Miiko sentia como se sua cabeça fosse explodir.
Não faziam nem 24 horas desde que invadiram o QG, mas ela sentia como se houvessem décadas. A situação ainda estava fora do controle, mas pelo menos tinham conseguido manter alguns dos habitantes a salvo.
Ao perceber que todos no porão estavam mais calmos, resolveu sentar-se um pouco; estava andando para lá e para cá a horas. Eram quatro da manhã e seu corpo já começava a demonstrar sinais de cansaço.
Arrependeu-se de ter se sentado assim que o fez: era só tomar uma pausa que as milhares de preocupações que tinha rodeavam sua cabeça.
Não tinha notícias de V’Klor a cerca de três horas; Jamon estava ferido – algo que ela nunca imaginou ver; Não fazia ideia do que acontecia do lado de fora, e não teve tempo de perguntar aos outros, já que estavam cada um cumprindo sua tarefa.
E o pior nem era o fato de que Leiftan havia sumido e assim, deixando-a sem um ombro amigo. Não. O pior era o fato de que Nymmir havia sido capturada, segundo Nevra. Justo ela, a filha de V’Klor e de Ktya, a única humana no QG que lutava a favor de Eldarya e, consequentemente, a peça chave para resolver tudo aquilo.
Havia enviado Ezarel para busca-la, usando uma poção de rastreamento ou sei-lá-o-quê. O que importava era apenas se ele a encontraria ou não.
--.
A medida que o trio se aproximava, Nymmir sentia que seu coração ia parar a qualquer momento. Centenas de perguntas passavam por sua mente, mas não focava em nenhuma delas. Só conseguia pensar em como aquilo era possível.
A mulher que havia dado a luz à ela estava ali. Assim como o homem que deveria ter criado seu irmão, cujo o qual nem fazia ideia da existência até aquele dia.
Quando a senhora que aparentava ter cerca de cinquenta anos a abraçou, Nymmir não soube como reagir. Seu corpo travou em uma única posição e todos seus músculos se enrijeceram; tentava o máximo que podia demonstrar algum tipo de compaixão, mas não era capaz.
Os dois mais velhos choravam a ponto de soluçar. Mas os olhos de Nymmir estavam secos.
– Nossa filhinha... – A mulher alisou os cabelos da filha, que recuou involuntariamente. Querendo ou não, aqueles eram totais desconhecidos.
– P-perdão. – O homem que até então estava chorando, gaguejou. Tanto ele quanto sua esposa sabiam que a situação poderia ser demais para Nymmir; mas era impossível evitar o choro, por mais que tentassem.
Procuraram por ela por tantos anos... Desde que havia sido raptada. Esse foi um dos grandes gatilhos para que a guerra de humanos contra faeries realmente tivesse início: um bebê tinha sumido e mantido como refém, deixando a família desolada.
Por mais que vinte anos desde o acontecimento tenham se passado, a dor era a mesma. E, finalmente, haviam se reunido. Sonharam com esse momento por tanto tempo...
– Eu sou Jorah. – O homem de cabelos grisalhos sorriu, tentando se acalmar e transmitir a tranquilidade que não tinha. – Essa aqui é a Mia, nós somos casados...
Um silêncio constrangedor invadiu o ambiente. Não tinham muito o que falar, na verdade.
Permaneceram calados por um tempo, mas seu irmão – que mais tarde descobriu ter o nome de John – disse que deviam seguir andando, para que pudessem chegar à instalação principal que ficavam.
Nymmir logo constatou que estavam longe do QG; nunca teve muita liberdade para ir para fora, mas conhecia o exterior e aquele era um lugar totalmente desconhecido. Se perguntava se já estavam procurando por ela; V’Klor e Ktya com certeza pirariam se soubessem de seu sumiço. Sempre foram extremamente superprotetores.
Suspirou, triste. Só queria escapar daquele lugar e abraça-los. Era coisa demais para um dia só.
O caminho era complicado; era madrugada e as rochas desorganizadas no chão atrapalhavam muito na hora de andar. Jorah e Mia tinham uma dificuldade imensa em prosseguir, já que não tinham a mesma disposição que os outros. John seguia ao lado dos dois, alertando-se a qualquer deslize e tendo certeza de que estavam bem.
Os três lançavam olhares discretos para Nymmir, que tentava ignorar. Querendo ou não, aquela era a sua família biológica e eventualmente teriam que interagir; mas ela tentava evitar essa situação o máximo que podia.
Nymmir sentiu Leiftan se aproximar. Não queria conversar com ele; não queria conversar com ninguém. Estava confusa e estressada por estar sendo vigiada.
– Como vão as coisas? – O loiro deu um de seus típicos sorrisos confortantes, mas não foi correspondido. A humana estava desconfiada dele; é natural que estivesse relutante quanto a sua proximidade.
