História Regeneração - Capítulo quatro

  Olhei pro meu corpo que mais parecia uma refeição completa, com direito a macarronada e suco de laranja, Karin ria descontroladamente enquanto eu tirava o excesso de macarrão e molho de minha roupa, mas ainda sim ficaria uma mancha enorme.

 - Ops, caiu.- ela falou pegando um guardanapo e limpando suas mãos.

 - Por que você fez isso?- perguntei me levantando de maneira raivosa.

 - Porque eu não queria mais, e você foi o primeiro lixo que eu vi.- as pessoas que olhavam a cena, riram com sua comparação.

  Vi Sasuke ameaçar levantar, mas Suigetsu segurou seu braço o olhando de soslaio, como se quisesse que Sasuke provasse algo a ele. Isso fez o moreno se sentar novamente e olhar para o outro lado do salão, desviando os olhos da cena.

 - Você é mais ridícula do que pensei, qual é o seu problema?- perguntei tomando uma postura mais rígida.

 - Meu problema é você, não só meu como o de todo mundo. Ninguém gosta de você, só é mais uma bolsista paraquedas que veio parar aqui pela testona que tem, eu sinceramente não sei porque a escola ainda insiste em dar bolsas de estudo para gentinha como você, se toca garota. Você é apenas mais uma vadia interessada em..

  Antes que ela terminasse minha mão já tinha ido de encontro ao seu rosto, puxei minha mão vendo seu rosto virado para o outro lado, ela mantinha a mão em cima do local acertado, e eu apenas olhava para minha mão, incrédula com o que tinha acabado de fazer. O silêncio no refeitório era perturbador, ninguém sabia como reagir a isso, nem eu sabia o que fazer agora.

 - Sua vadia.- gritou agarrando meu cabelo.

  Grunhi apertando seus pulsos para que ela me soltasse, novamente minha cabeça foi de encontro a algo, dessa vez era a mesa, empurrei ela com força e segurei minha cabeça tentando normalizar a tontura, logo ela já estava em cima de mim novamente, suas unhas  grandes entravam na pele dos meus braços por baixo da manga folgada da camiseta, desferi um soco em seu rosto, estava pronta para acertar outro quando um grito estridente me fez paralisar. Senti meu nariz arder e logo um filete úmido escorrer até meus lábios, aquela vadia era uma covarde.

  A diretora, Tsunade, andava em passos rápidos e pesados em nossa direção, me levantei encolhida limpando o sangue que escorria com a manga da blusa verde que além do tom alaranjado do molho, agora carregava uma mancha carmesim.

 - O que está acontecendo aqui?- gritou com sua voz potente, fazendo um imenso arrepio percorrer minhas costas.

 - Ela me atacou tia. Uma bruta sem escrúpulos, uma ogra, olha o que me fez.- mostrou o rosto avermelhado e uma unha quebrada. 

  Sorri de maneira cínica, ora essa, onde já se viu fazer isso com a pobrezinha?! A diretora me olhou com uma sobrancelha arqueada enquanto eu ainda segurava a manga da blusa contra o nariz que ainda sangrava.

 - O que está pensando atacando uma aluna assim senhorita Haruno? E é diretora, Karin, não tia.- a ruiva fez um bico inconformado, mas acenou em concordância.

 - Acho que você deveria perguntar o que realmente aconteceu.- respondi e mordi a lingua ao ver ela estreitar os olhos em minha direção.

 - Está dizendo que eu não sei o que acontece na minha própria escola?- ela perguntou raivosa, enquanto um sorriso surgia nos lábios de Karin.

 - Não foi o que eu disse senhora, eu quis dizer que...

 - Eu entendi muito bem o que você quis dizer, na minha sala agora.- apontou em direção a saída do refeitório, suspirei cansada, foi uma péssima ideia ter vindo até aqui.- Os demais em suas salas, o intervalo acabou.- ainda ouvi resmungos enquanto caminhava para fora do salão.

  Entrei na sala e me sentei na cadeira em frente a mesa marrom de madeira, ouvi a porta fechar atrás de mim, e automaticamente meu corpo enrijeceu na cadeira. O corpo da diretora caiu pesado na sua poltrona.

 - Vai me explicar o que aconteceu agora?- perguntou retirando uma garrafa de saque da gaveta, estreitei os olhos para a cena, mas disfarcei quando ela me olhou de maneira desafiadora.

 - Eu tinha ido resolver um assunto com o Uchiha, e então Karin começou a me agredir verbalmente e depois colocou o pé na frente para que eu caísse e então jogou a bandeja com o seu almoço em cima de mim. Eu não aguentei e explodi, quando percebi já tinha acertado o seu rosto e o resto a senhora já sabe.- falei enquanto balançava a cabeça espantando a dor aguda que incomodava.

