Conforme Lauren guiava o veículo por entre as ruas de uma Londres iluminada, minha mente recapitulava involuntariamente os últimos acontecimentos nos quais estive envolvida, pra ser mais exata, desde que conheci a cantora. A verdade é que, conhecendo a mim mesma do jeito que conheço e tendo consciência da minha realidade, a essa altura era pra eu estar completamente surtada, e não acomodada contra o encosto do banco de seu carro após uma fuga desastrada e de minha própria vontade. Eu não havia enloquecido, pelo contrário, eu estava bem. Questionamentos e conflitos internos existiram, mas eu estava incrivelmente tranquila naquele momento. Desviei meus olhos das janelas escuras por alguns segundos, estes suficientes para encarar o perfil da americana sentada ao meu lado, era nela que estava toda a minha tranquilidade. Ao lado de Lauren as coisas pareciam bem mais fáceis do que realmente eram, desconforto e incômodo eram palavras que me fugiam o significado sempre que estava em sua companhia. Nada era contra a minha vontade e essa era uma situação quase que inusitada considerando a minha vida tumultuada e repleta de compromissos que eu nunca tive a menor intenção de agendar ou cumprir. Ela definitivamente era, apesar de soar impossível, a única ponta de simplicidade e calmaria que eu tinha na minha rotina.
– Desistiu de perguntar? – o som de sua voz escapava de seus lábios e direcionava minha atenção diretamente para ela, mesmo que meus pensamentos estivessem focados na mesma coisa.
– Decidi que não serei uma desmancha prazeres. – respondi enquanto deslizava os dedos por meu cabelo, arrumando-os ao longo de meus ombros. – Além do mais, confio em você.
– Confia? – indagou tirando os olhos rapidamente da pista à sua frente, fixando-os em mim que apenas assenti em resposta. – Eu poderia estar levando você para um lugar cheio de fotógrafos agora.
– Duvido muito. Sei que você está ciente das minhas limitações e exala gentileza demais para que eu sequer cogite a possibilidade de que tenha a inteção de me prejudicar.
– Eu poderia ser uma ótima atriz. – disse enquanto girava o volante e guiava o carro por uma rua não muito movimentada.
Eu conhecia Londres quase como a palma de minha mão e sabia que Lauren estava evitando qualquer tipo de imprevisto até que chegássamos ao nosso desconhecido destino. Quanto mais Lauren dirigia, mais familiarizada com o local eu ficava e não demorou muito para que eu começasse a desconfiar dos planos da americana.
Não pude evitar o sorriso curto que se formou em meus lábios e que aos poucos exanpandiu-se, tomando conta de parte do meu rosto, ao identificar a entrada principal do Victoria Park.
– Você me trouxe a um parque? – perguntei enquanto deixava seu carro, com a bolsa apoiada em um de meus ombros.
– Soa um pouco idiota quando você usa esse tom. – ela deu de ombros, abrindo a mala do carro.
– Não seja tola. Eu adorei! – debrucei-me sobre a mala, tendo a perfeita visão dos objetos que ela havia trazido. Uma pequena cesta, luzes de emergência e toalha. – Um piquenique?
Ela assentiu enquanto acomodava a cesta em sua em sua mão, as luzes na outra, deixando apenas a toalha para que eu carregasse.
– Eu pesquisei, certo? Escolhi esse parque porque ele não está na lista dos principais destinos da cidade e eu não queria atrair atenção indevida para a sua presença.
Em alguns momentos, quase a grande maioria, ela conseguia fazer com que as palavras sumissem, como se fossem roladas gargantas abaixo e eu ficasse sem saber o que dizer. Sorri ao ouvir o seu relato e apenas a observei fechar o carro.
– Posso ver que preparou-se para possíveis imprevistos. – disse ao indicar as luzes em sua mão.
– Perdi um tempo pensando no que poderia dar errado e mais alguns minutos decorando as rotas do Google Maps.
