Hyunjin seguia com os olhos a outra presença no quarto, com aquele olhar impassível e seu sorriso ladino arrogante de sempre. Era incrível que mesmo nas situações em que estava claramente desfavorecido, ainda agia tranquilamente como se tivesse tudo sob seu controle. Era um dom.
E nesse caso, a palavra "desfavorecido" era um apelido. Seu tronco ainda estava desnudo, estando vestido apenas da cintura para baixo. Seus tornozelos e pulsos estavam amarrados na cadeira que o prendia no quarto de Jisung, e o taser de cabo longo girava nas mãos do homem que o rondava.
Até que ele por fim parou em sua frente e se inclinou, o encarando de forma hostil antes de sibilar:
— Vou perguntar com gentileza só uma vez. — Ele chegou mais perto, apoiando a mão no encosto da cadeira. — Onde ele está?
— Quem? O seu senso de estilo? Estava me perguntando isso também — respondeu o fitando de cima abaixo. — Esse visual tá bem ultrapassado, amado. Só porque você tem séculos de idade não significa que seu gosto tem que parar no tempo.
O outro bufou, se afastando e ficando mais alguns segundos em silêncio.
— Bem, se não quer mesmo colaborar e fazer esse joguinho…
Hyunjin curvou o tronco e fechou fortemente os olhos quando a ponta do taser encostou em seu abdômen. Agora realmente era uma boa hora para sua imunidade à dor voltar. E após um curto tempo de agonia, a arma foi afastada novamente e o íncubo recuperou o fôlego.
— Agora vai responder decentemente à minha pergunta? — Indagou erguendo uma sobrancelha. — Apenas colabore com você mesmo de uma vez e se poupe de tanto sofrimento. Desembucha. Onde está Han Jisung?
O demônio tombou a cabeça para o lado sem desmanchar o sorriso felino.
— Não tenho ideia, treinador. — Disse a última palavra sarcasticamente, fazendo Siwoo o fuzilar com um olhar de quem claramente não acreditava nele. — Sou a última pessoa a quem ele deseja que saiba de seu paradeiro agora. Bom, a penúltima.
O arcanjo entendeu bem a direta, encarando Hwang por um longo período. E claro, o mesmo não desviou. Se ele queria fazer jogo de olhares numa disputa de superioridade, com certeza não escolheu o oponente certo para ganhar.
— E mesmo que eu saiba onde ele está, se eu não quiser te contar… vai fazer o que? — Desafiou estendendo o sorriso até exibir os dentes. — Se eu não me comportar, qual será a punição? Vai me chicotear também, como fez com seu adorado filhinho?
Siwoo paralisou na hora com as palavras. Hyunjin mordeu o lábio inferior enquanto sorria, satisfeito por vê-lo afetado.
— Lembranças amargas, não é? Como será que a doce Byeolsu reagiria se visse o que você se tornou?
Estava pronto para elevar o sorriso ainda mais, contudo, sua expressão contente se dissipou após receber um choque tão potente que o fez apertar os dedos das mãos e levar a cabeça para trás. Se esforçou para não gritar, não queria parecer vulnerável.
Então mesmo com seus músculos do tronco se contraindo, os espasmos desagradáveis o atingindo, sua pele formigando em ardência e seu estômago começando a queimar a ponto de achar que iria explodir, aguentou.
Ele era Hwang Hyunjin. Não se submetia à intimidação de ninguém.
Quando enfim a tortura elétrica acabou, o íncubo respirava rapidamente enquanto levava a cabeça para baixo.
— Não sei como sabe disso. Mas se fazer qualquer outra gracinha como essa, não vou parar com o choque até ver fumaça saindo dessa boca ousada. — Determinou, recebendo quietude como resposta do íncubo por quase um minuto inteiro, até sua voz se manifestar de novo.
Mas não foi com palavras, e sim com um riso abafado.
Sempre começava baixo, para então ganhar cada vez mais poder até ele erguer a cabeça lentamente enquanto gargalhava alto.
— Qual é a graça? — Intimou, visivelmente incomodado. Era sempre divertido ver as pessoas irritadas com sua risada, que sempre aparecia nos momentos mais impossíveis de alguém com a mente equilibrada rir.
— Você é tão fácil de provocar… me admira que alguém que tenha criado o meu anjinho tenha a mente tão fraca.
Siwoo riu debochadamente, cruzando os braços.
— Eu particularmente estava ansioso para conhecer o demônio pelo qual Jisung botou tudo a perder. E francamente, eu esperava mais. — Despejou com claro desprezo na voz. — Desperdiçou anos e anos de dedicação por… isso?
— "Isso" o que? Um puta gostoso? Ou um demônio que fez mais bem pra ele em meses que o próprio pai dele não fez em anos?
E novamente, lá estava sua expressão de ódio. Ele suspirou fortemente, descruzando os braços.
— Vai em frente, querido. Me transforme em torrada por jogar verdades em sua cara. Só irá provar o quão patético é.
Hyunjin ficou esperando a onda de corrente elétrica, mas tudo o que o homem fez foi elevar o lábio para um canto só.
— Não ia te dar choque. — Disse pacientemente. — Só ia dizer o quão hipócrita é por se achar melhor do que eu. Me diga, o quanto bem exatamente você fez pra ele, vendo uma ilusão de sentimento criar nele e deixando ela crescer, mesmo sabendo que nunca poderia retribuir?
Agora foi a vez de Hyunjin fechar a cara, trincando os dentes enquanto o sorriso alheio aumentava.
— Pois é, fiz minha lição de casa sobre vocês dois. E também… sobre você em especial.
Ele falou num ar presunçoso, se agachando e igualando suas alturas de momento.
— Uma beleza única por fora, e uma podridão por dentro. Alguém que já fodeu tanto a vida de tantas pessoas apenas por diversão… — Ele se colocou em pé de novo segurando no queixo do moreno, e então devolveu sua provocação na mesma moeda: — Como será que seus amados papai e mamãe reagiriam se vissem o que você se tornou?
Hyunjin virou o rosto bruscamente para se desvencilhar de seu toque, se descontrolado o suficiente para lutar contra as amarras e infligir dor, muita dor. Uma risada nasal veio de Siwoo ao vê-lo perder a pose de superioridade.
— Você não é o único que sabe cutucar pontos fracos.
As pupilas escuras do demônio tremiam, e continuou encarando o mais velho com a fúria queimando mas íris. Até que mesmo com aquela cólera à flor da pele, fechou os olhos e suspirou e inspirou.
Quando os abriu de novo, lá estava o demônio sarcástico e pacífico de sempre. Voltou a sorrir, passando a língua em seu canino e começando a fitar o arcanjo como uma pantera observando um antílope em meio da grama alta.
— Tem razão. Eu não presto, querido. Nem um pouquinho. Mas de uma coisa você pode ter certeza, mesmo que um dia por algum milagre eu consiga sentir alguma coisa… — Ele abriu levemente os olhos e suas bochechas quase doeram pelo sorriso enorme e psicótico que deu. — Nada vai me despertar remorso algum pelo que eu vou fazer com você.
Siwoo franziu as sobrancelhas, o olhando com tédio como se sua evidente ameaça não o afastasse nem um pouco.
— Não me leva a sério, não é? Mas basta aguardar. — Garantiu ele. — Deixe eu te contar uma coisa: há erros na vida que você pode cometer várias vezes, alguns que pode cometer algumas vezes, outros que pode cometer apenas uma vez. E há erros que você não pode cometer nunca.
Ele abaixou um pouco a cabeça sem descer o olhar, intensificando a expressão medonha e sombria.
