ar que tento expelir para fora de meus pulmões fica travado no fundo de minha garganta, em um bloco denso que me sufoca. Por mais que parte de meu cérebro me implore para guiar meu olhar até o topo da escadaria, continuo estática, presa entre o que parecer ser acor realidade e o que parece ser apenas um universo paralelo criado em minha mente.

Tenho medo de descobrir o que a presença dele, ao vivo e em cores, diante de meus olhos, pode provocar em mim. Porque só sua voz já é capaz de me lançar para dentro de um espiral de pensamentos e sentimentos desconexos que não consigo nomear, e sei que sua imagem só vai intensificar ainda mais tudo que já é grandioso e que me engole por completo. Repentinamente os dias que passei longe de sua presença parecem ter se transformado em anos, porque a saudade que senti transborda de meu peito, e o primeiro pensamento bem estruturado que sou capaz de interpretar é o de que quero pedir para que ele nunca mais fique tanto tempo longe. E a constatação disso me dói de vários modos diferentes. Fecho as mãos em punhos, cravando as unhas nas palmas de minhas mãos em um ato tolo de tentar controlar a tremedeira que castiga meus dedos.

― E nunca te falaram pra cuidar da sua própria vida?‌ ― Uma segunda voz masculina ecoa pelo corredor, me fazendo lembrar da presença de Jeon, e meu coração já acelerado deixa escapar uma batida, perdendo-se em seu próprio ritmo de funcionamento. É vergonhoso que eu só me lembre da sua presença agora, quando ele se faz ouvir.

Meus ombros se encolhem instintivamente e me sinto minúscula, desejando com todas as minhas forças que meu tamanho físico também pudesse ser reduzido a nada para que eu sumisse. O som de um riso baixo, rouco, e que não carrega nem sequer uma centelha de humor, reverbera no ar e o timbre de Yoongi é uma dose de veneno sendo derramada em meus lábios e corroendo minhas sinapses, roubando toda e qualquer possibilidade de pensar em uma resposta adequada para me portar diante dessa situação.

― Agora você responde por ela?‌ ― O tom debochado utilizado por meu vizinho vem também carregado de provocação e hostilidade. É apenas quando vejo Jungkook se movimentando que consigo sair do meu estado de paralisia, e com passos cegos e inseguros me coloco entre os dois, tentando forçar qualquer palavra que seja para fora de minha boca, tentando evitar que o que já é ruim o bastante se torne ainda pior.

― Por favor… ― Peço, mas minha voz não passa de um fiapo inaudível, que aparenta existir apenas dentro de minha cabeça ― Por favor, chega ― Repito, dessa vez conseguindo fazer com que minhas ressoem mais facilmente.

A nova posição faz com que eu fique sem alternativas, e logo meu olhar cansado está pairando sobre a figura de Yoongi, tentando absorvê-la o máximo possível. Reconheço o jeans claro e surrado de sempre, combinando com o tênis preto também já conhecido. A camisa de flanela de estampa xadrez e tons de vermelho repousa sobre seus ombros largos, ocultando parte da camisa cinza com estamparia que parece ser de alguma banda que não conheço, e tudo, tudo parece íntimo e familiar. Até mesmo os contornos esverdeados e roxos que emolduram seu olho direito. O hematoma torna ainda mais evidente as olheiras que fazem seu olhar parecer mais profundo e exausto, e o restante de sua pele ainda mais clara, beirando a palidez. Os fios descoloridos de seu cabelo são visíveis apenas nas laterais, nas partes nas quais o boné preto liso e sem adornos não consegue chegar.

No instante em que seu rosto se ergue e suas íris castanhas encontram com as minhas, meu primeiro instinto é o de fugir. De novo. Me apresso em fitar meus próprios pés, me concentrando em minha respiração para focar em algo que não seja o machucado no rosto de Yoongi, e nas centenas de perguntas sem respostas que se alastram por meu cérebro. Espero que alguém tome uma atitude, porque não sei o que fazer. De canto de olho enxergo Jeon com ombros tensos e mandíbula travada, com seus olhos de jabuticaba fuzilando Yoongi. Reparo que, assim como eu, ele também tem as mãos cerradas em punhos, mas estou certa de que a razão para isso deve ser bem diferente da minha. Do outro lado, Yoongi continua imóvel. Seu peito se move depressa, denunciando o descompasso presente em sua respiração, mas mesmo sem olhar direto em seu rosto, eu sei que seu olhar está distante de Jeon, recaindo única e exclusivamente sobre mim. E sinto o peso dele.

E, no meio, estou eu.

Indecisa, indecisa, indecisa.
Na espreita de tomar alguma decisão que não reconheço, e que não quero precisar tomar.

Na indecisão de colocar um ponto final em tudo isso, ou em empregar mais uma porção de reticências, e deixar que tudo se acerte por conta própria, quem sabe.

As palavras ditas por Jungkook mais cedo voltam a tona, e a sensação incômoda de concluir que todos meus passos só me levam para mais longe de mim mesma me deixa com um gosto amargo no paladar, que se mistura com o sabor já salino do choro que mantenho preso na garganta. Quando me movo novamente, e encaro Jeon, esperando que ele me olhe de volta, não consigo decidir se o que ele me diz sem fazer uso de palavras é um incentivo para que eu pare de me sabotar, ou uma súplica para que eu escolha seu lado. O peso que venho carregando nas últimas semanas triplica sobre meus ombros, e me sinto mentalmente exausta, e tenho certeza de que é isso que justifica minhas ações seguintes.

― Já está tarde, acho melhor você ir embora, Jungkook… ― Digo com a voz trêmula, as palavras engasgadas em meu choro internalizado. Ele me fita em silêncio, os olhos preocupados e cheios de frustração ― Obrigada por meu ajudar com os livros ― Completo, obrigando meus pés a se moverem pelo corredor para me aproximar outra vez de minha porta, e também de Jeon, que só relaxa os ombros quando estou parando em sua frente ― A gente conversa depois, tudo bem?‌

Espero que Yoongi nos deixe para trás, e vá pra dentro de seu apartamento. Mas não há movimento algum, e ele segue imóvel no último degrau da escada, presenciando tudo, sem demonstrar intenção alguma de partir.

