1. Spirit Fanfics >
  2. Rosa Azul - Hyunsung >
  3. A compaixão

História Rosa Azul - Hyunsung - A compaixão


Escrita por: geniusbang

Capítulo 33 - A compaixão


 

 

O único vestígio de iluminação do local era as luzes que reluziam no apartamento eram dos postes do lado de fora, o único som sendo a respiração pacífica do arcanjo e do tinido de sua lâmina enquanto a girava nos dedos, esperando pacientemente. Nunca acendia as lâmpadas das casas que invadia nas missões, para evitar chamar atenções indesejadas. Mesmo com os coturnos, fazia seus passos serem silenciosos como a noite. 

Faltavam exatamente dois minutos de espera. Quarenta e oito horas de observação nos dias anteriores foi o suficiente para decorar minuciosamente a rotina do demônio. Saía no início da manhã, voltava para a casa para uma refeição então deixava o apartamento de novo, para voltar por volta das onze da noite. Aguardou pacientemente, segundo por segundo, até o soar da chave destrancando a porta chegar. Assistiu descontaídamente o indivíduo tirar o casaco e o colocar na cadeira da mesa de jantar e ir direto para a cozinha, abrindo a geladeira e tirando dali uma lata de bebida alcoólica. 

E entrou em ação.

— Bebendo dia de semana? Isso não é tão recomendado.

O homem deu um pulo de susto, só então notando a silhueta sentada em seu sofá. Ele esticou o braço para alcançar o interruptor, enfim podendo notar o intruso em sua residência. O mesmo soltou a lata ainda fechada involuntariamente, dando um passo para trás. Na hora olhou na direção de uma das cadeiras, mas Jisung logo cortou seus embalos.

— Está querendo isso aqui? — Indagou erguendo a única faca sobrenatural da casa, escondida na parte de um dos pés da cadeira. — Um péssimo esconderijo. Foi um dos primeiros lugares que procurei. 

O arcanjo se levantou, limpando a poeira do uniforme preto que usava nas missões, mirando o olhar azul para o demônio completamente congelado.

— Imagino que não devo justificar o porquê de estar aqui, mas insisto em frisar. Você tem créditos a acertar por uma vida humana que tirou, então aqui estou eu para cobrar. Espancamento e então sufocamento, não é? Hm… uma forma bem bruta de matar. Que tipo de troco você acha que traria sofrimento equivalente a isso?

Obviamente o outro permaneceu em silêncio, a ofegância do desespero presente demais para dizer qualquer coisa. Jisung sacou mais uma adaga, sorrindo sugestivamente.

— Não vai responder? Ora, parece que vou ter que descobrir por conta…

Deu o primeiro passo na direção do demônio, depois outro, passos lentos e letais como todas as suas mortes na ficha vermelha do arcanjo.

O rapaz recuou, finalmente encontrando forças no meio do pânico pra dizer.

— Espera, eu… quero explicar…

Uma risadinha sardônica e rouca vibrou da garganta do Han.

— Todos querem. 

Chegou a movimentar o braço para dar o primeiro golpe com a adaga, preparado para acabar com as formalidades e iniciar seu trabalho de uma vez, mas uma outra voz que não era a do demônio lançou gelo em seus pés. 

Uma voz fina, delicada e… infantil.

— Papai? Que barulho é esse?

Ele se virou na direção do corredor, perdendo o ar conforme ouvia os passinhos soarem pelo corredor rumo à sala, e Jisung rapidamente guardou as lâminas antes que a garotinha chegasse ao ambiente. Ela coçava os olhinhos, aparentando ter sido tirada de um sono profundo.

Mas da onde raio havia saído…

E aí encaixou as peças. Os braços da criança estavam enfaixados e o rosto com hematomas em andamento para melhorarem. Os olhos dela eram completamente negros, denunciando sua espécie. 

Demônios em sua fase de infância não tinham controle sobre os poderes, então seus olhos podiam aparecer aleatoriamente sem consentimento. A regeneração também aparecia com o tempo, o que explicava seus machucados ainda estarem presentes. O arcanjo cometeu um grave erro em não explorar os outros cantos da casa quando entrou, sequer suspeitou de uma criança dormindo em um dos quartos. E também não a havia notado nenhuma vez quando o observou.

Mas isso fazia sentido, porque seu pai adotivo a escondeu muito bem depois do susto que passou ao quase perdê-la nas mãos de um humano que havia tentado violentá-la. 

Os mortais não eram santos, Jisung sabia disso perfeitamente. E também entendeu perfeitamente que estava diante da vítima da situação, e não do agressor. 

— Pequena, está tudo bem. Volte pra cama. — Orientou ele, tentando esconder a tensão na voz. Mas a filha não obedeceu, correndo até o demônio e agarrando sua perna, se escondendo atrás da mesma.

— Quem é esse, papai? — Perguntou com a voz receosa, e não surpreendia Jisung que a garota estivesse com medo dele. O arcanjo assustava qualquer um naturalmente. 

— Ele… — alternou o olhar entre o Han e a filha, a tomando nos braços enquanto tentava achar uma desculpa convincente o suficiente para desviar da explicação "É só alguém que está aqui pra me matar." — Ele é… 

— Alguém que veio trazer o presente que seu pai tem pra você. — Jisung foi rápido em completar, relaxando o rosto para dar um sorriso linear. O rosto da garota logo se iluminou por trás dos fios pretos que escapavam da trança desengonçada. 

— Um presente? Eba! — Repetiu batendo palmas com as mãozinhas em comemoração enquanto era pegada no colo. — O que é?

Jisung tirou de um dos diversos bolsos discretos da roupa a menor lâmina que carregava consigo, ainda embainhada, leve o suficiente para uma criança segurar tranquilamente.

— Seu pai irá te ensinar a usar — disse entregando a arma para a garotinha, que a pegou com os olhos brilhando. — Para te ensinar a se defender de pessoas malvadas. 

— Nossa… é tão bonita! — Exclamou ao tirar a faca da bainha e notar que sua lâmina era de uma coloração viva. — Olha, é violeta! Igual o meu nome! 

Isso foi uma conveniente coincidência do universo, o que fez o arcanjo aumentar o sorriso.

