Três anos depois...
- Alô. – Atendo o telefone ao receber a décima chamada de Aly no dia.
- E aí, já entrou no avião? – Já perdi as contas de quantas vezes ouvi essa pergunta hoje. Mesmo depois de todos esses anos minha amiga não perdeu o costume de exagerar em quase tudo.
- Ainda não! – Respondo rindo da afobação dela. – Nem sai de casa ainda, sua louca! Estou terminando de conferir minha mala, só vou pro aeroporto daqui algumas horas.
- Aaaah, eu vou morrer de tanto esperar! Vem logoooo!
- Calma, nós já ficamos 3 anos separadas, mais um dia e algumas horas não vão te matar!
- Tá bom, eu vou parar com o drama, sua estraga prazer. – Ela fala do outro lado da linha e eu posso até mesmo ver sua cara emburrada na minha mente. – Mas não esquece de me ligar assim que estiver embarcando!
- Credo! Tá parecendo minha mãe... Agora vou desligar pra terminar isso aqui, senão eu não saio hoje!
- Tá doida? Você tem que sair daí hoje!
- Então para de me ligar de 20 em 20 minutos e me deixa fazer o que eu tenho que fazer!
- Tá eu já entendi, vou desligar. Beijos e vê se vem logo! – Ela fala, bem-humorada. Ia responder, mas ela desligou na minha cara.
Essa daí não tem jeito mesmo.
Três anos já se passaram desde a última vez em que vi Aly, e mesmo assim não perdemos o contato, o mesmo não pode ser dito sobre as outras meninas. Tanta coisa aconteceu de lá pra cá... Quando penso nos dias que passei na Coréia sinto muita saudades. Aquela foi provavelmente a viajem mais maluca que já fiz na vida. E agora aqui estou eu, me mudando para Coréia. Nunca imaginei que isso fosse acontecer um dia, estou deixando o Brasil, e dessa vez sem previsão para voltar.
Assim que voltei da minha viajem, perdi meu emprego, me vi obrigada a voltar a morar com meus pais, e isso estava sendo um inferno. Apesar de os amar muito, eu passei mais de um ano morando sozinha e ao voltar a morar com eles, muitos atritos se formaram entre nós, já que eu acabei formando uma rotina própria que não combinava muito com a rotina de meus pais. Não vejo a hora de voltar a morar sozinha!
Me formei na faculdade a um ano atrás e até então não havia conseguido um emprego fixo, apenas alguns bicos de vez em quando. Isso apenas contribuiu para prolongar minha estadia na casa dos meus pais. Estava ficando desesperada quando Aly me deu a notícia que me salvou a pátria! A empresa para qual ela trabalha, a mesma que ela começou a trabalhar na época em que voltei para o Brasil, havia aberto uma vaga na minha área. Não perdi tempo e enviei meu currículo. Isso aconteceu dois meses atrás e semana passada eles me enviaram a resposta. Eu consegui meu primeiro emprego depois de formada!
A felicidade não cabia dentro do meu peito, eu estava oficialmente empregada na mesma empresa que minha melhor amiga, ia voltar a vê-la com frequência, voltar a morar sozinha e ainda por cima, estava voltando para a Coréia!
Essa última semana tem sido extremamente corrida. Tive que alugar um apartamento, dar entrada no processo de imigração e arrumar todas as minhas coisas em uma semana, quase morri louca. Por sorte a empresa me ajudou com a parte burocrática, se não estaria ferrada. Agora tudo já está pronto e eu pegarei o avião para minha nova vida hoje à noite, mal posso esperar!
Em um dos e-mails que troquei com a empresa enquanto resolvia tudo, fui informada que um dos fatores decisivos que os levaram a me escolher para a vaga foi a minha fluência em inglês, espanhol (que aprendi nesses três anos), e coreano, obviamente. Meus esforços estavam sendo recompensados e eu não poderia estar mais feliz por ter decidido aprender todas essas línguas anteriormente.
A princípio meus pais foram contra eu tentar esse emprego, eles estavam preocupados que eu tivesse outro motivo para querer voltar para a Coréia, e esse motivo tem um nome que eu preferiria nunca mais ouvir. Porém, assim que consegui convencê-los de que não estava indo atrás do Jihoon, eles me apoiaram.
Durante um longo período eu sofri por ele, esquecê-lo foi uma das coisas mais difíceis que já tive que fazer, mas hoje, orgulhosamente, posso afirmar que ele ficou no meu passado. Consegui até mesmo me relacionar com outras pessoas durante esses três anos, apesar de estar solteira e de nenhum desses relacionamentos ter durado mais do que três meses.
Um ano depois do nosso término, Jihoon me mandou várias mensagens no Facebook. E foi nesse momento que eu percebi que havia conseguido esquecê-lo, pois não me senti afetada pelas palavras dele. Pelo menos não do jeito que eu imaginei que ficaria. Nas mensagens ele dizia que sentia minha falta, que eu era a mulher da vida dele, que ele havia errado quando terminou comigo, entre outras coisas do gênero. Todas lotadas de erros de ortografia. Ele provavelmente estava bêbado quando mandou tudo aquilo. Pois no dia seguinte ele mandou uma nova mensagem se desculpando. Eu não respondi nenhuma das suas mensagens, tudo que senti foi um misto de pena e compaixão.
Termino de conferir minha bagagem e decido me arrumar para a viagem. Pego a roupa que separei, uma toalha e me dirijo ao banheiro. Tomo um banho demorado e me visto, cantarolando. Saindo do banheiro sinto o cheiro da comida da minha mãe encher minhas narinas, fazendo minha barriga roncar.