― Você vai ficar bem?‌ ― Jungkook pergunta, as orbes negras me encarando de maneira séria, esperando por uma resposta honesta. Ele deixa os pés escorregarem discretamente para frente, diminuindo a distância entre nossos corpos, e o calor que circula entre nós me faz notar o quão quente ele parece estar, ainda de punhos fechados e tentando se controlar. Me apresso em balançar a cabeça em um sinal afirmativo, ansiando que toda essa cena chegue ao fim de uma vez por todas ― Se precisar de mim é só me chamar, você sabe ― Ele afirma, a postura séria e centrada sendo substituída outra vez por seu lado doce e jovial.

Assisto-o abrir as mãos e ele guia uma delas até o topo de minha cabeça, fazendo um afago carinhoso em meus cabelos enquanto um sorriso curto repuxa o canto de seus lábios.

― Se cuida, tá? ― Pede, prolongando o momento e fazendo com que meu coração se torne ainda mais caótico dentro do peito.  E me odeio, me odeio porque não consigo focar em nada do que está acontecendo. Porque as palavras de Jeon mal são absorvidas por meu cérebro, e seu afago parece com um toque fantasmagórico, que não consigo sentir por inteiro. Porque estou presente aqui mas tudo de mim está a metros de distância, preso em Yoongi.

E só respiro minimamente aliviada quando Jeon, ainda relutante, se afasta de mim e me dá as costas, seguindo em direção a escada. Me preparo para o impacto iminente prestes a acontecer. Vejo o moreno parar diante de Yoongi, um nível acima deste, fitando-o de uma posição superior, o que faz com que Yoongi pareça pequeno, dispensável, mas a intensidade presente em seu olhar é quase tangível. Um silêncio que grita paira no ar entre eles, e sei que há uma troca mútua de ameaças e promessas presente ali, mas ainda assim agradeço quando Jungkook finalmente desvia do loiro e começa a descer os degraus, com uma calma exacerbada e que faz com que leve algum tempo até o som de seus passos sumir por completo.

E, então, somos apenas Yoongi, eu, e uma porção de palavras não ditas.

Penso que, talvez, a única ação possível seja a de encerrar a noite e ir para dentro de casa, fingindo que nada disso realmente aconteceu. No entanto, penso também que há ainda a opção de permanecer imóvel em meu lugar e esperar para que Yoongi faça isso primeiro. Fico presa entre minhas duas alternativas, e os segundos aceleram e se transformam em minutos, e a cena começa a se tornar ridícula, porque nenhum de nós parece disposto a dar o primeiro passo, seja ele para avançar ou para retrocedermos em nossa situação mal resolvida.

Suspiro, transbordando exaustão.

Um misto de frustração, raiva, mágoa, e uma outra dezena de sentimentos melancólicos e que me deixam submersa em uma atmosfera densa e pesada me faz aceitar a derrota. Não me permito nem mesmo pensar se estou, de fato, aceitando a derrota, ou se só continuo me aproveitando de todos os contratempos para fugir e não encarar tudo que preciso encarar de frente, porque sei que não é agora, diante de Yoongi, que vou ser capaz de chegar a alguma conclusão sobre todos meus impasses. As palavras de Jeon continuam voltando para superfície e dando origem a inúmeros questionamentos, sobre mim mesma, que passei os últimos anos evitando confrontar, e isso só contribui para meu desconforto evidente. Sem emitir palavra de despedida alguma, giro suavemente sobre meus calcanhares, cansados de me sustentarem no mesmo lugar por tanto tempo, e levo a mão até a maçaneta fria da porta, na intenção de abrir passagem.

Meus pés mal tem tempo de se movimentarem em direção à entrada de meu apartamento, porque o timbre urgente e arranhado de Yoongi ressurge sem aviso prévio, rompendo o silêncio como uma trovoada no meio da madrugada silenciosa. Suas palavras escalam por minha espinha e bloqueiam todos meus movimentos e, pela segunda vez na noite, me vejo refém de seus chamados.

― Você não vai me convidar pra entrar?‌

Custo a acreditar no conteúdo da frase. É cansativo perceber que tudo que acontece em minha vida, e que envolve Yoongi, sempre se parece com alguma utopia criada por meu cérebro fantasioso e apaixonado. Estou certa de que na presença dele todos os níveis de oxitocina do meu corpo ficam desregulados e é essa a justificativa plausível para minha desordem emocional e também racional.

Em dúvida, e carregada de hesitação, olho por cima do ombro para buscar por seu olhar, esperando encontrar nele algum sinal que comprove que não estou apenas alucinando e que ele, de fato, realmente deixou essa meia dúzia de palavras insensatas escaparem de sua boca avermelhada - que, como de costume, me rouba a atenção. Como se fosse capaz de enxergar todos os pontos de interrogação que flutuam sobre minha cabeça, ele se apressa em sanar ao menos essa questão, me dando muito mais do que apenas um sinal.

― Eu perguntei se você não vai me convidar pra entrar ― Ele repete, dessa vez fazendo com que suas palavras absurdas sejam acompanhadas de seus passos rápidos, que o guiam até mim.

― Achei que não fosse seguro convidar um cara pra entrar na minha casa essa hora… ― Me surpreendo com a velocidade com a qual a resposta surge ― O que os vizinhos vão achar disso?‌

Assisto os lábios de Yoongi se partirem e ele me encara surpreso, como se tivesse sido pego desprevenido. O boné deixa uma faixa de sombra pairar sobre seu rosto, mas mesmo na penumbra o hematoma recente ainda chama minha atenção, me deixando incomodada e com uma série de perguntas presas na ponta da língua. O canto da boca de Yoongi sobe em uma tentativa de sorriso incompleto, e ele umedece os lábios antes de me responder, a voz contendo um resquício quase imperceptível de divertimento.

― Não dou a mínima pro que os outros vizinhos pensam, acho que eu sou o único que importa… ― Ele arrisca, dando de ombros e escondendo as mãos nos bolsos traseiros de seu jeans, projetando o corpo para frente e diminuindo meu espaço pessoal.

― É claro que é… ― Respondo num misto de ironia e exaustão, sem vontade alguma de dar início a uma discussão. Outro sopro de ar escapa de minha boca e faço menção, novamente, de entrar em casa.