— iá! iá! — Ela gesticulou enquanto fazia movimentos desordenados com a lâmina, por pouco não acertando o rosto do pai sem querer, que riu com a cena.

— Wow, ok, minha pequena matadora. Que bom que gostou — gracejou ele enquanto pegava a pequena faca dela. — Me deixe guardar isso antes que um acidente aconteça. Agora, de volta pro soninho.

— Ah, não! — Resmungou fazendo um biquinho. 

— Se não estiver bem descansada amanhã, como vai aprender a usar sua faca? — Jisung incentivou e a frase pareceu convencê-la, já que ela no mesmo instante deitou no ombro do pai como se desmaiasse.

— Já tô dormindo, ó — disse no meio do ronco atuado.

— Engraçadinha — falou apertando a bochecha da garota. — Vamos, Vi. vou te colocar na cama de novo.

Declarou caminhando em direção ao corredor que ficavam os quartos, virando-se sem a garotinha ver para lançar um "obrigado" em leitura labial, e o rapaz assentiu num sorriso complacente. 

E antes de desaparecerem no quarto, dessa vez foi Violeta que olhou para o arcanjo sem o demônio ver, acenando com a mãozinha para o Han, que lançou uma piscadela para a menina antes de colocar a lâmina que achou na cadeira de volta no lugar e caminhar para a saída. 

Depois disso, o arcanjo já considerou muitas vezes tentar localizar o paradeiro dos dois, só para garantir que Violeta tenha causado bastante dor a quem tivesse tentado encostar um dedo nela de novo. 





 

࿇ ══━━━━✥◈✥━━━━══ ࿇





 

Jisung praticamente se derramou de alívio ao sair daquela boate. A música excessivamente alta, o cheiro de álcool, fumaça, suor acumulado da multidão movendo seus corpos o sufocavam mais a cada segundo. Definitivamente não nasceu para frequentar lugares lotados. Mas às vezes o fazia no tempo livre, não para curtir,  dançar, beijar, transar ou se drogar como o resto, mas para ficar de olho e evitar catástrofes. 

Tipo pagar de namorado ciumento quando via um cara sendo invasivo demais com uma mulher, então chegava de surpresa passando o braço em torno dos ombros dela, beijava seu cabelo ou sua testa, acariciava o braço da mesma ou a área do joelho, enfim, qualquer contato convincente de proximidade e dizia algo como "Desculpa a demora, o garçom demorou demais para servir a bebida que você pediu. E então, quem é esse aí?". Isso já era o suficiente para o babaca se mandar. 

O mais engraçado era que o cara sempre pedia desculpas para Jisung, o que particularmente nunca entendeu. As desculpas deveriam ser direcionadas a ela por ser incomodada, não para ele. Como se uma mulher só merecesse respeito se fosse propriedade de outro homem. Patético.

Tem coisas da humanidade que não importa quantos séculos passem, o arcanjo nunca iria compreender. Sempre apoiou mentalmente todas as mulheres de todos os cantos do mundo passarem pelo menos um mês no treinamento de autodefesa que sua espécie passava. Ah, se um marmanjo desse mexesse com uma arcanjo… era dois toques para ela colocá-lo pra correr e chamar pela mamãe. 

Sem contar que aquele tipo de cara não gostava de incomodar só uma mulher, tinha que incomodar duas também. Especialmente quando eram um casal. Por que caralhos o cérebro subdesenvolvidos deles se sentiam no direito de se intrometer em relações alheias, achando que as duas estão ali para ser entretenimento dele? Ou pior, ainda pedindo provas de que são um casal quando pedia para as duas se beijarem? Ele é a porra de um fiscal agora? Quantas larvas o cara tinha que ter na cabeça pra fazer isso?

"Elijah, Rosel, com todo o meu respeito, a humanidade foi a pior criação de vocês." — costumava pensar.

E claro, Jisung não hesitava em se intrometer e passar de melhor amigo perdido que estava procurando as duas, também já era o suficiente para fazer o merdinha meter o pé. O arcanjo se sentia feliz por conseguir ajudar, mas também o desanimava saber que sua presença era necessária para que as duas mulheres fossem deixadas em paz. 

Mas por outro lado acompanhou bem de perto a evolução que a espécie mortal passou, só de duas pessoas do mesmo gênero se sentirem livres para se afirmarem um par romântico sem terminarem mortos, espancados ou trancafiados em um hospício já era um grande avanço. Ainda tinham muito o que melhorar, mas talvez um dia cheguem lá. 

E depois de uma noite cansativa salvando possíveis vítimas de assédio e de estupro impedindo mulheres de beber copos batizados, saiu dali quando o amanhecer já estava quase saindo. O frio agredia seu rosto e o resto do seu corpo sem dó, tudo que queria era ir para casa e se enrolar nas cobertas como um bebê. 

Até que sua audição aguçada barrou seus planos. Alguns metros atrás dele, ouvia alguns vestígios de uma voz feminina. Fechou os olhos para se concentrar melhor e captar alguma palavra, e disparou como um raio quando conseguiu entender um "Para, me solta!".

Como já imaginava, avistou uma mulher sendo arrastada pelo braço, se debatendo conforme era levada à força para dentro do beco. O peito do arcanjo apertou. Era óbvio que queria fazer alguma coisa para impedir, mas naquela situação extrema, não podia impedir diretamente. Havia punições bem severas para celestiais que se intrometiam no trabalho de outros celestiais. E aquilo era dever dos anjos parar. 

Contudo, Jisung estava quase mandando as consequências para o inferno conforme aquela cena agonizante prosseguia. A mulher tentava persistentemente escapar, mas foi puxada de volta pelo vestido — este que rasgou uma boa parte — e então pelo pescoço, sendo encostada na parede e lutando para se livrar da asfixia, mas todos seus esforços chegavam a ser ridículos contra o homem. 

Puta que pariu. Se aquilo era um trabalho para os anjos, onde caralhos estavam eles? 

Até que viu o agressor puxando uma faca, usando-a para ameaçar a vítima caso ela insistisse em continuar resistindo. E aquilo foi o doce passe livre que Jisung precisava para sorrir em contentamento. Reconheceu o material da lâmina na hora. Era uma arma sobrenatural, logo…

O arcanjo podia interferir o quanto quisesse, porque o que tinha à sua frente era a porra de um demônio. 

