1. Spirit Fanfics >
  2. Remendos -Fillie >
  3. Capítulo 18

História Remendos -Fillie - Capítulo 18


Escrita por: MabelSousa

Notas do Autor


Boa leitura ❤️

Capítulo 19 - Capítulo 18


Por mais que eu quisesse me mexer ou dizer alguma coisa simplesmente não consegui. Meus olhos não conseguiam se desviar da silhueta negra de Finn encostada no balcão do pequeno estabelecimento. O que ele estava fazendo? Veio comprar presentes para ela como pedido de desculpas pela forma que a tratou mais cedo? Com certeza. Não era possível por em palavras a dor que irradiou do meu peito ao constatar o fato.

-Você quer ir até lá? -Noah disse tentando arrebater o meu choque mas não adiantou.

O que eu iria fazer? Ir até lá e encontrar ele para pedir uma explicação para o óbvio? É claro que ele iria me encher de mentiras, mesmo sendo pego de surpresa com certeza iria conseguir pensar em algo a tempo para me enganar de novo. 

-Não. Vamos embora, agora. -Eu me virei para frente novamente, pegando minha bolsa com as mãos trêmulas embora firmes em cima da mesa.

-Sim, vamos.

Noah se levantou afastando sua bandeja de comida quase intocada e pegou meu braço talvez notando que eu não conseguiria impulsionar meu corpo para me levantar.

Saímos da praça de alimentação depressa, quase correndo e eu não olhei para trás. Tudo que eu queria era sair dali e me trancafiar em um lugar seguro a um raio quilométrico de distância do traidor do meu coração. Da mesma forma silenciosa entramos no carro e Noah arrancou do estacionamento como se tivesse sido possuído pela minha agonia de ir embora. Mesmo com a dor pulsando dentro do meu peito não consegui chorar, pelo menos até chegar na frente do meu apartamento.

Quando retirei o cinto as lágrimas já estavam rolando do meu rosto molhando minha camisa com as gotas que pingavam.

-Posso subir com você. A Sadie pode estar lá e você não vai querer encontrá-la sozinha nesse estado. -Noah disse também retirando o seu cinto.

-Não. Por favor. Eu quero ficar sozinha agora. -Eu pedi, saindo do carro antes que ele pudesse me contrariar.

Ele esperou até que eu fechasse o portão do prédio para sair com o carro. Eu subi as escadas de forma atônita, sem perceber que pisava torto de uma forma completamente perigosa correndo o risco de torcer o pé. Só consegui recuperar parte do meu fôlego perdido quando fechei a porta do apartamento nas minhas costas, sendo surpreendida pela sala de estar completamente revirada. Noah estava certo quando disse que talvez Sadie pudesse ter feito isso.

Em meio as lágrimas não consegui ter força o suficiente para procurá-la no seu quarto como deveria ter feito, ao invés disso apenas sai correndo para o meu, trancando-me no único lugar que sentia ser meu de verdade, o único que havia escapado da fúria de Sadie. Como de repente minha vida se tornou essa zona? Amizades desfeitas, raiva, mágoa, bagunça, destroços e um coração partido de novo. Era tudo o que me cercava. Tudo causado por uma única pessoa da qual eu deveria ter me defendido, a única que eu não conseguia de forma alguma arrancar de dentro de mim.

Você sabe que só vai ser feliz comigo.

Suas palavras vieram na minha mente, como uma enorme faca de dois gumes. Esse era o verdadeiro significado delas, por baixo da carapuça de Salvador havia um predador a espreita, esperando para me dar um golpe fatal. Eu deixei.

Joguei as minhas sacolas em cima da penteadeira e me encolhi em cima da cama, sem tirar os sapatos, afastando somente a bolsa do meu ombro. Aquela era uma posição conhecida, que mesmo tendo evitado nos últimos dias era a única que me restavaa agora k. Meu choro ficou preso na garganta quando minhas lágrimas finalmente acabaram, e eu adormeci.

Passou-se cerca de uma hora quando meu alarme programado disparou e eu acordei com um breve susto, meu ouvido estava zumbindo e senti minha garganta seca. Levantei e uma pontada de dor de cabeça apareceu, acompanhando meu caminho até o banheiro num tum tum insuportável. Retirei as roupas e tomei um banho longo e quente, deixando que a água levasse toda a aspereza que sentia no meu corpo. Eu fiquei a um passo de me entregar totalmente a ele, estava disposta a passar por cima de todas as coisas horríveis que já tinham acontecido, o que incluía a ameaça de Iris na nossa vida, até descobrir que ela não era somente uma ameaça, na verdade ele nunca a deixara.