Dessa vez, não são só as palavras de Yoongi que me paralisam, mas também seus dedos quentes que, num ato rápido e preciso, alcançam meu braço, me interrompendo.

― Yoongi, por favor… ― Imploro, fechando os olhos e respirando fundo, porque o toque dele parece ser capaz de provocar uma corrente elétrica de choques que se alastram por toda minha pele, eletrizando todas minhas ligações nervosas e incendiando meu coração.

― Você não acha que a gente precisa conversar?‌ ― Ouço-o questionar, a voz tornando-se urgente e séria outra vez.

― Sobre o que você quer conversar?‌ ― Devolvo a pergunta, tornando a abrir os olhos e mirando sua mão, que ainda sustenta meu braço. Ele se dá conta disso e rompe com nosso contato físico, baixando os olhos para as próprias mãos que se entrelaçam entre nós, confusas e agitadas.

― Sobre a gente…

― O que aconteceu com seu olho?‌ ― Pergunto, ignorando sua resposta anterior porque sinto que preciso de ao menos alguns minutos para digerir seu pedido.

― Nada importante ― Ele afirma indiferente, mentindo.

― Deixa eu adivinhar! Caiu de novo de uma escada? Bateu na porta?‌ ― Questiono de forma irônica, fingindo preocupação. Ele não se deixa abater, cuspindo outra dúzia de palavras sobre as minhas.

― Eu já disse que não foi nada demais.

― Por que é que você não consegue me contar o que aconteceu, então?‌

―  Sei lá, por que você não me conta o porque de você estar me ignorando e fingindo que eu não existo?‌ ― Yoongi arrisca, mudando bruscamente de assunto e soando irritado, e meu primeiro instinto é o de rir, e nem sei ao certo porque. Sei que o riso curto e engasgado deixa meus lábios sem permissão, e vejo meu vizinho travar seu maxilar, o cenho se tornando franzido em sinal de confusão.

Ele não faz a menor ideia de como eu gostaria de fingir que ele não existe, e de como queria conseguir acreditar nisso.

― Eu não to fingindo que você não existe… ― Forço as palavras para fora, sentindo minha garganta fechar a cada nova sílaba que escapa.

― Tá, então tá só me ignorando mesmo, é isso?‌ ― Ele insiste, cruzando os braços na altura do peito e dando um novo passo em minha direção, me deixando encurralada entre a entrada de meu apartamento e seu corpo ― Será que você pode, por favor, me falar o que foi que aconteceu?‌

Sua pergunta dá permissão para que uma vastidão de imagens ressurjam em minha mente, contaminando todos meus pensamentos, e sou tomada por um filme de lembranças que é composto única e exclusivamente com imagens daquele domingo à noite. Os braços da garota jogados de maneira possessiva ao redor do pescoço dele. O sorriso empolgado emoldurando os lábios cobertos de batom escuro. Agito a cabeça levemente, querendo afastar a memória, mas sei que ela já está tatuada em meu consciente e também em meu inconsciente, sendo improvável que eu consiga, de fato, me livrar dela algum dia. As palavras de Jisoo e de Jeon também aparecem como resposta para o questionamento de Yoongi, e tudo se embaralha em uma grande bagunça que não consigo ordenar em fatos coerentes, e é por isso que demoro para responder.

― Eu só acho que é melhor a gente deixar isso pra lá ― Digo por fim, e sinto o amargor do arrependimento tomando conta de meu paladar antes mesmo de encerrar a frase.

― Certo, então eu não posso fugir das suas perguntas, mas você pode fugir das minhas, é assim que vai funcionar então?‌ ― Yoongi me encurrala, de todas as maneiras possíveis, e não consigo encontrar nenhuma resposta pronta e ensaiada que sirva de fuga para sua indagação. Ele deixa o momento se estender, até não aguentar mais ― E se eu não quiser deixar isso pra lá?‌ ―  Seu tom de voz é crescente e me engole, fazendo com que eu, de novo, me sinta minúscula diante dele ― E se eu quiser ficar aqui na sua porta até você não aguentar mais e me ajudar a entender o que tá acontecendo, porque sozinho eu não sou capaz?

― Por que é que isso é tão importante pra você?!‌ Que diferença faz? Você tá claramente vivendo a sua vida e eu a minha e… ― Começo a despejar todo conteúdo caótico de meu cérebro sem pausa alguma, mas ele me interrompe, cortando minha linha oblíqua de pensamento.

― Com ele?‌

Levo alguns segundos para ter certeza de que não escutei nada errado.

― O quê?‌

― Você tá vivendo a sua vida com aquele cara?‌ ― Yoongi não se preocupa em omitir o desprezo contido em sua voz, e não é preciso pensar demais para entender a quem ele está se referindo.

― Você tá falando do Jeon?‌ ― Acabado por perguntar, sem acreditar que ele está mesmo insinuando isso.

― Então é esse o sobrenome do pirralho ― Outra risada sem humor algum reverbera no corredor, ecoando pelas paredes. Ele já não faz questão alguma de disfarçar seu descontentamento.

― Você tá sendo ridículo…

― Eu sei ― Ele concorda prontamente, e dessa vez sou eu quem sou pega de surpresa ― Você não me deve satisfação nenhuma ― Completa, arrancando o boné de sua cabeça e deslizando uma mão pelos fios bagunçados de seu cabelo loiro, de maneira atordoada. O acessório é recolado, mas ele faz questão de deixar a aba para trás, e tenho um dejavu de tempos atrás, quando saber se devia beijá-lo ou não parecia ser minha única dúvida.

― Nem você… ― Quero que ele discorde. Quero que ele diga que sim, devemos satisfações um para o outro, ainda que isso não faça o menor sentido ― Não é?‌

Seus olhos cor de avelã pairam sobre os meus, pesarosos e hesitantes. Nosso silêncio compartilhado é ensurdecedor, e sei que assim como há uma centena de coisas sendo gritadas em minha cabeça, o mesmo também parece acontecer com ele. Quando a tarefa de sustentar seu olhar começa a se tornar complicada demais, ele volta a falar, o que não me ajuda em absolutamente nada.