Sua vontade era matá-lo bem devagar arrancando um membro de cada vez, mas se controlou o suficiente para fazê-lo apenas perder a consciência com uma pancada na cabeça com o cabo de uma de suas adagas. Queria fazer muito mais, mas essa não era a prioridade agora. 

Direcionou o olhar para a moça de aparência péssima, os cabelos loiros cuidadosamente arrumados com babyliss estavam desgrenhados, a maquiagem borrou graças às lágrimas que surgiram em antecipação de seu quase abuso, além de estar tossindo agressivamente para recuperar o ar. Jisung esperou alguns segundos para enfim perguntar:

— Você está bem?

— Acho que sim… — balbuciou acariciando o próprio pescoço com uma mão, e com a outra lutando para cobrir seu corpo praticamente seminu com os trapos do vestido arruinado, tanto por vergonha quanto por frio. Imediatamente, o arcanjo deslizou o sobretudo por seus braços e o estendeu para a garota. 

— Aqui, pegue. — Ela aceitou com a mão trêmula, vestindo o casaco que alcançaria o chão graças à diferença de altura se não fosse os saltos altos dela. 

— Obrigada — conseguiu dizer com a voz mais clara dessa vez. — Obrigada, obrigada, obrigada.

Ela repetia freneticamente, se aproximando do arcanjo e encostando a cabeça em seu peitoral. As mãos ainda estavam trêmulas, dava para sentir claramente o desespero ainda presente em todo seu corpo. 

— Sério, você é um anjo — falou limpando o excesso de rímel escorrido debaixo do olho, e a frase fez Jisung sorrir levemente. 

— Não exatamente, mas sou quase isso — ele cruzou os braços, buscando reprimir o tempo frio que agora percorria sua epiderme com muito mais agressividade já que havia cedido seu agasalho. — Mora muito longe daqui?

— Ah, não… umas duas quadras.

— Ok — declarou se virando e começando a caminhar, mas parou e olhou para trás ao notar que a mulher ainda estava exatamente no mesmo lugar. — A menos que tenha poderes de teletransporte, ficar aí não vai te levar a lugar algum.

— V-você vai comigo?

— É claro. Nesse horário, esse cara pode não ser o primeiro mal intencionado a cruzar seu caminho, por mais que não seja tão longo — ela concordou com a cabeça, aceitando a companhia e caminhando até o mais alto, e o mesmo notou que por baixo do "cobertor", a loira segurava um dos antebraços firmemente com a outra mão. — O que houve aí?

— Não foi nada — tentou amenizar.

— Deixa eu ver. — Pediu, e a garota estendeu o braço direito e o colocou na palma do rapaz, revelando um corte feito com a faca sobrenatural, ainda sangrando. — Droga, não tem nada para estancar.

— Tudo bem, não está doendo tan-

— Você tem kit de primeiros socorros em casa?

— Sim.

— Então vamos. — Ele estava pronto para voltar a andar com um ritmo mais apressado dessa vez, mas a voz dela o barrou.

— É… me empresta seu ombro? — Solicitou olhando para baixo, explicando não verbalmente que não ia conseguir ser tão ágil na caminhada com aqueles sapatos. 

Ele não respondeu, concedendo o desejo parando ao seu lado e a menor se segurou no braço dele para conseguir ficar descalça e passar a carregar os saltos na mão do braço não machucado.

— Agora podemos ir.




 

O silêncio havia pairado entre os dois o caminho todo até mesmo depois que chegaram. Jisung queria ir pra casa, estava exausto, faminto, mas quis entrar na residência da garota para cuidar de seu corte. Se fosse um corte comum deixaria para lá, mas um de uma faca sobrenatural era diferente. 

Não podia ser tratada como um hematoma humano comum e se não recebesse a devida atenção, era um estalar de dedos para virar uma infecção grave. Até ela quebrar o silêncio enquanto o arcanjo limpava cautelosamente o sangue ao redor do ferimento.

— Ainda não me disse seu nome — falou se arrumando na cadeira, descruzando as pernas. 

— Tente não se mexer — orientou se referindo ao braço dela em cima da mesa. — E meu nome é Jisung.

— É um prazer, Jisung. Eu sou a Íris — disse com um sorriso no rosto. — Sempre costuma fazer isso? Salvar donzelas em perigo? 

— Nas horas vagas, sim. Aliás, uma dica de ouro: nessas situações, não use força e sim estratégia. Quando for sufocada, o que de preferência seria ótimo se não acontecesse de novo, mas se acontecer, pegue o mindinho dele e quebre. Quando for puxada pelo braço, não tente se debater para o lado contrário, é inútil. O agressor espera por isso, mas não espera que você se jogue na direção dele.

— Como assim? 

— Se você atirar o corpo para ele, vai usar toda a força que ele está usando para te arrastar contra ele mesmo. Atinja os pontos sensíveis, tipo a traqueia, os olhos, a virilha e até mesmo o saco escrotal, usar o salto ao seu favor para um pisão no pé, ou acertar o nervo ciático.

— Nervo o que?

— É um nervo que fica entre a virilha e o joelho, no meio da parte interna da coxa. Bem aqui — ele sinalizou para a própria perna, colocando o indicador em cima do ponto mencionado. — Um golpe nessa área causa uma dor intensa, sensação de "choque" e com a força certa, até mesmo imobilidade temporária do pé. 

— Parece entender bastante sobre esse assunto — observou ela. — Você trabalha com isso?

— Digamos que sim. Mas, como eu sei que na hora da adrenalina é difícil manter a calma para lembrar de tudo isso, pode adquirir um método mais fácil e rápido para conseguir se mandar.

— Qual? 

— Olhe no bolso direito do casaco — ela franziu o cenho e enfiou a mão esquerda no lugar citado da vestimenta, tirando dali um objeto pequeno que a fez arregalar os olhos.

— Um taser?

— É. Fique com ele — disse deixando a gaze de lado e antes que pudesse agradecer, um olhar tenso foi direcionado à ela. — Agora vem a parte difícil desse corte.

— Por que? Você já limpou e já parou de sangrar, não é só enfaixar agora?