Vou até a cozinha e flagro minha mãe em frente ao fogão, dançando ao ritmo de uma música qualquer da Anitta que toca no rádio. Me aproximo dela sem que ela perceba e quando chego perto o suficiente pergunto:
- O que você está fazendo?! – Ela dá um pulo, se assustando com minha aparição repentina.
- Quer me matar do coração garota?! – Ela pragueja, com a mão em cima do coração. Fazendo com que eu ria da cena.
- Também te amo. – Brinco com ela. – Mas sério, que cheiro bom é esse?
- Estou fazendo seu prato favorito, afinal, só Deus sabe quanto tempo você vai ficar sem comer a minha comida... – Enquanto ela fala, vejo seus olhos marejarem. De novo não! Desde que ficou certo que eu me mudaria, minha mãe começa a chorar toda vez que tocamos no assunto.
- Não chora, mãe! – Digo a abraçando. – Não é como se eu estivesse indo pra uma guerra ou algo do tipo. Nós ainda vamos nos ver muitas vezes, e não se esqueça da tecnologia para mantermos contato. Não tem motivo pra você chorar. – Enxugo as lágrimas dela.
- Você tem razão, eu vou parar, onde eu estava com a cabeça. – Ela diz dando leves tapinhas no próprio rosto. – Por que não vai chamar seu pai para almoçar? O almoço está quase pronto.
- Estou indo! – Dou um beijo na testa dela e vou procurar meu pai, que provavelmente está se escondendo em sua caverna! ... Digo... Escritório! Sério, ele passa o dia quase todo lá, trabalhando. Ele precisa dar um tempo, e interagir mais com a minha mãe, principalmente agora, que eu não estarei aqui para fazer companhia para ela.
Bato na porta e escuto um “entre” vindo de lá de dentro. Abro a porta e coloco apenas minha cabeça para dentro do recinto sagrado do meu pai.
- A mãe está chamando para comer. – Digo, olhando para a parte de trás de sua cabeça, já que ele nem mesmo se virou em minha direção, de tão compenetrado que está em seu computador.
- Uhm... O que?... Ah, claro, claro.... Já vou. – Ele acena para mim, ainda sem olhar na minha direção. Incomodada, eu insisto.
- Pai! – Nada. – Pai! – Eu perco a paciência. – PAI! – Finalmente eu consigo sua atenção.
- O que foi? – Ele pergunta, dessa vez olhando para mim.
- O almoço está servido, vêm comer. – Saio, deixando a porta aberta e volto para a cozinha.
Ajudo minha mãe a colocar os pratos e a comida na mesa. Assim que eu e minha mãe nos sentamos, ele aparece, e se senta, já começando a se servir. Minha mãe olha para ele irritada e pigarreia, chamando sua atenção. Ao ver seu olhar, ele larga a colher automaticamente pedindo desculpas.
- Essa é nossa última refeição juntos durante muito tempo. – Ela começa um pequeno discurso. – Vamos aproveitar ao máximo esse momento juntos, certo? Nós te amamos tanto filha! E vamos sentir muito sua falta, mas é o que dizem, nós não criamos nossos filhos para nós mesmos, mas sim para o mundo, e você está voando sozinha pela primeira vez. Só nunca se esqueça que eu e seu pai sempre estaremos aqui, caso você queira voltar. – Dessa vez sou eu que sinto meus olhos se enchendo de lágrimas, não esperava um almoço tão emocional assim. – Não é mesmo querido?
- É claro! Nossa pequena garotinha, não importa quantos anos você tenha, nem mesmo o fato de que você agora será uma mulher independente, para nós será sempre nossa garotinha.
- Para gente, vocês vão me fazer chorar! – Reclamo, enxugando as lágrimas.
- Ok, chega de drama, vamos comer! – Minha mãe faz o que eu peço e interrompe o momento fofura de segundos atrás. – Atacar!
Dessa forma, nos servimos, e começamos a comer, conversando sobre coisas aleatórias. Vou sentir muitas saudades deles. A comida da minha mãe, como sempre, estava deliciosa. Após o almoço, minha mãe tira a mesa, e pede que continuemos sentados, estranho, mas faço o que pede. Ela então volta com um pacote de presente nas mãos. Ela me entrega, dizendo que é apenas uma lembrancinha para que eu não me esqueça deles, como se isso fosse possível. Era um porta retrato com uma foto da minha família. Depois de apreciar o presente e agradecer, guardo-o na minha mala. E, dessa forma, eu fui capaz de aproveitar cada segundo da minha última refeição e da minha última tarde com eles.
Antes de sair de casa vou ao meu quarto, pego minhas malas e visto meu casaco favorito. Sim, aquele mesmo casaco que trouxe comigo por engano, do cara que passou minha última noite na Coréia comigo. O cheiro do casaco havia saído há muito tempo atrás, mas por um motivo ainda desconhecido, me sinto muito bem com ele. Sempre que preciso de conforto ou estou me sentindo mal, visto esse casaco e me sinto automaticamente bem, virou um hábito. E por esse motivo, ele virou meu casaco favorito. Parece certo que eu volte para a Coréia vestindo ele, afinal, eu vesti ele há três anos atrás quando deixei o país. Sei lá, na minha cabeça faz total sentido.
Não consegui recuperar minha memória daquela noite, mas de vez em quando eu sonho sobre ela. É sempre o mesmo sonho, e eu nunca consigo ver o rosto do homem a quem eu acredito que o casaco pertence. É realmente frustrante, mas fazer o que?
Perto das quatro da tarde, meus pais me levam até o aeroporto e lá nos despedimos oficialmente, entre mil e uma lágrimas. Até meu pai, que geralmente não chora, derramou algumas. Dei um último abraço apertado em cada um deles e entrei na área de embarque. Mandei uma mensagem para Aly, avisando que estava embarcando e entrei no avião. Coréia, se prepare, pois aqui vou eu!
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