Lauren era extremamente encantadora, e pensar nela esforçando-se de qualquer forma apenas para me agradar ou conseguir alguns minutos comigo, preenchia meu peito com uma onda de calor quase desconhecida.
Caminhávamos lado a lado por ruas desertas e bastante iluminadas, fazendo com que Lauren balançasse a cabeça repetidamente e ofendesse a si mesma alto o suficiente para me tornar solidária com sua situação.
– Não seja tão dura consigo. Eu gostei que tenha trazido as luzes, de verdade. – respondi, apertando um de seus ombros rapidamente.
O contato fez com que Lauren encolhesse o corpo, como se não esperasse qualquer tipo de contato físico entre nós duas tão cedo. O beijo tinha mexido com ela também e nossas reações ao vivo estavam um pouco desengonçadas em consequência dele. Eu me sentia uma verdadeira adolescente, a sensação se comparava ao meu primeiro beijo, mas de uma maneira incrivelmente mais intensa.
– Vossa Alteza é educada demais para fazer com que eu me sinta mal.
Rapidamente levei uma de minhas mãos ao peito, afastando meus lábios e fingindo verdadeira indignação por seu inocente comentário.
– Se você pensa que meu título e minha educação real me impedem de dizer o que eu penso, pode dar meia volta porque esse piquenique não irá acontecer.
– Não! Meu Deus, Princesa... Eu não quis ofendê-la, não mesmo, de forma alguma, eu só…
Interrompi o seu breve e atrapalhado discurso com uma explosão de risadas que mal consegui conter o volume. Não demorou muito para que o som ecoasse pelo parque praticamente vazio. Lauren e sua notória falta de jeito em determinadas situações tornava tudo ainda mais agradável.
– Você me diverte, sabia? – disse segundo antes de levar minha mão de encontro aos meus lábios como se tentasse abafar os resquícios da minha risada escandalosa.
– Vou me candidatar ao papel de bobo corte. – ela respondeu em um tom vago, com a face completamente avermelhada.
– Não é isso, não seja mal humorada. – aproximei meu corpo do dela, sentindo nossos braços roçarem brevemente lado a lado. – Você me faz feliz.
Subitamente ficamos em silencio, apenas nossa respiração pesada soprando contra a grossa camada de vento londrino. Eu podia sentir meu rosto queimar, e se encarasse meus traços no espelho agora, enxergaria as minhas bochechas constrangedoramente vermelhas.
Lauren inspirou o ar com extrema calma, de modo que eu pudesse perceber seu peito inflar.
– Você me faz feliz também. – disse quase que de supetão. – Veja! Acho que podemos sentar aqui. – acrescentou apontando para uma parte no gramado, me tirando o direito de resposta para sua primeira afirmação.
Assenti com o bolo de palavras em agradecimento preso em minha garganta e acompanhei Lauren ao local de sua escolha. Em toda a minha vida eu jamais havia feito ou participado de um piquenique. Pode parecer bobo e talvez até seja, mas não é mentira quando dizem que as pequenas coisas, aquelas que transbordam simplicidade, são as mais vistosas aos olhos de quem se tem muito. Lauren apoiou a cesta no chão, e pediu para que eu lhe entregasse a toalha. Ela desdobrou e sacudiu o tecido, contando com a colaboração do vento para acomodá-lo esticado sobre a grama. Em seguida, depositou a cesta mais ao canto da toalha quadriculada, exatamente como eu havia visto em incontáveis filmes.
– Princesa. – ela disse antes de fazer uma debochada referência, convidando-me a sentar.