― Então tá dizendo que eu posso sair com quem eu quiser, e fazer o que bem entender?‌

Não consigo entender porque Yoongi está perguntando isso, mas qualquer coisa parecer melhor do que concordar com isso. Sua questão parece muito mais um desafio do que uma dúvida, e mordo a língua para não acabar dizendo o que realmente quero.

― Como se você tivesse precisado da minha autorização alguma vez, por favor…

Faço menção de entrar em casa pela terceira vez, mas não sei porque chego a pensar que Yoongi aceitaria dar o assunto por encerrado.

― Me escuta, por favor ― Ele pede, abandonado o tom irritado e autoritário e derramando súplica em sua voz, e é difícil negar seu pedido ― Eu achei que a gente tava bem… Eu e você.

― Tá Yoongi, você tava bem comigo e com quantas mais?‌ ― Explodo, puxando a porta de meu apartamento com força e fazendo-a se fechar com um baque alto, repentinamente disposta a discutir de verdade. Meu coração já descompassado bate com ainda mais intensidade no peito, e inspiro o oxigênio ao meu redor com força, prendendo-o em meus pulmões.

― Tá, então é esse o problema?‌ Eu devia te perguntar a mesma coisa, não?‌

Yoongi rebate, fazendo com que o volume de sua voz soe no mesmo nível do meu. Percebo que enquanto meu melhor mecanismo de defesa aparenta ser a fuga, o dele parecer ser o contra-ataque, porque todas minhas perguntas são respondidas com novas perguntas.

― Eu já disse que não tem nada a ver!‌ Ele é só meu amigo!

― E eu não posso ter amiga, então?‌ É isso que você tá dizendo?‌ ― Ele exclama, aflito. Trocamos palavras afiadas e pontos de interrogações infinitos, e andamos em linhas tortas e perpendiculares que outrora se cruzaram mas que agora só seguem em direções opostas.

Minha vontade de me jogar em seus braços e dizer que senti saudades começa a ser substituída por uma vontade gritante de  cravar minhas unhas em seu rosto ridiculamente desenhado e pedir pra que ele pare de interpretar tudo da maneira errada, mas fica óbvio que a coisa toda saiu do controle, e que não faço ideia de como contornar a situação. Assim como também fica óbvio que uma série de perguntas e respostas simples se transformam em explicações enroladas e que não fazem sentido algum, e que só servem para nos bagunçar ainda mais.

― A diferença é que eu não tenho o hábito de transar com os meus amigos!‌ ― Disparo, sem medir minhas palavras. Vejo-o me fitar perplexo, os olhos arregalados e descrentes.

― Então o problema é eu ter me envolvido com muita gente antes de você, é isso? ― Ele arrisca, parecendo genuinamente confuso ― É por isso que você tá puta comigo, e que resolveu me cortar da sua vida? Porque eu transei com outras pessoas?‌ ― Outra pausa, e ele balança a cabeça em negação, parecendo se dar conta de algo ― E eu nem tenho amiga, o que invalida esse seu argumento de que eu transo com todas elas…

― Ótimo, então ela não era sua amiga… ― Digo em voz alta, revirando os olhos para ignorar a voz no fundo de minha cabeça, que afirma que era óbvio que ela não era só uma amiga dele.

― Você não respondeu nada do que eu perguntei!‌ Qual é a merda do problema?‌ ― Yoongi exclama, impaciente. Seus braços se erguem e avançam em minha direção, e suas mãos seguem na intenção de enquadrarem meu rosto, colocando um fim na distância entre nós. No entanto, seu movimento é interrompido pela metade, e assisto em silêncio ele respirar fundo, numa tentativa clara de buscar se acalmar. Ele afasta as mãos, mantendo-as longe de mim, e meu coração protesta quieto. Ainda assim, o corpo dele está próximo o suficiente para que sua respiração descompassada seja sentida em meu rosto, e para que suas palavras urgentes me alcancem depressa ― Pelo amor de Deus!‌ Me explica qual é a merda do problema, porque eu não consigo entender o que foi que aconteceu…

Penso, por uma fração de segundos, que talvez a saída mais fácil fosse a de chorar em seus braços como uma criancinha de cinco anos que acredita fielmente que acabou de ter a maior frustração de sua vida, e esperar que Yoongi seja capaz de reverter esses feitos, até ficar tudo. Por alguns outros segundos, também penso que outra saída de dificuldade intermediária seria a de seguir os conselhos de Jeon e apelar para as fórmulas clichês que sempre funcionam nos filmes, e isso envolveria encerrar a discussão com um beijo que sanaria todas nossas dúvidas, e resolveria todos nossos problemas.

A solução que encontro, por outro lado, é aquela mais próxima de minha realidade.

― O problema é que isso nunca vai dar certo!‌ ― Exclamo quase gritando, minha voz estridente saindo falhada. Fico desesperada para me livrar se sua presença íntima e pessoal demais, que invade todo meu espaço pessoal, porque parece difícil pensar com clareza quando sua boca continua a centímetros da minha. Empurro-o para longe de mim e ele cede sem esforços, se deixando afastar sem resistência ― Não vai dar certo, Yoongi… Vai ser só um monte de dor de cabeça e noites mal dormidas, e nada além disso, sabe?‌ Só isso.

― Tem certeza de que é isso?‌ ― Ele fala antes mesmo de deixar minha palavras repousarem e encontrarem sentido ― Tem certeza de que não tá só tentando mentir pra você, e pra mim?‌ ― Ele não se aproxima novamente, mas eu o sinto invadindo todos meus segredos, e me deixando sem proteção alguma. Minha muralha tão bem construída ao meu redor desaba com o mero sopro de suas palavras confiantes, e ele não se deixa intimidar pelos escombros que tentam impedi-lo de chegar ainda mais perto.

― Não sei do que você tá falando, Yoongi ― O nome dele queima o céu de minha boca, e sinto como se eu estivesse prestes a ser consumida pelo fogareiro que ele intensifica.

― Eu to falando que o problema é que você tem medo de assumir que sente alguma coisa por mim ― Sua afirmação me deixa com a respiração engasgada no fundo de minha garganta, e a pressão em meus tímpanos me deixa surda momentaneamente. Quero urgentemente negar, mas sei que fui descoberta e o sentimento de que sou uma fraude sendo exposta me deixa paralisada ― To falando que o problema é que você não consegue acreditar que eu também sinto alguma coisa por você e…

― Yoongi, não… ― Interrompo-o, porque não quero escutar. Porque ele está certo, e porque estou aterrorizada.

