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História Seduzentes - Lembre-se de Sorrir


Escrita por: PetitGi

Notas do Autor


Lembre-se de Sorrir - Valente

Capítulo 63 - Lembre-se de Sorrir


Lembre-se de Sorrir

Ela apresentou o lugar para ele: os estábulos, os cavalos. Não pediu a ninguém que selassem o equino de seu pai para que seu amigo montasse; ao contrário, ensinou-o a agir por conta própria. Mostrou onde pegar a sela, como colocá-la, como prendê-la, evitando sempre que possível fazer por ele, mostrando de longe como deveria ser feito. Ele se atrapalhou no processo, motivo do riso dela; riso esse que foi motivo do sorriso constante dele. Ensinou ainda ele a melhor forma de montar, como manter a postura, como segurar as rédeas. Era uma boa professora, pensou olhando-a de cima. O rapaz veio a cair umas três ou quatro vezes, fazendo com que a moça risse tão espontaneamente antes de ir a seu auxílio que ele próprio se esquecia de se sentir constrangido, então tentava de novo sorrindo como se nada tivesse acontecido.

Audrey estava resplandecente, absurdamente radiante, como jamais havia estado em muito tempo, quiçá muitos anos. Jay não se lembrava de já ter sentido algo como naquele fim de tarde: a sensação de ser ele o benfeitor, a sensação de salvar alguém de um perigo não físico, a sensação de trazer felicidade, prazer de uma forma inocente... era impagável vê-la tão linda, era impagável sentir-se tão bem, fazendo tão pouco.

Saíram do estábulo quando ele conseguiu comandar o animal sem cair; Audrey agradeceu ao funcionário que ainda mantinha sua égua no lugar, antes mesmo de montar, para agradecer no mesmo nível de olhares e não para olhá-lo de cima. O homem sorriu grandemente ao vê-la tão iluminada, sentindo-se atingir por aquela luz de gentileza feliz e espontânea.

A primeira volta na pista foi em passo lento para pegar confiança; trote em seguida, dessa vez os dois percebendo e acenando para o treinador que estava lado a lado com algum funcionário, os dois numa conversa animada até; Jenkins retribuiu o aceno, sorrindo em seguida. A terceira volta foi a galope. E que volta. O vento no rosto, a sensação de liberdade, de irmandade com o animal; Jay conseguiu entender porque a princesa queria tanto sair do colégio para seguir ao hipódromo. Pensando nela, olhou para o lado, para vê-la, saborear a imagem de seu desejo se concretizando. A forma como a saia dela esvoaçava, como aqueles lindos cabelos voavam, a luz interna que escapava por sua pele, por seus olhos e seu sorriso... Jay estava enfeitiçado por aquele sorriso lindo. Tão enfeitiçado que perdeu o controle e seu cavalo saiu em disparada em direção a um senhor, funcionário, que levava cenouras. Aos risos, Audrey foi mais rápida, emparelhando os dois cavalos, puxando as rédeas de Jay e as suas, fazendo os dois animais pararem.

-Isso foi incrível – riu o garoto. Riu gostosamente como fazia na Ilha depois de um longo período saltando de telhado em telhado, parede em parede – Foi mal – acenou para o funcionário que saiu rindo baixinho da situação depois de passado o susto.

-Sansão adora cenouras – informou a menina se inclinando para acariciar a pelagem branca do cavalo de seu pai depois de cessado seu riso – Mas nunca imaginei que ele faria algo assim. Puxe desse jeito – indicou para ele as rédeas, voltando para a pista, dessa vez em passo lento, conversando – Você leva jeito, Jay.

-Você que é uma boa professora – disse olhando para frente. Soltou uma mão das rédeas, mantendo a firmeza em apenas uma, para acariciar o animal – E ele é um bom parceiro – Sansão relinchou como se o compreendesse e concordasse fazendo com que o rapaz risse.