— Seria, se a faca não estivesse envenenada.

Iris quase caiu da cadeira. 

O que?

Não era verdade, mas era a explicação mais convincente que podia dar. 

— M-mas… 

— Se acalme, não vai dar em nada se você me ouvir com atenção. O sangue ao redor do corte ainda está contaminado, temos que tirá-lo antes que se espalhe.

— Como? 

Jisung respondeu com o maior cuidado mas ao mesmo tempo com a maior diretriz do mundo: 

— Vamos ter que espremer. 



 

O arcanjo observava o sangue que era derramado no copo pequeno, a cor um pouco mais escura do que o normal entregando todas as impurezas demoníacas presentes. Íris gritava e chorava em agonia, mas tinha que continuar até sangue vermelho puro saísse daquele corte.

— Ok, se acalme. Essa vai ser a última vez — dizia ele enquanto segurava o braço da mulher, que prendeu a respiração para se preparar. Então pressionou e deslizou os polegares mais uma vez na direção do corte, fazendo um ruído fino de dor sair de sua garganta de forma prolongada. Como já previa, apenas líquido vermelho limpo caiu no copo dessa vez. — Pronto, tudo bem. Já acabou. 

Limpou mais uma vez ao redor e finalmente enfaixou enquanto a loira tentava regularizar sua respiração. E quando ergueu o olhar para o rosto dela, foi motivo para causar preocupação. Ela estava pálida, os olhos trêmulos e com o corpo oscilando, ameaçando despencar. Droga. Desconfiou que devia tê-la alimentado antes de começar, mas estava com receio que não desse tempo antes que o sangue dela fosse contaminado.

Levantou rapidamente da cadeira e foi até a cozinha, fuçando os armários até encontrar uma porcaria qualquer. Jisung mandou comer, ela comeu. Mandou respirar fundo, ela respirou. E depois de alguns minutos, sua pressão já estava normalizada. 

— Eu vou me trocar. Aqui seu casaco — disse colocando a peça no colo dele, indo para o quarto e voltando depois um tempo com uma roupa mais quente, os cabelos presos e o rosto lavado. Durante esse tempo, Jisung jogou fora as gazes sujas e também se livrou do sangue no copo. 

— Bem, parece que é isso. Se cuida. — Declarou vestindo de novo seu sobretudo e se dirigindo à porta.

— Espera — disse correndo até o rapaz antes de ele encostar a mão na maçaneta. — Já está amanhecendo, você deve estar cansado… pode dormir um pouco aqui se quiser. Quer dizer, se o meu corte der mais um problema ou algo assim.

Só quando Íris deslizou a mão levemente por seu braço e lhe lançou um sorrisinho com um olhar brilhoso de cachorrinho abandonado que entendeu tudo. A forma como ela se apoiou em seu bíceps em vez do ombro para tirar os saltos, o jeito que o olhou durante o trajeto da sua casa e também enquanto Jisung cuidava de seu braço, puxando assunto, o pedindo para não ir embora… 

— Se ficar, eu posso agradecer decentemente por tudo que fez por mim hoje… — gesticulou num tom macio, e por pouco não entrou em pânico ao sentir o toque das mãos da garota em seus ombros e depois subindo para a nuca. 

E o gatilho para sair daquele transe foi vê-la fechando os olhos e inclinando o rosto na sua direção. 

— Íris. — Chamou severamente, afastando-a sutilmente. — Acho que entendeu errado a situação. 

— Ah. — Murmurou, abrindo os olhos e se afastando com um biquinho de decepção. — Foi mal. Tem namorada?

— É…

— Namorado? 

— Ahn…

— Desculpa, não quero ser indelicada. É só que caras decentes e solteiros é uma combinação praticamente extinta — deu de ombros. — Tudo bem, aceito o fora. Mas eu quero pelo menos isso. 

Antes que pudesse impedir, os braços dela se enrolaram em volta de seu tronco em um abraço. O arcanjo paralisou, parecendo uma estátua por bons segundos. Não era o maior fã de contato físico, por isso não chegou a retribuir de verdade. Apenas deu um sorriso sem graça e um tapinha nas costas dela antes de se afastar. 

— Enfim, de nada. Não faça muito esforço com o braço por uns dias e não se esqueça das minhas dicas. 

— Pode deixar — prometeu ela, lançando uma piscadela antes de dar espaço para o arcanjo finalmente abrir a porta. 

Depois de enfim estar do lado de fora, suspirou de alívio enquanto cochichava "Essa foi por pouco".

Não que Íris fosse a pior opção do mundo. Tinha uma beleza admirável e uma personalidade agradável pelo pouco que Jisung conseguiu ver, mas ainda assim, parecia ter algo faltando. Todos que mostraram qualquer interesse pelo arcanjo até agora pareciam, seja o indivíduo homem ou mulher. Por mais que se esforçasse, a atração não vinha. 

O máximo que chegou perto de derrubar as barreiras de aço que tinham em volta de Jisung foi um certo arcanjo, mas nem mesmo com ele as coisas foram tão intensas. O primeiro beijo de sua vida foi com ele, mas não porque se sentia atraído, simplesmente porque estava curioso para saber como era. Com o passar do tempo acabou criando um vínculo com ele, a vontade de estar perto, de conversar sobre assuntos fúteis, de conhecê-lo cada vez mais. 

Mas não tinha aquela atração que via Minho tendo com Aurora, por exemplo. Não sentia vontade constante de beijá-lo, de tocá-lo ou de ser tocado. Seu companheiro não sabia disso, dessa trava interna incompreensível que tinha em Jisung. Não queria magoar os sentimentos dele o envolvendo em sua teia de complicações emocionais, por isso sempre se obrigava a sentir alguma coisa toda vez que era beijado por ele, o barrando sempre que o mesmo tentava algo mais e dizendo que ainda não se sentia preparado. Podia se obrigar a prolongar um beijo, mas isso… era demais. 

Costumava tentar imaginar como era ser aquele tipo de pessoa que morde os lábios quando vê alguém que lhe proporcionou reações corporais só de entrar em seu campo de visão, que apenas um olhar é o suficiente para sua mente ir longe com cenários obscenos que criava mesmo sem querer. Como era sentir uma atração tão poderosa por alguém a ponto de esquecer o mundo lá fora e que nada mais importava a não ser a boca daquela pessoa contra sua.

