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História Rebel Heart - Room Division


Escrita por: MillyFerreira

Notas do Autor


√ Desculpem-me qualquer erro. Boa leitura!

Capítulo 11 - Room Division


Fanfic / Fanfiction Rebel Heart - Room Division

Era raro alguma coisa me deixar sem palavras, desconcertada. Mesmo que fosse uma ofensa ou provocação, eu sabia revidar á altura, mas naquele momento eu não tinha voz. Algo dentro de mim tinha acabado de explodir, e não era fogos de artifício. De repente, tudo pareceu se encaixar. No primeiro dia, quando nos falamos, e ele se afastou de mim todo hesitante, evitando tocar minha mão; seu isolamento do resto do mundo, todo seu silêncio... Eu não queria acreditar. Não podia. Easton parecia uma pessoa normal, saudável. Um pouco pálido, mas saudável. Oh, não, não, não! 

— Fala alguma coisa — pediu ele com a voz embargada.

Olhar nos seus olhos me quebrou por dentro. Senti uma enorme vontade de chorar. O que eu poderia dizer para ele? Por Deus, como acordar deste pesadelo horrível?

— Eu... — comecei em um fio de voz. — Sinto muito.

Parabéns, América. Você, com certeza, sabe como consolar alguém. Ele fechou os olhos com força e mais lágrimas pingaram em seu colo. Linhas de dor tomando o seu rosto.

— Está tudo bem, Meri. De verdade. Não quero que sinta pena ou fique triste por mim; isso faz parte de mim, de quem eu sou.

— Eu não sei o que te dizer.

A ficha ainda não havia caído.

— Não precisa dizer nada — sorriu melancólico. — Sei o que vem a seguir. E está tudo bem. Este é o momento que você diz que não pode conviver com uma pessoa como eu, pede desculpas e vai embora. Está tudo bem, não vou ficar com raiva de você. Estou acostumado com a rejeição, faz parte da minha vida.

— Eu nunca faria isso — olhei em seus olhos.

— Você não precisa ficar, América.

— Mas eu quero ficar — disse eu, convicta. — Não sou essa pessoa desprezível e preconceituosa. Eu só... fui pega de surpresa, eu não imaginava que... East, por que não me contou antes? 

Ele engoliu em seco; os olhos cada vez mais vazios.    

— É melhor lidar com a solidão que a rejeição — respondeu. — Eu sempre a vi como a garota descolada e popular, não parecia se importar com muita coisa, até que veio falar comigo áquele dia. Você foi tão legal comigo, provou ser tão diferente, que tive medo de te decepcionar.

— East... — lamentei.

— Desculpa.

— Eu entendo você — era impossível não ficar triste. — Há quanto tempo você...?

— Três anos — ele olhou para mim. — Talvez eu consiga sobreviver até os trinta anos, o que é muito difícil. 

Senti uma pontada no coração. Não queria ser indelicada, mas tive de perguntar:

— Como isso aconteceu?

Era óbvio que o HIV era um vírus sexualmente transmissível, mas existiam casos da criança contrair o vírus dos pais ainda na barriga, o que não era o caso do Easton, obviamente.

Ele pareceu desconfortável e constrangido.

— Você pode me contar a história do começo, mas se quiser ser rápido, pode apenas resumir. Ou pode não fazer nenhum dos dois — acrescentei como um conforto para ele.

— Tudo bem, eu posso fazer isso — suspirou. — Eu era um garoto normal até os dezoito anos: estudava, ia para festas, tinha uma namorada... — fez uma pausa e soltou mais um suspiro. — Naquela época, a relação dos meus pais não era das melhores: ele batia nela, agredia com palavras e gritava com ela a maioria do tempo. Ela precisava deixá-lo, ela queria se afastar, mas ela tinha medo por nós dois, então continuou aguentando as agressões, o sofrimento... Eu me sentia mal por ela, mas não podia fazer muita coisa, sabe? Eu a defendia quando podia, mesmo que isso significasse olhos roxos e ossos quebrados... A minha mãe sempre foi meu porto seguro, ela sempre cuidou de mim... fez o papel de mãe e pai na minha vida e eu a amo por isso. Eu tinha amigos áquela época, mas não me sentia á vontade de conversar sobre isso com eles, me sentia um pouco, talvez muito envergonhado, mas sabia que eles estavam cientes do que se passava na minha vida. Todos estavam, afinal. A única pessoa que eu me sentia confortável para conversar, que me entendia e não me julgava, era a minha namorada, a Amber... Nós dois éramos inseparáveis; eu a amava, ela me amava, aquele era o meu único conforto para toda aquela confusão — fungou. — Eu comecei a ficar doente de repente. Era só uma gripe, não dei muita importância. Mas então veio a febre, a indisposição, o cansaço excessivo, desmalhos frequentes... Minha mãe, meus amigos, a Amber, começaram a insistir que eu fosse ao médico, mas continuei não dando importância. Era só uma gripe, para quê se preocupar?

— Não era só uma gripe, não era? — senti um nó na garganta e temia não poder aguentar até o fim da história.

Ele sorriu amarelo, melancólico, então continuou:

— Saímos para beber aquele dia, eu e os meus amigos, mas como eu estava dirigindo, fiquei apenas com as coca-colas e energéticos. Meus amigos beberam até estar caindo pelo chão — soltou um riso sem qualquer humor e fungou mais uma vez. — Coloquei-os no carro e os levei para casa. Quando estava voltando para a minha casa, me senti muito mal, tonto e sem força. Lembro-me de ter parado em um posto de abastecimendo e comprado uma água com gás. Fiquei sentado no meio-fio, e quando me senti pronto novamente, sentei-me sobre o volante e segui o meu caminho. A tontura voltou novamente e não pude freiar antes que desmalhasse sobre o volante. — Ele me acalmou, percebendo minha expressão de espanto: — Não foi nada grave para a minha sorte. 

— Foi aí que você descobriu a doença?

Mais um sorriso melancólico.