— Me subestimar é um erro que você não deve cometer jamais.
Hyunjin não disse mais nada por um tempo, emergindo nas ideias que afloraram em sua mente. Se tem uma coisa que era perturbando suas vítimas, era criativo. Ah, se divertiria tanto com ele…
A risada acabou voltando, sendo arrastada e num volume menor dessa vez, mas ainda o suficiente para arrepiar por inteiro qualquer dono dos ouvidos que escutassem.
— Mexeu com o demônio errado, Bae Siwoo.
O arcanjo parecia prestes a responder, mas foram interrompidos por uma outra mulher adentrando o ambiente, que deu um breve olhar para Hyunjin antes de dirigir a palavra à Siwoo.
— E aí?
— Esse aqui só desperdiçou nosso tempo, Leah. — Respondeu um ar de desprezo para o íncubo, cujo deu uma piscadela. — Vamos. Nosso traidor não pode ter ido tão longe.
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Kyara se ocupava organizando os potes de sementes de seu jardim, dando uma pausa para colocar seu casaco. Havia sido um dia de chuva intensa em todo o mundo sobrenatural, causando frio no corpo de cada um. Faltavam algumas horas para amanhecer e toda Flora estava adormecida, mas a feiticeira havia perdido o sono. Então resolveu investir naquela tarefa para matar o tempo.
— Droga, por que tem que faltar altura nessas horas? — Pensou consigo mesma após se colocar na ponta dos pés para alcançar um pote na prateleira mais alta, mas mesmo assim não conseguia nada além de fazer com que a ponta dos dedos tocassem o recipiente. Poderia usar magia, mas evitava usufruir da mesma para finalidades fúteis, a fim de evitar cansaços desnecessários.
Até que surgiu uma presença atrás dela e alcançou o que precisava sem esforço, entregando em sua mão. Ela sorriu pensando ser alguém da floresta que também havia perdido o sono, pegando o pote.
— Obrigada.
— Disponha — uma voz grave masculina ressoou, fazendo um arrepio brotar em seu corpo na hora. Se virou deixando o pote cair, assim como sua ficha quando viu quem estava diante dela.
A garota com o susto quase despencou ao dar passos desajeitados para trás, respirando freneticamente.
— Se gritar ou fazer alguma gracinha, seus amiguinhos lá fora morrem. — Avisou ele com um olhar cortante, que a desafiava ousar desobedecê-lo. — Imagino que saiba quem eu sou.
— A criança de Lúcifer e Medusa. — Concluiu ofegante só de olhar para aquele chicote que cintilava na mão dele. Felix deu um sorriso malicioso com a resposta. — Sua mãe pode ter sido um ser da natureza, mas você não é bem-vindo aqui. É melhor ir embora.
— Ah, sim claro. Com certeza iremos — respondeu balançando os ombros, completamente à vontade com a situação enquanto Kyara estava em pânico. "Iremos"? Quem mais estava com ele? — Mas depois de me entregar o que eu quero.
— E o que quer?
O sorriso do rapaz aumentou.
— Os Cálices das Quatro Estações. Preciso deles emprestados.
Kyara arregalou os olhos, permitindo o amedrontamento sair de si o suficiente para rir sarcasticamente.
— Nem pensar. Não irei entregar armas tão sagradas nas mãos de um psicopata. Para que precisa deles, hein?
— Hm… digamos que vão ser úteis para matar um filho da puta massacrador de irmãs. E tecnicamente, o Cálice Outonal é meu. Era de Escarlate, então pela lógica…
— É, pela lógica, sim. — Concordou. — Mas Escarlate perdeu qualquer direito como feiticeira branca quando se tornou Medusa.
O sorriso dele sumiu de repente, voltando com o ar ameaçador em sua expressão.
— Recomendo que dobre a língua antes de falar da minha mãe, garota. — Advertiu ele, e Kyara se segurou para não engolir o seco com o brilho assassino em seus olhos.
— Mesmo que ela tenha sido a pessoa mais pura do mundo, você não tem exatamente o melhor histórico do mundo. Então a resposta ainda é não.
Agora foi a vez dele rir cinicamente.
— Acho que entendeu errado, querida — ele deu um passo à frente, fazendo-a recuar em cautela. — Eu não estou pedindo.
Uma tensão se instalou no ar, os dois preparados para atacar contra qualquer um que avançasse primeiro. Kyara trincou o maxilar, invocando duas chamas azuis nas mãos.
— Se quer fazer isso, então vamos. Não vou te dar os Cálices por pura e espontânea vontade.
Mas Felix não mexeu nenhum músculo, estendendo os lábios num sorriso realmente perturbador.
— Ora, quanta coragem. Deve estar aproveitando todo esse poder de Guardiã agora que seu irmão está fora de cena, não é? — Ergueu as sobrancelhas sugestivamente, fazendo Kyara franzir o cenho com a forma que se referiu à Kyan, como se soubesse de algo e ela não. Será que havia acontecido alguma coisa com ele durante a viagem para recuperar os pedaços do colar de Tzuyu? — Sabe, já carbonizei uma cidade sagrada uma vez. Não me incomodaria em adicionar mais uma à lista. Porém... se isso não é ameaça o suficiente pra você, não tem problema. Ainda tem mais no estoque.
Ele se sentou em seu sofá e colocou o calcanhar direito em cima da coxa esquerda, como se aquela fosse a casa de uma amiga de anos.
— Amor? Já deve estar cansado de esperar aí fora, não é? Por que não entra um pouco pra não pegar friagem?
Kyara ficou ainda mais perdida. Mas no segundo seguinte, uma mão invisível agarrou sua traqueia e sufocou sem piedade assim que o outro rapaz adentrou sua casa. E lá estava a carta na manga que a feiticeira suspeitava.
— Kyan! — Reverberou desesperada após ver o dito cujo desacordado nos braços do garoto, com um pouco de sangue seco em seu cabelo. — P-por favor, não machuca ele.
— Isso vai depender de você — respondeu enquanto enrolava a mecha longa e acastanhada da franja em volta do indicador. — Está vendo esse moço simpático aí? Um doce, não é?
É óbvio que havia sido irônico, já que o tal "moço simpático" naquele exato momento a encarava intensamente, como se estivesse pronto para avançar em seu pescoço a qualquer momento.
— Uma dentada dele e seu maninho já era. — Avisou sem desmanchar o sorriso presunçoso do rosto. — Então, será a vida dele pelos Cálices. Um acordo justo, não acha?
Ela não respondeu, chocada demais com o próprio irmão inconsciente caído nos braços do ghoul. Como ele havia parado ali? O que havia acontecido?
Mas com sua demora raciocinando, acabou desencadeando um bufar do Lee, junto de uma revirada de olhos. Ele se levantou.
— Olha, eu meio que acabei de sair de um coma e logo depois recebi a notícia que minha meia-irmã está morta. Não é um dia bom para testar minha paciência.
Kyara hesitou. Como sair daquela agora? Eles eram dois, ela era só uma. Lógico que não queria entregar os Cálices para eles, mas tinha escolha? Se arriscasse a lutar, estava fora de cogitação tentar acordar Kyan para ajudá-la. Ele deve ter usado o veneno de suas serpentes nele, e demorava um tempo para o efeito passar o suficiente para batalhar com dois demônios.
E não demônios comuns, mas dois demônios de elite. A feiticeira sabia muito bem com quem estava lidando. Valia a pena arriscar sua vida e a do irmão gêmeo pelos Cálices? Se decidisse que não, que catástrofes poderiam acontecer se cedesse? Quantas mortes estariam indiretamente nas suas mãos por ter sido a responsável por dar aquelas armas mortais na mão deles?