-Não precisa se diminuir para elogiar, Jay – disse suavemente e aquela seria uma frase que ficaria guardada para sempre no consciente do menino, seus pensamentos sempre iriam voltar àquelas palavras – Pode aceitar o elogio. Você pegou o jeito bem rápido.

-Obrigado – disse sentindo o sabor da palavra, testando-a, lembrando-se das aulas com a Fada Madrinha “é uma forma de gentileza”; foi estranho dizê-la em voz alta e teve certeza que Audrey percebeu seu desconforto, talvez por isso mesmo ela o olhava com tanto carinho: por perceber que aquilo havia sido difícil, mesmo assim ele tentara por ela, para ela.

-Disponha – ela sussurrou.

Os dois tinham seus rostos voltados para frente, o céu crepuscular era lindo e o vento fresco de outono era reconfortante em suas peles quentes. As luzes do hipódromo começavam a se acender, mas pareciam ter um respeito com a vista do céu e se acendiam aos poucos, devagar, para não destruir o espetáculo natural.

-Agora eu entendi de verdade porque queria vir aqui, porque queria estar com os cavalos – seus cabelos tremularam, indo para trás de seus ombros largos; ele fechou os olhos e ela deixou que ele continuasse a falar – É uma sensação muito boa. Liberdade e cumplicidade. São coisas raras e preciosas. Não é como se pudessem roubá-las, temos que conquistá-las. Tinha razão em não se importar com o colégio para viver isso – Jay abriu os olhos com um sorriso maroto – Aposto que eu chego primeiro – Audrey riu – É sério. Vamos ver quem chega primeiro. Preparar e... Já – e saiu na frente dela; o riso da moça vindo logo atrás misturando-se ao dele.

Mais tarde, quando ele viesse a se lembrar daquele início de noite, se lembraria de ver os cabelos da moça ao vento, a saia esvoaçante... um tom rosado divino ao redor da menina e não mais nebuloso como havia sido durante a semana. Um sinal, talvez, de que o período de luto havia passado.

Nenhum dos dois precisou se lembrar de sorrir.

 

 

Carlos não conseguiu descer do carro assim que o automóvel parou em frente a uma casa absurdamente adorável. Ele havia imaginado que a mulher e sua filha viviam afastados da cidade, mas moravam num bairro tranquilo, de casas bonitas; mesmo assim a casa parecia envolta em um aconchego que Carlos sentia-a mais isolada. Tratava-se de um sobrado de paredes claras, provavelmente um tom suave de azul, e telhado em telhas coloniais; a porta e as janelas de madeira maciça. O gramado verde e o caminho em pedras cinzas, praticamente brancas de tão claras, havia algumas flores pequeninas em alguns arbustos bem cuidados. Carlos pensava estar vendo um sonho em forma de residência: doce e pueril demais para ser realidade.

Fada Madrinha carinhosamente abriu a porta. Dude, num pulo, correu gramado adentro, dando a volta na casa seguindo para os fundos da residência, sem esperar por ninguém.

-A senhora mora aqui? – questionou baixinho, saindo com alguma dificuldade; a mochila já sobre o ombro. Quase não conseguia piscar. O lugar tinha um “q” de sonho que ele não saberia explicar.

-Algo errado? – o sorriso dela continua imóvel, doce, receptivo.

-Não... Acho que não.

-Bom... Venha, meu querido – dizia conduzindo-o para dentro, educadamente abrindo a porta para que ele passasse – Não repare na bagunça. Eu e minha Jane ficamos mais tempo fora do que aqui. Esse fim de semana inclusive seria o de faxina, mas podemos chamar alguém para cuidar disso enquanto fazemos um passeio de sua escolha...

-Não me incomodo em ajudar a limpar a casa – disse analisando o ambiente. Assim que passava pela porta, hall de entrada a sua esquerda continha uma mesa onde a mulher depositou as chaves; sobre ela, um vaso bonito, com uma orquídea branca; e um grande espelho oval no qual Carlos pode ver sua cara de poker vacilar por mais de dois segundos – E Jane? Ela não veio conosco... – não conseguiu olhar para a mulher, muito menos para o espelho; focou os olhos na escada em U de degraus brancos e guarda-corpo em vidro logo ao fundo; um pouco distante conseguia ver uma porta de vidro que provavelmente daria para a parte externa da casa, talvez um quintal nos fundos ou uma área de serviço.

