Mais um dia se passa.
As pessoas agora não parecem acreditar tanto na história entre mim e Jared. Em compensação, não param de falar sobre a teoria do colégio rival. Eu não aguento mais - estou exausta. Porque isso me lembra o quanto eu sou uma mentirosa. E o pior: o quanto eu arruinei a vida de Jared apenas por termos nos envolvido uns com os outros.
O que ele fará agora que vai perder o emprego? Tento imaginá-lo também trabalhando como um garçom, igual ao irmão, apenas para ter dinheiro para sobreviverem. Sem a sua música. Meu estômago se corrói de culpa. Eu causara isso. Eu o deixara nessa situação.
Parte de mim anseia mais do que tudo por entrar em contato... E a outra estremece ao pensar que, talvez, ele não queira o mesmo. Afinal, ele perdera o seu emprego, seu contrato, que sempre sonhou, e a sua reputação por ter ficado comigo. E, de qualquer jeito, eu não posso ligar ou mandar uma mensagem - Jared havia dito que ele mesmo falaria comigo quando pudesse.
Talvez, isso tenha sido uma desculpa. Talvez, ele não queira, de fato, falar comigo. Lembro-me da expressão em seu rosto na última vez em que nos víramos, na delegacia. Parecia normal - com saudades. Entretanto, a de seu irmão expressava exatamente o oposto. Mesmo de óculos escuros, pude ver o desprezo em seu olhar.
Será que Jared partilhava da mesma opinião de Shannon? Ou, talvez, ele tenha convencido-o depois. Engulo em seco, massageando as têmporas, sentada na carteira da sala. Eu não sei o que pensar. Ou o que fazer. Porém, assim que o sinal toca, escapulo para a quadra, já arrumada para a Formatura. Engano o funcionário da escola, dizendo que tinha de terminar algumas coisas urgentemente, e consigo a chave, entrando e trancando-me no local.
Assim que me viro, o silêncio que me cerca acalma-me na mesma hora. Nenhum aluno estava permitido de entrar aqui. Exceto, é claro, os responsáveis pela Decoração - que, por coincidência, eu fazia parte. Sorrio comigo mesma, enquanto ando até alguns painéis recém pintados. Eu os pintara no dia anterior. Ultimamente, estive achando o trabalho aqui bastante terapêutico. Sem falar que era uma ótima desculpa para fugir das pessoas.
Suspiro profundamente. Não é que eu ligue para o que elas pensam, eu não dou a mínima. Mas é irritante saber que todos ao seu redor estão falando de você. E Alex tem ficado ao meu lado sempre, seja com as pessoas achando que eu tive um caso com Leto ou não, mas não posso alugá-la 24h por dia. Então, eu venho para cá. Além de relaxar-me, ainda é produtivo, pois, terminadas as pinturas, eu não teria de ficar aqui até mais tarde na sexta-feira com Gio.
Pego o último painel, ainda em branco, e várias tintas, que eu trouxera da minha casa. Muito tempo se passa, e eu já estou com quase metade do trabalho feito, quando alguém bate nas portas da quadra. Eu ando até lá, meus passos ressoando pelo espaço, e destranco com a chave.
- O intervalo já acabou, não deveria ir para a aula? - o monitor encara-me com desconfiança.
- Eu realmente preciso terminar aqui - digo. - A Festa é nesse fim de semana.
Ele grunhe.
- Bom, você só pode ficar aqui e terminar seja lá o que tiver que fazer quando conseguir uma autorização para faltar a aula.
Eu franzo os lábios, irritada.
- Ok - entrego-lhe chaves. - Eu já volto, não tranque a sala.
Ando rapidamente pelos corredores já vazios até a secretaria, onde explico a situação de modo resumido. Ela me entrega um bilhete com a sua assinatura e eu volto, entregando-o para o monitor com um sorriso vencedor.
Ele apenas murmura algo resignadamente, devolvendo-me as chaves, e eu ando de volta à quadra. Quando chego, as portas estão meio abertas, o que eu estranho, mas presumo que o homem tenha deixado-as dessa maneira, sabendo que eu poderia voltar - e sabendo que todas as minhas coisas ainda estavam ali dentro.
Fecho-as novamente, trancando-me, para evitar alunos curiosos.
Assim que me viro, noto que minha bolsa encontra-se aberta, e corro em sua direção, olhando em volta. A quadra está vazia, mas, claramente, alguém havia entrado antes - e ainda por cima, mexido em minhas coisas. Controlo a minha irritação, pois sei que não havia trazido nada além de meus cadernos, logo, não tinha muita coisa que essa pessoa poderia ter feito. Entretanto, quando estou fechando o zíper, noto um papel em seu interior, que definitivamente não estava lá antes.
Abro a bolsa novamente, pegando o papel e desdobrando-o.
"Encontre-me às 19h na praça perto da sua casa. - J".
