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História Rex Meus - Lealdade


Escrita por: caulaty

Capítulo 14 - Lealdade


-Ele é seu irmão?! – Kyle perguntou, tentando tirar algum sentido daquele falatório confuso de Kenny.

O rei estava sentado em sua cama, semi-nu, com os pés descalços tocando a madeira do chão. Suas mãos estavam unidas entre as coxas, a coluna um pouco torta e os ombros tensos enquanto ele observava o loiro andando de um lado ao outro pelo quarto, esfregando o próprio rosto e sacudindo a cabeça. Kenny dizia muitas coisas, das quais Kyle tirava pouquíssimo sentido. Há poucos minutos, o loiro estava esmurrando a porta dele em batidas incessantes, quase desesperadas, e não era preciso observar muito para compreender que algo de errado havia acontecido. O rei fez muitas perguntas e suposições, imaginando os piores cenários possíveis, e demorou muito até que Kenny conseguisse formular frases completas para narrar o que tinha acabado de acontecer: um intruso invadiu o castelo e fora atrás do loiro, mas antes que suas intenções ficassem claras, o Toupeira interrompeu a conversa com algo que envolvia uma faca. É claro, Kyle pensou. Com Christophe, sempre havia uma faca envolvida.

-Meu deus, Kenny, quantos irmãos você tem?! – foi tudo o que o rei conseguiu responder.

-Isso não... Caralho, você tá prestando atenção? O doente do seu francês pregou a mão dele na porta!

O rei franziu a testa ao visualizar a cena mentalmente, depois sacudiu a cabeça para tentar afugentar o pensamento terrível. Christophe sempre usava de métodos muito primitivos, e era uma das coisas que o rei admirava nele, pois às vezes essa coragem se fazia muito necessária. Kenny não conseguia manter-se parado um instante e aquilo começava a perturbá-lo. A manga da camisa do loiro estava um pouco manchada de sangue, ele notou assim que abriu a porta, e aquela mão suja gesticulava no ar em desespero enquanto palavras gaguejavam para sair de sua boca.

-O que ele quer? Você me disse que não falava com sua família há anos.

-Eu não sei... Ele queria me encontrar. – Desde que deixara a cena, correndo ao encontro do rei, o cérebro de Kenny se recusava a funcionar propriamente. Mas agora, ele precisava pensar, e muito rápido, em justificativas. – Provavelmente ele... Eu não sei, vocês mandaram uma carta para Kupa Keep. Dizendo que eu estava aqui, não mandaram? Você me disse. Talvez ele queira me levar de volta, eu sei lá, você precisa me deixar falar com ele.

-Calma. – Kyle disse em um tom que fez Kenny franzir as sobrancelhas, porque era muito semelhante ao tom de um adulto que desconsidera totalmente as bobagens de uma criança. Era algo que Kyle fazia com frequência, mas até então, nunca o tinha incomodado. O rei se levantou da cama e se direcionou ao armário, abrindo-o sem pressa e selecionando o que vestir.

Kenny o observou o tempo inteiro com uma expressão que dançava entre confusa e irritada; seu peito subia e descia rapidamente de exaustão e ansiedade. As coisas finalmente começavam a ficar claras para ele, e Kenny desejava que não ficassem, porque o peso de sua decisão finalmente começou a decair sobre os ombros: seu irmão, a única pessoa presente a sua vida inteira (por bem ou por mal), seria jogado em uma cela gelada como aquela na qual ele viveu ao chegar no reino dos elfos. Ele podia se lembrar muito bem de cada noite fria que passara tremendo no chão da cela com o olho infeccionado e os cortes sangrando, o maxilar deslocado, sujo do próprio mijo, vomitando até achar que perderia a consciência porque seus ossos doíam tanto. Mas a inconsciência nunca chegava. Ele se lembrava da sensação gelada do piso em sua pele, de simplesmente não conseguir se aquecer, e aquilo tudo apenas no final do outono. Ele apenas era uma ameaça de perigo, mas ninguém sabia ao certo porquê ou como, e mesmo assim passara tanta fome e sede que por vezes só queria bater com a cabeça no piso até desmaiar. Tinha medo do que fariam com Kevin, que era muito mais descontrolado e agressivo do que Kenny, e o pior: que era um intruso declarado. Declarado pelo próprio irmão.