Meneei a cabeça negativamente, mas não protestei. Sentei-me e tive a jovem cantora fazendo o mesmo, acomodando-se ao meu lado. As luzes públicas do parque deixavam tudo claro o suficente, para que as trazidas por Lauren fossem desnecessárias. Enquanto ela abria a cesta e colocava algum dos itens sobre o pano, eu a observava com atenção. Não era segredo, não para alguém que conseguisse enxergar, o quão bonita Lauren era. Se um dia me pedissem para descrevê-la, eu com toda certeza começaria por seus olhos São verdes, mas não são comuns, pra ser sincera, seu olhar fugia completamente do usual. Era como se os Deuses tivessem lhe agraciado com um dom. Era quase violenta a forma com a qual ela conseguia prender a sua atenção e fazer com que esquecesse de si apenas focando o acentuado par de olhos esmeralda em você. Mas não era tudo, cada detalhe, cada traço, cada milímetro dos ossos e da pele de Lauren pareciam ter saído de um clássico dos anos 20. Nada nela era desencaixado, tudo parecia se completar em uma perfeita sintonia composta por um criador extremamente sádico. Lauren era perfeita, dos cabelos que pendiam sobre os ombros, ao nariz incrivelmente alinhado, aos dentes que lhe ofereciam um ar inocente sempre que ela sorria, contrariando toda a sua expressão profunda e quase impetuosa. Os olhos e o sorriso de Lauren eram o mais perfeito contraste da existência humana. Ela poderia ter o quisesse, quando quisesse, e só bastava usar um dos dois.
– Você está me ouvindo? – ela disse enquanto acenava vagorsamente na frente de meus olhos.
– Desculpe, estava divagando. – sorri extremamente sem jeito por ter sido flagrada verdadeiramente encantada por ela.
Ela sorriu em resposta e eu amoleci outra vez.
– Eu estava dizendo que trouxe algumas coisas bem simples porque eu não faço ideia do que você gosta e costuma comer. – apontou para os alimentos espécíficos sobre a toalha. – Tem sanduíches de queijo branco, suco, frutas...
– Obrigada, Lauren. – respondi repousando uma de minhas mãos sobre sua perna, movendo meus dedos delicadamente em um afago.
– Não precisa agradecer. – ela sorriu, colocando sua mão sobre a minha, contrariando o primeiro contato desengonçado de quando chegamos ao parque. – É só um piquenique, não tem nada de novo, grandioso ou especial nisso.
– Não é grandioso, mas é especial e completamente novo pra mim. E isso deixa tudo ainda mais memorável, acredite.
Lauren arqueou uma de suas sobrancelhas, franzindo o rosto em uma expressão quase tão divertida quanto curiosa.
– Você nunca fez um piquenique?
– Não. – respondi entre um sorriso envergonhado, me servindo de um pouco de suco de laranja. – Existem muitas coisas incrivelmente comuns que eu não fiz. Se eu começar a enumerá-las você vai ficar supresa de verdade.
Ela serviu-se de suco também, pegando uma metade do sanduíche que parecia ter sido preparado por ela com muito bom gosto e me ofereceu, que prontamente aceitei.
– Agora estou curiosa, princesa. Tipo o que? – perguntou antes de tomar a outra metade pra si e morder um pedaço do pão.
– Nunca estive em um shopping. A maioria das minhas roupas são compradas pela internet ou diretamente com os donos das marcas. – dei de ombros bebericando um pouco do suco.
– Isso é ótimo! Sério. Você não faz ideia do quão claustrofóbico pode ser um shopping center.
– Sabe esses dias em família que os pais levam os filhos pequenos em lugares extremamente comuns, como por exemplo, esse parque? Meus pais e eu nunca fizemos isso, não desde que consigo me entender por gente e lembrar. Meus companheiros de passeios sempre foram os seguranças.
Lauren torceu os lábios, dando mais uma mordida em seu sanduíche e me encarando com a boca cheia o suficiente para que não pudesse escapar uma palavra.
– Nunca estive em um encontro também. – respondi e ela cravou os olhos rapidamente em mim como se pensasse no óbvio. – Não até hoje. – me corrigi e ela expandiu os lábios em um sorriso sem mostrar os dentes. – Não fiz faculdade e esse é o meu maior arrependimento.
– Por que não? A Família Real é proibida de frequentar escolas e universidades?