― E que você tá tão preocupada com a porra do futuro, ou com o meu passado, que você não se permite viver nem o presente, não é? ―  Sua frase afiada é um soco na boca de meu estômago, e por mais que meus olhos se tornem marejados automaticamente, ele não esboça arrependimento algum. Seu rosto até então pálido adquire um tom avermelhado, e seus lábios permanecem pressionados em uma linha fina ― Você é mesmo tão covarde assim, a ponto de não conseguir ser sincera comigo, ou você só tá a fim de ferrar a minha vida?‌ ― Ele insiste, num desequilíbrio claro entre o desespero e a necessidade de ser calmaria.

― Você não tem o direito de falar assim comigo, você não sabe nada sobre mim! ― Respondo tardiamente, frustrada por não conseguir pensar em nenhuma resposta que transmita tudo o que eu sinto de forma mais clara. Minha voz aflita soa mais alto do que o necessário, o que parece servir de incentivo para que ele mantenha o volume de suas palavras no mesmo nível.

― Então me diz como é que você quer que eu fale com você!‌ Eu to pedindo a sua ajuda!‌ Eu to pedindo pra você me deixar saber tudo sobre você, então me diz o que você quer!‌ ― Ele rebate, e sua frase e seguida por uma sequência de outras palavras que não consigo ouvir, nem acompanhar. A percepção repentina de que estou mesmo tendo uma discussão com meu vizinho no hall de entrada do meu apartamento me deixa perplexa e transbordando vergonha, e me convenço de que não obrigada a ficar escutando suas meias-verdades e todas as acusações que ele insiste em jogar na minha cara, porque não quero escutar.

― Eu não quero nada!‌ ― Exclamo por fim, determinada a colocar um ponto final nisso tudo ― Eu só quero que você facilite a minha vida e me deixe em paz!‌ ― Imploro, levando as mãos até meu rosto e afundando-o nestas, fugindo de sua imagem. Meu pedido corroí meu interior, me machucando, porque sei que não é isso que quero, mas também sei que não consigo lidar com o que quero, de verdade.

O som de nossas palavras atropeladas e agressivas cessa, sendo substituído pelo silêncio ruidoso provocado por nossas respirações cúmplices e ritmadas, o único ponto que ainda parece nos manter conectados.

― Então é mesmo isso que você quer?‌ Que eu facilite sua vida? ― Ele pergunta alguns segundos depois, num timbre calmo mas repleto de angústia, que é tão transparente quanto a minha própria ― Você quer que a gente acabe por aqui… ― Sua voz trêmula ressoa pelo espaço entre nós, trepidando na atmosfera inóspita que nos abraça.

― Por favor, Yoongi ― O nome dele se enrosca da ponta de minha língua, a súplica saindo arrastada, minha última palavra dirigida à ele sendo também a minha preferida dentre todas elas. Minhas mãos continuam sobre meu rosto, meus dedos pressionando minhas têmporas com força, fazendo com que um aglomerado de pontos desfocados e coloridos dancem no fundo de minha visão bloqueada. Ouço um suspiro longo e derrotado ecoar pelo corredor, e no curto espaço de tempo que se segue, o som se mistura ao compasso ritmado de passos se afastando.

Um, dois, três, quatro. Escuto a porta bater, e minha respiração se torna solitária.

Quando afasto as mãos de meus olhos, está tudo acabado.

• • •

― Francamente, nossa chefe acha que nós somos pagas pra lidar com isso?‌ ― Jisoo questiona pela quarta ou quinta vez, não fazendo menção algum de tentar esconder o quão irritada ela está por ser colocada nessa situação ― Eu não sou paga pra colar livros velhos nas minhas horas extras, pelo amor de Deus!‌

― Na verdade é justamente pra isso que você é paga, e se você reclamasse menos e trabalhasse mais, a gente não estaria perdendo uma manhã inteira pra colar esses livros ― Respondo sem paciência. Minha amiga não se deixa abalar por meu tom frio e agressivo, e me pergunto se meu comportamento nos últimos dias serviu para fazê-la se acostumar com meu constante mau humor. A verdade é que matar uma manhã de aulas tediosa pra consertar livros antigos me parece um tanto terapêutico, e não posso reclamar por estar tendo a chance de me ocupar com algo que não com meus próprios pensamentos e arrependimentos.

― Tudo bem, mas eu reclamaria menos se você tivesse aceitado a ajuda do Jungkook e se ele estivesse aqui com a gente, ajudando a colar essas capas velhas dos infernos ― Ela resmunga enquanto volta a mergulhar o pincel na cola líquida branca, espalhando o líquido gosmento sobre a lombada de um exemplar antigo, recolocando a capa solta em seu devido lugar ― Se ele quer tanto ser útil carregando seus livros, te levando pra casa, e te pagando cafés da tarde, você precisa deixar ele ser útil fazendo as coisas do seu trabalho por você também, sabe?‌ É assim que funciona, amiga.

― Por mim ou por você?‌ ― Ela fica em silêncio, mas vejo-a revirar os olhos ― Além disso, já falei que não me sinto bem em deixar ele fazer todas essas coisas por mim…

― Ele ainda tá preocupado, não é?‌ ― Jisoo questiona, buscando por meu olhar ― Já fazem quase duas semanas e ele ainda acha que você vai ter uma colapso a qualquer segundo, tadinho ― Ela faz uma pausa longa, como se estivesse pensando a respeito de algo, e mal tenho tempo de parar para pensar sobre a forma arrastada como os dias tem passado já que ela logo volta a falar, recobrando minha atenção ― Caramba, acabou de me bater uma sensação de que sou uma amiga horrível. Enquanto ele tá fazendo tudo isso pra tentar te deixar bem, eu só apareci com sorvete e com todos os filmes do crepúsculo pra gente maratonar…

― Jisoo… ― Tento interrompê-la, para dizer que está tudo bem, mas ela volta a falar, me interrompendo.