— Acordei dois dias depois em uma cama de hospital, com inúmeros aparelhos ligados á mim. Eu não entendi muito bem o que se passava, mas eu sentia uma dor devastadora dentro de mim. Eu estava muito enjoado, cansado, tonto... Minha mãe estava lá, estava preocupada, triste... Era normal, não era? Afinal, seu filho tinha sofrido um acidente, estava internado... — suas lágrimas pingaram e ele disse com a voz cheia de dor: — Mas quando eu olhei nos olhos dela, América, eu soube de imediato que havia algo de errado. Algo que ela não queria me contar — fez uma pausa e respirou fundo. — Naquele mesmo dia em que acordei, á noite, ela apareceu no quarto com a presença do médico. Estava tão devastada que não conseguia me olhar. Eu estava ficando com muito medo do que eles poderiam me dizer, pois eu via a tristeza em seus olhos, e a pena camuflada por trás dos olhos frios daquele médico... Pensei que, sei lá, tinha apenas mais algumas horas de vida. Minha mãe tentava controlar o choro; tentou me contar, mas não conseguiu. Então o médico o fez. Tão frio, tão contido, tão profissional... Lembro-me da minha mãe desabar do meu lado e chorar... E eu? Bem, eu estava lá, parado, chocado, apenas digerindo lentamente a informação que desabou sobre mim.

Meu coração se apertou, e na minha cabeça formulava a cena de um garoto de dezoito anos, de olhos azuis intensos e profundos, apenas começando a vida, recebendo a notícia de que todos os seus sonhos acabariam a partir dali. Eu não imaginava como tinha ficado a sua cabeça naquele momento, muito menos o que ele tinha sentido, mas conseguia ver a dor em seus olhos. Eu queria estar lá naquele momento, abraçá-lo, dizer que tudo ia ficar bem... Mas nem eu tinha certeza. 

Ele continuou em um tom de voz mais baixo e quebrado:

— Eu nem consegui chorar. Na verdade, não tive nenhuma reação. Minha mente tinha virado pó. Eu apenas ouvia o som do choro da minha mãe e a voz fria do médico dizendo que ficaria tudo bem. Foi um baque tão grande, uma queda tão alta, que meu corpo parecia ter evaporado e só restasse os pedaços da minha alma naquela cama... Eu só pensava na Amber e em como ela reagiria áquilo tudo. Minha vida tinha acabado antes mesmo de começar — mais um riso sem humor. — Mas se a Amber estivesse ao meu lado, se ela me apoiasse, talvez eu pudesse superar. Talvez eu pudesse ser feliz por alguns segundos... Mas então a ficha caiu: se eu tinha AIDS, poderia ter contaminado a Amber com o vírus. Pior do que encontrar uma maneira de contar a verdade, era saber que a sua vida poderia estar em risco por minha causa. Eu não queria ter de enfrentar aquela conversa, não queria ter que olhar nos olhos dela e contar a verdade... Mas precisava. Eu precisava saber que ela estava bem, saudável, segura... Se ela estivesse saudável, nada mais importava.

— Ela foi contaminada com o vírus? — perguntei com receio.

Easton fechou os olhos com força, cheio de dor, e mais lágrimas pingaram. Ah, não..

— Sim — sussurrou em um timbre de voz. — Ela ficou louca quando contei. Eu não poderia culpá-la, ela estava desesperada assim como eu. Deus sabe como me senti um lixo naquele momento... Quando ela se acalmou, estava indiferente. Ela não quis que eu a tocasse, e foi impossível ignorar seu olhar de nojo em minha direção. Eu poderia receber a notícia da doença milhares de vezes a ter que suportar aquele olhar da pessoa que eu mais amava naquele momento. Mesmo assim, não poderia culpá-la. Engoli a dor e a acompanhei até o hospital. Eu estava convencido de que tudo estava bem, de que ela estava bem, e que no fim, mesmo que não ficássemos juntos, mesmo que doesse profundamente em mim, seria um alívio saber que eu cumpri minha promessa de deixar a pessoa que eu amava a salvo. E eu falhei miseravelmente, Meri. Ela abriu aquele maldito exame e lá estava a confirmação... Um buraco se abriu no meu peito e eu quis morrer. 

— Ela colocou a culpa em você?

— Eu nunca a vi daquele jeito... Ela disse que eu era irresponsável, que eu sabia desde o começo e que eu não tinha dito nada, que eu tinha estragado a vida dela... E realmente tinha. Eu merecia ouvir todas aquelas palavras de ódio naquele momento. Fiquei tão devastado, desconcertado, que só desejava que um caminhão me acertasse em cheio e me levasse desse mundo hostil e sombrio. Minha vida não fazia mais sentido, não tinha por quê continuar tentando... Fiquei dias sem comer, sem beber, sem dormir... Minha mãe estava ficando desesperada por me ver daquele jeito. Duas semanas depois eu tinha alguns exames para fazer, e com muita conversa e diálogo, ela me convenceu a fazê-los. Foi então que tive uma grande surpresa: eu não contraí o vírus, ele foi passado para mim.

Olhei para Easton, boquiaberta.

— Eu já deveria saber: eu nunca me relacionei com outra mulher além de Amber, então, como poderia ter contraído o vírus? Então eu soube que era ela quem estava doente, foi ela que acabou com a minha vida, afinal. 

— Mas... como? — eu estava surpresa.

— Ela não era tão fiel á mim quanto dizia ser — puxou o canto da boca. — Todas as noites que ela dizia visitar a mãe, ela estava se divertindo em festas enquanto eu estava em casa sentindo saudade.

— Mas que piranha desgraçada! — agora eu estava com raiva. — Como ela pôde? Mas que droga! Se você me der o endereço dessa piranha desalmada, eu acabo com o rostinho bonito dela em dois segundos! — ameacei com uma manta vermelha de ódio cobrindo o meu rosto.

Ele mordeu o lábio inferior e me olhou.

— Fui ao enterro dela no ano passado — disse ele.

Encolhi os ombros.

— Er... eu sinto muito.

— Ela não merecia, mas eu não podia guardar mágoas dela... Eu ainda a amava. Eu pensei tantas vezes em me matar, mas aí eu pensava na pessoa maravilhosa que eu tinha, a minha mãe. Ela não merecia isso. Foi necessário um ano de psicólogo para eu começar a aceitar a minha doença, mas foi pela minha mãe que eu dei a volta por cima.

Eu via todo seu carinho por ela. Ele realmente a amava.

— E os seus amigos, East? 

— Eles souberam, é claro — encolheu os ombros. — Foram até legais no começo, mas começaram a se afastar. Eu não queria a pena deles, muito menos o olhar de repulsa camuflado por trás dos olhos simpáticos... Aos poucos eles desapareceram e eu fiquei sozinho. Decidi que era melhor assim. Me isolei do mundo, de todos... Ficar no meu mundo escuro e sombrio, suportar a dor sozinho, essa era a melhor opção. — Engoliu em seco. 