– Não, não é isso. – sorri novamente antes de prosseguir. – Frequentei a escola até terminar o ensino médio, no começo era um verdadeiro caos, muito tumulto, muita atenção, depois as crianças simplesmente acostumaram-se com a minha presença e isso foi a melhor coisa que já me aconteceu em toda a vida. Eu era comum, sabe? – disse um tanto nostálgica e ela assentiu concordando. – Mas como nem tudo são flores, no meu último ano decidi que deveria experimentar algumas coisas antes de ir para a faculdade, então umas colegas e eu tentamos fumar escondido e um dos funcionários da escola tirou umas fotos e no dia seguinte tinha uma foto minha com um cigarro na boca em todos os jornais e revistas da Inglaterra.
Lauren explodiu em uma gargalhada extremamente sonora, despertando em mim a vontade de rir do quão ridículo aquilo havia sido.
– Você realmente tentou fumar em público? – ela perguntou com uma das mãos sobre a barriga que se mexia rapidamente devido às risadas.
– Pode rir, vai, eu mereço. – gesticulei com a mão para que ela continuasse. – Minha mãe ficou com tanta raiva que quando eu disse que faria faculdade, ela começou a enumerar as provavéis manchetes que saíriam com cada nova descoberta ou coisa que eu eu quisesse experimentar. Acabei desistindo da ideia.
– Você pensava em cursar o que? – indagou enquanto ainda recuperava o fôlego.
– Literatura ou Cinema. – respondi rapidamente como se tivesse ensaiado. – E você fez faculdade ou pensa em fazer?
– Meus pais nunca tiveram condições de bancar, sabe? Então eu consegui bolsa em uma faculdade de música. Comecei as aulas, mas estava em um momento com muitos shows agendados e faltava mais que qualquer coisa. Acabei perdendo a bolsa.
Assenti em compreensão.
– E como é sua relação com eles? – perguntei sem conter a curiosidade.
– É ótima! As coisas lá em casa não eram sempre fáceis, mas nossa família sempre foi muito unida e isso facilitava muito. A gente não passava dificuldade, mas era tudo contadinho e eu não tive muita mordomia. – torci o rosto em uma careta ao ouvir a palavra “mordomia” – Ah! Sem ofensas.
Apenas balancei a cabeça para assegurar-lhe de que estava tudo bem.
– Eu cresci no Brooklyn, e não, não é tão ruim quanto pintam por aí. Meu pai era mecânico, minha paixão por carros herdei dele. Já minha mãe era professora de história e eu estudei na escola em que ela dava aula. Hoje em dia estão os dois aponsetados e o dinheiro que eu ganho com os shows mudou muito as coisas pra todo mundo. Consegui comprar uma casa pra eles, um apartamento pra mim... Não é nada luxuoso e tudo mais, mas ainda assim é ótimo.
A realidade de Lauren eram diferente da minha em tantos aspectos que talvez eu jamais pudesse contar. Ela falava com tanto orgulho e ao mesmo tempo tanta humildade das próprias origens que era impossível não ficar fascinada. Ela era simples em sua mais pura forma e demonstrava isso aos outros como se fosse sua maior qualidade e ela mal sabia, que de fato, era.
– Você deveria ir aos Estados Unidos qualquer dia desses e conhecê-los. Acho que minha mãe teria um troço e meu pai provavelmente ficaria embasbacado com a sua beleza.
– Eu adoraria!. – respondi francamente e com um tom extremamente doce.
Eu realmente gostaria de conhecê-los. Ouvir a cantora falar sobre eles me trazia de volta a vontade de ter tido, em pelo menos por alguns minutos da minha vida, pais como os dela e não o rei e a rainha que eu tinha como meus progenitores.
Terminei o meu sanduíche enquanto Lauren e eu conversávamos sobre nossa infância e adolescência, comparando todas as divergências entre uma vida e outra. Não sei dizer ao certo como chegamos no assunto relacionamentos, mas esse era um tópico em que nada eu tinha a acrescentar.