Gruni de raiva deixando a minha tristeza em segundo plano, era sempre assim, um ciclo vicioso e dolorido, estávamos bem daí ele mentia, dai vinha a tristeza, a raiva, seguidos por suas palavras bonitas e promessas vazias e por último o meu perdão, como tantas outras vezes. Isso definitivamente tinha que acabar.

Sai do banheiro com a toalha enrolada na cabeça e me sentei em frente a penteadeira, desembaraçando os nós dos meus cabelos recém lavados. Meus olhos sempre muito castanhos claros agora pareciam amarelos e sem vida, assim como eu me sentia por dentro. Sequei os cabelos desistindo de tentar fazer qualquer penteado e apenas os deixei soltos e levemente enrolados nas pontas. 

Voltei para a cama e desfiz o embrulho com meu uniforme, escolhendo um par de calcinha e sutiã azul claro para pôr por baixo da roupa. Quando me sentei para calçar a meia calça que havia comprado meu celular vibrou e eu o peguei, sentindo minha mão queimar vendo o nome de Finn na notificação.

Já está se arrumando? Passo aí daqui a pouco. Saudade de você linda.

A mensagem me lembrou que ele havia combinado de me levar ao restaurante, antes de sair e comprar presentes para ela, meu subconsciente me alertou. Me senti incapaz de responder com qualquer coisa para que ele soubesse que eu sabia de tudo, era mais fácil me vestir depressa e sair antes dele aparecer. Sem pensar duas vezes desliguei o telefone e terminei de colocar a roupa o mais depressa possível.

Passei um pouco de pó no rosto para amenizar a vermelhidão em baixo dos olhos e sai do quarto sabendo que ainda faltava meia hora para que eu tivesse que estar no restaurante, mesmo assim não dava para esperar, se ele aparecesse tudo iria por água abaixo e eu prefiria desmoronar outra hora. A sala estava da mesma forma, folhas de revistas espalhadas e cacos de vidro foi tudo o que restou de uma coleção de copos. 

Balancei a cabeça negativamente, a porta do quarto de Sadie estava trancada e nenhuma luz escapava por baixo dela, talvez ela tenha saído.. mas pra onde? Uma sensação de culpa e medo me tomou, eu deveria ter vindo pra casa, não ter passado a tarde no shopping, deveria ter ligado pelo menos, ter tentando falar com ela quando cheguei mesmo sem saber se estava ou não em casa, tantas possibilidades e eu sempre escolho a errada. Atravessei a sala pulando por cima dos cacos com meus novos saltos e fechei a porta, planejando limpar toda aquela bagunça quando chegar, era o mínimo que poderia fazer.

Peguei o celular na bolsa enquanto descia e o liguei com a intenção de chamar um Uber ou táxi para me levar, assim que me conectei a internet uma nova mensagem de Finn chegou, mostrando que fora enviada a alguns minutos enquanto o telefone estava desligado. Era apenas um ponto de interrogação, exigindo uma resposta para sua mensagem anterior. Revirei os olhos e deletei a conversa inteira, não era muita coisa então não teria nada do que me arrepender depois.

Cliquei no aplicativo para chamar o Uber quando já estava quase no final das escadas, haviam carros a cinco minutos de distância e eu agradeci mentalmente por isso, quando desci o último degrau um ronco auto de motor invadiu meus tímpanos fazendo meu coração acelerar quando vi o jaguar preto parar com uma freada brusca na frente do prédio. Finn desceu do carro e caminhou na minha direção ate parar na frente do portão.

-Porque não respondeu? Achei que tivesse dormido e perdido a hora. -Sua fala começou ríspida mas sua voz se suavizou aos poucos ao me ver pronta do outro lado. Ele estava usando uma calça jeans e uma camisa branca que não lhe era carácteristica, mas que combinou perfeitamente com seus cabelos escuros, admirar sua beleza mesmo que momentaneamente me fez me odiar. -Espera, você já estava de saída? -Ele perguntou, só depois notando que eu já estava completamente preparada para sair.

Eu dei um passo para trás mesmo estando a salvo do outro lado do portão grande.

-Eu não vou com você. -Eu falei, voltando a olhar para o celular em busca de algum refúgio. Porque eu sempre perco a coragem na frente dele?