-Onde você vai? – O loiro perguntou quando o rei terminou de vestir o casaco.

Os cabelos de Kyle estavam bagunçados, já que ele estava deitado a espera de Kenny cerca de vinte minutos atrás, e seu rosto estava um pouco inchado de um cochilo que tirou quando Kenny demorou a chegar. O rei alcançou os sapatos que estavam sobre uma cadeira ao lado da porta, e sentou-se nessa mesma cadeira para vesti-los vagarosamente, puxando as amarras bem apertadas. Demorou alguns instantes para responder, e quando disse, sua voz veio em tom de obviedade.

-Um homem foi preso em meu castelo. Eu preciso saber o que houve.

-Eu estou te contando o que houve!

-Com todo respeito, querido, o seu estado emocional não é muito confiável. Preciso falar com os guardas, com Christophe, preciso saber o que trouxe esse homem até aqui.

-Tudo bem. – Kenny disse com um suspiro, esfregando a nuca nervosamente. - Vamos, então.

-Não, Kenny. – O rei respondeu com uma firmeza incomum entre eles, terminando de amarrar a bota e descruzando as pernas, tocando os pés no chão graciosamente. – Você vai voltar pra sua casa e dormir.

-O caralho que eu vou dormir agora! Kyle, aquele lunático esfaqueou o meu irmão. – Ele disse, erguendo a voz, gesticulando em direção à porta. – Você vai me deixar falar com ele.

Decaiu uma sombra sobre as feições do rei, mas o loiro não recuou: seus punhos estavam cerrados e o queixo levemente erguido, a boca entreaberta enquanto aguardava uma reação, mas por longos segundos, Kyle apenas o encarou, mascarando qualquer pensamento com uma expressão rígida. Calmamente, o rei se levantou, colocando um pé em frente ao outro em um andar semelhante ao movimento de uma serpente pronta para dar o bote. Kyle ergueu o dedo indicador para apontá-lo em direção ao loiro, com a testa franzida, umedecendo os lábios como se pensasse um pouco antes de falar. Parou ainda a alguns metros de Kenny.

-Você realmente pensa que, só porque eu sou louco por você, isso te dá algum direito de dar ordens? – Ele questionou em uma voz baixa, entre dentes, carregada de uma raiva contida que fez Kenny estreitar os olhos. – Dentro desse quarto, eu posso me ajoelhar para você e me submeter a todas as suas vontades. Mas você nunca mais se esqueça de que, nos assuntos fora daqui, eu sou um rei e você vai fazer exatamente o que eu mandar. Você entendeu?

O loiro levou alguns segundos antes de assentir com a cabeça, engolindo a seco suas palavras. Como um rebelde e um libertário, tais hierarquias faziam pouco sentido para ele. Mesmo assim, fez o que a situação exigia. Aproximou-se do ruivo com cautela, levando uma mão ao próprio peito, sussurrando:

-Desculpe, Majestade. Eu não quis irritá-lo.

Kyle balançou a cabeça.

-Tudo bem. Volte para o seu quarto, amanhã você pode conversar com seu irmão.

Kenny umedeceu os lábios e passou por ele brevemente, com a cabeça baixa. Kyle envolveu o tronco largo dele em seu braço para que ele parasse de andar, o que o loiro fez depois de um segundo de hesitação, e os dois se encararam com os rostos próximos. Os olhos azuis não queriam olhar para ele, mas Kyle envolveu o maxilar de Kenny com uma mão gentil, sentindo sob os dedos a barba que começava a crescer, tentando oferecer um sorriso que Kenny não retribuiu.