– Eu tive apenas dois namorados, dos quais eu nem gosto ou acho interessante lembrar. Namoradas foram em número maior. – disse enquanto levava os braços para trás e apoiava o peso do corpo sobre eles.
– Eu nunca tive um namorado. Namorada muito menos. – respondi divertidamente enquanto a observava. – Como foi pra você descobrir que gostava de mulheres?
– No meu caso foi meio gradativo, entende? O interesse veio surgindo aos poucos em uma ou outra, fui interpretando alguns sinais, aceitando as vontades que começaram a aparecer. Nada muito impactante ou assustador, só cresci e me conheci.
– Ainda não tive essa oportunidade. – disse em um tom baixo demais.
– De saber se gosta de homens ou mulheres? – ela indagou cautelosamente.
– Não exatamente. Quero dizer que ainda não tive a oportunidade de me conhecer. Eu não sei quem sou, o que posso ou sei fazer além das coisas que já são óbvias pra mim. Eu não sinto que tenho liberdade o suficiente pra explorar a mim mesma. É como se eu visse a minha vida inteira passar de dentro de uma gaiola. Como se eu sentisse as minhas asas, mas não soubesse como ou não pudesse usá-las, exatamente como um pássaro que nasce com algum defeito e por uma razão desconhecida não aprende a voar.
Lauren pareceu refletir por alguns instantes, mas não deixou de tirar os olhos de mim, como se medisse cada pequeno traço do meu rosto.
– Posso entender como se sente. Vejo você de fora dessa gaiola, consigo enxergar o quanto você é triste, mas ainda assim canta alegremente no intuito de demonstrar uma felicidade inesistente. Vejo com absurda clareza que você passa tanto tempo sonhando e desejando coisas que parecem inalcansáveis, mas não percebe que a porta da sua gaiola está aberta e que você tem acesso ao mundo inteiro, basta empurrar. – ela depositou uma de suas mãos sobre a minha e entrelaçou nossos dedos. – Você é uma princesa, Camila, e isso pode ser um fardo de muitas maneiras, mas também pode lhe oferecer oportunidades de uma vida repleta de muita coisa incrível. Você pode viajar o mundo inteiro, conhecer lugares que a maioria das pessoas não faz ideia de que existe, conhecer povos que nem você imagina que existam. Você tem o planeta à sua disposível se você assim desejar.
Apertei meus dedos contra os de Lauren, sentindo a umidade escapar de sua pele. As palavras dela faziam imenso efeito sobre mim, martelavam em minha cabeça, bagunçavam o meu peito e me preenchiam de uma sensação encorajadora que eu não conseguiria explicar. Desviei meus olhos em sua direção e percebi que ela me encarava de um jeito suave. Virei o meu corpo, inclinando-me para a frente, tendo a proximidade com a Lauren iminente. Guiei meus lábios em direção aos dela, e sem pensar nas probabilidades daquilo dar errado, os selei. Qualquer contato com a americana, fazia com que meu corpo respondesse absurdamente rápido, mas o atrito de nossos lábios era o suficiente para me afundar em um êxtase perturbador do qual eu não conseguia emergir. Acredito que Lauren tenha travado a própria respiração assim que sentiu meus lábios tocarem os dela e só a tenha soltado quando entendeu que eu não estava me importanto muito com o que poderiam ver e se veriam alguma coisa. Ter sua língua macia e quente deslizando sobre minha fazia com que minhas extremidades tremessem e minha nuca transpirasse. Eu ainda não estava acostumada com aquela sensação, tampouco com o quão bem e repleta eu me sentia ao beijá-la. Ainda era completamente novo pra mim, que uma mulher despertasse em mim tantas sensações desconhecidas em consequência de uma vida que me privara experiências, que me privara de encontros, de beijos, de qualquer coisa que envolvesse outra pessoa.
Nos afastamos logo em seguida, e um sorriso encontrava-se estampado não só em meus lábios como nos dela. Seus olhos pareciam iluminados por uma luz própria, tornando-os tão marcantes e pesados em meio às sombras que a iluminação dos postes formava em seu rosto.