-O que? Porque não? Não foi isso que combinamos mais cedo? -Ele perguntou confuso, não olhei mas deu pra notar que suas mãos estavam nas grades que nos separavam. Continuei calada, esperando a internet colaborar e finalizar minha solicitação, meus dedos estavam tremendo e aquela altura não sabia se era de raiva ou desespero, um pouco dos dois talvez. -Porra, fala comigo! O que deu em você agora? -Ele gritou apreensivo, despertando finalmente minha voz que estava presa dentro de mim.

Minha mão que segurava o telefone caiu, e eu o encarei.

-O que deu em mim? -Eu repeti, era uma excelente pergunta. -O que deu em mim foi que eu acreditei em você, de novo, como todas as vezes. -Minha voz saiu num grito esganiçado. Ele me olhou confuso e mais uma vez tentou abrir o portão trancado.

-Do que você está falando? Que merda eu fiz agora?

Não havia nenhuma reação decente em mim e tudo o que eu consegui foi emitir um riso frio pelo quão irônico era a situação, como eu imaginei ele mais uma vez fingiria mesmo estando de pés e mãos atados.

-Eu vi você mais cedo no shopping, estava com ela não é? Foi isso que você fez? Bastou eu te dizer a droga de um não pra você sair correndo de novo pra ela... Ela gostou do presente? -Perguntei me aproximando das barras do portão, ficando a poucos centímetros dele.

Finn franziu o cenho e balançou a cabeça.

-Você não pode estar falando sério! Abre esse portão, me escuta antes de tirar conclusões sem saber a verdade. -Ele pediu, seu rosto vidrado no meu.

Era impossível discernir se ele estava sendo sincero ou não, mas como já cometi esse erro uma vez, decidi não dar espaço para que ele inventasse outra desculpa mentirosa.

-Vai embora... Você quer ficar com ela para de tentar me enganar. O que você ganha com isso? -Minha voz traidora falhou antes que eu pudesse controla-la.

Ele me olhou como se eu tivesse lhe atirado uma faca direto no peito, a dor em seus olhos quase me convenceu de que eu havia sido rude demais. Só quando ele passou a mão nos cabelos e se virou para ir para o carro eu pude constatar que ele  finalmente iria embora, talvez aceitando que não havia mais como tentar me enganar.

Observei atônita quando ele passou direto pela porta do motorista e abriu a porta traseira do carro, demorou alguns segundos para que ressurgisse do outro lado, trazendo as duas sacolas que eu havia flagrado mais cedo em suas mãos. Não pude conter um breve som que escapou da minha boca, mesmo assim coloquei a palma da mão sobre ela para silenciar qualquer outro que ousasse escapar.

Ele se aproximou de novo do portão e colocou as duas sacolas no chão, com cuidado olhando-as quase parecendo triste.

-Eu comprei uma bolsa nova pra você, sei que a sua antiga rasgou depois daquele assalto... E, bem, também comprei um novo estojo e todos os seus lápis e canetas que eu destruí naquele dia no refeitório. -Ele explicou, estranhamente calmo, como se eu não tivesse gritado as mais terríveis acusações a poucos minutos.

Minha garganta fechou, todo o acúmulo de raiva, desprezo e dor de antes se desmanchou dentro de mim, inundando-me até transbordar para fora dos meus olhos. Que merda eu havia feito?

Soltei a mão da boca e emiti um gemido baixo antes de conseguir falar.

-F-fin..

-Não. -Ele me cortou. -Deixa eu falar primeiro, só dessa vez ok?

Fiz que sim com a cabeça, passando a mão no rosto, recolhendo as linhas finas que se desenharam nele.

-Eu entendo que não confie em mim. Entendo toda a sua insegurança e seu medo, porque eu causei isso... Eu sei que seria diferente se eu fosse outra pessoa, uma que não tivesse feito tanta coisa ruim com você, mas eu não sou Millie, não posso apagar tudo o que eu fiz e arrancar essa desconfiança de você na marra como eu queria... Mas eu achei que você já tivesse percebido que eu estou tentando melhorar, tentando ser uma pessoa melhor pra você, porque ao contrário de mim você nunca mereceu o jeito como te tratei..-Ele engoliu em seco, ainda me encarando. -So que você também não pode dizer que vai pensar em aceitar ficar comigo, que vai tentar acreditar e confiar em mim quando na primeira chance você prefere acreditar em qualquer coisa menos em mim. Não sei mais o que eu posso fazer pra mudar isso, talvez seja hora de desistir.