Ele a seguia em passos lentos, a direita do hall, em direção a sala espaçosa de móveis brancos e paredes com revestimentos com texturas modernas. As cortinas estavam fechadas, mas o rapaz notou que laços azuis em fitas finas eram usados para prendê-las quando abertas; obviamente se fossem usar daquela televisão o melhor seria mantê-las fechadas. Do outro lado, a esquerda tendo o hall como ponto principal de orientação, conseguia ver parte de um balcão de pedra, possivelmente mármore: poderia ser a cozinha em conjunto com a sala de jantar.

Era um lugar harmonioso. Simples até. De Vil esperava um acúmulo de objetos de decoração, e laços em demasia, azul e rosa em saturação, e demais quinquilharias. Estava surpreso com o lugar claro, a predominância do branco fosse nos móveis, revestimentos ou mesmo nas orquídeas que condecoravam o lugar. Chegava até a ser um ambiente minimalista o que o agradou visivelmente.

-Jane pegou uma carona com Chad. Não entendi a pressa dela de chegar cedo em casa. Ela deve estar lá em cima. Pode deixar sua mochila aqui, por enquanto – disse acenando para o sofá, seguindo em direção a grande janela – Sei que Mal tem problemas com a claridade, com o sol; mas durante o passeio ao bosque notei certo desconforto seu – Carlos se surpreendeu, e não conseguiu disfarçar rápido o suficiente. O que diabos está acontecendo com a minha expressão de comerciante? – Posso abrir as janelas? Ou a claridade o faria mal?

-Pode abrir sim – disse tímido, depois de sua neutralidade abandoná-lo – Não tenho problema com a claridade, mas evito tomar sol por conta das sardas – sua voz quase sumiu ao pensar no porquê de temer o sol, o porquê de odiar suas sardas.

“Eu as acho adoráveis”

-Mãe? É a senhora? – Carlos ouviu, além da voz, o som delicado do salto da menina contra os degraus da escada. Seu coração pareceu bater mais forte enquanto a mulher de costas para ele abria as cortinas. Entreabriu os lábios e deixou o ar preso ali escapar.

Foi como se seus pensamentos invocassem a menina.

-Na sala, meu amor – respondeu. De Vil virou-se lentamente para vê-la chegar em passos tímidos; seu perfume adocicado chegou primeiro, doce na medida certa, mais floral do que frutal, delicado como ela... então vieram o som dos saltos... até parar ao vê-lo.

Jane estava belíssima. A camisa branca de botões em pérolas estava delicadamente por dentro da saia azul de cintura alta e comprimento curto nos padrões da menina, ali no meio das coxas, num tom mais escuro que o habitual; os primeiros dois botões abertos expondo o colo e equilibrando os seios fartos da moça sem carregar a produção. Ela vinha com um salto de bico fino e uma bolsa, ambos num mesmo tom de azul claro.

-Carlos – disse surpresa, mas infinitamente delicada; sua voz como sinos suaves. O rapaz sentia eletricidade a romper da pele sem um motivo aparente. Lembre-se de sorrir, ordenou a si mesmo. Já que não conseguia se mostrar neutro, imparcial como um bom comerciante, teria que apelar a sensualidade.

-Olá, Jane – sorriu com alguma malícia; o melhor que pode fazer para disfarçar seu aparente desconforto com a situação. Que situação seria essa? Questionou-se com raiva por não entender o que o incomodava. Dado o constrangimento sutil da menina, funcionara.

-Minha querida, você foi embora tão cedo que não pude avisá-la – dizia a adulta logo atrás de Carlos.

-Avisar o quê? – questionou sem conseguir tirar os olhos do rapaz. Carlos também a olhava, notando os brincos pequenos em pérolas, o blush e a sombra num mesmo rosinha natural e delicado parecendo deixar seus olhos azuis ainda mais românticos, os lábios brilhando do hidratante labial recém passado.