-Eu ordeno que você me beije. – O ruivo sussurrou com os lábios próximos ao queixo dele.

Os olhos do loiro enfim se focaram nos dele, mas o humano se manteve imóvel por um momento, roçando os dentes pelo lábio inferior. Levou sua mão para cobrir a de Kyle em seu peito, dando-lhe um apertão leve antes de afastá-la, porém não de forma brusca, desviando o olhar para a porta antes de continuar andando, desenroscando-se dos braços dele. Precisava sair daquele quarto.

-Kenny. – O rei disse hesitante, mas seu chamado não foi atendido.

. . .

Os dois irmãos McCormick sentavam frente a frente, separados por uma mesa de madeira muito familiar a Kenny: ele havia sido interrogado naquela sala pequena e miserável algumas vezes quando era mantido prisioneiro. A sala lhe parecia menos desagradável agora que ele não tinha as mãos presas por uma tira de couro que trancava sua circulação, embora ainda parecesse terrivelmente claustrofóbica e suja. Talvez não fosse a mesma sala que Kenny havia conhecido, porque essa tinha uma janela que iluminava muito bem o cômodo; era possível que aquela janela já estivesse lá antes, mas ele sempre era interrogado durante a noite, sob a luz alaranjada das tochas nas paredes. Agora, a luz natural da manhã tornava o rosto de Kevin dolorosamente visível para seu irmão: ele não parecia muito machucado, desconsiderando o roxo evidente na testa e na maçã do rosto. Kenny acreditava que ele mesmo havia provocado aqueles hematomas ao bater com o rosto na parede. Ele usava as mesmas roupas e continuava igualmente sujo como na noite anterior.

Os dois estavam em silêncio há mais de um minuto, o que parecia muito tempo para ficar em silêncio em um cômodo com alguém. Kevin não fazia contato visual, enquanto Kenny o encarava fixamente, mordendo o próprio lábio em ansiedade de dizer alguma coisa. Foi muito difícil convencer Kyle a deixá-lo falar com seu irmão sozinho, sem guardas, visto que Kevin havia se recusado a dizer qualquer coisa para qualquer pessoa e não falaria enquanto houvesse um elfo presente. Afinal de contas, essa era a instrução dada a todos os ladrões. Kenny sabia muito bem disso.

-Como está sua mão? – Kenny perguntou timidamente, quebrando o silêncio.

As sobrancelhas de Kevin se ergueram para a pergunta, de forma irônica. Kenny não podia ver a mão ferida dele porque os antebraços dele estavam apoiados nas coxas e suas mãos estavam entre as pernas, escondidas pela mesa que os separava.

-Minha mão? Você quer dizer essa aqui? – Ele respondeu enquanto dobrava o cotovelo para erguer o antebraço enfaixado, e Kenny precisou conter uma arfada diante da realização de que não havia mais uma mão ali; a extensão do braço de Kevin terminava no pulso coberto por ataduras. Após alguns segundos, ele abaixou o braço novamente, alisando-o com a mão que restara, rangendo os dentes em um misto de raiva e vergonha.

-Não, Kevin... – Foi tudo o que seu irmão pôde dizer, em uma voz desolada, encarando-o com os olhos carregados de dor. Levou a mão à testa e abaixou um pouco a cabeça, sacudindo-a. – Puta merda.

Durante um bom tempo, nenhum dos dois disse nada. Kenny apoiou os cotovelos na mesa e manteve a cabeça baixa, esfregando o rosto, não podendo ver como Kevin o observava com o maxilar tenso e bufava, impaciente com a compaixão dele. Porque não fazia sentido. Kevin passou a mão pelos cabelos sebosos e desviou o olhar, rolando os lábios para dentro da boca como se isso o ajudasse a conter um resquício de lágrima que ameaçava se formar em seus olhos. Ele nunca chegaria a derramar aquelas lágrimas, naturalmente, porque os McCormick não foram ensinados a chorar. Foram criados em meio às coisas obscuras e deformadas que chocam os fracos, mas não os McCormick.