-Não! Não! Para com isso! -Eu não espero que ele continue mesmo sabendo que não tem continuação, o medo se apodera do meu corpo e eu pego a chave do portão na bolsa, tremendo como se estivesse perto de ter um ataque se não conseguir abri-lo logo.

Finn me olha e diz alguma coisa mas meus ouvidos já não funcionam mais, tudo o que eu escuto é um zumbido terrível e alto que machuca meu cérebro. Eu não posso deixar que ele desista de nós por um erro meu. Quando finalmente consigo me livrar do portão, salto as sacolas no chão e corro na direção dele, esticando meus braços até agarrar suas costelas e afundar minha cabeça em seu peito. Ele se mantém no lugar embora eu sinta como sua respiração muda de repente.

-Não diz isso, por favor. Desculpa! Eu não devia ter te julgado assim. -Eu digo sem tirar meu rosto de seu peito, sentindo o trepidar calmo e passivo do seu coração.

-Ei, olha pra mim. -Ele segura meu rosto com as mãos me tirando do meu lugar preferido no mundo. Eu solto um silvo em protesto mas deixo que ele me encare. -Eu disse que entendo você, tudo bem, você tem motivos pra desconfiar de mim e se é pra ser assim não vai dar certo, não posso forçar você..

-Não! Eu já disse que não quero que diga isso! Para de tentar me deixar. -Eu o interrompi, sentindo novamente as lágrimas brotarem em meus olhos em meio a sua insistência coerente mas tão absurda aos meus ouvidos e ao meu coração. O medo de perde-lo é maior do que qualquer outra coisa que sinto no momento.

-Não vou deixar você, nunca. -Ele limpa minhas lágrimas com as mãos. -Mas você precisa entender que não pode ficar com alguém em quem não confia, não minta pra si mesma isso está errado.

-E o que está certo? Desistir de tentar? Eu sei que eu errei, eu tive um dia ruim e estava com a cabeça cheia, aí eu te vi lá... Agora eu sei que não faz o menor sentido, mas eu achei que fizesse antes.. me desculpa. Podemos.. superar isso? -Eu pedi, com todo o meu coração. Eu sabia que ele estava certo, sabia que era errado dizer que confiava nele agora sem saber se algo assim poderia acontecer de novo. Mas sinceramente, eu não me importava, eu não queria desistir.

Ele me olhou por alguns segundos e abriu a boca algumas vezes antes de conseguir emitir algum som.

-Você precisa pensar.. antes eu achava que isso era bobagem da sua cabeça mas agora eu entendo que é exatamente o que você precisa, eu não quero que algo assim aconteça de novo, você precisa me dar o benefício da dúvida da próxima vez.

-Isso quer dizer que você não vai desistir? -Eu insisti, necessitando ouvir algo concreto para me aliviar.

Ele hesitou antes de falar novamente.

-Podemos conversar sobre isso depois, agora eu não consigo pensar direito.

-Ok. -Eu me afastei de seu corpo sentindo pesar pela sua distância, mas ele estava certo. -Hum, eu vou chamar um Uber pra me deixar no trabalho.

-Não. Eu vim pra te deixar lá. -Ele puxou minha mão. -Vem, vamos você vai se atrasar.

-Espera. -Eu me desvencilhei de sua mão e peguei as duas sacolas no chão, sentindo o peso delas, haviam muitas coisas dentro.

Ele me observou, mas depois baixou a cabeça andando em direção a porta do motorista. Eu entrei em seguida, colocando as sacolas no colo depois de apertar o cinto.

-Não sei se você vai gostar da bolsa, mas achei que combinava com você. -Ele disse girando a chave para ligar o carro.

Coloquei a mão dentro da sacola e retirei de dentro a bolsa ainda envolta no plástico. Era branca, estampada com pequenos pardais azuis as alças eram de couro e haviam outras duas tiras na frente, formando um laço também azul. Ela linda e com certeza custava bem mais que a minha antiga ou a que Sadie havia me emprestado.

-É linda. Eu adorei. -Eu falei encantada, passando os dedos por cima do laço. -Não precisava.

Finn não tirou os olhos da estrada, e sua distância me doeu.

-A que você está usando mal cabe seus livros e também já esta gasta. A atendente me disse que essa aí é bem resistente. -Ele explicou sem olhar pra mim novamente.