Um aperto infeliz atingiu o peito do adolescente quando ele entendeu o que via, o que a menina lhe mostrava em sua aparência e perfume. Seu sorriso sumia conforme a compreensão era assimilada; ele lutava para se manter indiferente, mas sentia o rosto vacilar.

-Carlos passará o fim de semana aqui conosco – Jane entreabriu os lábios, os olhos sutilmente arregalados finalmente focando-os em sua mãe que, por continuar a falar, claramente não observava a filha; lá estava novamente aquela sensação horrorosa de enjoo perturbando o adolescente – Vocês podem ir decidindo o que fazer hoje e as possibilidades do que fazer a amanhã enquanto eu dou uma organizada no quarto de hóspedes...

-Mãe, eu... – a voz da menina sumiu; praticamente não saiu. Ela parecia ter um nó entalado na garganta, mas não saberia que De Vil sentia algo similar.

-Não vou demorar também; só trocar os lençóis e fronhas, a princípio; espero que não esteja empoeirado... 

-Eu não posso – disse mais alto, a voz ainda falhando; desviando o olhar dos dois, focando-o na parede; ela parecia tomar fôlego, como se não se sentisse bem. A mãe não deve saber, pensou ele.

-Não pode o quê? O que está dizendo, Jane?

-Eu tenho um encontro – respondeu ainda olhando a parede. Carlos viu a mãe abrir a boca num perfeito “O” de choque – Vou sair com meu namorado, Klaus. Combinamos isso tem dois dias. O carro está me esperando lá fora.

-Um encontro? Namorado? Por que não me contou nada disso antes? – a mulher parecia perdida. De Vil teria lutado para não rir se estivesse em perfeitas condições, mas ainda não se sentia bem; ao contrário, assim que a menina proferiu as palavras que deixaram a mãe em choque, as mesmas palavras que ele havia capitado apenas com o visual dela, ele se sentiu afundar numa sensação esquisita, incômoda, dolorosa até.

Lembre-se de sorrir.

-Eu contei, sim, mãe – disse focando seus olhos azuis nos olhos castanhos de sua mãe; a intensidade daquela cor fria surpreendeu os outros dois – E mais de uma vez para falar a verdade. A senhora não prestou atenção em mim – a Fada Madrinha não conseguiu responder, até porque Jane fechou os olhos e suspirou ao focá-los em Carlos – Mas eu posso cancelar...

-Não – a firmeza na voz dele surpreendeu a todos, inclusive ele próprio. Às vezes é preciso tirar forças do Inferno para se mostrar bem.

-Mas Carlos... – ela tentou argumentar com sua voz suave.

-Não é educado desmarcar um compromisso agora – a palavra saiu arrastada, com um peso a mais de seus lábios; conseguiu colocar outro sorrisinho debochadamente malicioso. Glória ao Caos saber disfarçar incorporando um ar seduzente – Aliás, é muito melhor sair para namorar numa sexta-feira do que ficar em casa.

Ao contrário do que ele imaginou, Jane não corou com suas palavras, nem com o seu sorrisinho canalha; ela pareceu empalidecer. Por que empalideceu?

-Tem certeza? Klaus entenderia...

-Seria bom que cancelasse... – ia dizendo a mãe, mas De Vil a interrompeu.

-Não cancele seus planos por minha causa. Você tem todo o direito de se divertir, Jane. Não tenho nenhuma intensão de monopolizar seu fim de semana.

Uma buzina suave a fez olhar para porta.

-Tem certeza? – insistiu ela. Seus olhos azuis tinham um brilhinho diferente, úmidos talvez. Seria urgência o que gritava ali escondido em sua voz?

-Claro.

Ela pareceu tomar fôlego; virou para a mãe e prometeu:

-Eu vou tentar voltar cedo.

-Divirta-se, minha querida – Fada Madrinha disse num suspiro.