― Não, é sério!‌ E eu ainda pensei que uma dose intensiva de vampiros e de Robert Pattinson fossem ser capazes de te deixar um pouquinho mais alegre depois da sua briga com aquele que não deve ser nomeado, mas no fim das contas eu só te fiz chorar por duas horas seguidas depois de assistir lua nova… Que droga, amiga!‌ Eu sinto muito!‌ Eu acho que Jeon realmente merece o título de especialista em corações partidos ― Mal tenho tempo de me preparar para o impacto provocado por seu corpo sendo lançado contra o meu. Seus braços envolvem meu pescoço e sinto alguns fios do meu cabelo ficarem presos em seus dedos sujos de cola.

― Tá tudo bem, eu precisava de uma boa dose de vampiros mesmo, e também precisava de duas horas contínuas de choro. Você é bem mais esperta que o Jeon, eu juro!‌ Sagas adolescentes sobre vampiros curam mais um coração partido do que cafés gourmetizados, é cientificamente comprovado ― Afirmo, abraçando-a de volta e dando uma risadinha sem graça.

― Fico feliz de saber que você ainda confia nas minhas dicas excelentes para superar amores ruins!‌ ― Sinto vontade de rebater e dizer que não houve amor ruim algum, mas me calo ― Além disso, você sabe que o convite continua de pé, né?‌ ― Minha amiga pergunta se afastando de mim e levando alguns fios de cabelo consigo, me fazendo protestar de dor ― Já entendi que o Jungkook não tem chance nenhuma, porque ele é bonzinho demais e não merece ser usado desse jeito, mas tem uma lista que só cresce de caras que não só podem como merecem ser usados por uma garota como você!‌ Eles iriam até agradecer, tenho certeza disso…

― Jisoo, pelo amor de Deus… Às vezes você me assusta falando assim ― Desconverso, falando baixo para não incomodar os poucos alunos que ainda se encontram na biblioteca, mesmo já sendo quase horário do almoço.

― O Hoseok fala a mesma coisa, sabia?‌ Talvez vocês devessem conversar sobre isso… Inclusive!‌ Ele já deve estar esperando por nós duas lá no refeitório, então chega de livros velhos e destroçados por enquanto!‌

Nem tento discutir, porque sei que com Jisoo a maioria das batalhas são perdidas, e portanto cedo de primeira ao seu comando de nos darmos uma folga para almoçarmos. Ela me guia pelos corredores com um sorriso divertido estampado no rosto e passos apressados, ainda que meu caminhar tenha se tornado hesitante e demorado nas últimas semanas, sempre acompanhado pelo medo constante de esbarrar nele. Mas não há como negar que meu pedido aflito e feito sem pensar foi fielmente atendido, porque não há mais sinal algum de sua presença. Minha vida nunca foi tão sem graça, e tão infeliz em razão disso.

Só que, dessa vez, é muito diferente.

É diferente porque sei que ele não desapareceu. Porque ainda que ele esteja presente, tudo em seu comportamento revela suas novas estratégias para facilitar minha vida. Porque o vejo circulando pelos corredores da faculdade, e mudando seu trajeto quando nossos olhares se esbarram sem permissão. Porque o vejo se escondendo atrás de seus bonés, e de seus moletons largos e com capuz, que escondem seu rosto e não me deixam ter um vislumbre claro de seus olhos. Porque escuto ele saindo de casa mais cedo para não correr o risco de nos encontrarmos, e porque suas horas de estudo na biblioteca foram substituídas por horas de estudo no seu prédio de música, porque Jimin e Hoseok parecem fazer questão de conversar sobre esse tipo de coisa quando estou por perto, como se estivessem tramando um plano de me deixar louca.

Quando chegamos no refeitório, meu primeiro instinto é o de olhar em volta, para me certificar de que posso me permitir relaxar enquanto caminho até meu lugar. No entanto, me surpreendo ao notar que sua cadeira sempre vaga está ocupada por alguém que tem as costas voltadas para mim. A figura esguia está quase toda coberta por um moletom branco de capuz, que não me deixa ter vislumbre algum de sua cabeça, a não ser a visão de uma mexa escura de cabelo escapando do tecido, o que me faz suspirar frustrada, porque parece ser tão fácil ocuparem seu lugar… Mas não é nada fácil encontrar alguém capaz de ocupar todo o espaço que reservei para ele em mim.

― Tira o olho daquela mesa e foca aqui, porque ele nem tá lá pra você ficar se torturando ― Minha amiga me dá um cutucão nada discreto, me arrastando com ela para nosso lugar, e me fazendo ocupar a cadeira ao lado de Hoseok, para ficar de costas para os fundos do refeitório. E não é difícil fazer isso quando sei que ele não está presente, e que não corro risco de cair em tentação.

Os dois se ocupam em conversar sobre atrocidades do dia-a-dia, e não demora para Jungkook aparecer e se juntar a nós, fazendo questão de abrir mão de sua sobremesa para que eu possa repetir o brownie de doce de leite, o que faz Jisoo e Hoseok nos infernizarem até que a brincadeira se torne cansativa e seja deixada de lado. Por alguns minutos, meu cérebro masoquista consegue se desligar de tudo que acontece ao meu redor, e agradeço por ter a companhia de meus amigos, mas a chegada de Jimin é sempre um sinal de alerta vermelho, e assim que ele escorrega na cadeira ao lado de Jeon, minha postura de torna tensa. Meu primeiro pensamento é o de perguntar sobre o garoto que se atreve a se sentar na cadeira dele, mas aprendi que nem toda curiosidade precisa ser saciada, e por isso me mantenho calada.

― Então, cheguei tarde ou ainda dá tempo da gente comentar sobre o novo visual do noss…

― Cara, você tá sempre atrasado!‌ ― Jungkook o interrompe, fazendo sua frase morrer pela metade. Franzo o cenho, confusa e perdida, porque não não faço ideia do que os dois estão falando, e sei que há algo errado no instante em que Jisoo se apressa em tomar o partido de Jungkook, fazendo Jimin se calar e mudando de assunto bruscamente.

― Do que vocês tão falando‌? ― Questiono, mas antes que Jimin tenha a chance de me responder, os outros três estão nos sufocando com assuntos diversos, e o restante do almoço é completamente dominado por eles.