O arcanjo costumava dizer para os outros que aquilo não era nada demais, que não fazia diferença e que tinha preocupações maiores. Mas no fundo, sabia que havia uma chama interior escondida que adoraria experimentar aquela sensação pelo menos uma vez. 





 


࿇ ══━━━━✥◈✥━━━━══ ࿇






 

— Quer um momento para descansar e ver se recupera a força, mocinha? — Zombou a mulher após derrubar Jisung no tatame da sala de treinamento.

— Ah, dá um tempo. —  Pestanejou se levantando. 

— Ela tá acabando com você hoje, Sung — gracejou Minho, este quem observava o treinamento após voltar do seu próprio sozinho. 

— Não enche você também — disparou ele, causando uma risada em Lee antes dele retirar a camiseta por conta do calor e ingerir uma das garrafinhas de água dali praticamente em um gole só.

— Tô indo pro chuveiro, não se matem — anunciou colocando a vestimenta por cima do ombro e caminhando para a porta enquanto os outros dois arcanjos iniciaram mais um round da batalha corpo a corpo. 

E quando a garota cometeu o erro de deixar sua atenção se prender no tronco de Minho desnudo enquanto ele caminhava para fora da sala de treinamento, foi a deixa perfeita para Jisung dar a volta por cima e mandá-la direto ao chão, formando um sorriso de triunfo.

— …escorreguei — disse tirando os cachos que escapavam de sua trança embutida. 

— Sim, escorregou. Esse é o resultado do meu pé passando por seus tornozelos.

— Eu já tinha escorregado antes de você me dar uma rasteira, dois eventos sem relação. — Falou se levantando e tirando a poeira da roupa, fazendo o arcanjo dar uma expressão de "ah, claro." — Quer saber? Já cansei por hoje. 

— Wow, ficou tão afetada assim, dona Aurora? — Provocou, recebendo o dedo médio da mulher em resposta conforme ela caminhava em direção a um dos bancos e se sentava. Ele fez a mesma coisa, ocupando o lugar ao lado dela enquanto ambos retiravam as luvas que usavam para treinar. — E aí?

— E aí o que?

— Você e Minho. Vão desenrolar isso aí quando? 

— Não tem nada para desenrolar. 

— Meu caralho na bunda de vocês — proferiu pegando duas garrafinhas e passando uma para ela. — Estão sendo tão discretos quanto um carro alegórico, então não me venha com desculpas. 

Aurora bufou, soltando os cabelos volumosos e o sacudindo, inevitavelmente lembrando a imagem de um gracioso leão. 

— É com-

— Complicado, eu sei. Por toda a imagem ruim que um relacionamento entre arcanjos passa aqui em Aurum, por tirar nosso foco e blá-blá-blá. Mas sinceramente, mandem tudo isso à merda. Logo nosso treinamento já vai estar concluído e vamos poder fazer a porra que quisermos. Então, por que não?

— É, você tem um ponto. — Cedeu num dar de ombros.

— O que sente por ele? Gosta dele? 

— Não. — Ela respondeu com seriedade, e Jisung estava pronto para rebater quando a arcanjo olhou no fundo de seus olhos e decretou: — Eu amo ele. 

O Han paralisou por alguns segundos com a informação inesperada.

— Ok… e ele sabe disso? 

— Ainda não. Quer dizer, nem sequer nos beijamos ainda. Não estou sendo emocionada demais?

— Não. Tipo, isso é normal. O amor às vezes floresce antes de qualquer toque. — Ela transformou os lábios carnudos numa linha fina, processando o conselho. — Quando você percebeu isso? Que o ama?

— Há pouco tempo, quando fomos na nossa primeira missão juntos. Somos arcanjos, logo toda vez que pisamos o pé para fora para caçar demônios corremos o risco de morrer, seja ele pequeno ou imenso. Mas essa possibilidade sempre está aí. 

— De fato. 

— E foi quando me dei conta que não me importo de morrer em uma missão, seria um jeito bem foda de morrer. Mas não numa missãozinha de quinta, daquelas perigosas em que eu terminaria com uma lâmina no peito.

— É, todos somos preparados desde o início da vida para morrer cumprindo nosso papel. Também não aceito uma morte menos digna que essa. Mas o que isso tem a ver?

Aurora deu uma pausa para um suspiro, como se ela mesma estivesse aceitando mentalmente as próprias palavras antes de verbalizá-las.

— Nessa missão, percebi que se eu partir antes que Minho, quero que a imagem do rosto dele seja a última antes de fechar os olhos. 

— Nossa… — ofegou ele, piscando algumas vezes com as palavras. 

— É. — Murmurou antes de fincar os olhos dourados nele novamente. — E como meu melhor amigo e irmão dele, tenho uma tarefa a deixar para você. 

— O que?

— Se ele partir dessa pra melhor antes que eu, não permita que eu pare minha vida por isso. O mesmo serve para ele se eu ir primeiro. Se mais para frente ele encontrar um outro amor e se privar disso por minha causa, lhe dê um belo puxão de orelha. E vise-versa. 

— E se eu morrer antes?

— Aí foda-se. — Ironizou ela, causando uma risada no arcanjo. — Mas descartando essa possibilidade, quero que me prometa. Prometa que não vai deixar nenhum de nós enterrar nossa felicidade junto com o corpo de quem morrer primeiro de nós dois. 

— Eu prometo. — Ditou com firmeza, colocando um sorriso no rosto dela.

— Assim que eu gosto — gesticulou se levantando, e como o calor de tanto treinamento ainda não havia passado, ela fez o mesmo que o arcanjo que havia saído pouco tempo atrás e tirou a peça que cobria seu tronco, que era um top esportivo.

Outro fator que Jisung jamais compreendeu do mundo humano: o motivo de polemizar tanto os seios femininos. Ali entre os arcanjos, a nudez era tratada com completa naturalidade e ausência de malícia. Quer dizer que se for para exibir os seios em um vídeo erótico é aceitável, mas se exibir para amamentar uma criança é indecência? Ah, pelo amor. A verdade é que a raça humana não suporta ver uma mulher tendo controle sobre o próprio corpo em vez de tratá-lo como entretenimento social. 