Mas e se resolver revidar... conseguir salvar os Cálices, mas perder Kyan? A vida dele compensava a proteção dos quatro artefatos?
Mas bastou a próxima ação de Felix para que ela saísse daquela guerra mental e tomasse sua decisão. Ele suspirou fundo em impaciência, virando o rosto para o ghoul com um sorriso gentil e recitando para o mesmo:
— Bon appétit, meu amor.
A declaração colocou um sorriso macabro no rosto de Changbin, que passou a língua nos dentes da frente antes de abrir a boca e se preparar para investir de forma certeira na jugular de Kyan, mas a voz de Kyara o impediu.
Definitivamente não compensava.
— Espera! — Com seu pronunciamento, o ghoul lentamente ergueu o rosto de volta para garota junto com Felix, este que sorriu satisfeito. — Tá, você venceu. Eu dou o que quer. Só solta ele.
Felix voltou à feição séria, cruzando os braços.
— Eu dito as regras aqui, mocinha. Os Cálices primeiro.
Ela suspirou, dando uma última olhada para Kyan para relembrar que estava fazendo a coisa certa antes de responder.
— Vem comigo.
Foi uma caminhada torturante até o local escondido onde os objetos eram guardados. A cada dez segundos, alternava o olhar para o gêmeo carregado pelo ghoul e para a mamba negra que a acompanhava como lembrete para que não fizesse nada estúpido. Por fim chegou até onde precisavam, pegando os três Cálices com as mãos trêmulas e caminhando até o demônio.
Mas antes de entregar, precisava saber uma coisa.
— Só nós aqui de Flora sabíamos da existência deles. Como soube que os Cálices ainda existiam?
— Tenho minhas fontes — respondeu arrancando os objetos da mão dela, sorrindo radiante enquanto os analisava.
Ela não conseguiu evitar a pulga que surgiu atrás da orelha com aquilo. E se foi alguém de Flora que roubou o Cálice Invernal para Felix e agora ele voltou para buscar o resto? Mas se foi ele, porque se deu o trabalho de vir pessoalmente dessa vez? Mas e se não foi nenhum subordinado e sim ele por conta? E se for o caso, por que se deu o trabalho de ir atrás de Kyan para ameaçá-la se já sabia como pegar os outros três? Teria chamado tanta atenção de propósito por pura diversão?
— Cadê o outro? — Interrogou erguendo uma sobrancelha, e Kyara o analisou bem para tentar decifrar se estava perguntando de verdade ou se só estava se fazendo de desentendido.
— Não sei.
Lee lançou uma feição entediada pra ela antes de afirmar com a cabeça para o namorado, que pela segunda vez por muito pouco não arrancou um pedaço do feiticeiro antes dela interferir de novo.
— Não! Eu juro que não sei! — Disse com desespero. — Ele foi roubado, não sabemos quando e nem por quem. Por isso Kyan saiu e me deixou como Guardiã, para tentar recuperá-lo.
Felix ficou em silêncio, olhando para a garota enquanto parecia ponderar se ela estava sendo sincera ou não.
— É sério. Aqui, veja você mesmo — falou pegando o outro "Cálice" e o entregando. — É falso. Mantemos aqui para disfarçar, porque os outros não sabem.
Ele tomou a taça de sua mão e a analisou por alguns segundos, alternando o olhar entre o objeto e a feiticeira por um tempo antes de enfim soltá-lo no chão.
— Ok. Mas vou logo avisando: se estiver mentindo, te transformo em ração para a minha naja. — Ele colocou os três Cálices na bolsa de ombro que carregava consigo, e para seu alívio, se virou para Changbin e decretou: — Pode liberar o irmãozinho.
O ghoul resmungou com a fala, descendo o olhar para Kyan.
— Está tão propício… não posso dar nem uma mordidinha? — Kyara esbugalhou os olhos em alarme, torcendo para uma resposta negativa. Aqueles dois eram sádicos e traiçoeiros, eram perfeitamente capazes de acabar com o feiticeiro bem ali, mesmo tendo entregado o que pediram.
Felix estalou a língua e pronunciou um "ooown" enquanto fazia um biquinho, como um adulto mostrando empatia pelo pedido de uma criança.
— Meu amor, guarde essa mandíbula para mais tarde. Temos um exército do rei do inferno para enfrentar, aí sim vai poder dar quantas mordidinhas quiser até os ossos ficarem branquinhos.
Changbin se contentou com a proposta, voltando a atenção para Kyan mais uma vez e deixando seu corpo cair na grama, se afastando em seguida. Nem meio segundo passou depois disso para que Kyara corresse na direção dele e o acolhesse em seus braços, feliz por ele estar fora da zona de perigo.
— Foi um prazer fazer negócios com você — falou sardonicamente, fazendo a morena o fitar com ódio. — Agora, se me dá licença… tenho uma raposa para caçar.
Então saíram, simples assim. Caminharam juntos até estarem fora do território dos seres da natureza e voltarem para a floresta, e Felix mal deu dois passos para fora da passagem antes de Changbin subitamente segurar em seu maxilar e o beijar de forma ansiosa e calorosa. O moreno se surpreendeu, mas logo estava retribuindo, passando o braço livre em volta do pescoço alheio.
— O que foi isso? — Perguntou entre o contato, e o ghoul sorriu e o beijou de novo por um bom tempo até responder.
— Primeiro, estou feliz de te ver bem depois do que a ararinha azul fez com você. E segundo… — passou o polegar pelos lábios de Felix, o fitando maliciosamente. — Já disse o quanto você fica um gostoso intimidando e ameaçando pessoas?
O garoto riu, dando de ombros num ar egocêntrico.
— É, eu sei. E não pense que eu não reparei na sua provocação discreta também — entregou ele. — Você nunca sorri daquele jeito antes de morder suas vítimas, só quando está prestes a me morder. Quase parei tudo e te lasquei o beijo quando você mandou essa.
Changbin sorriu matreiramente, puxando Felix para mais perto por sua cintura.
— Então por que não compensa agora? — Ele mal terminou de falar antes do acastanhado atacar seus lábios, iniciando um beijo barulhento arranhando fortemente a nuca do namorado seguido de suas costas. Se afastou com uma mordida forte nos lábios dele, mesmo não querendo. Felix se conhecia bem. Se continuasse, era capaz de batizarem aquela árvore bem ao lado deles.
— Continuamos isso assim que tivemos a cabeça do Ethan e os seus lacaios empalados como espetinhos, fechado?
— Fechadíssimo. — Declarou o ghoul, continuando a andar junto dele.
— Ei, me diz uma coisa.
— O que?
— O que estava fazendo na bancada do Kyan antes de sairmos?
— Ah. — Deu um sorriso descontraído. — Nada demais.
Mas mal sabia ele que sim, era grande coisa. Enorme, na verdade.
Kyan descansava tranquilamente em sua cama, imerso em um sono profundo. A chuva já havia parado, mas ainda retumbavam alguns trovões que eram o único vestígio de iluminação pelo quarto.
Foi de um instante para outro. Em um segundo, não havia nada de anormal no cômodo. Mas quando outro trovão soou e o quarto se iluminou por alguns segundos, podia se enxergar duas presenças em pé na frente de sua cama, uma de cada lado.
O feiticeiro ainda descansava, longe de estar ciente que haviam dois demônios o observando. O casal se aproximou, se ajoelhando na frente do colchão com dois sorrisos maléficos enfeitando suas bocas.
— Então, é ele a nossa moeda de barganha? — Changbin sussurrou para Felix do outro lado.