Fiz que sim com a cabeça sem saber o que mais poderia dizer. Guardei de volta no plástico e olhei por cima da outra sacola, havia um estojo prateado coberto por pequenas tiras de glitter vermelho, ao seu lado diversos pacotes de lápis, pincéis, canetas e o que me surpreendeu um engradado de tintas aquarelas, eu gostava de pintar mas ele não poderia saber, eu nunca havia mensionado. Percebi naquele momento que ele me conhecia de verdade a ponto de ter o ímpeto de me presentear com isso, acertando em cheio.

-Nossa, é muito mais do que eu tinha antes... Obrigada Finn.

Em um impulso passei a mão sobre a dele que descansava em cima do freio de mão. Ele tremeu de surpresa, mas fiquei aliviada ao ver que não se afastou do meu toque.

-Não precisa agradecer, como eu disse eu estraguei suas coisas e me senti culpado por isso. -Ele respondeu, me presenteando com um sorriso sem graça.

Exalei o ar pelos lábios e meus ombros desmoronaram, pensando em como poderia de fato reverter o que eu fiz, como eu poderia agradece-lo e acima de tudo me desculpar por minhas acusações injustas, esse foi um dos dias mais exaustivos da minha vida e ainda estava muito longe de acabar . Permanecemos em silêncio o restante do caminho, naquele momento eu só queria que o restaurante ficasse a um milhão de quilômetros de distância pois mesmo com o clima ruim entre nós eu só queria ficar perto dele o quanto fosse possível.

Como se zombasse dos meus pensamentos o carro parou em poucos minutos em frente ao El Cacho, com relutância destravei o cinto de segurança.

-A Sadie vem pegar você mais tarde? -Finn perguntou quebrando o silêncio após desligar o motor do carro.

-Não. Acho que não. -Me lembrei da minha discussão com ela e me senti automaticamente triste. -Nós brigamos hoje mais cedo, ela nem estava no apartamento quando sai de lá.

Finn franziu o cenho mas foi educado o suficiente para não perguntar o motivo.

-Eu venho então.

-Tem certeza? Você está com raiva de mim e eu não quero te perturbar com isso.

Ele riu, balançando a cabeça, a imagem me fez sentir um comichão involuntário.

-Não estou com raiva. Só acho que nós dois precisamos de um tempo pra pensar, mas não é por isso que vou deixar de ajudar você, aliás eu já tinha dito que te pegaria então não tem nenhum problema. -Ele tamborilou os dedos no volante, enquanto observava o mini sorriso que se desenhou na minha boca.

-Eu agradeço então. Hum, bem, aproposito, posso deixar minhas coisas aqui? Não sei se terei onde guardar lá dentro. -Fiz um maneio com a cabeça indicando as sacolas em minhas mãos.

-Claro, deixa aí no banco de trás, você pega quando chegar em casa. -Ele não hesitou em responder.

Desci do carro e fiz exatamente o que ele pediu, depois voltei e encostei a mão para fechar a porta.

-Você está linda. Quer dizer, a roupa ficou bem em você. -Ele disse passando os olhos pelo comprimento do meu corpo.

Senti um frio na barriga em reação ao elogio que não estava esperando, mesmo que ele tenha feito quase de forma inconsciente, não pude deixar de me sentir levemente feliz de tê-lo agradado.

-Me avisa quando estiver saindo.-Ele pigarreou e olhou para frente, parecendo subitamente nervoso por ter me olhado de forma tão voraz.

-Tudo bem. Tchau. -Eu me despedi e fechei a porta.

Fiquei observando o vidro subir e sua imagem perfeita dentro do carro sumir diante dos meus olhos, com um ronco estrondoso o carro saiu e ele foi embora pegando a via expressa.

Agarrei a alça da minha bolsa velha e me virei para encarar meu novo trabalho. As luzes neon do lado de fora já estavam acesas e as portas abertas mostrando o pouco movimento das seis da noite. Caminhei e entrei passando por poucas pessoas que já estavam alocadas em mesas aleatórias debaixo dos quadros de artistas. Ao passar através do salão avistei Jacob parado ao lado do balcão do bar, pela forma como me olhava eu sabia que ele já havia me visto muito antes de entrar. Me aproximei e ele sorriu, estava usando novamente uma roupa social.

-Boa noite. A roupa ficou ótima pelo visto. -Ele me cumprimentou com um abraço desajeitado. Não pude deixar de me surpreender tendo em vista a forma como ele havia saído mais cedo da faculdade.

-Obrigada. -Me desvencilhei do abraço quando ele me soltou. -Então.. por onde podemos começar?

-Ansiosa? -Ele riu, fazendo seus ombros vibrarem. -Vamos, vou te apresentar ao pessoal primeiro.