Reconheço a letra assim que a leio. Então, fora Jared quem entrara aqui. Mas como? Ele não ia ser demitido? Meu coração acelera-se. Dobro o bilhete, guardando-o novamente em minha bolsa. Não importa, penso. Eu poderia perguntá-lo hoje à noite.
A ideia de ficar frente a frente com ele depois de tanto tempo me faz engolir em seco. Levanto-me e volto a trabalhar no painel, tentando não pensar tanto à respeito. Quando, enfim, termino, já está quase na hora da saída. Pego meu celular, e noto que Alex havia mandado-me uma mensagem perguntando aonde eu tinha ido. Explico rapidamente e pego as minhas coisas, guardando a pintura.
Isso é ótimo - eu não teria de lidar com ninguém na sexta-feira. Todo o meu trabalho já estava terminado.
Saio do local, ignorando o fato de que, em menos de duas horas eu estaria me encontrando com Jared. Quando chego em casa, tomo um banho, livrando-me dos respingos de tinta em minha pele e cabelo, e como algo com Ethan e Farrell. Pergunto-me vagamente se deveria contar ao meu pai sobre hoje à noite, e chego à conclusão de que seria melhor se ele soubesse depois. Por mais que fosse grato pela ajuda que os Leto haviam dado à mim e meu irmão, Farrell ainda guardava certo ressentimento de Jared, e poderia não me deixar ir.
Saio de casa alguns minutos antes do horário, dando a desculpa de que me encontraria com Alex, e ando pelas ruas já escuras, meu coração martelando nos ouvidos. Quando chego à praça, meus olhos procuram por Jared - e o encontram.
Ele está sentado a alguns metros de distância, num dos bancos atrás de uma árvore. Provavelmente deve ter escolhido-o por conta de sua maior privacidade. Eu ando lentamente até o lugar, e, ao ouvir meus passos, Jared vira-se em minha direção.
Assim que nossos olhos se encontram, posso sentir um calafrio percorrer a minha espinha. Na mesma hora, lembro-me do quão irritada eu ainda estava com ele. Mas também consigo sentir a saudade, gigante, dominando o meu corpo. Ele se levanta quando eu me aproximo.
- Anna - diz, numa voz ansiosa.
- Oi - é tudo que consigo responder.
Ficamos nos encarando durante alguns segundos, ambos sem saber por onde começar.
- Como você está? - perguntamos, ao mesmo tempo.
Eu dou um sorriso frouxo, sem graça.
- Bem - respondo. - Na medida do possível. E você?
- O mesmo - ele murmura, os olhos pensativos.
Espero-o dizer mais alguma coisa. Como não diz, eu pigarreio.
- Como conseguiu entrar na escola hoje?
- Ah - Jared suspira. - Eu fui até lá para falar com Lewis. Pedir demissão, na verdade.
Isso me pega de surpresa.
- Mas... Achei que tivesse até o final da semana...
- Eu tinha - ele responde. - Mas já consegui algo, então... - dá de ombros. - Quando estava indo embora, vi você saindo da quadra, e aproveitei para deixar o bilhete em sua bolsa.
- Ah... - murmuro.
O silêncio recai sobre nós novamente.
- Desculpe por te colocar nessa situação, Anna - ele diz, por fim. - Eu odeio isso.
- Me colocar? - franzo o cenho. - Eu também escolhi me envolver com você. A culpa não foi sua.
- Sim, mas... Eu era o seu professor - fala. - Era a minha função te ajudar, e não...
Jared se interrompe, frustrado.
- Para com isso. Você só está dizendo essas coisas por causa de Diane, não é? Escute - eu digo, minha mão em seu braço. - Tudo o que você fez foi me ajudar, desde o início. Eu não sei aonde estaria agora, se não fosse por você.
- Provavelmente, em um lugar melhor - ele sorri, de modo cínico.
- Jared - digo. Ele se vira em minha direção, sério. - O que tivemos não foi errado. Não foi. Foda-se o que essa mulher acha que sabe sobre nós dois.
Ele me fita diretamente nos olhos.
- Olhe para mim e diga se nem mesmo uma pequena parte de você não acredita no que ela diz.
- As pessoas... As pessoas enxergam na medida de seu próprio mundo. Diane vê casos de abusos de menor, dentre coisas piores, todos os dias. Então é isso que ela vê ao seu redor. - digo, e hesito ao continuar. - Eu... Só havia visto decepção. E tristeza. Então eu só enxergava isso em todos ao meu redor. Até que eu te conheci, e... Eu vi que era possível superar também. Através do nosso namoro, ou do término. Tudo acontece por um motivo. Então não, eu não acredito no que ela diz. Mas eu entendo por que ela o diz.