– Um traidor, hein? Nunca iria prever isso vindo de você. – Ela disse com certo veneno na voz. Estava indignada com o fato de um dos membros mais importantes da Guarda Reluzente ter traído seus princípios dessa forma.
Leiftan se sentiu ofendido, mas relevou. Nymmir não sabia nem metade da história.
– Eu entendo que esteja confusa. – Disse, cordial – Você vai entender mais tarde. Por enquanto, só tente aceitar a situação. Tudo vai melhorar em breve.
A outra revirou os olhos.
– Quando eu voltar ao QG, contarei tudo a todos. – A de cabelos castanhos ameaçou.
– Você não vai voltar para lá. – A feição de Leiftan mudou completamente; estava sério e parecia ter convicção no que falava, o que assustou a mais nova. Nunca tinha o visto se dirigir a alguém de forma tão rude.
Após algumas horas de caminhada já havia amanhecido e todos estavam exaustos. Então, quando se aproximaram do acampamento, todos agradeceram aos céus por terem chegado.
Todos menos Nymmir, é claro.
O lugar estava menos povoado que o comum, já que a maioria tinha participado na invasão. Lá estavam as crianças, os idosos e algumas mulheres grávidas, além de uns poucos jovens encarregados de manter todos seguros.
As tendas estavam empoeiradas, assim como as roupas de quem estava por lá. Apesar de ser um local com pedras, o solo era seco e arenoso, então, quando ventava, voava areia para todo lado.
Os indivíduos no local olharam curiosos para Nymmir; ela era mais conhecida do que pensava ser. Todos foram abraçar Jorah e Mia, que respondiam com sorrisos e estavam nitidamente movidos.
Após um tempo, foram comer. Nymmir não se sentia muito bem, mas precisava de ir e ficar atenta a tudo que falariam; tinha que saber quais seriam as próximas ações dos inimigos.
Ela estava alerta e anotava mentalmente qualquer comentário que fosse feito; queria reunir o máximo de informações e tentar entender um pouco do lado inimigo. Talvez eles não fossem tão maus assim.
Fez um sinal de negação com a cabeça, afastando esses pensamentos. Se o lado dos humanos estivesse certo, não seriam tão violentos quanto foram com os inocentes no QG. Não conseguia se esquecer da cena dos soldados agarrando à força os habitantes.
Voltou sua atenção ao que comia. Enquanto a comida era preparada, ouviu um dos que estavam cozinhando mencionar que era carne de algum animal. Nunca havia comido aquilo antes, então torceu para que não fosse os restos de algum mascote. Jamais se perdoaria se fosse; mas a fome era tanta que não gastou muito tempo refletindo sobre o assunto.
– Gostou? – O garoto de cabelos ruivos, Carl, perguntou a Nymmir assim que ela terminou de comer – É frango. A gente não costuma comer coisas da Terra, mas você é uma convidada especial.
– Parece... borracha. Com sal. – Não queria parecer mal-educada, mas não mentia. Não é como se tivesse odiado, o gosto só era diferente.
Uma senhora de idade um pouco afastada de todos pareceu ofendida. Nymmir se desculpou logo em seguida, mas o clima ficou meio estranho depois do comentário.
– Bem, você está acostumada a comer pão e mel. Deve ser estranho mesmo. – John, que estava ao seu lado, sorriu – Na Terra tínhamos muitos animais. Trouxemos alguns pra cá, mas a maioria morreu depois de um tempo.
Os demais humanos passaram um tempo conversando sobre como amavam carne e como sentiam falta de fazer uma refeição “completa”.
– Olha, apesar disso, eu acho aqui muito mais legal que a Terra. – Sagan disse – Cara, em Eldarya os gatos falam! Tipo, quêêê?! – Exagerou na fala, com uma expressão divertida.
– Isso sem contar com os unicórnios, sereias vampiros... – Lyssa concordou e pôs um fio de cabelo rebelde atrás da orelha – ...também tem aqueles com orelhas de coelho, qual é o nome mesmo?
– Brownies. – Carl afirmou depois de um tempo, com o mesmo tom divertido na voz que os outros jovens tinham.
– Pera, isso não é nome de comida? – Todos deram risada com o comentário de John. O moreno também riu, mas percebeu um desconforto vindo de Nymmir e fez um sinal para que os outros parassem.
Ela estava indignada com tamanho desrespeito; aquelas pessoas estavam brincando com uma das raças mais comuns e antigas do mundo. Preferiu guardar seus comentários para si, não queria discutir e estava cansada demais para isso. Em vez disso, levantou-se e seguiu para a tenda que mais cedo tinham dito ser dela.
Deitou-se num pedaço fino de pano, e não demorou muito para sentir lágrimas escorrerem por seu rosto. As segurou por muito tempo, mas quando viu que estava sozinha, permitiu-se desabar. Era coisa demais para um dia só.
Virou para o lado e fechou os olhos, esperando acordar no dia seguinte e descobrir que tudo foi um pesadelo.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.