 - Você deveria ter me comunicado e não ter partido pra cima da sua colega, isso é inaceitável nesse colégio.- revirei os olhos por impulso e respondi mais uma vez.

 - É inaceitável, mas parece que ninguém vê o que Karin e as amigas fazem aqui, ou a senhora tomou providências sobre a surra que elas me deram ontem sem um motivo? E também, que direito ela tem de fazer o que faz? Isso tudo é uma merda.

 - Eu peço que meça suas palavras, vou te dar uma advertência Haruno, espero que isso não se repita.- fechei minhas mãos com força e mordi meu lábio inferior para conter o palavrão.

 - Devo agradecer?- perguntei de maneira sarcástica.

 - Deve sim, pois se fosse uma suspensão você não faria mais parte da HSNY.- meu ar fugiu dos pulmões com a menção de sair dessa escola.

  Me levantei com as pernas bambas e saí da sala, caminhei pelo corredor até o banheiro, abri a torneira jogando água várias vezes no meu rosto, olhei minha blusa que não tinha mais salvação, eu tinha manchado uma blusa outro dia e até hoje não saiu, essa muito menos.

  A porta do banheiro se abriu me fazendo virar em alerta, mas suspirei aliviada ao ver a Hyuuga entrar de maneira cautelosa e me analisar com um olhar preocupado.

 - Oi, Sakura né?- perguntou estendendo a mão.

 - Oi, é sim.- ela concordou e tirou da bolsa uma camiseta de manga longa azul.

 - Veste, a sua está muito manchada, eu trago de reserva, pode ficar.- ainda meio insegura peguei a blusa e troquei rapidinho.

  Ela virou de frente pra mim e sorriu, aprovando o caimento da peça.

 - Obrigada.- sussurrei olhando o detalhe das pérolas em volta da gola, a blusa era uma graciosidade.- Por que está me ajudando?

 - Não acho certo a maneira que Karin te trata, nem a superioridade que ela acha ter sobre a escola, eu não estava lá, mas fiquei sabendo... você sabe, os...

 - Eu sei, entendo. Obrigada de qualquer forma, é bom conversar com alguém que não seja um seguidor daquela maluca.- ela riu baixinho e concordou.

 - É sim. Mas agora preciso voltar, aula do professor Ibiki e sabemos como ele é.

 - Meu Deus! Esqueci completamente da aula.- fiquei afobada enquanto soltava meu cabelo e refazia o rabo de cabelo.

 - Fique calma, já avisaram que você estava na direção, então não tem problema, fique essa aula aqui e respire um pouco.- paralisei concordando com a cabeça.- Tchau Sakura, foi bom conversar com você.

 - Tchau Hinata-san, foi muito bom conversar com você. Obrigada pela blusa, amanhã eu devolvo.- falei dando um pequeno aceno.

  Me virei de frente para o espelho novamente enquanto ouvia porta se fechar atrás de mim, encarei meu reflexo por vários minutos, as olheiras agora visíveis, estavam arroxeadas e eu pensei quantas noites eu passei em claro, isso era uma droga, viver era uma droga. Voltei pra sala de aula quando percebi que a aula estava prestes a acabar, pedi licença e me sentei olhando pra janela, eu podia sentir olhares sobre mim, não sei de quem são, mas eles sempre estão lá.

  Logo a aula de biologia se iniciou, o professor Orochimaru era uma espécime rara por assim dizer, com seu jeito afeminado e sério de ser acabava se tornando algo bem peculiar, mas eu até ia com a cara dele, melhor que a Anko, com certeza.

  Assim que o sinal bateu, arrumei minhas coisas e como de praxe fui a última a sair da sala, caminhei até minha humilde residência, literalmente, tomei um banho rápido e troquei de roupa, vesti uma calça jeans preta e meu all-star, coloquei a blusa da lanchonete, Starbucks, e peguei um casaco rosa no mesmo tom que meu cabelo. Prendi o mesmo em um coque e deixei a franja solta, sai de casa e tranquei a porta.

  Assim que cumprimentei Nell, segui até a área dos funcionários e coloquei o avental, lavei as mãos e coloquei a touca no cabelo. Voltei pro balcão e comecei a ajudar no atendimento e preparo dos pedidos, a tarde estava bem movimentada por causa do especial da casa, apesar de ser uma terça-feira. O dia se passava agitado e isso era bom, fazia com que eu me distraísse e não pensasse nas coisas que mais tinham me sufocado nos últimos dias, ou até mesmo nos olhos ébanos, que me tiravam totalmente de órbita, mesmo sabendo que era um território proibido.

 - Sakura, atende pra mim.- Nell pediu me estendendo um bloquinho de papel, peguei-o e me virei em direção da mão levantada.