Eu não sabia o que dizer para amenizar a sua dor.

— Ei, você não está só — segurei em seu braço, apreensiva, demonstrando que não sentia repulsa dele ou pena. Eu só queria ajudá-lo. Ele sorriu para mim, opaco. — Eu sei que não nos conhecemos tão bem, mas saiba que pode contar comigo para o que precisar.

— Obrigada, Meri. Você é muito legal. 

— O seu pai não aceitou bem a notícia?

— Ele não era pai de uma coisa feito eu — ele fez uma pausa. — Foi isso que ele disse. Ele é um babaca.

Oh, sim... imbecil! Juro que minha vontade era de voar no pescoço desse velho babaca e cortar sua garganta e vê-lo sangrar até a morte com satisfação. Quem ele pensa que é para rejeitar um menino tão doce e amoroso? Qualquer pai em seu lugar teria orgulho de um filho como Easton. Imaginar que existem pessoas tão desalmadas e preconceituosas, e que elas surgem da própria família as vezes, me causava nojo. Família é conforto, uma luz, um alívio... Nossa casa é a melhor opção para recorrer, mas pelo visto, nem todos os lares são iguais.

— Easton, eu nem tenho palavras para te dizer agora — comecei, triste. — O seu pai é apenas um idiota que não sabe dar valor ao que tem. Não se culpe por ele ser um babaca. Você é uma pessoa ótima, certamente uma das melhores que vou conhecer por toda a minha vida, um coração tão bom... Sua mãe te ama e sempre estará ao seu lado. E, bem, eu estou aqui também, não vou me afastar de você. Eu nunca vou saber o que é sentir na pele o que você passa, como é sofrer por uma doença horrível como esta, mas você é forte e pode lidar com isso. E eu vou te ajudar — acrescentei com toda sinceridade do meu coração.

Ele me olhou tão agradecido que foi impossível não sorrir. Sua história me tocou de um jeito tão profundo que é como se sua dor fosse a minha dor. Eu queria ajudá-lo, queria mostrá-lo que essa doença é apenas uma grande pedra no caminho, mas poderíamos dar a volta por cima e chegar ao outro lado. 

Aproximei-me e o abracei forte. Ele retribuiu o abraço, meio sem jeito. Confesso que não me sinto confortável com abraços, mas eu não era tão insensível assim. Ás vezes um abraço, um olhar ou um simples gesto vale mais que mil palavras. 

— E o tratamento? — perguntei me afastando.

— Eu faço uma consulta uma vez por mês, duas quando é necessário, e tomo os medicamentos antirretrovirais — respondeu ele um pouco mais confortável agora. — O tratamento não elimina o HIV, mas é fundamental para uma boa convivência com a própria doença. Fora isso, tenho que tomar o extremo cuidado com outras doenças comuns como gripe, virose... Não posso alimentar a AIDS, por isso todo cuidado é pouco.

Eu não imaginava o quão era ruim conviver neste tipo de situação, tão vulnerável a coisas simples e comuns que encontramos em qualquer esquina.

— Desculpe por me afastar de você quando nos conhecemos — suas bochechas coraram ainda mais. — É meio que um instinto, sabe? É uma paranóia minha.

— Não precisa me pedir desculpas — disse eu. 

Ele concordou com a cabeça.

— Meri, posso te pedir uma coisa? — ele hesitou. 

— Claro.

— Não conta isso para ninguém, tá? É que...

— Não se preocupe. É o nosso segredo.

Ele sorriu agradecido e ouvi o sinal tocar ao longe.

— Tenho que ir. Você vem?

— Hum... — ele hesitou mais uma vez. — Eu vou ficar por aqui um pouco mais, certo?

— Tudo bem — eu o entendia. — Saiba que nada entre a gente mudou, continuamos amigos como antes.

— Eu nem sei como te agradecer, América — ele fechou os olhos quando beijei sua bochecha.

— Pode me agradecer aparecendo no sábado para reforçarmos biologia — sorri fraco e ajeitei a mochila no ombro.

— Eu vou estar lá — garantiu. — No Clint's ás seis?

— Está ótimo — levantei-me. — E, ah, East, vê se não desaparece, tá?

— Pode deixar.

Acenei com a cabeça e segui o meu caminho ainda entorpecida pela notícia. Eu ainda era o centro das atenções no corredor. A fofoca do que tinha acontecido com o Ryan por minha causa ainda era quente entre os alunos, e as especulações de um suposto triângulo amoroso era o tema central das conversas. Eu estava ficando de saco cheio. Mesmo com tudo isso, não conseguia sentir raiva por este assunto no momento, pois estava muito triste por Easton. Eu precisava fazer algo para ajudá-lo, mas o que eu poderia fazer? Talvez ficar ao seu lado fosse o suficiente para que ele não se sentisse mais sozinho. 

Encontrei os meus amigos sentados na mesa de sempre, o que foi uma surpresa, pois pensei que eles estavam no hospital com Peter Bieber. Joguei a mochila em cima da mesa e me sentei ao lado de Justin que, diferente da noite passada, parecia menos despreocupado, mas não totalmente.

— Como está o seu pai? — perguntei á Justin sem emoção na voz.

Ele me olhou confuso mas respondeu:

— Ele está bem. Voltou para casa hoje cedo.

Acenei com a cabeça.

— Ei, Meri, aconteceu alguma coisa?

Ergui o olhar para Eggsy do outro lado da mesa.

— Hã?

— Você não está com uma cara muito boa — reforçou Rosie.

— É pelo que estão comentando, ruivinha? — Justin perguntou ao meu lado. — Se quiser, eu posso socar a cara de todos esses imbecis.

Abri um sorriso opaco em sua direção.

— A única coisa que quero é que não se meta mais em confusão por minha causa — respondi. — E eu não ligo para o que estão dizendo. Eu... estou bem.

Eles se entreolharam, desconfiados, mas não questionaram. Com a pouca força de vontade que me restava, levantei-me e fui até a cantina me servir da borracha que a cozinheira chamava de panquecas. Voltei para a mesa e remexi a comida com o garfo, desligada da conversa alheia. 