— Ele mesmo. — Respondeu se aproximando mais, fitando o rapaz com atenção sem encostá-lo. — E não é nada mau. Dá até dó de machucar um rostinho tão lindo…
Ele conseguiu captar o sorriso de Felix crescendo conforme uma mamba negra foi subindo pela cama, passando por cima das cobertas. Kyan não deve ter um sono tão leve, já que nem sequer se mexeu quando o animal subiu lentamente por seu tronco, parando em seu peitoral e ficando cara a cara com o feiticeiro.
A cobra deu um silvo baixo, abrindo a boca e já exibindo suas presas, pronta para fincar no pescoço e paralisá-lo com seu veneno.
Mas antes que atacasse, Felix e Changbin ergueram o rosto juntos em alarme quando o som de batidas na porta de entrada soaram. A mamba negra com o comando do garoto recuou num piscar de olhos, e logo em seguida os dois demônios deslizaram em sincronia para debaixo da cama. Ouviram Kyan resmungar baixo e sentiram ele se mexer devagar, se pondo em pé pouco tempo depois.
Merda. Precisavam ser rápidos.
Felix saiu dali silenciosamente, dizendo brevemente e em tom baixo para o ghoul:
— Me espera aqui, eu cuido disso. — Ele assentiu em resposta e viu o garoto pegar sua adaga que sabia ter o cabo mais pesado enquanto seguia Kyan discretamente. Imediatamente, entendeu o plano. Tinha que chegar nele antes dele atender a porta, e o veneno demorava alguns segundos para fazer efeito, segundos que não tinham mais. O jeito era apagá-lo de uma vez.
Changbin também saiu do esconderijo, os olhos de imediato pousando em uma jóia em sua bancada. Parecia um pingente quebrado, que pelo jeito Kyan estava tentando consertar.
Mas só faltavam dois cacos. Por que ele não os encaixava de uma vez?
Se aproximou do colar, pegando na mão as duas partes ainda soltas. Sabe quando uma criança via alguma coisa que não lhe pertencia, mas algo a dizia para mexer lá por pura curiosidade? Bom, foi o caso.
Então o ghoul juntou os dois cacos, os unindo com o resto.
— Changbin, o que tá fazendo? — Disse Felix adentrando o quarto carregando o feiticeiro desmaiado. — Temos que vazar antes que a visitinha perceba que tem algo errado. E como a sorte nos ama, pelo jeito que chamou pelo Jisung deve ser a mãe dele. E eu definitivamente não estou afim de lidar com outro Han revoltado.
O ghoul afirmou com a cabeça, deixando o colar de lado e abrindo a porta da sacada por onde invadiram, e o casal desapareceu num estalar de dedos como se nunca tivessem estado ali.
E agora, sozinha no quarto, não havia ninguém para reparar na jóia quando ela começou a emitir uma resplandecencia verde-água.
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— Estamos quase nos passos finais. — Recitou Ethan, sorrindo enquanto pairava entre as árvores da floresta da Ilha de Ignis. — Sabe, no início pode ser difícil perder um amor. Mas mais tarde, verá que fez a coisa certa.
Ele se virou na direção de Christopher, sorrindo e esticando a mão para segurar o rosto do mais novo.
— Estou orgulhoso de você, meu Príncipe de Fogo.
A fala fez o ruivo compartilhar do sorriso, mas nenhum dos dois expressava afeto. Era sempre um sorriso enfeitado de maldade, que era apenas o que vivia no feiticeiro. E agora, em seu herdeiro também.
— E o que falta?
— Bem simples. Meu feitiço de controle que lancei sobre Soyeon foi feito com um gás tóxico. Uma inalada, e essa pessoa passa a servir cegamente a mim. E minha parte no lado puro de Speculo está feita. Enfeiticei cada raiz da vegetação de lá para liberar esse gás, mas está adormecido por causa da magia branca. Por enquanto.
Eles andaram por mais alguns metros, até chegar em uma árvore diferenciada. Diferente do resto da vegetação morta e sombria do ambiente, aquela era uma árvore saudável e colorida. Uma árvore pura.
— Plantei faz um tempo, e valeu a pena a espera para crescer. Agora, tudo que tenho que fazer é contaminá-la com a magia negra. Já deve saber que toda vida da natureza de Speculo funcionam como uma só, então se uma se uma se corromper…
— Todas se corrompem. — Completou por ele, vendo Ethan afirmar com a cabeça. — E quanto tempo isso vai levar?
— Não é tão fácil penetrar magia branca, então… — o rapaz estendeu uma mão, lançando uma chama vermelha viva na direção da árvore. Ela não se espalhou imediatamente, ficando na área perto das raízes. — Agora é só esperar o fogo crescer.
— Me parece fácil. — Pronunciou o kitsune. — Então porque você reuniu um exército de demônios em torno da floresta?
— Porque uma conquista não é uma conquista de verdade sem uma boa luta. — Pronunciou numa expressão empolgada. — Um de seus amiguinhos de elite está de luto e vindo acertar as contas. E um fruto de Medusa e Lúcifer é uma ameaça forte o suficiente para se preparar.
Ele viu mais novo cruzando os braços e balançando a cabeça devagar, mostrando que já esperava por isso também.
— Diria que há algum risco de ele nos atrapalhar demais?
— Com certeza não, graças ao meu elemento surpresa — ele lentamente abriu um sorriso que transbordava claramente seus desejos sanguinários enquanto se voltava para o Bang mais jovem. — Você.
— Eu? — Disse erguendo uma sobrancelha. — Felix já conhece a mim e meus poderes. Como eu posso ser um elemento surpresa?
Ele formou aquela expressão que já conhecia muito bem, aquela que sempre estava a um passo à frente de todo mundo. Inclusive de Christopher.
— Sabe, Chris… você sabe de onde veio seus poderes?
— Sim. A eletricidade e o fogo vieram da minha mãe, e de você tenho só a regeneração acelerada.
— Ahá! — Exclamou de repente. — É aí que se engana. Você puxou mais poderes meus do que pensa, só os deixei debaixo do tapete por enquanto, esperando o momento certo para usar. E agora… é a hora perfeita.
Enquanto o ruivo o olhava de forma perdida e confusa, Ethan foi até a árvore de novo e pegou uma chama do gás de controle mental, a deixando em sua mão. E enquanto o fogo crepitava e refletia nos olhos dele, não conseguiu conter o nervosismo que acabou crescendo em seu corpo, seu instinto martelando e gritando para que corresse dali o mais rápido possível.
— Vá e produza a maior carnificina que esse mundo sobrenatural já viu, meu príncipe.
E soprou a chama rubra na direção de Christopher.
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O passar de Ethan era empolgado, como um funcionário mortal ao receber uma promoção conforme ia até sua moradia. Tudo nos eixos, correndo perfeitamente com o que vinha planejando há anos. Dentro de poucas horas, Speculo inteira estaria na palma de sua mão. Absolutamente tudo que estava acontecendo naquele exato momento, o feiticeiro já esperava. Inclusive por uma presença não familiar encostada em sua porta da frente.
— A semelhança entre você e a raposinha é realmente assustadora. — Pronunciou o homem afiando uma espada descontraidamente, como se não estivesse diante de um ser absurdamente poderoso.
Ethan deu um sorriso formal, colocando as mãos no bolso do sobretudo preto enquanto via uma mamba negra se arrastando em sua direção.
— Felix, eu presumo.
Ele nem precisou mexer suas mãos para o réptil que vinha até ele se dissipar em uma nuvem de vapor vermelha, como se nunca tivesse existido.
O rapaz sorriu de volta, caminhando devagar na direção dele.
— Veio vingar sua pobre irmãzinha, então?