  Mas meus pés travaram no mesmo instante, será que até aqui eu não teria sossego, suspirei e caminhei até a mesa cinco, meu corpo estava totalmente tenso e minha mente repetia inúmeras vezes que isso era uma roubada, mas eu ignorei todos os sinais e continuei a andar, aliás, era meu serviço atender todos, e isso incluía ela.

Ela e seu grupinho.

Karin, Matsuri, Sasuke, Hinata e Naruto estavam sentados na mesa aguardando, respirei fundo e olhei em direção a Nell, com a esperança de que ela pudesse atende-los para mim, mas ela já estava ocupada em outra mesa. A mão de Matsuri continuava a balançar no ar e eu já sentia daqui o ar pesado que aquelas duas emanavam. Caminhei até lá com o melhor sorriso que eu conseguia.

 - Boa tarde, já escolheram seus pedidos?- perguntei simpática, querendo ou não eu tinha que ser gentil com os clientes, estava no regulamento.

 - Ora Ora, não sabia que trabalhava aqui. Se bem que, pobre desse jeito tinha que trabalhar em algum lugar.- sua risada escandalosa repercutiu pelo estabelecimento, atraindo olhares de alguns clientes.

 - Já decidiram o que vão querer?- repeti a pergunta tentando ignorar todos os meus pensamentos assassinos contra certa ruiva falsificada.

 - Vou querer um café amargo e um pedaço de torta de tomate.- Sasuke falou me entregando o cardápio, seus olhos tão intensos encarando os meus me fez novamente ter a sensação de que já tinha os visto antes. Mas é claro que já, todo dia na escola sua anta, meu subconsciente gritou comigo.

 - Quero um cappuccino de chocolate e um pedaço de torta de morango.- concordei anotando o pedido da Hyuuga que me olhava de maneira preocupada.

 - Vira outra folha que o pedido é grande.- o loiro de olhos azuis e pele bronzeada, mais conhecido como Naruto falou, enquanto esfregava as mãos.- Dois pedaços grandes de torta de frango, dois pedaços de bolo de chocolate, dois croissant de queijo, um cappuccino grande de chocolate e pode trazer também umas três tortinhas de morango.

  Anotei tudo de forma desajeitada, já que o loiro falava tudo rapidamente e sem pausas, me perguntei como é que ele ia comer tudo isso sozinho, mas lembrei da fama de "comilão" dele, ou até mesmo de "sem fundo". Observei as duas outras cobras que se olhavam e trocavam sorrisinhos, estreitei os olhos pensando qual seria a próxima artimanha da vaca ruiva.

 - E vocês?- perguntei esperando uma resposta que não vinha.

 - Dois cafés com creme, dois pedaços de bolo com bastante cobertura de chocolate e quatro tortinhas de limão.- falou Karin olhando a amiga que apenas assentiu.

  Anotei novamente os novos pedidos e pedi licença me retirando, entreguei os pedidos a Nell e comecei a preparar os cafés enquanto ela pegava o restante dos pedidos.

 - Hei Saky, você está bem? Está meio pálida.- comentou Nell enquanto colocava os pratos em duas bandejas.

 - Está sim, só estou um pouco cansada.- respondi forçando um sorriso.

Ela assentiu e me entregou as bandejas, coloquei os cafés e cappuccinos em outra bandeja e levei até a mesa, primeiro a bandeja com bebidas. Entreguei o pedido de cada um, ignorando os comentários ácidos de Karin e os risos debochados de Matsuri. Voltei pegando a bandeja de Naruto e entreguei ao mesmo.

 - Obrigado Sakura-chan.- falou dando uma grande mordida na torta de frango, assenti com a cabeça, voltando para pegar a última bandeja.

 - Aqui.- entreguei a torta de Sasuke e a torta de Hinata.

  Me aproximei de Karin e sua amiga, mas senti meus pés enroscarem em algo e meu corpo desequilibrando-se foi ao chão, grunhi sentindo a dor aguda no pulso assim que meu corpo caiu por cima do mesmo, a bandeja foi pelos ares e logo pousou em cima do meu braço o que causou um pequeno corte por ter caído de ponta e ser de alumínio. O chão estava totalmente sujo e percebi as xícaras de café jogadas ao meu lado o que me fez estreitar os olhos com o pensamento rápido, não havia xícaras na bandeja, aquela vadia não fez isso.

 - Olha só o que você fez sua imunda!- gritou Karin se levantando de maneira afoita.- Minha bolsa nova, sabe quanto custa? Você estragou ela.

  Sua voz era tão alta e estridente que logo Nell estava ao nosso lado, os clientes observavam tudo de maneira vidrada. 

 - O que aconteceu? Saky, você está bem?- perguntou Nell analisando a situação.

  Antes que eu pudesse responder, o som de saltos batendo contra o piso foi ouvido, um súbito frio subiu pela minha espinha, eu estava ferrada.

 - O que está acontecendo aqui?- perguntou Pakura, a dona do estabelecimento.