Não me atrevo a olhar por cima do ombro nem mesmo por um segundo. Primeiro, porque aprendi que correr riscos que o envolvem sempre resulta em um desastre iminente e, segundo, porque o olhar firme que Jeon mantém sobre mim me faz refém dele. Quando me levanto para voltar para a biblioteca, a mesa de trás já está vazia, sem vestígio algum de seus ocupantes.

• • •

― Tem certeza de que você não quer que eu vá junto?‌ ― Jungkook insiste, se enrolando para me entregar minha mochila para que eu possa continuar meu caminho até em casa sozinha.

― Já falei mais de vinte vezes que sim, tenho certeza!‌ ― Digo rindo enquanto tento, sem sucesso, roubar minha mochila de suas mãos. Chega a ser engraçado o quanto nos tornamos próximos, quando tudo dava a tender que seríamos forçados a nos distanciarmos por causa das circunstâncias.

― Mas não me custa nada ir junto!‌ É sexta-feira, ninguém tem hora na sexta-feira, e é quase o mesmo caminho da minha casa, noona!‌ ― O mais novo insiste, franzindo os lábios em um biquinho mimado e emburrado, o que me faz suspirar cansada, temendo ser vencida por sua insistência.

― Jeon, você tem treino amanhã cedo, e você mora, literalmente, do outro lado do bairro… Eu fingi acreditar nessa história de que era caminho nas três primeiras vezes que você tentou usar essa desculpa.

― Você não precisa acabar com minhas mentiras inofensivas pra poder te acompanhar até em casa, isso é cruel da sua parte.

― Você não acha que me acompanhar até a metade do caminho já é mais do que suficiente?‌ ― Ele se apressa em balançar a cabeça em negação, como uma criancinha ― É sério, você já faz mais do que deveria por mim, e eu tava hoje mesmo falando sobre isso com a Jisoo, sabia?‌ Você precisa parar, porque fico me sentindo mal…

― Você fica se sentindo mal por ter alguém que gosta de você e que quer te ajudar com as suas coisas?‌ ― Meu amigo questiona, tombando a cabeça para o lado em sinal de confusão, mas sua ingenuidade não passa de uma farsa mal executada.

― To falando sério, Jungkook… Eu gosto de ter você por perto, mas to começando a achar que você não confia no meu potencial de cura ― Falo brincando, mas ele não esboça reação alguma ― Eu to legal, juro…

― Você fala que jura mas aí me acorda as três da manhã porque não consegue dormir e tá com medo de cometer a besteira de tocar a campainha dele… ― Aprendi que passe o tempo que passar, esse vai ser o argumento encontrado por ele para rebater todas as minhas tentativas de dizer que está tudo bem, e o pior é que a culpa é exclusivamente minha por ter cometido a burrice de fazer isso, uma mísera vez.

― Foi uma vez!‌ Você não precisa usar esse argumento toda vez que eu tentar falar que to bem! Isso também é cruel da sua parte, sabia?‌ ― Faço uso das suas palavras, vendo-o achar graça disso.

― Você acha que Jisoo não me contou que você fez a mesma coisa com ela?‌ ― Ele inclina o canto de sua boca em um sorrisinho compreensivo, isento de julgamentos.

― Caramba, quando foi que vocês ficaram tão próximos assim pra falar sobre isso?‌ ― Me faço de ofendida, em uma tentativa de mudar o assunto.

― Fica tranquila, ela só queria ter certeza de que continua ocupando o posto de melhor amiga na sua vida. Mas, é sério… Tem certeza de que não quer que eu vá junto com você?‌ A gente pode pedir comida, assistir um filme, eu posso ficar falando sobre futebol ou te fazendo jogar video-game comigo até você não aguentar mais e dormir de cansaço… Tenho certeza de que vai ser um plano bem sucedido!‌ Se bobear posso até ficar pra dormir por lá também!‌

― Jeon Jungkook… ― O repreendo.

― A maldade tá na mente de quem interpreta, eu to só dizendo que vou ficar pra dormir, no que você tá pensando, noona?!‌ ― Ele insiste no papel de ingênuo, e me dou por satisfeita em apenas revirar os olhos, não dando chance algum de prolongar sua brincadeira.

― Fica pra próxima, tá?‌ To sentindo que hoje preciso ficar só comigo mesma, pra resolver algumas coisas mal resolvidas ― Explico, sem saber direito de onde surgiram essas respostas, mas me surpreendendo com o quão verdadeira elas são.

Ele finalmente parece se dar por vencido, relaxando os ombros e devolvendo minha mochila para mim, ainda que relutante ao fazê-lo. Seus braços fortes me envolvem em um abraço rápido mas apertado, e ele faz questão de olhar fundo em meus olhos enquanto se afasta, as mãos segurando as minhas.

― Mas você promete que se ficar mal vai me ligar, né?‌ E se quiser, eu posso sair do treino amanhã e encontrar você, é só você pedir…

― Eu prometo, doutor especialista em corações partidos ― Ele sorri, achando graça no apelido inventado por Jisoo ― E pode deixar, se eu estiver precisando de companhia você vai ser o primeiro a saber, contanto que não conte isso pra Jisoo, porque ela pode ficar com ciúmes ― Ele ri, e me cansei de dizer o quanto seu riso genuíno e despreocupado é um verdadeiro remédio para alma.

― Tá certo, vai com cuidado!‌ E não esquece de avisar quando chegar em casa, eu fico preocupado.

Faço um sinal de positivo com o polegar e me despeço depressa, temendo que Jungkook mude de ideia e resolva me acompanhar por mais um pedaço do trajeto, e só acalmo meus passos acelerados quando estou a poucas quadras de casa. A noite já caiu e, por ser sexta-feira, percebo que há mais pessoas pelas ruas do que o habitual, e me distraio prestando atenção nos rostos que encontro pelo caminho, tentando fantasiar uma história diferente para cada um deles, esquecendo-me assim, ainda que temporariamente, do emaranhado que meus pensamentos formam. Estou concentrada na música que toca em meus fones de ouvido quando finalmente chego na rua de casa, que aparenta estar tão deserta quanto de costume. No entanto, bastam poucos passos na direção de meu prédio para que eu consiga enxergar uma movimentação estranha no meio da rua, o que me faz diminuir o ritmo de minha caminhada, quase paralisando a alguns metros de distância.