Ele girou a espada nas mãos, cada vez mais perto do feiticeiro. Ethan reprimiu sua vontade de rir.
— Acha mesmo que algumas cobrinhas e uma espada tem alguma chance contra meus poderes, garoto? Além do mais, você está sozinho.
— Nem tanto assim — falou dando de ombros, parando a poucos centímetros do Bang. — Primeiro, não sou o Felix. Meu amor está ocupado massacrando seus guardinhas na entrada.
Após ele revelar aquilo, só agora que Ethan havia reparado melhor no soar da batalha que vinha a quilômetros de distância da floresta. Ele franziu o cenho, desentendido. Até onde sabia, apenas Felix obtinha o poder de conjurar mambas negras.
— Segundo, essas "cobrinhas" são bem mais discretas do que parecem.
E de novo, só depois de ele dizer, o feiticeiro reparou nas marcas de presas cravadas na coxa. Ele levantou as sobrancelhas surpreso, mas não alarmado. Nem mesmo aquele veneno conseguia superá-lo o suficiente para paralisá-lo, no máximo desestabilizava por alguns segundos.
E era o caso naquele momento.
— E terceiro — gesticulou presunçosamente. — Não vim vingar ninguém. Porque até onde sei…
Ethan precisava apenas esperar mais alguns milésimos até aquele falatório acabar, um tempo precioso que seu adversário perdeu de o atacar tagarelando. Seja lá quem ele for, seria fácil acabar com sua raça. Ainda possuía o controle da situação.
Pelo menos era o que pensava até ele despejar a continuação da frase.
— Não tem porquê vingar uma morte inexistente.
E rápido como um raio, o feiticeiro arregalou os olhos quando um conteúdo gelado e familiar contornou seu pescoço por trás, fazendo sua magia congelar.
A coleira feita com o Cálice Invernal. A mesma que costumava usar em Christopher.
Aquilo sim, foi inesperado. Mas nem se comparava ao que veio em seguida: sombras que vieram da mesma origem da coleira o rodearam, sufocando seu corpo até que sentisse que seus órgãos iriam saltar para fora.
A nova presença entrou em seu campo de visão, fazendo seu sangue ferver na hora. Uma presença que achou que nunca mais iria precisar lidar novamente.
Ryujin o recebeu com um sorriso caloroso.
— Surpresa, filho da puta.
Ethan abaixou a cabeça levemente, incinerando a mulher com os olhos enquanto o desejo de ir até um certo kitsune naquele exato momento exigir explicações se manifestava.
— Como? — Foi tudo o que declarou.
— Poder da ilusão, querido. Ainda não acredito que caiu nessa — ela riu debochadamente, dirigindo a atenção para o outro rapaz ao seu lado. — Grande ideia de trocar seus poderes de força sobre-humana com a conjuração de serpentes com Felix usando os Cálice Outonal e Primaveril.
Changbin sorriu com o elogio, voltando o rosto para o feiticeiro junto com Ryujin.
— Então, eu deveria chamar a raposinha para finalizar isso? Aposto que ele vai amar acabar com você.
Ethan se limitou a rir com ironia, balançando a cabeça negativamente.
— Own, mas que adorável. Acham mesmo que vai ser fácil assim?
— Você está sem conseguir usar seus poderes e eu estou quase te esmagando como um inseto. Então sim, acho.
— Nesse caso… porque não dizem um "oi" para a minha mais nova ferinha?
Os demônios não tardaram a ouvir um rosnado alto atrás deles, o que fez seus corpos paralisarem em tensão e se virarem lentamente na mesma direção. E a visão que tiveram foi bem desagradável. Aquilo não fazia parte dos planos.
Começaram a análise do bicho de baixo para cima. Primeiro viram as patas que eram pelo menos do tamanho de seus rostos, com garras afiadas como lâminas da mais alta qualidade que estavam cada vez mais próximas. Subiram pelas pernas grossas e potentes até chegarem na boca que exibiam presas longas e mortais. Até finalmente os olhos se encontrarem e eles fitarem o rosto do enorme felino, distorcido em cólera e que prometia sangue.
— Me diz que você já viu um desse antes e sabe como lidar. — Suplicou o ghoul, e a feiticeira demorou um tempo para achar sua voz e dar a má notícia.
— Não, isso é novidade.
— Então é melhor descobrir. — Foi o último momento de luxo de conversa que puderam ter antes da raposa começar a correr para investir contra eles. — E rápido!
Foi só o que teve tempo de dizer antes de se jogarem para direções opostas, fazendo o bicho pular entre os dois. A feiticeira mal conseguiu se levantar antes de vê-lo vindo sua em sua direção e estava pronta para mexer as mãos para usar sua magia para se defender, mas ele era rápido.
Não teve nada que conseguisse fazer antes das unhas arranharem seu abdômen e ela ser lançada com agressividade para longe. Rolou até sua cabeça pousar com força contra uma árvore. Não foi o suficiente para fazê-la perder a consciência, mas para causar tontura e uma dor latejante.
— Ah, merda — xingou o Seo quando o felino virou em sua direção, percebendo que agora era sua vez.
Mas graças aos seus reflexos de ghoul, conseguiu antecipar seu golpe e desviar dos ataques das garras, fazendo-o rasgar o ar. Correu a toda velocidade que conseguia até uma árvore com cabo fino com a fera em seu encalço, usando a planta para agarrar a madeira e tirar seus pés do chão, contornando a árvore e a usando como impulso para deslizar por baixo do animal, efetuando um corte com a Ceifadora Dourada em sua pata traseira esquerda, recebendo um chiado alto em dor.
Aquilo o deu instantes preciosos para invocar várias mambas negras, com certeza precisaria mais de uma para derrubar aquela coisa. As presas entraram em seu organismo por toda a parte, o fazendo se debater.
— Ryujin, isso não vai o segurar por muito tempo — avisou Changbin após nota-lo cambaleando. — Agora é uma excelente hora para usar seus poderes recuperados!
A feiticeira se levantava devagar, abraçando o próprio abdômen com uma mão e com a outra mão cobria a cabeça, ambos se recuperando.
Ela respirou fundo algumas vezes enquanto analisava o mais novo oponente, percebendo que o mesmo chorava baixo pelo hematoma na perna. Ora, não havia sido tão profundo assim, para que tanto sofrimento?
Seja como for, não desperdiçou mais tempo. Assim que o felino se mostrou recuperado, Ryujin usou a habilidade de ilusão para fazer Changbin sumir em sua visão e colocar sua imagem em outro ponto, o fazendo correr até o mesmo e avançar em nada menos do que um filete de sombras.
E por falar em sombras…
A mulher tomou controle da do felino, fazendo a mesma se materializar e segurá-lo por trás, o prendendo e o fazendo lutar contra as correntes escuras inutilmente.
— É agora — gritou para Changbin. — Mate-o!
O rapaz rapidamente posicionou a espada na mão, acelerando-se rumo ao animal alaranjado pronto para enterrar a arma em seu pescoço.
Mas um segundo antes de chegar, as sombras que o aprisionavam inexplicavelmente se dissiparam e fluíram para os acessórios pequenos que quase se camuflavam em seu pelo. A feiticeira se direcionou reconheceu na hora do que se tratava.
Os braceletes. Mas porque Ethan os colocaria nele?
E aí a ficha caiu. A forma de raposa, aqueles olhos castanhos estranhamente familiares, a dor na perna por uma cicatriz já existente…
Ah, pelo inferno.