-Eu não te vi ir embora ontem. Quando eles tiraram a faca da minha mão, eu comecei a perder muito sangue e a dor me fez apagar. – Ele começou a contar, fazendo Kenny erguer a cabeça para encará-lo, mas Kevin continuava com o rosto virado para a parede, contemplando o nada, narrando como se estivesse revivendo a cena. – Eu acordei em uma mesa. Não sei para onde me levaram, mas tinham quatro ou cinco cabeças em cima de mim. Eu pensei que você estaria lá, mas... Não estava. Eu vi o filho da puta que enfiou a faca, aquele francês, ele gritava com alguém... “Corte fora de uma vez”, ele dizia. “Sua bicha medrosa, ande logo, ele vai morrer se você não cortar”. Eu queria levantar, mas me amarraram, eu não podia me mexer. Eles precisavam que eu ficasse vivo, é claro, queriam que eu falasse. E tinha esse cara... Um médico, eu acho, ele dizia “Não, não temos que cortar. Podemos salvar a mão.” Eu já não sentia mais dor, acho que meu corpo entrou em choque, a adrenalina me anestesiou. Eu não conseguia respirar. Nenhum deles viu que eu acordei, estavam ocupados demais discutindo aos gritos. Então aquele rato francês pegou um machadinho ensangüentado, como um açougueiro, e disse “É misericordioso. Ele não suportará a dor dos tendões dilacerados, é misericordioso amputar.” Ele mesmo fez o trabalho. – Kevin parou para fechar os olhos, bem apertado, enxergando em sua mente o momento em que Christophe segurou seu pulso e cortou sua mão fora com a facilidade com que se fatia um porco. Estremeceu por inteiro, grunhindo baixo antes de prosseguir. Os olhos atentos de Kenny jamais deixaram seu irmão. – É misericordioso, ele disse. Bastardo filho da puta.

-Kevin, eu não sabia... Eu não fazia ideia de que eles iriam cortar sua mão.

-E faria alguma diferença se você soubesse? – O mais velho perguntou com uma risada amarga. – É isso que sua lealdade vale? Sua honra vale uma mão?

Kenny estreitou os olhos e entreabriu os lábios, fungando com o nariz um tanto vermelho, e em seguida pôs as duas mãos sobre a mesa e se inclinou um pouco em direção ao irmão.

-“Honra”? Nós não somos cavalheiros jurados da guarda real, Kevin. Nós não temos honra. Diga-me uma coisa: você sabe o que vai acontecer quando levar o cetro para o Cartman?

-É claro que eu sei. Eu não sou idiota. O homem é louco, governará como o tirano que sempre foi. Mas eu tenho uma novidade para você, irmãozinho: - Kevin apoiou o cotovelo na mesa, o do braço enfaixado que sustentava a mão perdida, apontando-o em direção a Kenny como se ainda tivesse um dedo indicador para ameaçá-lo. – Nós o pusemos lá. Eu e você, juntos, com uma rebelião, fizemos desse homem o nosso rei. Você acha que pode brincar de ser elfo agora, viver aqui com seus amiguinhos fada, fingindo que você é um deles, mas você não é. Nunca será. Pode imaginar o que eles dirão quando descobrirem que você é um traidor filho da puta que veio aqui para roubá-los.

-E por que você não contou? – Ele retrucou em tom de desafio, erguendo as sobrancelhas. – Não me diga que é para provar sua lealdade, porque eu te conheço, Kevin. Não finja ser mais nobre do que eu.

Kevin deixou o ar escapar lentamente pelas narinas e se recostou na cadeira, mantendo o cotovelo sobre a mesa, relaxando o corpo. Analisou seu irmão com desprezo no olhar e com os lábios trêmulos, tensionando o maxilar e erguendo o queixo com o pouco que restava de seu orgulho. As lágrimas não derramadas eram mais evidentes agora, brilhando em seus olhos – que eram do castanho esverdeado mais exótico e belo de Zaron – de forma que intimidou Kenny a recuar também.