— Acho que vai gostar do ensaio de hoje — Justin voltou-se para mim, com apreensão camuflada por trás do sorriso. 

— Hum-hum — respondi.

— Ah, Meri, o que há? Você não é assim...

— Assim como?

— Tão calada... — ele me avaliou. — O que posso fazer para colocar um sorriso nesse seu rosto?

Olhei em seus olhos e me perdi na sua imensidão por um momento. 

— Ei, Meri, estamos pensando em fazer uma noite de filme e pizza lá em casa — Rosie me despertou da hipnoze. — Só eu, você, o Eg e o Justin. E aí, topa?

— Não sei se estou com cabeça, Rosie.

— Ah, por favor... Não será tão legal sem você. Eu até deixo você escolher o filme desta vez — disse ela e depois fez uma careta.

Eu nunca podia escolher o filme, pois, segundo Rosie, meus gostos eram muito sagrentos e nojentos. Qual é o problema de um bom filme de terror?

— Se você conseguir convencer ao meu pai...

Ela abriu um sorriso convencido.

— Prepare suas coisas que vamos todos dormir sob o mesmo teto esta noite — proferiu.

                                   […]

— Juízo, hein? — papai falou da cozinha enquanto eu me movia até a porta. 

Revirei os olhos ao ver Rosie parada com o carro de Eggsy em frente á minha casa. Como ela conseguia sempre o que queria? Meu pai confiava mais nela do que em mim. Foi necessário que Rosie ligasse para ele acreditar na história toda. Ele estava pensando que eu ia me enfiar na casa de algum garoto ou em alguma confusão em festas. Eu já estava de saco cheio de toda essa desconfiança.

Joguei a mochila no banco traseiro e o carro entrou em movimento.

— Os meninos estão brigando para escolher um filme — Rosie tagarelava. — O Eg quer assistir Velozes e Furiosos mais uma vez, mas eu não aguento mais aquele filme. O Justin quer assistir Silent Hill, credo.

— Silent Hill é legal — disse eu.

— Credo — ela repetiu com o nariz franzido.

— Podemos assistir Águas Rasas ou Terror na Estrada. 

— Que tal nada que envolva terror?

— Você disse que me deixaria escolher — retruquei.

Ela bufou. Ficamos em silêncio por um tempo; eu, observando a noite iluminada pela enorme lua no céu negro sem nenhuma estrela; Rosie concentrada na estrada. 

— Como foi hoje com o Justin? — Ela quebrou o silêncio.

— Foi legal — respondi. — Você deveria ir vê-lo fotografar um dia.

Ela sorriu fraco.

— Vocês estão se dando bem, hum?

— O Justin é legal — foi só o que eu disse.

— E essa história de você ser modelo?

— Não é nada demais. São apenas algumas fotos.

— Achei legal o Justin ter te convidado.

— Ele é louco.

— Ele gosta de você. 

— Impossível não gostarem de mim, sou um amor — murmurei.

Ela riu e balançou a cabeça.

— Sempre fugindo do assunto...

Não respondi; não alimentaria suas paranóias e as de Eggsy. O resto da viagem foi silenciosa, no entanto, chegamos á sua casa em poucos minutos depois. Os pais de Rosie não estavam em casa esta noite, então tínhamos total conforto, o que era chato por um lado, pois eu adorava os biscoitinhos que a sua mãe preparava sempre que eu vinha aqui. Peguei minha mochila no banco de trás e acompanhei Rosie para o lado de dentro. Assim que fechamos a porta, uma verdadeira tempestade desabou sobre o teto da casa e raios surgiram no céu.

— Puta merda! — Exclamou Eggsy olhando pela janela do sofá.

— Pura sorte — Rosie murmurou e foi se sentar perto do namorado. 

Justin estava sentado no chão com uma pilha de DVD's a sua volta. 

— Já escolheram o filme? — perguntei me aproximando. 

— Estava esperando você chegar — Justin sorriu. — Rosie disse que você escolheria o filme.

— Meri, podemos assistir...

— Não. — Interrompi a fala de Eggsy antes que ele pudesse concluir.

— Você não sabe o que eu ia pedir — questionou.

— Nada de Velozes e Furiosos — retruquei.

Ele revirou os olhos e Rosie me lançou um sorrisinho. Coloquei minha mochila em cima da poltrona e me aproximei de Justin. Sentei-me no espaço vago ao seu lado e observei os filmes disponíveis.

— Pedimos pizza — disse Justin. — Logo chega. 

— Pizza e essa chuva combina com um bom filme de terror. 

— Ah, não... — choramingou Rosie. — Por favor, pessoal...

— Que tal Silent Hill? — sugeriu Justin, ignorando-a.

— É legal, mas eu já assisti tantas vezes... — passei meus olhos pelos filmes espalhados, pensativa. — Ah, esse aqui! — peguei o DVD. 

— O Chamado 3? Tá de brincadeira, não é? — reclamou Rosie. — Meu pai e seus filmes... — resmungou.

— Larga de show, Rosie — revirei os olhos. 

— Estou aqui para te proteger, meu amor — disse Eggsy e logo depois ouvi o emanar dos seus lábios grudentos.

Troquei um olhar com Justin, ambos enojados. Ficamos assistindo alguns episódios de The Walking Dead — minha série favorita — enquanto Rosie estava com o rosto escondido na curva do pescoço do namorado, negando-se a ver um bocado de zumbis estripando pessoas. Mas não era só uma série de zumbis. Era muito mais que isso. Era a luta pela sobrevivência em um mundo caótico e sombrio, onde as pessoas eram o pior perigo. 

Ouvi a campainha e Eggsy se levantou para atender. Logo ele voltou com a pizza na mão e Rosie foi pegar a coca-cola e os copos enquanto eu me encarregava de colocar o filme e Justin guardar as mídias espalhadas pelo chão. Enchemos nossos copos e Rosie de acomodou nos braços de Eggsy em um sofá e eu e Justin nos acomodamos pelo chão mesmo. Pegamos cada um uma fatia de pizza e nos saboreamos. O gosto era ainda melhor que o cheiro. Aconcheguei-me ao lado de Justin, tão perto que ele me puxou para os seus braços. Deitei a cabeça em seu ombro e me servi de mais duas fatias e me senti satisfeita. A única coisa que eu ouvia durante o filme era os gritos de Rosie, a chuva lá fora e a respiração calma de Justin.