Pelo seu momento curto de percepção acabou ficando congelada no mesmo lugar por tempo demais, se tornando um alvo fácil. E só os deuses sabiam o que teria acontecido com ela se alguma coisa não tivesse agarrado o pescoço do animal no meio de seu bote um milésimo antes de chegar nela.
Após ele despencar no chão, um rosnado alto junto com um choro foi emitido junto de um soar de estalo de chicote.
— Isso, bichano. Fica. — Felix recitou sardonicamente. — Agora, deita.
Ele lançou a Víbora Escarlate mais uma vez nas costas do animal, o fazendo grunhir e tentar partir para cima, mas foi impedido por mais uma chibata nas patas frontais, o fazendo perder o equilíbrio e indiretamente obedecendo o comando.
— Cachorrinho bom. — Declarou num sorriso de falsa doçura, levantando o braço pronto para lhe acertar mais uma chicotada, mas o brado de Ryujin o barrou.
— FELIX, PARA! — Tanto o Lee quanto o Seo o olharam com uma cara de "como é?", até ela dar uma rápida explicação. — Essa raposinha é a nossa raposinha!
Os olhos do casal quase saltaram das órbitas, olhando para o animal enquanto ele tentava se colocar em pé.
— Mas como… — Changbin balbuciou.
— E por que está tentando nos matar? — Felix completou.
— Metamorfose e controle mental. — Ryujin respondeu as duas dúvidas de uma vez. — Não podemos machucá-lo, temos que trazê-lo de volta.
— É, mas primeiro vamos ter que cuidar da nova companhia. — Seo avisou, e os dois irmãos viraram o rosto para olhar para a mesma direção do ghoul, avistando Ethan sorrindo de orelha a orelha enquanto mais demônios atrás dele apareciam, prontos para exterminar o trio.
— Felix. — Chamou ela rapidamente. — A poção.
— Caiu em algum lugar enquanto eu lutava, é isso que vim avisar.
Ryujin bufou em frustração. O exército estava se aproximando, e Christopher estava quase regenerado. Tinha que pensar rápido.
— Ok, é o seguinte: vocês cuidam deles, eu levo Chris pra longe daqui e pego a poção.
— E posso saber como vai enfrentá-lo? Ele está com os braceletes. — Changbin repreendeu, vendo um sorriso brotar nela.
— De forma justa. De fera para fera.
Os dois observaram conforme ela levantou as mãos, fazendo um vapor prateado começar em seus pés e crescer em volta dela, até a cobrir completamente e começar a se expandir. E quando sumiu, o queixo de ambos foram parar no chão com o que suas visões registravam.
Ryujin havia sumido, dando lugar à uma magnífica tigresa acinzentada de listras negras, de porte equivalente à raposa.
— Uau — elogiou Felix após aqueles profundos olhos cor de luar pousarem nos seus. — Gostei de ver.
Mas o tempo para papear se esgotou. A raposa se levantou, pronta para mais uma rodada. Os demônios já estavam numa distância considerável para começar a agir.
A fêmea partiu para cima, derrubando o adversário e o fazendo rosnar alto, usando as patas para empurrá-la para longe. Ela rapidamente se pôs em pé, entrando em posição de ataque e retumbando um rosnado tão alto que a grama abaixo deles chegou a estremecer.
Ela correu, disparando floresta adentro e foi seguida exatamente como queria. Precisava chegar rápido na zona de entrada e achar a maldita poção para restaurá-lo.
Sim, em teoria, Ethan havia a destruído. Mas a mulher não era idiota, sabia que tinha a possibilidade de aquilo acontecer, então não usou todos os ingredientes que colheram e guardou uma parte para uma poção reserva, escondeu e encarregou o irmão de trazer.
Aquilo era o único jeito de trazer Christopher de volta sem que nenhum dos dois se machucasse. Procurava por visão periférica o líquido dentro de um de frascos inquebráveis, felizmente não seria tão difícil enxergá-lo já que o mesmo possuía ou brilho dourado e…
Acabou se concentrando tanto na poção que esqueceu de se antecipar com o outro animal a alcançando e a derrubando brutalmente. Se debateu para escapar de uma mordida na jugular, arranhando a bochecha dele e o fazendo se afastar.
Os dois começaram a se rodear em círculos, se encarando letalmente decidindo quem atacaria primeiro. Aquilo era um problema. Ryujin sabia perfeitamente quem era ele, então estava segurando o estoque de força. Mas Christopher, não iria hesitar.
Ele era forte. Seria impossível continuar fugindo dele sem que saísse toda arrebentada. Se quisesse tempo pra procurar a poção, precisava de algo para desampara-lo.
Mas o que? — Pensou enquanto os dois ainda se rondavam. E como se a sorte estivesse ao seu lado, avistou uma parede de pedras mais distante, propícias a uma queda.
Esperou até que desse mais uma volta e ficasse mais perto, então disparou na intenção de ir até lá, mas a raposa tinha outros planos. Sentiu seu quadril ser agarrado e ela foi arrastada na direção dele. Tentou arranhar o chão para se segurar, mas não adiantou.
Tudo que pôde fazer para não ficar tão indefesa foi se virar rapidamente antes que o outro se jogasse para cima dela, limitando seus movimentos enquanto pressionava a pata direita em seu pescoço. Podia tê-la matado, mas preferiu se divertir às custas da tigresa esgotando seu ar conforme era sufocada. Até mesmo na forma animal, seu sadismo ainda estava lá.
E antes que saísse com a traqueia esmagada, conseguiu libertar as patas traseiras o suficiente para o jogar para cima, o fazendo dar uma cambalhota e cair de costas acima de sua cabeça. Em um ato veloz, não o deu tempo de reagir antes de cravar as presas em sua pele, o fazendo se debater de raiva.
O arrastando pelo ombro, ela o trouxe a passos ligeiros até a parede rochosa, o soltando. Quando tentou revidar, ela pressionou o peito alheio para trás o segurando e batendo suas costas várias vezes no material sensível, usando toda a força que tinha para mantê-lo encurralado. Claro que a custou alguns arranhões excruciantes, mas não importava. Tinha que dar certo.
E quando além de lascas uma pedra considerávelmente grande começou a oscilar no topo, a felina quase pulou de alegria.
Com a esfera pesada rolando em alta velocidade, agarrou a pele do outro ombro e o puxou na última hora antes da pedra acertar o crânio dele, acertando em cheio sua pata direita no lugar.
Agora livre, pulou e fincou as garras nas pedras, derrubando mais em cima dele e tomando cuidado para não acertar um ponto vital, no máximo uma costela. Mas ia se regenerar.
Agora aprisionado, isso a daria uns três ou quatro minutos. Partiu para a busca, procurando qualquer mísero ponto dourado no chão. Seria difícil e…
Espera aí. Claro, por que não pensou nisso antes?
Estava na forma selvagem agora. Podia farejar o que precisava, e seria fácil com um dos principais ingredientes e que possuía o cheiro mais forte do que qualquer coisa na poção: sangue de elfo.
Fechou os olhos e se concentrou, fungando profundamente e deixando seus sentidos aflorarem, estes que a cada segundo identificaram um cheiro diferente. As várias árvores ao redor dela, o sangue dos corpos de demônios mortos por Felix, até mesmo o cheiro dele e de Changbin, a raposa presa nas pedras e…
Bingo.
Ela freiou bruscamente fazendo terra voar para todos os lados, virando para a direita e seguindo o rastro. E mais alguns metros adiante, enfim conseguiu enxergar um ponto de luz mais à frente. Demoraria um tempinho perigoso para chegar lá em sua forma humana, mas nessa, foi questão de menos de um minuto.