Jacob virou de costas e eu o segui, entramos no corredor dos fundos, bem próximo a sala de Antony. Paramos em frente a um pequeno vão iluminado, onde havia uma porta com indicação de um banheiro e armários embutidos nas paredes brancas. Ele retirou do bolso um molho de chaves e selecionou uma, retirando-a do chaveiro.

-Você pode guardar sua bolsa aqui. -Ele me entregou a pequena chave marcada com o número oito. - Ali é o banheiro, tem um frigobar no canto da porta mas o pessoal prefere guardar os lanches na geladeira da cozinha.

Testei a chave na abertura do armário que ficava na altura dos meus ombros, ele abriu e eu guardei minha bolsa dentro.

-Não tem horário específico de intervalo, mas você pode ficar a vontade para descansar quando quiser, claro, se não tiver muito fluxo de clientes. -Ele explicou, momentaneamente parecendo muito profissional, as vezes esquecia que ele agora não era mais apenas um amigo da faculdade e sim o filho do meu chefe.

Jacob olhou para a porta e abriu um sorriso.

-Rebeca, ainda está por aqui?

Eu me virei, vendo uma mulher baixa de cabelos curtos e negros, ela estava uniformizada igual a mim, sua barriga proeminente me fez lembrar de quem era.

-Oh sim, mas hoje é meu último dia aqui. -Ela sorriu e continuou andando até estar ao nosso lado. -Entao você é quem vai me substituir?

-Sim. Prazer, Millie. -Ergui minha mão em cumprimento e ela apertou gentilmente.

-Espero que goste daqui, é um ambiente de trabalho muito bom. Quando meu pequeno nascer vou trazê-lo para conhecer o Tom, sou muito grata a ele por tudo. -Ela passou a mão pela barriga em um gesto comum em mulheres grávidas supus.

-É o seu primeiro filho? -Perguntei curiosa.

-Segundo, e não me leve a mal, mas espero que seja o último. -Ela riu e arrancou uma risada de Jacob. Ela era realmente muito simpática.

-Ela está só brincando Millie. -Ele balançou a cabeça negativamente ainda rindo, mostrando que sua relação com os funcionários era bem proxima. -Foi bom ver você Beca, mas agora preciso levar a Millie para conhecer o resto do restaurante.

-Ah certo! Foi um prazer Millie. -Rebeca se despediu com um breve aceno.

-Foi todo meu. Boa sorte pra você. -Eu desejei enquanto Jacob passava por mim saindo do recinto. Boa sorte? É isso que as pessoas desejam quando alguém está perto de ter um filho? Não sei, mas algo me fez me arrepender de ter dito aquilo.

De volta ao corredor Jacob entrou em outra porta, dessa vez me mostrando a cozinha grande e bem movimentada, haviam dois chefes e vários ajudantes, depois de ser apresentada a todos eles saímos e voltamos para o salão, eu sinceramente não havia decorado o nome de ninguém.

O restaurante estava pouco a pouco se enchendo de clientes e já haviam outros garçons e garçonetes a postos nas mesas, Jacob me levou até a frente do bar e acenou para uma garota loira que estava aparentemente sem clientes para atender, ela veio em nossa direção.

-Stacy, essa é a Millie. Ja te falei dela mais cedo. -Ele apontou para mim e ela sorriu, mostrando uma fila de dentes com aparelho.

-Sim, eu me lembro. Sou Stacy, acho que vou ficar responsável por passar a você algumas coisas sobre nosso atendimento.

-Espero não atrapalhar. -Respondi sem graça, enquanto dávamos as mãos.

-Ah que isso, deixa de besteira, vamos, vou te mostrar tudo.

Sem esperar minha resposta ela agarrou minha mão e me arrastou pelo restaurante, pelas minhas costas ouvi a risada de Jacob.

Fomos até o balcão próximo ao caixa e ela me entregou um cardápio, me explicando os pratos da casa, como eu deveria oferece-los e com que tipo de bebida combinavam, prestei muita atenção em tudo o que ela dizia sentindo falta de tomar notas, eu não tinha uma memória excelente por isso sempre anotava tudo, mas pensei que seria muito estranho fazer isso.