O loiro engoliu seco.

-Eu não devo dar informação alguma a eles. Não quero que eles se preparem para um ataque. Quanto mais seguros os elfos pensarem que estão, melhor. Além do mais... A essa altura, você já é um homem morto, irmãozinho. Cartman quer a sua cabeça. Pensei que você poderia usufruir de algumas fodas nesse mundo cão antes de morrer. Um homem merece isso.

-E o que o faz acreditar que eu esteja comendo alguém?

Um sorriso genuíno apareceu nos lábios do irmão mais velho.

-Espero que esteja. É o único motivo pelo qual um homem trai as próprias crenças, os próprios valores. Foder deixa um homem idiota. – Ele pigarreou, e Kenny ficou esperando que ele cuspisse, mas Kevin apenas fez uma careta. Seu cabelo loiro escuro caía sobre os olhos e um sorriso malicioso dominava seus lábios. – Como ela se chama?

As pupilas dos olhos azuis de Kenny, que sequer piscavam enquanto encaravam o outro homem com dureza, dilataram-se diante da pergunta. O movimento dos músculos do rosto dele foi extremamente sutil, mas não o suficiente para disfarçar a perturbação que ele sentia. Kevin ergueu as sobrancelhas enquanto o observava, e pela primeira vez, Kenny desviou o olhar e abaixou a cabeça.

-Kevin, ouça... – Ele começou a dizer, mas sua voz continuava incerta. Ele esfregava o polegar nos outros dedos, com a mão apoiada na mesa, pressionando a língua por dentro da bochecha enquanto pensava. Enfim, voltou a encarar o irmão. – Eu não te abandonei. Eu não podia... Ele tinha sua mão pregada na porta, um cinto cheio de facas, se eu não tivesse chamado os guardas ele saberia que eu menti. E ele teria feito picadinho de nós dois. Mesmo que eu conseguisse matá-lo... O que eu honestamente não queria fazer, mas se eu fizesse, e aí? Se eu tirasse aquela faca sozinho, você desmaiaria sangrando, eu não conseguiria te carregar, para onde nós iríamos? Entenda. Eu não tive escolha. – Kenny levantou a bunda da cadeira para se inclinar sobre a mesa, apoiando os cotovelos, aproximando o rosto do irmão o máximo possível de onde ele estava. – Assim, você tem um aliado aqui fora. Alguém livre que pode te ajudar. Eu não vou deixar eles fazerem mais nada com você, eu juro.

Kevin levou a mão à boca e começou a esfregar o maxilar, fechando os olhos enquanto o ouvia, virando o rosto de lado como se as palavras machucassem fisicamente. Talvez ele realmente estivesse com dor, pois ainda podia sentir a mão amputada e os nervos latejavam. Respirou fundo, por fim, soltando uma risadinha enquanto balançava a cabeça.

-Não vamos fingir que isso tem algo a ver com lealdade. Você vai me ajudar para que eu não estrague o seu disfarce. A pergunta é: até quando você acha que isso vai funcionar? Você entende o que está acontecendo aqui? Os elfos e os humanos vão querer um pedaço de você depois que Cartman invadir esse reino de fadinhas e cortar as gargantas de todos os seus amiguinhos.

Kenny bateu com as duas mãos na mesa, irritado, desejando apenas que ele parasse de falar.

-Isso não vai acontecer. Eu tenho o rei do meu lado.

Antes que as palavras saíssem de sua boca, os olhos de Kevin se arregalaram por um instante e um sorriso largo iluminou sua face imunda. Tudo o que escapou de seus lábios foi um gemido contido de percepção, do qual Kenny não gostou nada. O mais novo deitou a cabeça um pouco de lado e coçou o couro cabeludo, fechando os olhos por um instante, então suspirou profundamente e voltou a se sentar, largando o peso sobre a cadeira com um gemido de alivio, esfregando a testa. As feições de Kevin agora estavam sérias, apenas com um olhar extremamente curioso estudando o irmão.