A escuridão trabalha contra mim, e é complicado enxergar com precisão as três figuras que formam uma pequena rodinha no centro da via calma, despreocupados com a possibilidade de passagem de algum carro ou coisa do tipo. Aperto as alças de minha bolsa, que abraçam meus ombros, e dou mais alguns passos adiante, mas dessa vez o desenrolar novo da cena que acontece diante de mim me faz frear bruscamente, meus pés se agarrando ao asfalto. Vejo uma silhueta que parece pertencer a algum homem mais alto do que o segundo se deslocar na direção deste, e sem hesitação algum sua mão fechada em punho acerta o rosto do mais baixo, fazendo-o cambalear. Meus lábios se partem em sinal de choque e nervosismo, e me mantenho alheia à terceira figura que compõe a cena, e que parece tão perdida quanto eu.

O garoto mais baixo tenta revidar, e então tudo começa a acontecer em um borrão desconexo, e de longe não consigo entender quem está conseguindo acertar quem, até que a desvantagem do menor se torna clara quando, após um novo golpe, vejo-o ser atirado no chão. O boné que até então cobre sua cabeça e parte de seu rosto caí, deixando as mechas de seu cabelo tão escuro quando a própria noite a vista. Meus pés voltam a se movimentar devagar ao mesmo passo em que o outro homem volta avançar no direção do garoto que permanece caído no chão, e no instante em que os dois voltam a se atracarem, buscando acertarem um ao outro, me livro de meu fone de ouvido e busco por meu celular em meu bolso, convencida de que preciso chamar ajuda.

Estou na metade de minha ação quando os sons que escapam da briga e chegam até mim ganham minha atenção, me fazendo afastar o olhar de meu celular para fitar novamente a discussão que se desenrola em minha frente.

― Pelo amor de Deus, chega!‌ ― A garota grita, implorando enquanto mantém as mãos na altura de sua cabeça, transparecendo todo seu desespero ― Eu já disse que a culpa foi minha!‌ Deixa ele em paz!‌

Mas, por mais que ela tente, nenhuma palavra sua parece ter o poder de fazer com que os dois se afastem, e volto a caminhar em direção à briga enquanto disco o número da polícia, até que uma palavra mágica surge no ar. O nome simples e curto não é capaz de evitar que outro golpe seja desferido no rosto do menor, e muito menos de fazer com que o homem que está por cima deste se afaste ou desista, mas é capaz de fazer cessar por completo meus passos hesitantes, e de fazer com que minha respiração se perca no fundo de minha garganta, ficando presa.

― Yoongi!‌ ― Ela grita uma segunda vez, e demoro para me acostumar com a sonoridade de seu nome alcançando meus ouvidos depois de tantos dias. Meu coração se torna ainda mais agitado dentro do peito, e um calafrio incômodo percorre minha espinha, me fazendo tremer da cabeça aos pés. A sensação tórrida de perigo se alastra por meu corpo.

Estreito meu olhar, numa tentativa falha de enxergar melhor em meio ao breu que nos rodeia, mas não consigo juntar as informações disponíveis para chegar a alguma explicação sensata. O garoto moreno ainda tenta se desvencilhar do maior, que continua imune aos chamados da garota, que tenta se aproximar sem demonstrar encontrar a coragem necessária para isso. E então, pela primeira vez, resolvo deixar as figuras masculinas de lado e prestar atenção no rosto feminino que finalmente nota minha presença, e pede por ajuda.

E, sem permissão alguma, sou levada de novo para aquele galpão. A imagem dos braços dela abraçando o pescoço de Yoongi, puxando-o em sua direção, mantendo-o preso em seu abraço firme e possessivo. O gosto amargo que se instaura em meu paladar já é velho conhecido meu, e serve como uma prova cabal de que não estou delirando, nem imaginando coisas. Consigo reconhecer todos seus traços, porque tenho plena ciência de que fiquei revivendo sua imagem dia após dia, como uma punição particular por não ser eu em seu lugar, abraçando-o e tomando-o para mim. E quando ela grita de novo pelo nome de meu vizinho, é na voz de Jimin que penso.

“Então, cheguei tarde ou ainda dá tempo da gente comentar sobre o novo visual do nosso am…”‌

Novo visual. Forço meus pensamentos para tentar extrair deles alguma resposta, e sinto minha cabeça doer em protesto, e novamente meus olhos estão pairando sobre a figura de cabelos escuros caída sobre o asfalto, e imagens do refeitório estão vagando perdidas por meu cérebro. O moreno ocupando seu lugar. O garoto de cabelos negros caído sobre o asfalto. Yoongi. E, então, como se uma venda estivesse sendo retirada da frente de meus olhos, eu o enxergo.

E o reconheço.

― Yoongi ― Dessa vez é minha voz falha que sopra seu nome na escuridão, e toda minha hesitação se dissipa em um segundo de coragem súbita.

E, de novo, somos eu, ele e ela.  E, de novo, sou eu correndo e arrevessando a multidão, mas, dessa vez, meus passos me levam até ele.

E não há nada que me faça parar.

 


Notas Finais


Esse capítulo me causou um estrago emocional tão grande que eu nem sei direito o que comentar sobre ele, mas eu espero do fundo do coração que o mesmo impacto que o Yoongi causou em mim, e na personagem, com essa mudança, ele tenha causado em vocês também, então POR FAVOR ME FALEM O QUE VOCÊS ACHARAM DISSO POIS TO VIVENDO POR ESSAS REAÇÕES amigos dklajsjkfas.

Também quero saber se vocês percebem a evolução e os passos de bebê que nossa protagonista vem dando ao longo da história e desse capítulo! Sabemos que a bichinha é enrolada, mas parece que finalmente as coisas estão mudando né?

E, por fim, QMDAS tá entrando em sua reta final. Então, até agora, quais os pensamentos de vocês? Compartilhem comigo que prometo compartilhar mais capítulos enormes com vocês, logo logo!

Lembrando que to sempre no twitter (@hmyoongi) e que vocês podem seguir lá pra falar sobre a fic ou pra acompanhar os spoilers que sempre solto, e também podem me mandar perguntinhas lá no curious (@hmyoongi) poisss to sempre disposta a responder! É isso, bom resto de semana pra vocês, meus anjinhossssss, bye e até breve ♡


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