De inicio, apenas fiquei observando-a enquanto atendia alguns clientes, a forma de falar, de sorrir, se segurar os pratos e também de recolhe-lo das mesas especialmente os nachos que precisavam de cuidado redobrado para não quebrarem no percurso . Não parecia difícil, embora soubesse que precisaria de um pouco de tempo para ter tudo na ponta da língua como ela. Os outros garçons não pareceram se incomodar com minha presença, eram mais três garotos que pareciam ter minha idade, e duas mulheres mais velhas. Stacy era a única que falava comigo, de forma que acabei não me importando com os outros, me concentrando apenas em aprender tudo o quanto antes.

Ao longo da noite servi   sozinha duas mesas, anotando nas comandas pratos de quesadilla, enchilada e outros muitos tipos de saladas escolhidas, fiquei satisfeita com meu desempenho embora tenha tido a impressão de que precisava tentar ser mais alto astral e sorrir mais, assim como Stacy, tomei uma nota mental para me lembrar disso das próximas vezes.

Pouco a pouco o fluxo de entra e saida de clientes foi diminuindo até restar apenas os funcionários da casa. A noite correu muito rápido e eu não me sentia cansada, embora minha mente estivesse trabalhando muito mais do que meu corpo.

Me encostei no balcão do bar, onde Stacy estava quase debruçada conversando com o barman bonitinho, eu só queria saber se nós ja poderíamos em ir embora.

-Hoje você foi excelente Millie. -Ela riu piscando o olho para mim enquanto o garoto saia para secar algumas taças de vidro. -A melhor aluna que já tive.

-Obrigada. -Sorri de volta. -Gostei muito daqui, e obrigada por ter me ensinado tudo.

-Sem problemas. É bom agradar o chefe. -Ela mais uma vez soltou uma risada, dessa vez irônica, movendo os ombros de uma forma sugestiva.

-Como assim? -Eu perguntei em meio a um sorriso sem graça, sem entender o que ela queria dizer.

-Ah qual é? O Jacob costuma vir sempre aqui, mas nunca em toda minha vida o vi ficar durante todo o expediente. Acho que ele é apaixonado por você. -Antes que eu pudesse responder ela pigarreou fazendo um gesto com a cabeça. Eu me virei e olhei na direção.

-Millie, você já pode ir embora. -Jacob apareceu atrás de mim.

Eu não havia reparado que ele ainda estava aqui, depois que me deixou com Stacy não o vi mais, ele passou por mim e pôs a mão no meu braço de forma carinhosa.

-Deve estar cansada.

-É. Hum, sim. Vou pegar minha bolsa. -Eu gaguejei me livrando de seu toque, saindo em direção aos fundos do restaurante.

Estava me sentindo sufocada, ele já havia dito que não tentaria mais nada e que aceitaria que eu havia escolhido o Finn, mas suas ações sempre me levavam a acreditar que era mentira, e agora Stacy percebeu, eu não queria de jeito nenhum que aquilo se espalhasse, estremeci com a possibilidade dessa história acabar chegando aos ouvidos de Antony, ele com certeza não iria gostar nada.

Balancei a cabeça e abri o meu armário retirando minha bolsa de dentro. Ligando o celular recebi duas mensagens novas, uma delas era de Sadie, meu coração palpitou aflito e eu cliquei rapidamente para ler.

Espero que esteja tudo bem com você, não queria ter saído daquele jeito e deixado você para trás. Ainda estou processando tudo e preciso me afastar um pouco, falei com Noah e ele ficou de te levar amanhã pra aula. Vou passar a noite em um hotel. Espero que esteja disposta a conversar amanhã. Desculpa pela bagunça, tentei não quebrar nada seu.

Era tudo o que dizia, apesar da forma fria de suas palavras eu me senti um pouco mais aliviada sabendo que pelo menos ela queria conversar e se preocupou comigo mesmo eu não merecendo. Delizei a tela e cliquei na outra mensagem, meu corpo estremeceu ao ver que era anônima.

Entre o amor e o caos a linha é tênue.

Mais uma mensagem sem sentido. Quem quer que seja esta tentando de alguma forma me fazer perceber alguma coisa, ou só me confundir ainda mais. Todas as possibilidades que passavam na minha cabeça eram improváveis e não havia nada que pudesse ser relacionado a isso. Já ouvi essa frase antes, mas era algo entre amor e ódio. Porque então foi substituído por caos? O que isso significava? Matutei alguns minutos tentando encontrar uma resposta mas minha cabeça parecia extremamente vazia. Não tinha nada a ver com a primeira mensagem, ou tinha? Não sei. Resignada com minha falta de inteligência, fechei a aba e mandei uma mensagem para o Finn, dizendo que já estava pronta.