Além do mais, lembrava perfeitamente da revolta que sentiu quando teve sua primeira experiência conhecendo jogos de videogame com temática de luta e viu que não tinha uma santa mulher com fiapos de roupas, andando sensualmente, fazendo movimentos de batalha que mais pareciam de uma atriz pornográfica do que uma lutadora. Sem contar nos seios exageradamente grandes, o que não fazia nenhum sentido. 

O corpo dos arcanjos eram geneticamente feitos para serem guerreiros, por isso você nunca encontrava um que não tivesse um corpo robusto. Isso obviamente se aplicava às mulheres arcanjo também, você podia procurar o quanto quisesse uma com peitos daquele tamanho, mas não ia achar. Um busto grande não seria nem um pouco útil numa luta, muito pelo contrário, apenas serviria para atrapalhar. Então no geral, as guerreiras celestiais tinham todas peitos médios ou pequenos, e o uniforme que utilizavam para as missões era do mesmo modelo dos homens, como as devidas caçadoras sérias que são. 

— Enfim, estou doida para me jogar na cama e cochilar um pouco. A gente se vê.

— Certo, até depois — se despediu com um último aceno de cabeça antes de Aurora deixar a sala, e após mais uma garrafinha mandada garganta abaixo, Jisung saiu também.

Não fazia ideia porque, mas sua mente decidiu divagar o suficiente para começar andar sem rumo pelo prédio principal enorme de Aurum. Tanto que acabou parando numa ala que não pisava há muito tempo: a área de treinamento dos iniciantes, vários andares abaixos do seu, tanto literalmente quanto metaforicamente.

E foi quando avistou de longe um grupo de arcanjos na fase da adolescência em seu treino ao ar livre. Bem, na verdade só tinha um treinando e pelo visto era um treino que o próprio arcanjo havia se dado, já que não tinha nenhum instrutor ou instrutora por perto. 

Era o clássico exercício de uma garrafa apoiada em uma tira de madeira, em que você tinha que chutar com precisão o suficiente para derrubar o objeto. O garoto tentava ter sucesso repetidas vezes, mas o máximo que alcançava era a madeira, até que deu um golpe desajeitado o suficiente para seu equilíbrio vacilar e seu corpo ceder ao chão, recebendo risadinhas de deboche do resto que assistia.

— Quase me deu pena — disse uma das garotas enquanto caminhava junto dos outros dois.

— É, parece que nem todo arcanjo nasceu para ser um arcanjo — completou outro garoto enquanto eles passavam pelo menino ainda no chão.

— Gente, não falem assim. Eu acredito que pode ter sucesso — falou a última garota em um tom defensivo, até a expressão sentimental se esvair e ser substituída por um sorriso de ironia maldosa. ― Limpando armas. 

O trio se desmanchou em risadas, caminhando juntos até estarem fora do recinto. O garoto suspirou, se encolhendo e abraçando as canelas. Jisung descompassou a respiração por alguns segundos, sentindo como se tivessem colocado um espelho em sua frente. 

Os arcanjos podem ser anos luz evoluídos com muita coisa em relação a humanidade, mas com certeza a arrogância de inferiorizar alguém não fazia parte da lista. Pelo menos você não era um lixo por seu gênero, seu estilo, sua aparência, a cor de sua pele ou sua sexualidade, mas por não saber socar com força ou não saber usar uma espada. Contudo, ainda assim, não era certo.

— Aí — chamou enquanto se aproximava e o garoto deve ter pensado que era mais um de seus “amigos” outra vez, já que bufou ao escutar a voz alheia.

— Escuta, porque não me deixam em paz em e vão se f… — a voz dele sumiu no instante em que ergueu o rosto e viu com quem estava falando. — Por Elijah.

Se levantou rapidamente. O rosto dele congelou e se tornou eufórico, como se estivesse diante de uma celebridade.

— H-Han Jisung? 

— Em carne e osso. — Declarou, não evitando de sorrir perante ao embaraço do mais novo. 

Ele se abaixou levemente, fazendo a reverência ensinada a fazer para mostrar respeito aos arcanjos com posição superior à sua. Juntar as mãos na frente do corpo e curvar o tronco num ângulo entre cento e quarenta graus, mas o rosto jamais vai junto, permanecendo levantado. Uma forma de ser respeitoso, mas ao mesmo tempo fazer justiça à filosofia de que arcanjos jamais abaixam a cabeça para ninguém. 

— Pelos céus, o que faz aqui? Q-Quer dizer, não que você não possa vir aqui, você pode ir aonde quiser — se atrapalhou nas palavras. — Mas é que não costumamos receber arcanjos superiores nesse andar a não ser treinadores. A que devemos a honra de ter você nessa área?

— Nada em especial, só espairecendo com um passeio.

— Ah sim, e… espera, você viu? — Quando Jisung afirmou com a cabeça, ele bufou num ar decepção e tirou os cabelos compridos do rosto enquanto cochichava consigo mesma: — Bravo, Yeejin. Você acabou de fazer papel de idiota na frente de Han Jisung, sua imprestável.

O arcanjo franziu levemente as sobrancelhas ao ouvir a lamentação.

— Desculpa, como é seu nome? 

— É Yeejin — repetiu. — É que, sabe… não sou um cara. 

Ele mudou a feição, imediatamente se sentindo culpado por presumir o gênero da garota equivocadamente. A transsexualidade era algo natural naquele mundo também, outro ponto que a humanidade tinha muito a melhorar. 

A única diferença é que seres sobrenaturais não tinham nome morto e nome social que nem os humanos, já que como arcanjos não tinham pais biológicos, eram eles que escolhiam o próprio nome desde criança. A menos que o arcanjo tenha nascido do parto como Jisung, mas isso era um caso à parte. 

— Belo nome.

— Valeu — ela sorriu docemente.

— E sobre você fazer papel de idiota, fique tranquila. Não sou babaca como o resto. Na verdade, eu te entendo.

— Entende?

— Sim. A geração de vocês tem pleno conhecimento que eu sou um dos melhores, mas não fazem ideia que passei a mesma coisa que você está passando para me tornar um. 

