O som esborrachado da quadra e a bola rolando, até bater na parede ao mesmo tempo em que algo bateu forte dentro do tórax de Yamaguchi. Ele perdeu a bola, e ela ecoou ao fundo. Yamaguchi decidiu ali que iria embora e, quando saiu da quadra ao fim do set, não diminuiu o passo, nem ouviu a voz de seus colegas, nem virou o rosto para olhá-los, nem deu muita importância para como sua garganta ardia e suas mãos suavam. Durante aquele treino, Yamaguchi foi embora porque sentiu que não tinha mais nada para fazer. Havia tentado de tudo: estudado, treinado, escutado, sorrido, e ainda assim não tinha mais nada para fazer. É claro que ninguém lhe disse isso. Pelo contrário, seus colegas de time eram tão gentis que chegava a doer. Dava a impressão que eles não tinham fé nos próprios elogios, mas não pronunciavam nada além de palavras bonitas. Era meio raso, e Yamaguchi não gostava quando colocavam-no no raso sem que pudesse mergulhar nas entranhas das coisas – liquidez que se sente e não se dá pra pôr em palavras.
Desse dia em diante, Yamaguchi parou de ir aos treinos. A quadra não era mais seu chão, e a bola nunca tinha lhe pertencido durante os segundos em que conseguia tocá-la. Seu chão agora era o chão do quarto, onde ficava estirado quando chegava mais cedo em casa, e não havia nada que lhe pertencesse. Não é como se tivesse arrependimentos do que fez e que não fez: é mais preciso dizer que não tinha nada, e o nada é nada. Chegava a parecer que o tempo se arrastava, mas vai ver quem se arrastava era Yamaguchi, contando as madeiras do chão do quarto até que dormisse e acordasse para recontá-las mais uma vez.
Foi num dia meio sem graça que Tsukishima brigou com ele. O sol de depois do almoço brilhava forte no rosto de Yamaguchi, e o azul do céu era tão vazio que esmagava. Fazia tempo que os dois não conversavam. Não voltavam mais juntos pra casa porque os horários eram diferentes – não passavam mais tempo juntos na aula porque estavam diferentes. Tsukki parecia decepcionado, vendo através de tudo com olhos tão distantes que não lembravam mais os do garoto com quem Yamaguchi passara a infância. Ele puxou Tadashi pelo pulso e disse qualquer coisa sobre não desistir, mas recebeu como resposta apenas o olhar chorão de sempre, de quando os dois eram crianças, e Yamaguchi nunca segurava as lágrimas. Alguma cigarra cantou durante o silêncio.
Tsukishima não subestimava palavras bonitas como os outros, nem as poupava das obviedades semânticas que nem sempre são tão óbvias. Se você ainda não quer desistir, não desista, ele disse, e quando Yamaguchi murmurou que era impossível, Tsukki fez de conta que não ouviu. Estamos esperando, ele continuou, e Yamaguchi não entendeu. Não entendeu porque alguém se daria ao trabalho de esperá-lo, se melhor seria que o esquecessem logo. Mais fácil. Nunca havia feito nada para ninguém. Nunca havia sido excepcionalmente habilidoso nem excepcionalmente gentil, mas era inútil que ele pensasse nessas coisas, porque ele mesmo nunca foi bom em perceber o quão querido era. Mesmo nesse momento, as palavras bem escolhidas de Tsukishima azedavam nos ouvidos de Yamaguchi, e ele se sentiu mais fraco do que nunca. Não encarou Tsukki e, mais uma vez, deixou que as cigarras respondessem por si.
Já no chão do quarto, ao chegar em casa, enjoou de contar madeiras e passou a contar as vezes que não conseguiu tocar na bola do jeito certo. Como se rebobinasse uma fita cassete, voltou para quando jogava com Tsukishima na infância. Naquele tempo, quase sempre errava a bola; mas, quando acertava, sorria de orelha a orelha pro céu. Apesar de azul, naquele tempo o vazio do céu não esmagava nada: pelo contrário, dava até emoção de jogar a bola bem pro alto, pra ver o azul a abraçando como quem abraça tudo.
O azul, o verão, a voz do Tsukki, a grama, as risadas, o vôlei – Yamaguchi amava tudo isso, mas em algum momento esqueceu que essas coisas também estavam em sua fita. Nessa fita, que deveria ser azul, provavelmente com alguma etiqueta onde um dia foi escrito algo à canetinha vermelha, Yamaguchi nunca foi muito querido pela bola. Pelo contrário, ela nunca fizera questão de ir até suas mãos e parecia detestar ser tocada mesmo que por fração de segundo. Acontece que, se fosse ao contrário, vôlei nem teria graça. O melhor sempre foi correr atrás da bola, e se um joelho fosse ralado por isso ou lágrimas rolassem a cada ponto perdido não tinha tanto problema, porque apanhar a bola antes dela tocar o chão era só o que importava. Enquanto o fim não chega, sempre há chance de fazer a bola cair do lado do adversário. O que faz o jogo ser jogo é óbvio, mas Tadashi nunca havia pensado muito sobre isso.
Olhando pro azul do outro lado da janela, ele teve vontade de sacar mais uma vez.
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