Guardei o celular na bolsa e ainda encabulada caminhei para fora do restaurante, a rua estava vazia exceto por alguns carros estacionados, presumi ser dos outros funcionários que ainda estavam limpando e guardando as mesas. Me encostei em uma mureta perto do meio fio e esperei uma resposta de Finn, como eu esperava não veio nenhuma. Jacob surgiu ao meu lado, balançando a chave de seu carro.

-Alguem vem buscar você? -Ele perguntou se escorando na mureta.

-Sim. -Respondi mesmo incerta.

-Esse alguém é o mesmo que veio deixar você?

Eu engoli em seco, virando meu rosto para encará-lo. Ele realmente estava me observando quando cheguei.

-Acho que as pessoas estão notando que existe algo entre você e eu. -Exclamei, observando a expressão em seu rosto mudar.

-Existe algo entre você e eu? -Ele perguntou, como se não soubesse do que eu estava falando.

-Eu quis dizer que é notável a forma como você me trata diferente das outras pessoas.

-Não acho. -Ele balançou a cabeça. -Enfim, se quiser eu paro de falar com você, pelo menos quando estivermos aqui.

Fiz que sim com a cabeça mesmo achando que isso não fazia sentido, éramos amigos, nada mais, embora soubesse que ele não via assim.

-Eu vou namorar com o Finn. -Eu suspirei, sem entender porque minha maldita boca tinha falado antes do meu cérebro processar a decisão que eu nem sabia que tinha tomado.

Jacob mexeu nas chaves, um gesto de desagrado mas não foi capaz de emitir nenhuma palavra.

-Desculpa. -Eu proferi, sabendo que não tinha mais o que eu pudesse falar para amenizar a situação.

-Não precisa se desculpar Millie. -Ele respirou fundo. -Quando ele pediu?

-A alguns dias. Eu precisava pensar antes de decidir... Sabe o que é engraçado? Nós brigamos e eu nem sei se a proposta ainda está de pé. -Olhei para os meus pés, tão diferentes dentro daquele sapato.

-Ele seria um idiota se voltasse atrás. Espero que não tenha sido por minha causa, a briga.

-Não. Dessa vez a culpa foi minha.

-Bem, tenho certeza de que ele vai relevar, assim como você sempre fez.

Era absurdamente estranho ter essa conversa com Jacob, eu não esperava que ele dissesse aquilo, muito menos que de certa forma me apoiasse.

-Achei que diria que ele vai me magoar.. essas coisas.

-Eu ainda acho provável. -Ele me olhou e eu me senti acuada. - mas não tenho o direito de julgar você por sua escolha, embora ache que você não parece feliz exatamente.

Senti um nó enorme se formar na minha garganta, é claro que eu não estava feliz, nem sabia se Finn ainda gostava de mim depois do que eu fiz, e se ele dissesse não? E se voltasse atrás? Levei as mãos ao rosto ao perceber que estava chorando.

-Não chora. Vem aqui.

Jacob me puxou e eu me choquei contra o seu peito ainda escondendo meu rosto nas mãos. Ele me apertou, e senti sua mão afagar meu cabelo. Estava tudo tão errado que nem me dei conta de que estávamos próximos demais.

Antes que pudesse me desvencilhar de seu abraço ouvi o ronco furioso e familiar de um motor dar um rugido antes de parar a alguns metros de onde estávamos abraçados, quando a luz do farol se apagou reconheci o jaguar preto reluzente. Me afastei depressa de Jacob em uma manobra que me fez tropeçar no sapato e como num filme despenquei de forma ridícula no chão, usando minhas mãos para amortecer a queda, o que não adiantou muito já que meus braços rangeram e eu gemi de dor.

Finn saltou do carro e em um segundo ele estava na minha frente, não consegui decifrar a carranca em seu rosto, ele não parecia com raiva, muito menos contente, havia uma coisa pior nele, uma que consegui depois de um tempinho destinguir como decepção.

Meus braços foram erguidos e Jacob me puxou do chão com um impulso, me fazendo novamente me chocar contra ele. As lágrimas rolaram de novo e eu fiquei sem força para empurra-lo para me livrar dos seus braços.

Finn se aproximou o bastante para me olhar nos olhos, minha visão turva em lágrimas fez seu rosto desaparecer quase por completo restando apenas um borrão diante de mim.

-Eu sabia. -Ele gruniu. Soltando todo o seu rancor e raiva de uma vez só com aquelas palavras. Ele havia entendido errado.


Notas Finais


Até breve ❤️


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...