Jane deu meia volta mostrando o laço cor-de-rosa em veludo que prendia metade de seus fios escuros tão belos. O som dos saltos sumiu assim que a porta bateu. Carlos não conseguiu se impedir de virar o rosto em direção a janela para vê-la entrar no carro preto e sumir para seu encontro perfeito com seu príncipe encantado.

-Bom... Então vamos nós dois ter que encontrar o que fazer. Está com fome? Ou quer conhecer a casa? – a mulher falava conforme passava por ele abrindo outras cortinas e janelas fazendo a brisa fria circular. Carlos já se sentia gelado, sem saber exatamente o porquê.

[...]

Carlos realmente ajudou a Fada Madrinha a limpar a casa. Juntos, tiraram o pó do quarto no qual ele ficaria hospedado e na sala também; em seguida passaram pano no chão e só então seguiram para a cozinha. Ficou sabendo que a diretora evitava comer qualquer tipo de carne, mas ali comeu filé de peixe e vegetais junto com ele sem dramas. Depois de satisfeitos, permaneceram na sala de jantar jogando cartas, numa conversinha morna, quase fria, atrasando a lavagem dos pratos.

-Fiquei bastante surpresa de saber que leva jeito para limpar a casa – disse a mulher pegando uma carta da pilha entre eles.

-Minha mãe não gostava de desordem – disse lentamente; igualmente devagar descartou uma carta – Mas também nunca gostou de se prestar a esse tipo de serviço doméstico. Sempre fiz tudo – omitiu que a mãe podia ter comprado uma das crianças escravas do cocheiro para usar; ao contrário, usou ele próprio de tal forma.

-E faz muito bem – elogiou a mulher tentando disfarçar que sabia, ou melhor, que imaginava em que condições o menino “fazia tudo” – Infelizmente, são poucos os rapazes que se prestam a esse tipo de tarefas; quis contratar um jovem uma vez principalmente para quebrar esse estigma, há muito tempo também, mas tendo a Jane tão pequena e inocente... preferi não arriscar.

-Sempre foram só vocês duas? – questionou levando o copo de refrigerante aos lábios, disfarçando ao máximo sua curiosidade latente.

-De certa forma, acredito que sim – ponderou ela – Mas sempre passamos muito do nosso tempo com a minha afilhada e sua família. Nunca faltou amor – disse descartando uma carta com um sorriso – Nunca ficamos sós.

Realmente, a senhora não parece prestar a menor atenção ao que Jane sente... pensou. Desde que ele vira a moça pela primeira vez ficara claro que o que ela menos se sentia era acolhida; o que ela mais sentia era solidão e não amor, ao menos não tanto quanto a menina parecia querer e precisar. De Vil não registrou que ele prestava mais atenção do que percebia na filha da Fada Madrinha.

-Algum problema, Carlos? Sinto que tem estado um pouco acuado desde que chegamos – questionou a mulher interrompendo um forte fluxo de pensamentos.

Realmente, ele não estava conseguindo esconder seu desconforto; o problema era que ele sequer entendia a causa do mesmo, nem porque aquela sensação vinha durando dias, antes mesmo de chegar à casa da diretora e, igualmente sem sentido, seu desconforto e dor pareciam maiores ali.

-Nenhum, na verdade – disse mantendo o tom frio, inexpressivo; a mentira saiu fácil já que não queria confessar nada – Mas, se me permite, estou curioso porque tenha sido a senhora a me acolher – recolheu uma carta. Com os pés, fez carinho no cachorro deitado de costas, expondo a barriguinha para um afago.