— Você? — Inquiriu em tom de dúvida. — Tá me dizendo que Han Jisung já foi motivo de chacota?

— Eu era exatamente como você, Yeejin. O aluno que ficava depois do treino praticando um golpe que todo mundo conseguiu aprender, menos eu. E se você já sofre sendo uma arcanjo pura, imagina eu, que sou metade humano. Mas apesar de tudo isso, olhe para mim agora. 

— É… você o tipo de pessoa que os outros mudam seus caminhos só pra abrir espaço pra você passar.

— Exatamente. — Sorriu num ar egocêntrico. — E por isso, quero que me escute com atenção.

— Entendido.

Ele passou a caminhar lentamente sobre o pátio, revivendo as memórias que passou ali como se tivesse vivido ontem.

— Não tem nenhuma regra para impedir que arcanjos ridicularizem aqueles que não aprendem tão depressa. Ou seja, você está sozinha nessa. Se não quer ser humilhada, então não demonstre fraqueza. Se quer que te respeitem, conquiste isso.

— Como? 

— O primeiro passo: cair faz parte de todo o processo, mas jamais demore demais para levantar. O segundo, pare de achar que eles são melhores que você. Todos vocês passaram pela mesma coisa, todos carregam a vitória dos testes mortais de sobrevivência para chegar aqui. Então, só taque o foda-se e se concentre em passar por cima de cada um que duvidou do seu potencial. E o terceiro…

De surpresa, Jisung se preparou e deu um chute giratório em frente à tira, fazendo a garrafinha voar para o outro lado do pátio. 

— Firme mais os pés no chão na hora de chutar. 

Uns bons segundos passaram com Yeejin com cara de paisagem, alternando o olhar entre a garrafa e o arcanjo mais velho num ar de admiração.

— Você faz parecer tão fácil… 

— E se torna fácil com o tempo. Vai, tenta. 

— C-com você olhando?

— É. Agora, anda — estalou os dedos em sinal de agilização. — Coloca essas pernas pra trabalhar. 

Yeejin correu pegar outra garrafinha num estado de descrença enquanto cochichava baixo, sem conseguir conter a emoção: "Vou ser treinada por Han Jisung… vou ser treinada por Han Jisung…"

 

E depois de mais de quase três horas de lições e testes, a acastanhada deu um gritinho de comemoração quando o recipiente de plástico foi lançado ao chão pela décima vez graças ao impacto do pé dela. Não era para ter demorado tanto, mas aconteceu porque Jisung, além de ensiná-la o chute circular, que era o que estavam aprendendo, também ensinou o chute giratório que usou na demonstração, que era mais avançado. E Yeejin teve sucesso em ambos. 

— Viu? Você aprende rápido, no final das contas — elogiou cruzando os braços enquanto a outra sorria de orelha a orelha.

— Sei que não tinha obrigação nenhuma de ter me ajudado, você deve ter assuntos mais importantes a tratar. Então, minha imensa gratidão à você. Se um dia eu tiver alguma chance de retribuir o que está fazendo, não hesite em cobrar. 

Jisung estava prestes a responder, mas novas vozes no ambiente o impediram. 

— Ah, está na hora do treino da noite. — Lembrou Yeejin. 

— Não creio — ressoou uma das garotas que viu zombando da arcanjo há um tempo atrás. — Ainda está aqui? E quem é ess…

O rapaz se virou na direção deles antes que a pergunta fosse finalizada, e o grupo teve exatamente a mesma reação que Yeejin.

— Jisung? — Disse a treinadora ao entrar no ambiente. — Se perdeu, foi? 

— Só dando uma volta no tempo livre, treinadora Choi — explicou, fazendo a mesma reverência para a mulher que os arcanjos adolescentes fizeram para Jisung. 

Só depois de ver a mulher mais uma vez que notou o quanto sentia falta dela. Foi a primeira treinadora que teve — sem contar com sua mãe — e foi a mais gentil, embora saiba muito bem ser pulso firme. 

— Presumo que a lição de hoje vai ser aprender a dar o chute giratório, não é? — Adivinhou ele, fazendo a mais velha semicerrar os olhos.

— É sim. 

— Se não se importa… gostaria que uma de suas alunas fizesse a demonstração. Yeejin. — Chamou ele, fazendo a citada se aproximar e passar pelo trio que a observou com desprezo após ela lançar uma piscadela e gesticular um "observem a aprendam" antes de se dirigir até a tira. 

E os valentões confiantes se apagando como uma lâmpada foi hilário de assistir com a arcanjo efetuando o golpe com perfeição, fazendo Jisung dar um sorrisinho de orgulho. 

A treinadora lançou um olhar afiado na direção de Han, num ar de "Então roubou minha aluna, é?", e o mesmo deu de ombros num sorrisinho travesso. 

— Certo… foi uma boa demonstração. Bom trabalho, Yeejin — A mulher foi obrigada a admitir enquanto cruzava os braços. — Agora, por favor, busque mais garrafas para o resto de seus colegas. E vocês três — apontou para o triozinho maravilha que ainda se encontravam boquiabertos. — Vão ajudá-la. 

Os quatro assentiram com a cabeça saindo do pátio e Jisung estava prestes a fazer o mesmo, mas foi barrado por outros alunos mais novos se reunindo ao redor dele, eufóricos por sua presença. 

— Pode me ensinar também?

— Como faz para suas lâminas durarem tanto tempo afiadas?

— Como consegue dar passos tão silenciosos com essas botas?

— É verdade que consegue esmagar um osso só usando uma mão? 

— Seus olhos azuis são naturais ou são lentes? 

— Diz pra Aurora que eu acho o cabelo dela lindo? 

— Autografa minha adaga? 

— Ei, basta. Comportem-se. — Reverberou a treinadora, cortando os embalos dos jovens. — Deixem o rapaz respirar e concentrem-se no treino. Para as posições de alongamento, já. 

Resmungos de reclamação foram soados em resposta, mas obedeceram mesmo assim, fazendo Jisung dar uma risadinha.

— Quem sabe eu volte outro dia quando estiver livre, mas agora, a treinadora está certa. Treinem com dedicação, porque não quero fãs fracotes. 

Recebendo vários "pode deixar" em resposta, o arcanjo deu último aceno de cabeça em despedida de Choi e enfim saiu do recinto, encontrando o quarteto voltando com as garrafas.