-Isto é... – Kevin enfim disse. – Até ele descobrir que você o enganou esse tempo todo. Vamos ver se algum rei vai estar ao seu lado quando isso acontecer.

-Eu já escolhi a qual lado servir. – O loiro respondeu com o queixo levantado, unindo os dedos. – Os elfos guardam o cetro, eles não o utilizam. Eu não sei onde ele está, mas eu não quero. Cartman irá me recusar? Isso pouco importa. Porque eu o recuso como meu rei. Eu me recuso a continuar sendo escravo dele. As coisas são diferentes aqui, Kevin. Essas pessoas têm bondade, elas vão compreender.

-Ah, eu vi a bondade dos elfos. – Ele cuspiu com amargura, mostrando o membro amputado. – Eu senti na minha carne o quanto eles são bons.

-Eu preciso te lembrar do que eles teriam feito com um elfo intruso em Kupa Keep?! Eu... Porra, Kevin, eu me odeio por deixar isso acontecer com você. Mas eu juro. Meu irmão, eu juro. O cetro está seguro aqui. E levá-lo de volta por uma rixa pessoal de lordes não vai fazer nenhum bem ao nosso povo. Eu não estou fugindo. Se nós nos unirmos a eles, nós podemos cortar a garganta daquele tirano e nossa irmã pode ter o trono real que ela merece.

A única mão de Kevin segurou no braço da cadeira enquanto ele jogava o tronco para frente e soltava uma gargalhada alta, porém carregada de dor e amargura, uma risada maldosa, de quem teme ficar louco. Kenny franziu a testa para a reação dele.

-Céus, Kenny! O quão idiota você consegue ser?! Você não é um elfo. Eu não sou uma porra de um elfo.

-Eu acredito no mesmo que eles.

A expressão maníaca no rosto do irmão mais velho logo deu lugar a uma dor imensurável, para a qual ele apertou os olhos e sacudiu a cabeça de forma perdida, como se não quisesse ouvir tais coisas. Cuidadosamente, Kenny apoiou os braços sobre a mesa empoeirada, com as duas palmas viradas para cima, oferecendo suas duas mãos ao homem do outro lado, e em sua face não havia nada além de compaixão. Kevin repudiava compaixão.

-Por favor. – Kenny sussurrou. – Eu não errarei com você. Não o decepcionarei. Eu estou com você, meu irmão. Eu sempre estarei. Eu juro pela Karen.

-Não diga isso. – Kevin retrucou com ódio. – Não use o nome dela para dizer inverdades.

-Eu juro pela Karen. – Ele repetiu calmamente.

As lágrimas que Kevin McCormick jurou que jamais derramaria ameaçavam a se acumular dentro de suas pálpebras, mas ele as engoliu seco junto com palavras injustas, tremendo. Pôs sua única mão sobre a mesa para encontrar as do seu irmão mais jovem, mas Kenny não fechou os dedos em torno do punho colocado sobre suas palmas. Aguardou, com os olhos direcionados ao outro braço de Kevin, o braço enfaixado que lhe causava vergonha.

Respirando profundamente, Kevin ergueu seu outro braço sobre a mesa, levando às mãos de Kenny aquilo que costumava ser uma mão forte, firme e viril, capaz de escalar árvores, prédios, até mesmo montanhas, se a isso ele se propusesse. Kevin McCormick jamais escalaria uma montanha. Jamais subiria em uma árvore com a habilidade de um macaco. Jamais serviria como um ladrão renomado ao castelo. E pensar sobre isso fez com que ele abaixasse a cabeça até que sua testa encontrasse a madeira da mesa, amassando o nariz úmido na superfície. E ali, de cabeça baixa, com seu irmão mais novo segurando delicadamente sua mão e sua deformidade, Kevin chorou silenciosamente.