-Confesso que eu queria muito recepcionar um dos quatro; quero que saiba que não tinha favoritos – frisou preocupada com o que ele poderia pensar; Carlos lentamente assentiu mostrando que entendia – Mas também sabia que precisava convidar os professores com os quais tinham alguma afinidade. Mal e Jay foram escolhas bastante fáceis e óbvias; Joseph e Jenkins já tem algum respeito e atenção dos dois. Evie demonstra gostar bastante das aulas de fotografia, mesmo sem dar muitos indícios de proximidade com Caleb, mas ele não se opôs de maneira nenhuma a recebê-la. Já você eu tinha duas possibilidades, já que, apesar do seu excelente desempenho, o professor de Tecnologia Avançada é ainda resistente – disse com cuidado; Carlos somente assentiu mais uma vez – Restaram Benício, o professor de natação, e Aveline, a professora de robótica – uma mulher na faixa dos 30 anos; gostosinha, lembrou De Vil – Tentei primeiro o professor, mas Benício lamentou ter questões judiciais a pôr em dia e que não seria exatamente uma visita agradável para você, não neste fim de semana, por isso recusou. Agora, o que me surpreendeu foi o comportamento de Aveline que se negou com um empenho demasiado – Carlos sorriu grandemente sem conseguir disfarçar; malícia, num sorriso predador – Aconteceu algo nesses últimos dias?

-Nada demais, além de que ela tem ficado apreensiva comigo. Tenta fugir sempre que me vê – sorriu, completamente leve, descartando outra carta. Dude, aos seus pés, remexeu-se, fazendo com que o pé do adolescente chegasse a outros pontos onde ele queria mais atenção.

-E você sabe se tem algum motivo para esse comportamento? Sabe quando começou? – questionou muito mais como diretora do que como recepcionista puxando assunto. Preocupada e pronta para resolver qualquer eventual problema.

-Desde a entrega do nosso último projeto individual. Ela nos pediu para criar algo que trouxesse felicidade para alguém. Um criei um vibrador – De Vil não percebeu o quão vermelha a Fada Madrinha ficara; continuava analisando suas cartas conforme contava naturalmente o episódio, tão leve e natural o tema para ele que se esqueceu de qualquer incômodo anterior – Ela não quis me dar nota num primeiro momento, acreditando que eu tinha fugido da proposta. Mentira, claro. Ela fingiu que não entendia como aquilo funcionava, mas aquele olhar de quem queria experimentar não me enganou; precisei demonstrar, e ela não se incomodou em nada com essa parte – o tom de voz deixava claro que a mulher encenara a situação para que o adolescente fizesse suas vontades – Não vou entrar em detalhes, porque sexo é algo que constrange muito vocês daqui desse país, mas ficou claríssimo que ela nunca tinha gozado antes na vida. Tanto que tive que demonstrar mais algumas vezes depois da primeira – o horror estampado na cara mulher também passou batido pelo menino – Ganhei meu 10 e ela ficou estranha assim.

-Compreendo... – as palavras saíram com muita dificuldade. A garganta dela chegara a fechar tamanho seu despreparo para aquelas palavras, para aquela notícia. Estava pálida, toda cor sumira de seu rosto assim que ele deixara claro que se envolvera sexualmente com uma professora.

O problema sequer era que ele tivesse relações sexuais; a diretora já suspeitava de que entre os quatro intercambistas da Ilha não deveria haver muito pudor, principalmente depois da palestra. Mas o problema fora com quem. Uma professora. Uma mulher, maior de idade, que conscientemente se deixara envolver com um menor de idade. Pior, a mulher parecia ter tentado manipular o adolescente, usando a libertinagem dele a seu favor.

Uma norma do colégio fora quebrada. Mais do que isso, um crime havia sido cometido. Aquilo não podia passar em branco. Segunda-feira prometia ser um dia longo.

 

 

 

Eles acomodaram os animais nos estábulos; tiraram as selas e rédeas e escovaram os animais para calmar aquelas peles – Sansão ganhou suas tão queridas cenouras e a égua de Audrey ganhou aveia e alguns torrões de açúcar.

-Não me lembro de me divertir tanto – dizia Jay – sem precisar destruir algo, ou alguém; sem precisar estar nas alturas para me sentir livre, sem álcool ou outras drogas.

-Também não me lembro de já ter me divertido tanto assim antes – sorriu Audrey já se encaminhando para a saída quando ele a segurou pelo braço com suavidade, sem apertá-la, delicadamente puxando-a até enlaçar a cintura da moça – O que está fazendo?