“Obrigada” eu sibilei vagarosa o suficiente para que ela pudesse ler a palavra em meus lábios. Ela apenas assentiu, recompondo-se rapidamente, enquanto deslizava a mão sobre os fios de seu cabelo, jogando-os para o lado.
– Posso te perguntar uma coisa?
– Claro! – concordei enquanto encarava os ponteiros do relógio indicando que já era hora de partirmos.
– Você já se apaixonou? – ela perguntou quase que de maneira hesitante.
Eu sabia a resposta pra sua pergunta. Não, eu nunca havia me apaixonado. Eu sequer sabia o que era me apaixonar, nunca tive contato com homens o suficiente pra ter esse tipo de sensação. O mais perto que cheguei foi na escola, com um colega de classe que parecia bem interessante aos meus olhos, mas ainda assim um completo crianção. Eu nada conhecia sobre paixão, nada além do que me fora apresentado nos filmes e livros e parando para refletir naquele momento, era tudo bem parecido com que eu estava começando e me acostumando a sentir. Um verdadeiro clichê dizer que Lauren me causava calafrios por todo o corpo, que eu não sentia vontade de me afastar dela ou de abquicar de sua companhia; Besteira dizer que pensava nela em grande parte do meu tempo e que o seu beijo havia me marcado e continuava marcando de incontáveis formas. Inovador mesmo era perceber que Lauren me encorajava a me descobrir e que nela eu enxergava em tons extremamente fortes a aquarela da surpreendente liberdade. Em Lauren, com Lauren, eu me via, sentia e sabia ser livre.
Eu estava me apaixonando por ela. Eu estava me apaixonando por Lauren. Minha cabeça repetiu isso inúmeras vezes em pouquíssimos segundos, mas por alguma razão, que logo descobriria qual, não consegui formular uma frase em que isso fosse exposto, simplesmente não consegui dizer o que se passava com tanta certeza e convicação por minha mente. A única coisa que escapou de meus lábios e que minutos depois pareceu fazer o mais pleno sentido, foi:
– Não em voz alta.
[...]
Despertei com as batidas insistentes de Ally e Dinah em minha porta. Afundei o rosto no travesseiro e resmunguei algumas palavras desconexas que mal puderam ser ouvidas. Rolei de um lado para o outro, puxando o lençol para o topo da cabeça tentando abafar as vozes que vinham do lado de fora. Decidi ficar em silêncio torcendo para que elas desistissem e voltassem algumas horas depois, mas fora em vão.
– Vamos Mila, você não irá escapar. Não adianta. – Dinah exclamava enquanto acertava soquinhos contra a madeira.
Revirei os olhos, jogando o lençol para o lado e deixando a cama muito contrariada antes de destrancar a porta e receber a manada de bufálos de duas pessoas quarto a dentro.
– Eu estava dormindo. Você precisa aprender a respeitar o sono das pessoas, principalmente quando essa pessoa é uma princesa que tira um dia sem compromissos para descansar.
– Não seja tão mal humorada. – disse a loira antes de sentar-se na cama. – Conte-nos tudo.
– Tudo o que? – cocei os olhos e escorei meu corpo contra a porta do quarto.
As duas me encararam com uma expressão impaciente, o que me fizera revirar os olhos mais uma vez.
– Vocês querem detalhes demais, não os darei. Simples. Desistam. Sigam em frente. – dei de ombros e fiz gestos com as mãos que completetavam minha última expressão.
– Esquece Dinah, ela não vai contar. – disse Ally que recebeu as reclamações indecifráveis da mais alta.
– Lamento muito. Parece que viajaremos sozinhas então. – disse voltando-se para a mais velha.
– Vocês estão fazendo planos e não me incluíram? – questionei indgnada.
– Nós incluímos, mas você deixou de merecer no instante em que optou por omitir informações valiosíssimas sobre o seu affair lésbico.