Foi a cronometragem perfeita, porque quando que se viu chegando perto, conseguiu ouvir o outro animal correndo mais atrás dela. E assim que se viu próxima o suficiente saltou na direção do frasco, o alçando com uma de suas patas.
E então bramiu de dor quando sentiu os dentes se enterrarem em suas costas, tentando puxá-la.
Mas resistiu. Aguentou. Precisava aguentar. Por isso, mesmo que estivesse fazendo força para frente e ele para trás, fazendo suas presas adentrarem mais em seu corpo e rasgando sua carne, se esticou o máximo que podia e vendo suas garras a milímetros do recipiente.
O sangue jorrava como uma cachoeira, manchando a pelagem cinza e preta. Seu coração disparava, seu tecido pulsava enquanto era consumido pelo sofrimento que as presas alheias estavam causando e sua mente se perturbava com a possibilidade de demorar mais e aquela parte que ele mordia se separar do resto de seu corpo.
Só mais um pouco, por favor… — Suplicava mentalmente.
Mas não ia dar tempo. Ela estava quase desmaiando por tanta perda de sangue. A menos que algum milagre desconhecido aparecesse, estava perdida.
E de repente ele afrouxou a mordida. Embora não soubesse o motivo, não foi estúpida de olhar para trás e descobrir. Finalmente agarrou o frasco, o quebrando com sua magia dentro da boca dele. Mesmo que não engolisse, era o suficiente para entrar em seu organismo.
Quando ele se debateu e sacudiu a cabeça enquanto cambaleava, foi quando viu seu milagre enrolado em volta do pescoço do felino. Emitiu um olhar de agradecimento à Eva, que chiou em resposta se colocava no chão.
Se aproximou devagar da raposa caída no chão, engolindo o seco quando a mesma olhou-a diretamente. E se não funcionou? E se aquela quantidade não foi o suficiente? E se…
Ela perdeu o ar quando pensou o ver avançando, mas o que fez foi enterrar a cabeça em seu ombro e se esfregar no mesmo em afeto. Suspirou aliviada, retribuindo o gesto como se fosse um abraço.
Christopher estava de volta.
O kistune começou a acariciar sua orelha com o focinho, a fazendo ronronar. Mas logo ouviu ele emitir um choro baixo ao notar o estrago em suas costas, a fitando com arrependimento.
"Está tudo bem" — Agora que sua mente não estava mais sob controle, podia entrar nela para sua voz ecoar como um pensamento, a permitindo se comunicar. — "Vá enquanto eu me recupero. Changbin e Felix precisam de ajuda."
Ele não discutiu, a dando um último acariciar antes de a olhar uma última vez e partir para onde a luta acontecia.
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O casal estava com as costas coladas, cobrindo todo o perímetro enquanto rodavam e destruíam qualquer um que ousasse chegar perto. Por sorte, eram demônios comuns trazidos do inferno em vez de torturadores. Se fosse a segunda opção, aí sim estariam ferrados.
Felix não economizava na investida das açoitadas, com a força cedida por Changbin temporariamente o impacto fazia com que a ponta da arma alcançasse direto nos ossos, causando gritos de agonia. O ghoul também usufruia dos poderes do namorado, espalhando serpentes por toda a parte que picavam qualquer pele que viam pela frente para enfraquece-los.
Matar aquela espécie era fácil, tudo que precisavam fazer para fazê-los escapar da regeneração era desmembrar. Changbin usava a afiada Ceifadora Dourada para efetuar o trabalho, enquanto para Felix bastava a força das mãos.
Partiu para cima de um demônio que estava demorando demais para seu gosto para morrer, subindo em cima de seus ombros e não lhe dando o privilégio nem de piscar antes de quebrar seu pescoço e o puxar, fazendo sua cabeça voar para cima.
— QUEM É O PRÓXIMO? — Gritou pousando no chão e viu outro perto pronto para enfrenta-lo, mas a luta parou por um segundo quando um rosnar chegou até seus ouvidos e viram o felino laranja saindo das árvores.
Aquilo despertou o pânico de Felix. Onde estava Ryujin? Ela teria perdido a luta? Christopher ainda estava sobre controle de Ethan?
Mas suas perguntas foram respondidas quando por um momento jurou que o kistune iria derrubá-lo, mas o que fez foi saltar por cima de Lee e dilacerar o demônio atrás dele.
— E ela? — Questionou assim que ele o olhou e Bang afirmou com a cabeça num ar tranquilo, indicando que estava bem. Felix sorriu. — É bom ter você de volta, bichano. Ah, deixamos aquele-
Ele teve que dar uma pausa nas palavras para desviar da espada que tentou o empalar, abaixando e segurando o pulso do demônio, o quebrando como se fosse palito de picolé. Após isso, segurou seus ambos antebraços por trás e os puxou ao mesmo tempo que com o pé empurrou suas costas, arrancando seus braços logo antes da cabeça ter o mesmo destino.
— Deixamos aquele presentinho pra você — falou sinalizando com o queixo para Ethan ainda com a coleira amarrado em uma árvore próxima. — Ele é todinho seu.
Felix podia jurar que o viu sorrir sadicamente antes de ele correr para a direção indicada, eliminando mais alguns demônios no meio do caminho. E quando voltou a atenção para Changbin, conseguiu o ver enquanto ele usava suas mambas negras de uma forma… diferenciada.
Ele podia invocar o réptil no lugar que bem quisesse, inclusive dentro do organismo de alguém. O pobre demônio nem conseguiu gritar antes de uma ponta de serpente sair por sua boca, depois mais uma em seu peito e mais duas em suas órbitas.
— Permita-me acabar com seu sofrimento — gesticulou num sorriso antes de atravessar a espada por seu pescoço, fazendo o resto de seu corpo cair na hora. E quando notou que estava sendo observado, virou o rosto para o acastanhado que o encarava com os olhos brilhando. — Que foi?
— Nada não — respondeu antes de morder o lábio inferior, e mesmo que sua boca tenha dito o contrário, seus olhos brilhando em luxúria já diziam tudo.
Mas essa expressão se dissipou quando olhou além do Seo, vendo um demônio com um arco posicionando a flecha na direção dele.
— CHANGBIN, CUIDADO!
Foi muito rápido. Tudo que Felix teve a oportunidade de fazer foi empurra-lo para o chão e o tirando da reta, conseguindo o salvar. E sendo assim…
Quem foi que tirou ele da mira?
A resposta era ninguém. E soube muito bem disso com a dor lancinante que atravessou toda a área de seu peito.
— FELIX!
Ele queria gritar, mas até isso parecia difícil, assim como respirar. E foi depois disso que conseguiram ouvir um rugido furioso de uma irmã que chegou a tempo de ver a cena.
A felina atacou com tudo, decaptando pelo menos uns cinco em um período de dez segundos. E enquanto cuidava do resto, o olhar fulminante nada contente de Changbin se virou devagar para o arqueiro.
O ghoul usou sua velocidade, disparando na direção do responsável por Felix agonizando no chão, só não sendo atacado por Ryujin não permitindo que ninguém chegasse perto do mesmo. E conforme avançava com sangue nos olhos, o demônio abriu mais as pálpebras em pânico. Aquela foi sua última flecha e não obtinha nenhuma arma perto além daquela.
Ótimo.
E o que foi mais hilário: ele apelou para a última opção, que foi se virar e começar a correr. Mas fugir da caçada de um ghoul era a mesma coisa que um humano nadando no oceano tentando escapar de um tubarão branco.