— Escutem aqui — proferiu ele para o trio, vendo-os engolir o seco só com o tom sério do arcanjo. — Yeejin é uma das minhas agora. Se mexerem com ela, mexeram comigo. 

Tomou do único garoto do grupo o copo de metal que ele segurava na mão livre das garrafinhas, que normalmente usava para beber água. 

Ou costumava usar.

— E acredito que não querem mexer comigo… — Para dar mais impacto ao discurso, Jisung amassou o material com a destra como se fosse só mais uma garrafa de plástico. — Ou querem?

— Não. — Uma das garotas se apressou em dizer. — C-Com certeza não. Foi mal aí, Yeejin.

— É, foi mal — concordou a outra garota.

— É, desculpa — finalizou o dono do copo destroçado. 

— Perdoados. — Declarou a arcanjo com um ar de triunfo, e Jisung lhe deu uma última piscada antes de caminhar para as escadas que levavam de volta ao seu devido andar. 






 


࿇ ══━━━━✥◈✥━━━━══ ࿇







 

— E também teve uma vez que enquanto voltava de uma missão no final da tarde, vi um garotinho sofrendo bullying por ir com saia pra escola. Conversei com ele, perguntei se porventura gostava de usar por sentir que era uma menina em vez de um menino. Mas ele me disse que não, que ainda era um garoto, mas gostava de usar a peça porque achava bonito — contou Jisung, terminando o cigarro número sabe lá qual. 

— E o que você fez?

— Por alguns dias, comecei a levá-lo e buscá-lo na escola, usando uma saia igual a dele. Mas as pessoas não ousavam dizer qualquer coisa por eu estar carregando adagas no cinto e na tira de couro da coxa. Disse pra ele contar pra todo mundo que eu era o irmão mais velho dele. Foi o suficiente para me dizer depois de um tempo que pararam de mexer com ele, então meu trabalho estava feito. 

— Um assassino cruel aliado ao feminismo, ativista LGBTQ e o maior defensor de oprimidos em geral. Uau — Hyunjin sibilou. — Só escutei tudo porque é você, caso contrário tinha saído daqui com uma overdose de tédio nos primeiros cinco minutos de história. 

— Pois é, capetinha. Eu sei ter compaixão. Perdi a graça pra você por isso? 

— Nhá, não. Precisaria se esforçar mais pra eu perder o interesse em você. — Não sabia definir se aquilo era motivo de alívio ou desespero. — Mas enfim, se sente melhor? resolveu seu dilema pessoal?

— É… acho que sim.

Jisung era bom no final das contas. 

— E o que você disse sobre sempre ter tido o desejo de saber como era sentir aquela atração irracional, algum dia cogitou que a pessoa que te causaria isso pertence à espécie que você ganha a vida matando? 

— Nem em um milhão de anos. — Ele riu pretensiosamente em resposta com o tom de decepção do arcanjo. — Mas me conta, agora que sabemos o que eu sou, qual é o próximo passo do treinamento? 

— Hm, digamos que o próximo treinamento que eu queria dar à você, é bem… profundo. — Jisung encolheu os lábios, pronto para receber o nervosismo em seu corpo quando ele desmanchou a feição séria e continuou num sorriso malicioso. — Chamado de garganta profunda.

Ele desmanchou em uma gargalhada, vendo Han passar a língua na boca em revolta.

— Ah, é melhor você correr. — Declarou pegando nas mãos uma de suas facas para avançar no íncubo, este que fez justiça à orientação de Jisung e voou da cadeira.

A perseguição acabou indo além da sala de treinamento, se prolongando por todo o andar com o arcanjo declarando "Volta aqui!" várias vezes. 

Mas diferente da outra vez, não era um cenário tenso com Han com uma lâmina na mão avançando em Hwang. Eram quase como duas crianças brincando de pega-pega, rindo e correndo por todo o colégio enquanto o demônio sempre escapava do arcanjo quando ele estava quase o apanhando, usando seu teletransporte e tendo a audácia de gritar: "Você não me pega! Lá lá lá lá!"

Até Jisung enfim conseguir o agarrar, puxá-lo pela gola da camisa e apontar a faca para o pescoço dele, que ainda ria descontroladamente. E não era aquela risada sádica que costumava ouvir.

— Escute aqui, seu cafajeste… — tentou usar o tom sério, mas a risada acabou o contagiando e atrapalhando no processo.

Não fazia ideia o que era aquele cenário que estava vivendo agora, do que significava e do porquê estava gostando tanto. Quer dizer, se o Jisung da noite que pisou pela primeira vez no lado sombrio de Speculo visse o Jisung de agora, se reviraria de decepção.  

— Ãn…

Uma nova voz se pronunciou no outro lado do corredor que a dupla estava, fazendo Han se virar assustado e avistar o ghoul que observava a cena num ar confuso. 

— Parece que Felix estava certo. Você já está de quatro pro morceguinho. — Recitou num sorriso e o arcanjo imediatamente recuou e coçou a garganta, recuperando a postura séria de sempre. 

— Ainda te mato um dia desses — disparou para o íncubo, voltando seu olhar para o ghoul. — E você também. 

Então saiu às pressas. Maravilha. Já não bastou perder o respeito que tinha de Felix pela cena embaraçosa da sala de treinamento, e agora isso. 

Ele se recusou a aceitar completamente até agora, mas seu cérebro não tinha tantas escolhas a não ser repetir aquela verdade várias vezes naquele momento. 

Estava amolecendo com Hyunjin cada vez mais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 


Notas Finais


E é isso, piticos (desculpa ter demorado pra atualizar esse, mas ontem eu tava caindo de sono pra terminar de postar)

Mais uma vez, minha profunda gratidão por ter nos ajudado a ter essa conquista, obrigada pelos comentários, pelos surtos, pelos xingamentos, pelos elogios, meu carinho por você é tanto que mal sei descrever.

Meu cérebro se encontra completamente fritado depois de passar horas a fio revisando capítulo e postando, então se deliciem bastante com os 10 de agora, porque vai demorar um pouco pra sair o próximo.

É isso, obrigada mais uma vez e até o próximo cap, muac💋


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...