-Te roubando um beijo – disse antes de tomar a boca dela na sua. Mesmo surpresa ela entreabriu os lábios... Aqueles lábios deliciosos e cheios, macios, completamente bem receptivos aos dele tão mais experientes e sensuais. Jay chupou-os antes de deixar sua língua encontrar com a dela, numa breve dança, muito, muito breve mesmo, antes que ele próprio os separasse – Não estamos confundindo as coisas, estamos?

Como descrever aquele sorriso, aquele olhar? Jay ficou de queixo caído. Deboche e sensualidade pingavam como veneno, como o veneno mais convidativo de todos.

-Eu não sei confundir as coisas – disse enrolando a língua para falar, usando da dicção e do mover lento dos lábios para seduzir; piorava a atração por ela estar citando ele próprio. Ela deixou o ar sair pela boca assim que o aperto em sua cintura se estreitou e uma mão boba encontrou seu bumbum, apertando discretamente sua carne – Eu sei brincar, Jay. E você?

-Sabia que existia motivo para gostar tanto de você, princesa – sussurrou apertando-a, puxando-a para si, colando seu peito ao dela – Debochada – aprovou voltando aos lábios dela, mordiscando-os, puxando o inferior entre seus dentes, olhando-a nos olhos. Voltou a chupá-lo, então sentiu aquelas mãozinhas em seu pescoço, em sua nuca; foi convite o suficiente para voltar a invadir aquela boca úmida com a sua língua, permitir que ela invadisse a sua. Os dois sem pressa, numa lenta dança luxuriosamente seduzente.

E ela beijava bem. Absurdamente bem. Tão bem que Jay já se via nervoso, com um volume indiscreto. Acabou levando-a às cegas até prendê-la contra uma parede, ou pilastra, ou a divisão de uma baia; ele não saberia dizer. Pensar que os dois principezinhos tiveram aquela boca gostosa, aquele corpo quente e sequer o aproveitaram como deviam era revoltante. Ao invés de fazer a garota feliz, corpo, mente e emoções, a destrataram de diversas formas, mais de uma vez. A privaram de carinho; de dar e receber.

-Você nunca beijou seus ex assim – ele parou quase de forma violenta; foi uma afirmação mesmo assim ela confirmou. Notou que estavam numa parede vazia, próximos de fardos e mais fardos de feno.

-Não me mereciam; não me queriam assim. Eu também não queria me ver assim – estar implícito que Audrey sentia que ele a merecia era muito bom... até... – Mas eu posso fazer melhor – ela sorria provocantemente – Mas assim já está bom por enquanto – ele entendeu; seus melhores beijos seriam para alguém que ela quisesse como amor e eles estavam apenas brincando, desfrutando de uma amizade colorida.

Fingiu-se de ofendido, mas nem tinha como reclamar. Mesmo sem dar tudo de si, aquele já era um beijo magnífico. Voltou a beijá-la e alguns minutos depois ousou perguntar.

-O que acha de cairmos naquele feno? – a pergunta acompanhada de uma mordiscada no próprio lábio indicava que não havia inocência nenhuma no convite; bem pelo contrário. Audrey lambeu os próprios lábios e... empurrou-o antes que ele tentasse jogá-la ali. Confuso, olhou para ela com um sorriso questionador.

-Não se empolgue – sorria ela vendo-o erguer as mãos em sinal de rendição – De qualquer forma, acho que meu pai já deve estar aqui – disse olhando no relógio – E eu nem vi a hora passar... – murmurou para si mesma com um sorriso incrédulo.

[...]

Como a moça previra, o príncipe Philip se encontrava ali, trocando um aperto de mão com o treinador Jenkins, quando os dois saíram lado a lado do estábulo. Jay diminuiu o passo, receoso de encontrar o homem que deveria odiar aqueles que vieram da Ilha, principalmente sua líder. Mesmo assim não conseguiu deixar de notar a felicidade e a admiração de Audrey ao ver o pai.