. . .

Kenny separou um pouco mais as pernas, abrindo um sorriso cansado enquanto passava a mão perdidamente pelos fios de cabelo ruivos daquela cabecinha que subia e descia entre suas coxas. Kyle conseguia colocar o pau dele inteirinho na boca, e isso nunca deixava de ser deliciosamente impressionante. Ele forçava o rosto contra Kenny, sentindo o pau grosso deslizar até o fundo da garganta, engasgando um pouco, depois deslizava-o lentamente entre os lábios bem úmidos, gastando um bom tempo parando para chupar somente a cabecinha, como se gostasse de provocá-lo. Kenny agarrava uma mecha daquele cabelo vermelho entre os dedos e puxava, forçando o quadril para cima a fim de penetrar a boca dele mais fundo, gemendo alto enquanto jorrava o gozo na garganta dele, e Kyle engolia de forma sedenta, apertando os olhos, soltando um gemido abafado pelo pau de Kenny em sua boca.

Assim que o rei levantou a cabeça, com os lábios sujos de porra e um sorriso satisfeito, quase tão satisfeito quanto o de Kenny, o loiro envolveu a bochecha macia dele com uma mão e acariciou sua pele com o polegar, passando-o delicadamente pelo lábio inferior dele, inchado e avermelhado. Kyle envolveu o polegar dele entre os lábios e chupou de leve, com as pupilas dilatadas e a íris dos olhos parecendo mais verdes do que nunca, encarando o rosto do homem fixamente. Kenny mal podia abrir os olhos, sacudindo a cabeça perdidamente, com a respiração descontrolada e o corpo coberto de suor. Subiu a mão para os cabelos de Kyle, sujando-os de gozo enquanto o puxava para mais perto, sem forças para se mexer. O ruivo engatinhou por cima dele com uma risadinha curta, beijando os lábios dele com vontade, pressionando o rosto contra o dele, sentindo seu cheiro, gemendo baixo enquanto ajeitava o corpo sobre o de Kenny e se deitava entre suas pernas, acomodando a cabeça sobre o peito suado dele.

As mãos do rei acariciavam a lateral do corpo nu de Kenny, sentindo-o sob as palmas, apertando a carne pálida de leve. Kenny passou o braço preguiçosamente em torno do corpo magro dele, deixando que uma mão vagasse despretensiosamente pelas costas nuas do rei, sentindo a maciez da pele, apertando as pontas dos dedos.

-Eu espero que isso signifique que nós estamos bem. – Kyle sussurrou enquanto fechava os olhos, roçando o rosto contra os pelos do peito de Kenny.

O loiro apenas respondeu com um gemido fraco, distraído, como se não tivesse interesse em iniciar uma conversa agora. E de fato, não tinha. Continuou olhando para o teto fixamente, pensativo, enquanto sua mão acariciava os cabelos do rei que estavam úmidos de suor. O silêncio dele fez com que Kyle prosseguisse, erguendo os olhos para enxergá-lo.

-Eu sei que você está chateado por causa do seu irmão. Foi muito cruel, o que aconteceu com a mão dele.

-Nada “aconteceu” com a mão dele, não fale como se tivesse sido um acidente infeliz. – Kenny respondeu em um tom mais rude do que pretendia, o que era exatamente o motivo pelo qual não queria prolongar o assunto, e virou o rosto para encará-lo.

Kyle suspirou fundo e levou uma mão ao rosto dele, acariciando a bochecha com as costas da mão, observando-o com seus olhos verdes imensos, mas Kenny não soube ler o que a expressão dele significava. A mão delicadamente forçava o loiro a olhar para ele.

-Meu querido... Entenda, por favor. A sua renúncia a Kupa Keep é admirável. Você é bom. Seu irmão não nos disse nada porque foi instruído, porque esconde algo. Ele compactua com o reinado cruel de Cartman, ele invadiu nossas terras no meio da noite. Se ele pretendia levar você de volta para aquele lugar...