Depois que o filme acabou, ficamos jogando conversa fora enquanto tomávamos um pouco de cerveja que Eggsy havia comprado. Deixei os meninos na sala e ajudei Rosie a limpar a bagunça que tínhamos deixado para trás.

— Ei, Justin, canta alguma coisa para a gente — pediu Rosie com um sorriso.

— Você canta? — olhei para Justin, surpresa.

— Um pouco — ele sorriu tímido.

— Vou pegar o violão — Rosie correu para o seu quarto.

Lembro-me bem quando ela ganhou aquele violão lilás aos dezesseis anos. Ela o adorava, sempre quis aprender a tocar, mas não levava jeito. Então ele apenas ficou guardado no seu guarda-roupa por todos esses anos. Ela voltou e entregou o violão a Justin que ajustou as cordas. 

— Posso pedir uma música? — olhei para ele.

— Se eu conhecer, é claro que eu canto para você — sorriu. 

— Gonna Get Better. 

Ele pensou um pouco.

— Acho que conheço essa — disse ele.

Justin ajeitou o violão no colo e começou a dedilhar as cordas em uma versão acústica de Gonna Get Better. Era uma música maravilhosa com uma letra que eu gostava. Era comum encontrar na minha playlist Coldplay e OneRepublic, mas eu gostava de variar as vezes. Mas foi a voz de Justin que me surpreendeu: suave como uma pluma. Eu não sabia que ele cantava bem, e a maneira que as letras saíam da sua boca fazia parecer tudo tão simples... Estava hipnotizada pelos seus olhos enquanto ele olhava para mim. Cantei baixinho, o acompanhando. Ele ainda cantou Closing Time, Hearts Don't Break Around Here e Up&Up, me lançando uma piscadela. Abri um sorriso; ele sabia do meu amor incondicional por Coldplay. Não resisti e cantei junto com ele; era uma das minhas canções favoritas da banda.

— Vocês estão prontos para formar uma dupla country — brincou Rosie.

— Engraçadinha — murmurei.

— Que tal assistirmos outro filme? — sugeriu Eggsy.

— Estou com sono — disse Rosie.

— Hum, eu também — disse eu. 

— Temos um probleminha aqui.

— Que problema?

— Só tem dois quartos... Isso significa que vocês dois vão ter que dividir — ela olhou para mim e para Justin. 

— Mas e o quarto dos seus pais? — franzi o cenho.

— Está louca?! Se eu não posso encostar naquela cama, imagina vocês.

Ergui as mãos em forma de rendimento.

— Se você não se sentir á vontade, posso me ajeitar por aqui no sofá — disse Justin, com um sorriso divertido no canto da boca.

Mas é claro que ele estava lembrando da noite em que dormimos juntos no sofá, bêbados. Ele sabia que dormir com ele era o menor dos problemas, já que este era o meu objetivo desde que ele chegou á cidade. Espero que possamos fazer muito mais que apenas dormir. Abri um sorriso malicioso em sua direção e Eggsy resmungou ao meu lado. 

— Que nojo — disse ele um pouco mais alto. — Consigo sentir a tensão sexual fluindo de vocês dois.

Soltei um risinho enquanto me levantava do chão. 

— Boa noite para quem fica — virei-me para Justin. — Vou guardar o seu espaço na cama, baby — dei-lhe uma piscadela e ele balançou a cabeça com aquele sorriso divertido que eu gostava. 

— Vaza logo daqui sua pervertida! — Rosie me empurrou em direção as escadas enquanto eu ria, levando a mochila junto comigo.

O quarto de hóspedes era espaçoso, mas não tanto. Tinha uma cama de casal, um guarda-roupa um pouco desgastado e uma escrivaninha. Tinha uma segunda porta, um banheiro. Estava muito frio, e como eu já tinha tomado banho em casa, decidi apenas trocar de roupa: um short justo de moletom e uma camiseta branca de alcinha. Fui até o banheiro, removi a maquiagem, escovei os dentes e tirei as lentes de contato. Tinha deixado de usar óculos em público, mas sempre o carregava na mochila. Eu os adorava, mas o que eu podia fazer? Óculos de grau não era tão descolado para uma garota popular como eu. 

Justin ainda não estava no quarto quando voltei. Guardei as lentes de contato, enxergando um pouco embaçado, e procurei o óculos dentro da mochila. Coloquei-os sobre o nariz e ouvi alguns gritos vindo lá de fora. Com o cenho franzido, aproximei-me da janela e olhei além da chuva que desabava como se fosse arrastar tudo ao seu caminho. Foi então que, no quintal da casa, lá estavam eles, correndo feito loucos, enquanto riam da tentativa falha dele alcançá-la. Como poderiam ser mais bobos? Estavam enxarcados! Rosie e Eggsy era o casal mais clichê que eu conhecia, mas era o meu preferido. Eles se amavam, não conseguiam estar longe um do outro por muito tempo. Olhando-os daquele jeito, era impossível não acreditar no amor verdadeiro. Eu acreditava. Mas não para mim.

— Rosie disse que nunca tinha beijado na chuva — sua voz rouca e baixa surgiu atrás de mim.

Senti os pelos da nuca enrijecerem. Continuei olhando-os pela janela sem me virar para Justin.

— Eles são tão bobos... Vão acabar pegando um resfriado.

— Meu primo a ama.

— É, ela o ama também.

Ele se aproximou e dividimos o espaço na janela. Senti seu olhar em mim; pensei que ele desviaria mas continuou me olhando. Encarei-o de volta com a sobrancelha arqueada e ele sorriu fraco.

— Não sabia que usava óculos — disse ele.

— Só as vezes — respondi. — Uso lentes de contato na maioria do tempo.

— Você fica linda com esses óculos — seu olhar penetrava as lentes e perfurava minha íris.

— Há!

— O que foi? — Ele me olhou com vincos de incompreensão entre as sobrancelhas.

— Já pensou se as pessoas me vissem com isso aqui? — apontei para o óculos. — Seria o fim da minha reputação!

— Por que se preocupa tanto com essa atenção? 

— Porque eu... gosto que as pessoas me amem, que falem de mim — confessei. — Eu só quero me sentir importante, mesmo que seja em um mundo irreal e sombrio — encolhi os ombros. 

— Aquelas pessoas não te amam, muito menos são suas amigas — seu tom era um pouco chateado. — Eles não te conhecem de verdade, América. Não falam bem de você. Eles acham que você é... — ele parou, hesitante.