Ally deixou uma risada escapar, mas logo a conteve quando recebeu minha careta não muito amigável.
– Lauren não é meu affair lésbico.
– Não importa, eu não ligo. – a loira deu de ombros antes de continuar. – Ally e eu estávamos conversando sobre um pequeno descanso por esses dias, nada muito longo e preferencialmente nessa semana, já que semana que vem as duas estarão atoladas com as coisas do baile da fundação.
Subitamente lembrei que Ally e eu estávamos organizando um Baile beneficente para atrair mais atenção e colaboradores para a fundação e que ele já aconteceria na semana seguinte. Os últimos acontecimentos tumultuaram bastante a minha rotina e meus planos e eu quase me odiei por ter esquecido, principalmente porque algo poderia vir a dar errado.
– Então começamos a procurar alguns locais que fossem reservados os suficiente, longe de qualquer agitação, fotógrafos e qualquer outra coisa, para passarmos o restante dessa semana. – ela prosseguiu e eu instantaneamente fui ficando mais interessada. – Eis que Ally encontrou esse lugar.
Ela virou a tela do celular na minha direção, mostrando uma belíssima casa que parecia ficar em uma ilha privada. Tomei o aparelho de sua mão e fui passando as fotos salvas por ela. A casa era linda, espaçosa, aconchegante, tinha piscina, praia própria e ficava afastada de tudo o que se pode imaginar.
– Onde é isso? – perguntei ainda incrédula pelo lugar.
– Necker Island. – Ally prontamente respondeu. – É daquele empresário dono do conglomerado Virgin. Quando ele não esta utilizando a casa, ele aluga para que figurões tenham um pouco de privacidade em suas festinhas cheias de droga, bebida e mulher.
Assenti boquiaberta com a ideia de ter alguns dias só pra mim e com incontestável privacidade.
– Nós ligamos para os responsáveis pelo alugel e pra nossa imensa sorte a ilha está completamente disponível para os dias que queremos. Em momento algum dissemos que seria para acomodar uma princesa, e já está tudo praticamente certo.
– Vocês são inacreditáveis! Eu realmente não acredito que iremos viajar. O que falta? – perguntei sem conter minha empolgação.
Ambas se entreolharam rapidamente e trocaram alguns sorrisos cúmplices.
– Convencer Sinu.
[...]
A Rainha não estava no palácio e eu não fazia a menor ideia de onde poderia estar. Por um lado, era até bom porque eu conseguiria pensar sobre a viagem, meu tempo livre e tudo o que eu faria enquanto estivesse longe da minha exaustiva rotina. A única parte ruim em tudo aquilo era ficar afastada de Lauren por alguns dias. A presença da cantora já era uma constante da qual eu não queria me livrar.
– Vocês acham que seria má ideia convidar Lauren? – perguntei sem me preocupar com as possíveis risadas e comentários que elas fariam.
Estávamos as três sentadas no chão do meu quarto, selecionando algumas coisas que levaríamos e faríamos em Necker Island.
– Não, não acho. – disse Allyson enquanto riscava um dos tópicos com marca texto.
– Antes você precisa falar com sua mãe e convencê-la a ceder o jatinho, depois iremos até lá à ilha de lancha. – completou Dinah. – Não acho má ideia também, diga para ela levar a amiga.
Meneei a cabeça e fui acompanhada por Ally ao ouvirmos a última frase escapar da boca da duquesa.
– Eu sei o que você está planejando fazer. – disse equanto abria a porta do closet e caminhava para dentro do mesmo atrás dos meus trajes de banho e verão.
– Só acho que seria mais confortável pra cantora se a amiga estivesse com ela. Já parou pra considerar que tanto Ally quanto eu somos completas estranhas pra Lauren? Ter a companhia de outra pessoa além de você, não fará mal algum.
– Vendo por esse lado... – concluiu Ally.
Suas vozes ficaram um pouco afastanda enquanto eu escolhia alguns dos inúmeros biquinis que e saídas de praia de que nunca usei. Eu convidaria Lauren e diria para ela convidar Normani também. Estava decidido.