 - A sua funcionária que é uma desastrada incompetente, olha o que ela fez.- apontou para sua bolsa.

   Minha chefe me olhou por um instante, seu olhar de superioridade e desprezo já mostrava as consequências desse pequeno infortúnio.

 - Eu sinto muito querida, Sakura ainda não sabe como se comportar, mas isso não irá voltar a se repetir.- falou sorrindo falsamente para uma Karin "furiosa".

 - Eu quero ela fora daqui.- exclamou fazendo meu corpo se comprimir em desespero, eu não podia perder esse emprego.

 - Mas eu não..

 - Quieta Sakura, você está errada.- abaixei minha cabeça me sentindo humilhada, todos olhavam a cena com curiosidade.

  Aceitei a ajuda de Hinata para me levantar, a mesma tinha um olhar preocupado e tristonho.

 - Vou falar com ela, pode deixar.- sussurrou enquanto pegava a bandeja e me entregava.

 - Não Hinata-san, isso é apenas um pretesto pra ela fazer o que sempre quis.- falei enquanto recolhia os restos de comida que estavam no chão.

 - Deixe isso ai, Nell irá cuidar disso. Quero você na minha sala agora.- engoli em seco assentido e olhei mais uma vez para Karin que sorria contente.

  Entreguei a bandeja a Nell, a mesma me olhou com pena o que me fez desviar os olhos dela, os mesmo já se enchiam de lágrimas, mais uma vez a vida estava me dando uma rasteira. Sentei na cadeira diante de Pakura e me preparei psicologicamente para o que viria.

 - Bem Haruno, isso não é a primeira vez que acontece, já ouvi reclamações suas de outros clientes e sinceramente, esse foi o estopim. Não posso manter alguém incompetente na minha lanchonete e ainda mais uma que não faz nada para mudar isso.- ela despejava as palavras em cima de mim de maneira fria.

   Eu nunca dei motivos, sempre fiz muito bem meu trabalho, não sei que clientes poderiam ser esses, mas então um flash de memória me veio, só poderia ter sido eles, Mebuki e Kizashi Haruno. 

 - Eu posso mudar, prometo que isso não vai voltar a se repetir.- falei desesperada em manter meu emprego.

 - Agora é tarde, quero que arrume suas coisas e saia.- falou tirando um envelope médio de uma das gavetas e me entregando.

 - O que quer dizer com isso? O que é isso?- perguntei receosa enquanto pegava o envelope branco.

 - Você não é mais minha funcionária. Você não pertence mais ao Starbucks.

   Senti meu mundo desabar diante de meus olhos, eu tinha sido demitida? Eu estava fora? Minha cabeça dava voltas e mais voltas, minha boca tinha secado e meus olhos transbordavam em lágrimas. Por que isso estava acontecendo de novo? Eu não conseguia ter nada na vida sem alguém vir e me arrancar de maneira bruta.

 - Ai está sua carta de demissão, juntamente com o acerto de contas, eu não te devo mais nada. Agora peço que você se retire, por favor.

  Meus olhos ainda fitavam o envelope de maneira perdida, ouvi a cadeira ser arrastada e seus passos pela sala, ouvi a porta ser aberta em um claro convite para que eu me retirasse. Me levantei sentindo as pernas bambas e saí. Caminhei até a sala dos funcionários e recolhi minhas coisas. O choro, ainda entalado na minha garganta me sufocava, transformado em um grande bolo. Sem saber o que fazer ou para onde ir, saí pela porta dos fundos, não queria ter que dar explicações a Nell ou até mesmo encarar Karin e os outros.

  Eu me sentia perdida, eu não sabia que direção seguir e quase fui atropelada por causa dessa falta de atenção, caminhei até o outro lado da rua e o vento bateu no meu rosto secando as lágrimas que só agora havia percebido que caiam como cascatas. Eu estava em apuros mais uma vez, e estava sozinha como sempre estive. O céu fechou e começou a chover, ali eu percebi que o céu entendia a minha dor e derramava lágrimas junto comigo.

  Cheguei em casa embaixo da torrente de água que caia sem pena, me escorei na porta escorregando até o chão, deixei minhas coisas caírem ao lado do sofá velho e chorei. Chorei alto, soluços de desespero, um pedido de socorro que eu sabia que ninguém ouviria, a dor no meu peito aumentava cada vez mais, os pensamentos negativos iam me invadindo cada vez com mais força. A vontade de gritar era tanta que eu gritei, gritei alto com a esperança de que alguém pudesse me tirar desse poço que eu estava, desse lugar escuro, solitário e cruel que o mundo havia me jogado. Minha garganta reclamou do esforço, as lágrimas depois de um bom tempo secaram, deitei ali mesmo, na soleira da porta e me deixei ser embalada pelos meus piores pesadelos.