— Uma vadia? — olhei em seus olhos. — É o que eu sou, Bieber.

— Não, não é.

— Então me prove o contrário — desafiei-o.

— Está bem — ele me olhou sério. — Você é inteligente, bonita e carismática. Cheia de conteúdo e sempre tão animada, é impossível não gostar de você. Esses dias que estamos passando juntos foi a oportunidade perfeita para eu te conhecer melhor. Este sorriso que você tem, este olhar, mesmo que seja cheio de dor a maioria do tempo, é capaz de acabar com qualquer mau humor. Você tenta chamar atenção porque acha que precisa provar algo para as pessoas, mas você é fantástica e só você precisa saber disso. Esses caras com quem você dorme, eles não merecem nem um pouco da sua atenção, porque eles só enxergam esse corpo bonito e o prazer que ele pode proporcionar, mas eu vejo mais, América. Muito mais do que realmente você poder ver. Essa tua beleza interior é tão profunda, tão intensa e verdadeira que as vezes penso que é algo irreal. Você quer ser durona, quer esconder a menina frágil e doce que habita aí dentro, mas eu posso enxergá-la através desses teus olhos mais que perfeitos. Eu sei que você está magoada, e sei que algumas cicatrizes são mais difíceis de curar que outras, mas você não precisa se fechar por isso. E não, você não é vadia. Longe disso. Você é um anjo, América. 

Silêncio.

Eu estava ali, parada, estupefata, olhando diretamente naqueles olhos brilhantes que me transmitiam tantas coisas boas que eu não conseguia explicar. Minha visão estava borrada. Ninguém nunca me disse algo tão bonito sobre mim, e mesmo que fosse apenas uma mentira, tocou no fundo do meu esquecido coração e eu me sentia aquecida por dentro, amada. Parecia que eu estava em um daqueles filmes Hollywoodianos onde o garoto dos sonhos se declara para a moça indefesa, eles se beijam e vivem felizes para sempre. Ah, droga, o que estava acontecendo comigo? Eu sabia que estava muito além do limite que poderia ultrapassar. Tudo bem, América, controle-se. Você só quer transar com ele e apenas isso. 

Meus pés criaram vida própria e acabei com o pouco de espaço que nos separava. Joguei meus braços em volta do seu pescoço e, antes de fazer o que desejava, olhei em seus olhos e senti seu toque ao meu redor. Não queria ser rejeitada mais uma vez, então queria ter certeza que podia beijá-lo. Ele me encarava, tão perto, tão intenso, que me fez derreter em seus braços. Beije-me, beije-me, por favor...

E, como se lesse meus pensamentos, levou seus lábios aos meus. Senti um arrepio ardente subir pela minha espinha e o coração bater mais forte. Ele me beijou não muito lento, não muito rápido, uma sincronia perfeita. Justin me apertou em seus braços, me trazendo ainda mais para perto, como se quisesse que nossos corpos se fundissem, enquanto meus dedos brincavam com os fios de cabelo acima da nuca. Seus lábios eram doces e macios, como se eu estivesse beijando um pedacinho de nuvem.

Seu corpo pesou sobre o meu, fazendo-me dar alguns passos para trás e me chocar contra a parede. Nossos lábios se separaram por um segundo, mas logo ele estava me beijando novamente, mais duro, mais urgente... Seu corpo sobre o meu, o calor emanando de ambos, a necessidade... Meus músculos mais íntimos se contraíram deliciosamente. Como ele me causava esse efeito apenas com um beijo? Ele se afastou um pouco, apenas um pouco, e olhou fundo nos meus olhos. Eu estava entorpecida em seus braços, quase sem força para me manter em pé. Sua mão tocou o meu rosto e fechei os olhos por alguns segundos. Ele tirou o meu óculos e colocou em cima da escrivaninha que estava ao nosso lado.

Mesmo um pouco embaçado, eu conseguia enxergá-lo perfeitamente. Justin segurou meu rosto entre as mãos e me beijou mais lento desta vez. Eu só desejava que aquilo não acabasse nunca. Seus lábios era como uma droga: eu tinha provado a primeira vez e estava viciada. Senti suas mãos tocarem o meu quadril em busca do cós da minha camiseta. Senti o pano deslizar pela pele da minha barriga e ergui os braços para que ele pudesse tirá-la. Seus olhos, tão escuros, tão cheios do puro e ávido desejo... Ah, merda, eu o queria tanto! Coloquei meus braços ao redor do seu pescoço e dei um pulo para poder entrelaçar minhas pernas na sua cintura. Ele me segurou firme. Curvei-me para baixo para provar dos seus lábios enquanto ele me carregava por aquele quarto escuro, mas tão quente de repente.

Senti o colchão macio nas minhas costas e logo ele estava em cima de mim, com os lábios ardendo sobre os meus. Puxei sua camisa e ele ficou de joelhos comigo entre suas pernas e a tirou. Suas tatuagens ficaram á mostra e ele não podia ser mais lindo naquele momento. Eu amo tatuagens, principalmente nos homens. O jeito que sua pele era marcada de todos os lados e ângulos me deixava sedenta por beijar todas elas. Olhei-o calmamente, e ele sim parecia um anjo. Não consegui me controlar e sentei-me com minhas pernas entre ele, e passei o dedo na extensão da tatuagem de uma águia acima do umbigo, e bem debaixo dela, a palavra PURPOSE. Umedeci meus lábios e o beijei ali, subindo e descendo meus lábios sobre seu abdômen, sentindo sua carne se contrair com o meu toque e suspiros escaparem dos seus lábios.

Justin se sentou e puxou minhas pernas, colocando-as em cima das suas e deixando nossas intimidades tão próximas... Suspiro, sentindo o calor que fluía dos nossos corpos. Ele me puxa mais para perto, quase sentando em seu colo, e me beija mais uma vez. Suas mão estão no meu cabelo, as pontas dos dedos acariciando o couro cabeludo, me causando um estranho frio na barriga. Talvez eu nunca tivesse desejado um homem como o desejava agora. Minha calcinha estava cada vez mais molhada com a excitação. Ele puxou meu cabelo com delicadeza, inclinando minha cabeça para trás e liberando espaço no meu pescoço. E ele beijou exatamente ali. Puta merda! Gemi. Sua língua quente provava minha pele macia, seus lábios deixando uma trilha molhada, sugando e chupando... Latejava tanto... Justin mordiscou meu maxilar e sorriu contra meu rosto.