-“Aquele lugar” é minha casa.

Isso foi suficiente para calar o rei, embora seus lábios continuassem ligeiramente entreabertos enquanto ele se apoiava no cotovelo para levantar um pouco o tronco, erguendo a cabeça para encarar Kenny de frente, com a testa franzida. Kyle virou a cabeça para o lado sutilmente, em uma interrogativa, mas não foi capaz de perguntar. Talvez porque já tivesse certeza, ou talvez porque simplesmente tivesse pavor da resposta. Agora era tarde demais para recuar. Kenny segurou o rosto dele firmemente com as duas mãos, e Kyle desejou que ele não o tivesse feito, mas aceitou o toque sem reagir. O loiro aproximou o rosto do dele, erguendo um pouco a cabeça do travesseiro.

-Kyle, ouça-me. Eu te amo, eu juro por todos os deuses, eu te amo. Com todo o meu coração, toda a minha alma, todo o meu corpo. Eu jamais menti sobre isso.

Foi então que as mãos do rei envolveram os pulsos dele para afastar as mãos de Kenny, e ele se ajoelhou no colchão, endireitando o tronco.

-O que está dizendo? – Ele perguntou em voz baixa.

-Mas eu menti. – Kenny respondeu de imediato, sentando-se também, colocando uma mão sobre o peito. A expressão do rei não mudou. – Eu menti sobre o que me trouxe até aqui. Eu... Porra, Kyle. Eu não queria, eu juro, eu não queria vir, mas o Cartman... – A mão subiu de seu peito até a sua testa, que ele começou a esfregar, respirando mais pesado. – Ele disse que tinha sido tão generoso com a minha família, que podia tirar isso de nós a qualquer momento se eu não soubesse... Alguma babaquice sobre dançar conforme a música, eu não me lembro direito. Ele queria o cetro, dizia que era dele por direito. Ele falava dos elfos como se fossem manipuladores, dissimulados, eu nunca esperava sentir alguma coisa... Não só por você. Eu nunca me senti tão em casa em toda a minha vida, eu me importo de verdade, Kyle. Com você, com o Ike, com Pip, caralho, até com o Stan! Eu me importo! Eu não estou mais do lado daquele gordo imbecil, você... Você tem que acreditar em mim.

Quando o loiro tentou se aproximar, Kyle apenas ergueu a palma para ele, ordenando através do gesto que não se aproximasse. E Kenny respeitou. Ficou observando enquanto o rei se afastava para sentar na beirada da cama, de costas para ele, umedecendo os lábios e respirando fundo. Ele não podia ver o rosto de Kyle, então não sabia ao certo o que fazer em seguida. Engatinhou na cama para chegar um pouco mais perto.

-Kyle, eu... O que nós temos, isso é real. Você sabe que é. Isso tem me corroído por dentro, eu não agüentava mais mentir pra você. Eu sei que eu deveria ter te contado muito antes, mas... Quando eu olho pra você, eu morro de medo de te perder. Eu sou louco por você. Por favor, entenda.

Ele interrompeu a fala quando o rei se levantou, seu corpo nu iluminado pelas velas, tão pálido e belo, as costas finas e a bunda exposta. Kenny desejou, mais do que qualquer coisa nesse mundo, que Kyle se virasse para olhar para ele.

E quanto o rei o fez, Kenny desejou que ele não tivesse.

A expressão no rosto do ruivo não era o que ele esperava ver. Não era carregada de mágoa, da dor da traição, ou de ressentimento. Não era chorosa, exposta ou frágil. Só havia uma coisa naqueles olhos magníficos, um único sentimento que dominava o rosto e o corpo inteiro do rei: raiva. Ele se inclinou para aproximar o rosto do de Kenny e sussurrou em uma voz intensa e reprimida:

-Eu vou decepar a porra da sua cabeça.



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