Isso o faz abaixar o olhar sem dizer nada, o cenho franzido. Apenas encara o chão. Afasto-me novamente de seu corpo, notando, de repente, a proximidade em que nos encontrávamos. Mais uma vez, silêncio.
- Eu só queria que tudo isso acabasse. - falo, cansadamente. - Eu não aguento mais.
Ele parece pensar profundamente quando olha em minha direção. Passo minha mão por meu rosto e solto o ar com força, sentindo todo o estresse acumulado dos últimos meses. Então, sou surpreendida quando os braços de Jared envolvem-me, puxando-me para perto. Congelo por alguns segundos, mas apoio meu queixo em seu pescoço e respiro fundo. Nós permanecemos assim por algum tempo - a situação parece tão normal, como se nos abraçássemos todos os dias... Como se nunca tivesse acabado.
Outro calafrio percorre a minha espinha, e eu abro os olhos. Mas havia acabado, e eu havia ficado destruída com isso.
Toda a sensação de conforto ou segurança esvai-se na mesma hora. Afasto-me em um só movimento, bruscamente, e enfio o rosto em minhas mãos, olhando para baixo. Isso é errado. Eu não posso abraçá-lo... Eu não posso perdê-lo de novo.
- Anna? - Jared me chama. - Anna, o que houve? Está tudo bem?
Ergo a minha cabeça, olhando para frente, sem conseguir respondê-lo.
- Anna... Fala comigo, por favor - ele pede.
Eu não consigo.
Franzo o cenho. Ele mentiu. Mentiu tantas vezes... Mesmo que para me proteger, mesmo quando não me afetaria. E mesmo sabendo que me afetaria. Lembro-me de como estava agindo perto do fim, frio e distante. O quanto eu estava confusa e triste o tempo todo. Assustada de ter feito algo errado, de ele simplesmente ir embora - como todas as pessoas sempre faziam.
Por quê? Por quê ele agiu desse jeito?
- Por que você foi embora? - consigo fazer as palavras saírem, e olho em seus olhos.
Jared congela com a mudança repentina de assunto. Sua expressão torna-se séria, os olhos baixam, as sobrancelhas juntam-se. Muito tempo se passa até que me responda.
- Eu não achei que fosse dar certo.
Ouvir essas palavras de sua boca, isso me mata. Antes que eu note, as lágrimas já acumulam-se nos cantos de meus olhos. Engulo em seco, virando-me para frente.
- Com a pressão do contrato, Megan sempre dizendo que nosso relacionamento não iria durar... - ele solta o ar. - Eu tentei cuidar de tudo sozinho. Achei que conseguiria, mas não consegui.
- Você acreditou nela - sussurro, fraco.
- Eu acreditei em você - ele fala. - Quando você disse que eu ainda amava Megan... Era mais fácil se eu amasse. Então eu acreditei.
Solto o ar lentamente.
- Eu estava errado.
Não sou capaz de olhá-lo diretamente. Por favor, não diga o que eu estou pensando que vai dizer.
- Eu te amo, Anna. Eu sempre te amei.
Isso faz com que as lágrimas caiam. Eu fecho os olhos e balanço a cabeça, devagar.
- Eu fui um idiota. Entendo se nunca mais quiser olhar na minha cara... - posso perceber, por sua voz, que ele também chora. - Mas eu quero ficar com você. Eu quero tentar outra vez.
Apenas encaro o chão, exausta. Muito tempo se passa até que Jared volta a falar.
- Posso te fazer uma pergunta?
Sua voz agora é séria. Olho em sua direção - seus olhos azuis estão vermelhos, mas estão secos.
Eu não sei, Jared. E se você não puder? E se eu não quiser ouvir seja lá o que você tenha a dizer? Estou cansada de todas as suas mentiras. Você diz que se importa, e depois faz tudo para provar o contrário. Diz que vai mudar, mas repete os mesmos erros. Talvez eu não queira mais ser a boazinha; talvez eu não queira mais perdoar. E talvez, só talvez, você deva ir embora.
É isso o que eu penso. Porém, o que sai de minha boca é:
- Claro.
Ele suspira, franzindo o cenho.
- Você me odeia, Anna?
Eu o encaro por um longo tempo antes de respondê-lo.
- Sim.
(Jared's POV on):
- Posso te fazer uma pergunta?
Ela demora para me responder.
- Claro.
Eu reúno coragem para perguntar o que me incomodava há um longo tempo. Sempre fui uma pessoa direta. Entretanto, encontro-me lutando contra as palavras. Não pela pergunta em si, mas sim a resposta. Meu maior medo - a única coisa que poderia nos impedir de ficar juntos.
- Você me odeia, Anna? - finalmente pergunto.
- Sim. - ela responde, sem expressão.
Isso acaba comigo.
Eu não choro. Não estou realmente surpreso - já sabia disso. Eu a esgotei. Eu a perdi.
E a culpa foi exclusivamente minha.
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