— Você me deixa louco, garota — disse ele, baixinho, a voz rouca. — Você é tão cheirosa e bonita... Nossa, eu te quero tanto...

— Sou toda sua — sussurrei, fazendo-o me olhar.

Ele afagou meu rosto, e, droga, aquele simples toque fazia eu me sentir tão... Sei lá. Eu estava completamente perdida agora, e tudo que enxergava era ele ali. Sua respiração cada vez mais perto, ele tocou meus lábios com ternura e desejo. Meus braços escorregaram para suas costas e arranhei a mesma, lhe fazendo gemer o meu nome baixinho entre o beijo. Ouvi-lo chamar o meu nome era música para os meus ouvidos. Repeti o processo e ele tornou a me chamar. Suas mãos agora estavam nas minhas pernas, me acariciando. Ele foi subindo, encolhendo o pano do short o tornando cada vez mais curto, e continuou subindo pelos meus quadris e a lateral do meu corpo. Seus dedos gelados tocaram a pele da minhas costas, mais arrepios, suspiros entre o beijo... E então ele parou exatamente ali; seu dedo tocando minha ferida ainda aberta, a cicatriz ainda viva na minha pele. Seus beijos cessaram e ele se afastou um pouco, apenas um pouco, para olhar nos meus olhos enquanto seu dedo explorava a extensão da linha. Engoli em seco. Todos os homens que transei, todos eles estiveram exatamente ali, mas nenhum perguntou "o quê" ou "por que", então por que Justin tinha de estragar isso quando estávamos indo tão bem?

— O que é isso? — perguntou ele com seus dedos ainda lá.

Fechei os olhos; seus dedos ali era como se eu pudesse sentir a lâmina fina me atravessando novamente. A dor ainda estava lá. Meus olhos arderam.

— É só uma cicatriz — respondi num timbre de voz. — Não dê importância. Onde estávamos? — tentei me aproximar, mas ele se afastou, com vincos de incompreensão entre suas sobrancelhas. — O que foi agora? — perguntei agora levemente irritada.

— O que aconteceu?

— Não precisamos falar sobre isso — eu sentia o nó na garganta. Tentei engoli-lo, mas só trouxe mais. — Por favor...

— Por favor — ele pediu, calmo, mas com um terço de preocupação nos olhos.

Desviei o olhar, sentindo traços de choro tomar o meu rosto. Qual é, América. Você disse que nunca mais ia chorar por essa cicatriz idiota, e está falhando miseravelmente, e está deixando Justin assistir de platéia. Você é patética. Fraca. 

— Ei, ruiva, o que foi? — ele virou o meu rosto delicadamente, me fazendo encará-lo. Sua preocupação só aumentava.

— Essa cicatriz está aí para me lembrar que o amor não existe, não para mim — respondi com a voz aguda demais, como se estivesse com o dedo preso na porta.

Ele continuava com a mão em meu rosto, apreensivo.

— O que aconteceu, Meri? Por favor, não me deixe no escuro — ele suplicava. — Não precisa sentir essa dor sozinha. Deixe-me te ajudar.

Encontrei tanto conforto nos seus olhos que a dor se tornou menos aguda. Eu não estava pronta para voltar ao passado, mas quando estaria, afinal? Eu continuaria adiando até meu nome estar lapidado num mármore. Precisava desabafar, precisava amenizar a dor que sinto no peito... Justin se mostrou tão amigo, tão amoroso e carinhoso comigo que seria um alívio poder compartilhar a minha dor com ele.

— O nome dele é Jared — comecei com o vazio tomando os meus olhos. — Jared Reedus... Nos conhecemos quando ainda era menina, ele era o meu amor de infância. Ele morava perto de mim, bem ali ao meu lado... Eu o observava de perto, sempre olhava pela janela quando ele ia para a escola ou quando brincava no jardim com seu cachorro, Luke. Eu cresci apaixonada por ele, mas ele nunca me deu bola, me notou. Estudamos na mesma escola por anos, na mesma sala... Sempre nos esbarrávamos na saída, ele sequer me olhava. Ele não tinha motivos, afinal. Eu era a estranha da escola, usava roupas ridículas e caretas, usava óculos... Foi então que meu pai chegou com a notícia de que tinha encontrado um sócio novo e que daria uma festa de comemoração. Então nós fomos a esta festa, e para a minha surpresa, o pai do Jared era o sócio do meu pai — soltei um riso sem humor, amargurada. — O Jared estava lá, tão bonito... Pela primeira vez em anos, ele havia me notado, conversado comigo, sorriu para mim... Nos tornamos amigos desde então. Eu estava radiante, tão feliz... Finalmente ele tinha me notado, eu poderia fazer alguma coisa para conquistá-lo. Nos tornamos namorados depois de ele ter me beijado no baile de formatura. Ele era tão amoroso, tão carinhoso, atencioso... Um verdadeiro príncipe encantado. Meu primeiro beijo, minha primeira vez, foi tudo com ele. Tudo estava indo bem até o meu aniversário de dezoito anos. Ele fez uma festa só para mim. Quer dizer, meus amigos e família não estavam lá, mas eu era uma boba apaixonada e, estando com ele, nada importava. Ele me deixou lá, sozinha em um canto, enquanto conversava com uma loura alta, bonita e bem-vestida... O jeito que eles se olhavam, sorriam um para o outro, se tocavam... aquilo me deixou louca de ciúme. Fui até eles e disse para aquela vadia procurar outro homem para dar em cima e o Jared ficou muito irritado. Ele brigou comigo, disse que eu tinha estragado um contrato, e que ia me dar uma lição. — Minha voz se tornou fraca e embargada: — Ele me arrastou até a porta dos fundos e começou a gritar comigo. Ele me humilhou, disse palavras horríveis, e eu não podia aguentar aquelas palavras em silêncio. Eu bati nele, um belo tapa no rosto marcado com meus cinco dedos da mão... Tudo o que eu não esperava era que ele me bateria de volta. Muito. Ele não só me machucou com palavras, mas fisicamente também. Me deixou estirada no chão, cuspiu em mim e foi embora.

Justin me encarava boquiaberto. 