– Mila, acho que sua mãe chegou! – disse a loira mais alta, fazendo com que eu corresse em sua direção.
– Acho melhor falarmos todas juntas, vai ser mais difícil dela negar. – sugeriu Ally e Dinah e eu prontamente concordamos.
Descemos as escadas, ouvindo minha mãe reclamar sobre alguma coisa que não tinha ficado exatamente do jeito que ela queria. O fato de Sinu ser tão mimada e sequer ter idade pra isso, me incomodava em um grau absurdo, principalmente porque ela viveu na pobreza durante quase toda a sua vida, então era impossível que esse comportamento tivesse vindo de berço.
– Oi mãe, tudo bem? – a cumprimentei, recebendo um breve beijo em minha testa.
– Olá meninas! – ela respondeu cumprimentando a todas. – O que desejam?
Chata ou não, Sinu me conhecia como ninguém. Sabia que eu queria algo única e exclusivamente por estar ali.
– Não vou entrar em rodeios. Nós queremos viajar essa semana. – disse de uma só vez, instalando o silêncio na sala segundos depois.
– Viajar? Pra onde? – ela perguntou ainda sem nos levar a sério e com um sorriso irônico nos lábios.
– Necker Island, tia. – foi a vez de Dinah falar. – Nós pesquisamos, é uma illha privada bem reservada. Não tem qualquer acesso para fotógrafos ou qualquer coisa do tipo.
– E de onde isso saiu? – minha mãe questionou.
– Achamos que seria bom uns dias de descanso antes do baile da fundanção. Dinah respondeu;
– Oh... O baile... – disse com desdém antes de gesticular para que continuássemos
– Eu vi que essa semana a maioria dos meus compromissos são como sua acompanhante, nada exclusivamente meu, então nem sentiriam a minha falta. – tomei a palavra enquanto encarava sua expressão um tanto pensativa.
– Quando iriam e quando voltariam?
– Depois de amanhã e voltaríamos no domingo. São apenas três dias. – Ally manifestou-se.
A Rainha ficou em silêncio por alguns segundos, com o olhar um pouco distante, como se refletisse a respeito da ideia, o que era bom, porque geralmente ela já diz “não” de cara.
– Ok, não irei me opor. – ela disse tranquilamente e eu já estava me preparando para pular de alegria, até que ela continuou. – Com uma condição.
No mesmo instante minhas feições se transformaram e eu senti meu sangue ferver. Senti a mão de Ally tocar meu braço como se buscasse me acalmar.
– Que seria? – perguntei tentando não transparecer o meu real estado.
– Noah e sua família estarão no baile da fundação.
– Eles já foram convidados, eu mesma enviei os convites e confirmei. – Ally ponderou em meu lugar.
– Eu sei, querida, eu sei... Mas quero Noah como acompanhante de Camila na frente de todos.
Meus batimentos acelelaram de tal modo que podia ouví-los contra meus tímpanos.
– Você só pode estar brincando comigo! Além de forçar um relacionamento, quer tornar isso público agora? – perguntei furiosa, sentindo meu rosto queimar por dentro.
– Não se exalte, não estou lhe obrigando a nada. É simples, se quer tanto esses dias de descanso, aceite Noah como seu acompanhante. Caso contrário, darei um jeito de garantir que você não ponha os pés fora de Londres até a data desse maldito baile.
Minha respiração estava completamente irregular e meus punhos cerrados com tamanha força que céus, se ela não fosse minha mãe porvavelmente teria recebido um soco por tamanho absurdo de proposta. Ally e Dinah me encaravam tão incrédulas quanto preocupadas, elas sabiam o quanto atitutes manipuladores me incomodavam e não sabiam se minha vontade de viajar, principalmente levando Lauren, seria o suficiente para fazer com que eu engolisse meus princípios junto com aquele monstruoso sapo.
– E então, Camila? O que me diz? Você viaja ou fica?
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