Ele mal deu cinco passos antes de Changbin alcançá-lo sem dificuldade e parar em sua frente, o agarrando pelo pescoço e o erguendo do chão. O que seria um troco digno por machucar Felix? Arrancar dedo por dedo? Ou órgão por órgão? Ou talvez…
Uma ideia melhor surgiu quando ouviu um rosnado baixo, vendo a predadora cinza se aproximando devagar e abrindo a boca para soltar uma cabeça recém-arrancada no meio do caminho.
Changbin sorriu enquanto voltava a face para o sujeito que ainda tentava escapar do sufocamento, e nada disse antes de lança-lo para os dentes mortais do animal. Queria ficar para assistir a execução prazerosa, mas tinha preocupações maiores agora.
Ele delicadamente pegou o Lee nos braços, cujo Ryujin havia trazido em suas costas. Correu para um canto mais afastado da floresta, o deitando encostado em uma das árvores. Por sorte, havia sido do lado direito.
Arrancou a flecha dele para sua regeneração começar a trabalhar, o fazendo dar um grunhido.
— Que merda. — Xingou com a voz sufocada enquanto levava uma das mãos ao buraco no peito.
Diante daquela cena, o ghoul não conseguiu resistir de o encarar presunçosamente e devolver a mesma provocação que fez quando Changbin o salvou dos cacos de vidro.
— Lee Felix. — Disse seriamente. — Você acabou de se jogar na frente de uma flecha por mim?
— Vai se foder. — Declarou enquanto ofegava, causando uma risada no ghoul. — Em vez de ficar de gracinha, vai lá ajudar o casal pulguento. Vou melhorar logo.
— Nem pensar, eles estão se virando muito bem. E se alguém vir te atacar enquanto está machucado?
Felix queria discutir, mas não tinha mais forças para falar. Elevou a cabeça, a encostando por completo no tronco enquanto fechava os olhos e sentia seus tecidos partidos se juntando novamente.
— Já sei como fazer você melhorar rápido — falou se levantando, indo até a moita perto deles e pegando a bolsa que guardaram os apetrechos que pegaram em Flora. — Te trouxe para cá de propósito.
Ele tirou o Cálice Estival, o colocando abaixo do ferimento e fazendo um pouco de seu sangue cair dentro da taça.
— Acho que está na hora de reviver o elemento de Escarlate. — Anunciou enquanto levava o objeto até os lábios dele. Em teoria, precisavam do sangue da feiticeira para dar certo. Mas o sangue do filho dela deve servir.
Felix abriu a boca, engolindo com dificuldade e apertando os olhos quando aquele mínimo movimento fez seu hematoma palpitar.
— Calma, eu estou aqui. Aguente. — Pronunciou pegando a mão do Lee e a acariciando. — Você é teimoso demais para morrer por uma flechinha.
O rapaz riu levemente, se aconchegando no ombro dele quando o mesmo se sentou ao seu lado e passou a acariciar seus cabelos acastanhados.
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Assim que se certificou que só haviam sobrado demônios o suficiente para Ryujin cuidar sozinha, uma chama consumiu toda a raposa até sua figura começar a diminuir. E quando sumiu, lá estava ele em sua forma humana.
O rapaz caminhava numa calma assustadora até Ethan, cada mínimo passo deixando claro que o acerto de contas que planejava não seria nada gentil.
— Uma delícia usar essa coleira, não é? — Indagou sarcasticamente. — Não parece mais tão durão sem seus poderes.
O kitsune não perdeu tanto tempo com conversa fiada. Arregaçou as mangas e fechou a destra enquanto empurrava a mesma com a canhota, fazendo o mesmo processo contrário. O estalo alto dos ossos de seus dedos ecoou.
— Esperei séculos para esse momento. — Ele lançou o punho contra a bochecha do mais velho, fazendo-o virar o rosto bruscamente. — Isso foi por usar minha mãe como um objeto descartável.
Agora o golpe furioso foi em seu abdômen, o fazendo encolher o tronco.
— Isso foi pelo meu avô. — Outro soco, agora na outra bochecha. E foi tão forte, com tanta raiva acumulada, que conseguiu escutar. Um de seus dentes molares havia quebrado. — Esse pelo Yuki.
O quarto murro foi no lado direito do nariz, o quebrando na hora e fazendo o líquido vermelho espirrar.
— Esse foi por tentar estragar minha felicidade de novo me mandando matar a Ryujin. — E agora outra quinta pancada na boca, abrindo seu lábio inferior. — E isso por me transformar em uma raposa assassina.
Ele deu uma pausa para se afastar, sorrindo largamente com o estrago. Como aguardou para vê-lo sangrar. E para a próxima dívida pendente, apenas socos não bastavam. Se aproximou dele de novo, colocando a mão no centro de seu peito.
— E isso, é por cada tortura…
E fincou as garras de kitsune no feiticeiro, deixando que uma grande onda de fogo e eletricidade se espalhassem por seu interior.
— Por quando me deu o veneno de Calipso quando eu tinha oito anos, por me afogar em um tanque de água fervente e outro de enguias quanto eu tinha dez pra testar minha tolerância ao calor e à eletricidade, por me obrigar a atravessar uma corda em cima de um vulcão com objetos nas mãos quando eu tinha onze pra testar meu equilíbrio, por me fazer matar meus amigos quando eu tinha quinze para impedir que eu tivesse qualquer afeto que me tornasse fraco, por começar um incêndio numa floresta e me abandonar lá alegando que eu só ia sair quando conseguisse parar o fogo quando eu tinha dezoito… e essas foram só as mais marcantes. Devo prosseguir?
Enquanto cuspia as palavras, tornava a brasa e os choques cada vez mais forte, se deliciando com os soares de agonia de Ethan enquanto assistia ele mexer as mãos acorrentadas e se debater. Era indiscritivelmente satisfatório.
— Você me criou para ser você. Mas deixa eu te contar: tudo o que me fez passar, não me tornou você. — Ele se inclinou mais, olhando no fundo de seus olhos. — Me tornou melhor.
E só quando percebeu que estava a um triz de matá-lo, tirou sua mão. Foi preciso de todo o autocontrole que tinha para não deixá-lo carbonizar até morrer.
— Eu gostaria muito de te matar agora. Só que tem uma pessoa que quer sua cabeça numa bandeja tanto quanto eu. Talvez até mais — ele recolheu as garras enquanto sorria de forma lúgubre. — Seria tão injusto tirar essa chance dele…
Mas Ethan sequer dava atenção para as palavras dele, apenas querendo se livrar daquelas amarras de uma vez. Ele usava toda a força que tinha, monopolizando toda a cólera naquelas malditas correntes enfeitiçadas por Ryujin para serem inquebraveis. Tudo desmoronou de uma hora para outra, precisava se soltar para fazer alguma coisa. Qualquer coisa.
Até que algo o obrigou a parar de se debater. Mais especificamente, alguém. Uma espada encostou-lhe na garganta por trás, e já sabia perfeitamente a quem pertencia embora o dono estivesse fora de seu campo de visão.
— Sempre esquentadinho, não é querido? — Aquela voz perturbadoramente familiar retiniu ao seu ouvido, fazendo cada fibra de seu ser vibrar em rancor.
Ele deu a volta devagar, e quando seus olhares encontraram... foi inexplicável a tamanha odiosidade que tomou o rosto de Ethan enquanto até mesmo sua mente travou para conseguir ecoar aquele nome dentro dela.
— O que foi, mi amore? — Perguntou sarcasticamente enquanto tombava a cabeça para o lado. — Achei que estaria feliz em me ver.
Ele voltou seu rosto para o lugar, o elevando para cima num sorriso galanteador e quando que aquele nome finalmente se desbloqueou em sua mente, a devorou como um abutre.
— Surpresa dupla, filho da puta.
Lúcifer.
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