Continuei:

— O meu irmão me encontrou no dia seguinte — as lágrimas começaram a cair finalmente. — Eu não conseguia andar, me mover, então tive que ser arrastada até o hospital. Cuidaram de mim e depois de duas semanas eu estava de volta em casa. O meu pai denunciou Jared á polícia, mas ele sumiu, certamente encobertado pelos pais. Não importava as dores físicas, mas a dor que eu sentia no peito era tão intensa, tão aguda, que me fazia querer morrer. Eu acreditava nele, acreditava no amor, e o que ele fez? Simplesmente me apunhalou pelas costas. Jared ainda estava sumido, a polícia estava atrás dele, e eu tinha voltado para casa finalmente. Ainda estava magoada, chocada, devastada, mas estava convencida de que precisava seguir em frente, de que Jared era só mais um babaca e que existiam outros caras legais. Eu conseguia superar, eu era forte. Então segui a minha vida, um passo de cada vez. Mas foi então que, numa noite chuvosa, fria e turbulenta, ele estava lá... Bem ali, no meu quarto, me observando enquanto eu dormia. Não pude gritar, ele já estava em cima de mim, tampando minha boca. Derrubei-o, consegui escapar, gritando em desespero, enquanto ele puxava os meus pés. Ele falava sobre vingança, me xingava, me batia... Então o meu pai estava na porta, me chamando, e tudo que senti antes da porta ser arrombada foi a lâmina da faca atravessando minhas costas e surgindo aqui na frente, bem no meu peito — toquei a cicatriz apagada, mas ainda ali, por cima do pano rendado do sutiã. — A lâmina da faca atravessou ao lado do meu coração, mas foi como se o tocasse, perfurasse, matasse... Naquele momento eu estava morta, Justin. — Flash's daquela noite terrível perturbava minha cabeça. As lágrimas queimavam minhas bochechas. Estava arrasada. — Quando eu acordei uma semana depois no hospital, eu já não era mais a mesma. Eu estava seca, vazia por dentro... Daquele dia em diante, eu me tornei isso. Convenci a mim mesma que as pessoas não poderiam me machucar, que era eu quem ditava as regras agora. Eu mudei o meu jeito de vestir, de agir, de ser... Jared finalmente estava na cadeia mas não foi o suficiente para me sentir aliviada. De orgulho da família eu passei para a maior decepção. Eu pensei que, sei lá, se eu fosse desejada por todos, se as pessoas me olhassem, talvez o vazio aqui dentro pudesse ser preenchido, mas ele só continua crescendo.

Cobri o rosto com as mãos e desabei ali mesmo. A dor me consumia como um prédio em chamas. Eu estava tão desolada, tão devastada, que não me importei o quão fraca estava sendo. Encolhi-me quando Justin me envolveu em seus braços, me acolhendo, me protegendo... Senti que poderia chorar em paz no seu peito para sempre.

— Eu sinto muito — disse ele em um fio de voz. — Meri, eu sinto tanto... Nem sei o que te dizer. Eu não imaginava, me desculpe. Eu nem acredito que uma coisa dessas aconteceu com uma pessoa tão especial quanto você... Sim, América, especial. Você é uma pessoa incrível, fantástica, não tenho palavras para descrevê-la. E se esse idiota não te respeitou, se ele te agrediu, te machucou, é por que ele não soube dar valor ao amor de uma garota incrível como você. Você não precisa dele, você não precisa derramar uma lágrima por esse desgraçado — sua voz era cheia de dor —, você só precisa saber que está cercada de pessoas que a ama e que fariam de tudo para vê-la bem. 

— Dói tanto, tanto, tanto... 

— Eu sei, eu sei — ele afagou meus cabelos. — Não se torne o que te feriu. Você merece alguém que te ame de todo o coração. Que esteja sempre ao seu lado e que ame cada pedacinho seu, principalmente os defeitos. Talvez nenhum de nós entenda o que realmente passamos ou sinta que tivemos tempo o bastante. É fácil se sentir esperançoso em um lindo dia como hoje, mas haverá dias sombrios a nossa frente. Dias em que você se sentirá sozinho, e é nesses dias que precisamos de esperança. Não importa o quão ruim fique ou o quão perdido você se sente, me prometa que você terá esperanças. Mantenha-a viva. Temos que ser maiores do que o que sofremos. Meu desejo para você é que se torne a esperança. As pessoas precisam disso. E mesmo se falharmos não há forma melhor de se viver. Você não está só, ruivinha. E ninguém vai machucá-la mais, eu não vou deixar. 

Por favor, não. Não deixe que me machuquem mais. Fiquei ali, nos seus braços, até que o choro foi cessando aos poucos e só restou as lágrimas frias e a dor. Afastei-me dos seus braços, limpando as lágrimas.

— Me desculpe por isso — me sentia estúpida. 

— Não precisa se desculpar — ele limpou uma lágrima fujona. — Você pode molhar minha camisa sempre que quiser.

Soltei um risinho sem muito humor.

— Você não está usando camisa, Justin — funguei. — Obrigada por me ouvir.

— O que eu posso fazer por você, América? — Ele olhou fundo nos meus olhos como se pudesse sentir minha dor.

Sua angústia era o reflexo da minha.

— Não há nada que você possa fazer — encolhi-me. — O amor não salva pessoas, Justin. O amor não nos dá esperança, ele a tira de nós.

— Não diz isso... — balançou a cabeça. — O amor é paciente. O amor é bondoso. O amor não tem inveja. O amor não ostenta. O amor não é egoísta.

— Isso é apenas um sonho, Justin... Um sonho não é realidade.

— Quem define qual é qual? — Ele nos deixou próximos novamente.

Limpei o rosto com a sombra de um sorriso nos lábios. Tudo bem, já chega deste assunto por hoje. Não queria mais lembrar do sofrimento. Queria apenas estar em paz comigo mesma uma vez na vida, acreditar que tudo ficaria bem.

Justin segurou meu rosto entre as mãos e me olhou com cautela, amor e carinho. Ele realmente estava tocado pela minha história.

— Você sempre terá á mim, América.

Encarei aqueles olhos sinceros e queria tanto acreditar... Abri um sorriso amarelo, os olhos pesados, o cansaço se apoderando dos meus ombros... 

— Eu não acredito que você me beijou — sussurrei.

Ele aproximou seu rosto do meu e cochichou como se alguém pudesse nos ouvir:

— E vou beijar de novo.


Notas Finais




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