A trombeta ecoou pela floresta, alta e profunda.
Fael parou o que fazia e fechou os olhos para escutar os ecos.
Ele reconheceu a trombeta, tão parecida com o rugido de uma fera.
— É o sinal — ele disse para seus amigos, mal contendo a felicidade. — O sinal do primeiro Javali Lança após o inverno. Ainda que seja mais tarde que o normal, a Caçada vai começar!
— Calma, Fael — disse seu amigo, virando-se para o som. — Sei que você só quer vencer outra Caçada pra se casar com a Lia, mas tá muito tarde que o normal esse ano. Talvez não seja o sinal do Javali…
— Sim, pode ter acontecido alguma com eles na montanha durante este inverno — disse o outro.
— Não é a primeira vez que isso acontece…
—Vi caçadores perto da montanha — disse Lia com o rosto pesaroso. — Disseram que os plebeus tão fugindo das cidades. Por causa disso, os estoques de comida estão diminuindo e tem pessoas querendo se arriscar caçando Javalis durante o inverno.
— Quem seria louco de caçá-los nessa época?
— Pessoas desesperadas.
— Pessoal, tenho certeza de que aquela trombeta foi pra informar que alguém avistou um Javali — disse Fael, balançando a cabeça para os amigos. Ele aguçou os ouvidos tentando localizar o som.
Enquanto o jovem liderava o grupo na direção do som por entre as árvores, eles escutaram uma segunda trombeta vindo da mesma direção.
O jovem parou, sentindo o coração afundar e o sangue congelar.
Mesmo sem trocar olhares, Fael sabia que os amigos sentiram o mesmo.
Uma trombeta significava que algo incomum aconteceu ou uma chamada para fazer os membros a Tribo da Floresta se reunir.
Mas duas significava que havia inimigos na floresta.
Não importava, mesmo se isso alertasse os inimigos; só eles poderiam descobrir a origem do som naquela floresta que enganava os sentidos dos forasteiros.
Eles continuaram, mesmo temendo o que poderiam encontrar.
Inimigos? De novo…? Após tanto tempo? Com o coração pesado, Fael chegou à origem do barulho.
— O que é isso…? — perguntou, tentando chegar ao centro da comoção.
— Fael… — Uma garota mais nova que admirava o rapaz desviou seus olhos.
Aos poucos, as pessoas se reuniram em círculos e notaram sua chegada, abrindo espaço para ele.
Então, Fael viu.
Havia dois Javalis Lanças mortos no meio do círculo.
Olhando mais de perto, suas barrigas foram cortadas.
— Quem… ou o que poderia fazer isso com eles? — perguntou alguém.
Ninguém falou nada.
Fael percebeu o que todo mundo pensava. Ninguém da Tribo da Floresta mataria um Javali Lança.
Não após o inverno, não durante a temporada de acasalamento.
Porque, se afetassem o ciclo dos Javalis, isso afetaria a floresta, e a eles.
— Poderiam ser predadores? Não podemos afirmar que são inimigos… — disse uma pessoa com a voz trêmula.
Os outros murmuraram, concordando, tentando afugentar as memórias de dez anos atrás de suas mentes.
— Que tipo de predador poderia matar dois Javalis nessa época, quando estão o mais violentos do que o normal? — perguntou Lia.
A multidão ficou quieta após o que ela disse.
Ela tem razão… Não tem como um predador conseguir matá-los nessa estação… o que só pode significar…
— Alguém encontrou sinais de inimigos na nossa floresta? — perguntou, olhando em volta.
Uma garota com não mais que catorze anos, deu um passo adiante. Ela segurou o chifre em uma mão e apertou algo na outra.
— E-Eu encontrei isto — gaguejou ela, tremendo enquanto entregava a lâmina quebrada para o rapaz.
Fael segurou-a na frente dos olhos, seu rosto perdendo a cor enquanto encarava seu reflexo na lâmina cega.
Enquanto a faca era passada, todos mostravam a mesma reação; medo.
Já vi essa lâmina antes, pensou Fael, quando o pequeno metal alcançou suas mãos novamente.
As memórias que voltavam com cada pesadelo encheram sua mente.
É o mesmo tipo de arma…
Ele passou o dedão na ponta, sentindo o frio do metal se espalhar por si.
Após a Grande Invasão de dez anos atrás, a Tribo da Floresta começou a usar metal pela primeira vez em sua história.
Como não podiam trabalhar o metal, eles compraram do reino. Espadas, facas, pás, machados e muitos outros itens que poderiam ser úteis a eles.
Mas a lâmina quebrada era curvada.
E ninguém no reino forjava lâminas curvadas.
Ninguém de fora do deserto.
É claro que eles voltaram… as mesmas pessoas que mataram meus pais e muitos outros…
Um a um, as pessoas reunidas em volta dos cadáveres de animais viraram-se para o oeste, a direção em que o deserto ficava além da floresta deles.
— Não podemos lutar contra eles… — disse um jovem.
— Seremos destruídos dessa vez… — chorou uma garota.
— Precisamos de ajuda… — falou uma senhora de idade.
Os pedidos e lamúrias diziam o mesmo.
Fael também sentia aquilo. Por mais que quisesse, jamais poderia se esquecer da tragédia de dez anos atrás.
Quando os Habitantes da Areia quiseram invadir o Reino atravessando a floresta.
Queriam pegar o Reino desprevenido.
Porém, nunca pensaram que perderiam metade de suas forças para a Tribo da Floresta.
Graças a eles, o Reino conseguiu organizar suas forças e lutar contra os invasores.
Mas com um grande custo.
Perdemos tantos daquela vez…
A Tribo da Floresta mal conseguiu sobreviver apenas com os jovens e velhos.
E sem qualquer ajuda do Reino.
Fael tentou, mas não podia segurar as lágrimas.
Todos aqui perderam tanto…
Perdi minha mãe e pai… e até a Faela me deixou…
— Precisamos pedir ajuda ao Reino desta vez — disse um dos anciões sobrevivente daqueles dias.
— Mas, ancião, eles não vão chegar aqui a tempo — respondeu alguém que não se identificou.
— E eles nunca nos ajudaram — disse Lia, com a voz amarga. — Por que nos ajudariam agora?
— Ainda assim, precisamos pedir — disse o ancião, com a voz firme. — Ainda que não tenham ajudado, agora é do interesse deles também.
— Precisamos de provas — disse Fael, despertando do transe de suas memórias. — Esta lâmina não será o bastante.
— Você tem razão…
— Pode ser só um Habitante da Areia foragido… É difícil saber o que tem na cabeça daquele povo…
— É… você tem razão — concordou um dos membros do grupo de Fael, e mais pessoas murmuraram, parecendo convencidas.
Mas, antes que eles pudessem elevar suas esperanças, o ancião bateu com sua bengala no chão.
— Precisamos descobrir — disse com a voz grave que sobrepôs todas as outras. — Precisamos saber se há qualquer Habitante de Areia dentro de nossa floresta.
Dito isso, a discussão acabou.
Eles se dividiram em dois grupos.
Um grupo vasculharia a floresta e o outro avisaria o resto da Tribo sobre a situação, certificando-se de que todos estavam aptos para realizar suas tarefas.
Fael se juntou ao grupo de vasculha, que se dividiu em vários grupos menores e mais rápidos.
Mas todos tinham a mesma missão; encontrar provas de que realmente havia invasores dentro da floresta deles.
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