-Parece que se divertiu muito hoje – riu o homem de corpo forte escondido por um terno azul escuro sob medida; a camisa num forte e bonito tom de rosa. Os cabelos e os olhos cor de chocolate ao leite, assim como os da filha. A voz mesmo máscula era doce para com a filha. Jay não conseguiu ver nele um oponente para a Rainha das Trevas – Está com os olhos mais felizes – disse baixinho, completamente feliz ao vê-la feliz.

-Tive uma boa surpresa – respondeu ela – Pai, esse é Jay – a presentou afastando-se um pouco do homem, deixando que Philip visse o adolescente se aproximar – Um dos quatro que vieram da Ilha. Filho do Jafar.

Audrey tinha uma dicção adorável. Falou num tom moderadamente baixo, a voz neutra, deixando que o pai tirasse suas próprias conclusões sem que ela viesse a interferir.

Jay sentiu o corpo enrijecer.

-Jay? – questionou movendo-se para mais próximo do rapaz; o sorriso continuava caloroso como se ele fosse um dos amigos de infância da filha – Nome forte.

-Jayden. Mas eu não curto – disse meio tenso – Prefiro Jay.

-Muito bem. É um prazer, Jay – disse oferecendo a mão para um aperto; em momento algum a expressão do príncipe Philip vacilou: os olhos não tremularam, nem o canto dos lábios cedeu; nada que denunciasse uma mentira – Estava comentando o último jogo com o treinador. Fiquei bastante surpreso com a sua performance. Foi espetacular. Gosta de esportes?

Jay sorriu. O príncipe estava sendo genuinamente simpático; indiscutivelmente receptivo. O adolescente sentiu-se tranquilo ao pensar que estava sendo tratado como alguém normal e não como uma ameaça.

-Claro. Adrenalina que me move – riu correspondendo ao aperto.

-E como foi seu desempenho aqui com os cavalos? – questionou animado – Esteve com um bom animal, é claro.

Audrey riu.

-Sansão o derrubou umas quatro vezes – Philip passou a mão no rosto constrangido pelo próprio cavalo – Quase atropelou um funcionário porque viu cenouras.

-Sansão é um caso perdido – sorriu o pai da menina – Mas é um animal maravilhoso.

-Gostei dele – dizia Jay a respeito do animal, os quatro sorrindo – Audrey me ajudou bastante também, me ensinou a montar.

-Nunca tinha montado?

-Não... – já ia dizendo que na Ilha não havia cavalos quando Philip voltou-se para o treinador interrompendo sua continuação e, sabendo ou não, preservando o tom fácil e gostoso da conversa, preservando a leveza.

-Vivo dizendo que aquela escola precisa de um estábulo. As aulas de ed. física precisam de mais variedades, mais opções – naturalmente, sem grandes movimentos, Audrey voltou ao abraço do pai. Era lindo vê-la tão feliz e protegida.

-Sabe que eu já passei essa sugestão para frente, mas nem sei quem poderia se responsabilizar pelos animais nem pelas aulas; sabe que o meu foco são os rapazes e os treinos.

-Pense que é uma forma a mais de gerar empregos – sorriu Philip – Acha uma ideia legal, Jay?

-Claro! Seria bom sair daquelas aulas tão mais engessadas; ter mais opções. As meninas também iriam amar – disse pensando no desgosto de Mal e Evie nos primeiros dias.

-Está vendo? – sorria Philip tratando a conversa com a devida descontração; os quatro à vontade.

-Vamos comentar isso a Fada Madrinha mais uma vez na reunião de pais – cedeu Jenkins. Os outros três bateram palmas.

-Eu tenho uma surpresa para você – disse Philip para filha assim que a animação diminuiu – Tenho uma mesa reservada num dos seus restaurantes prediletos...  – a princesa sorriu e seu sorriso cresceu junto com o do pai – E eu acho que vocês poderiam ser nossos convidados – concluiu olhando para Jenkins e Jay.

-Muita gentileza, mas não precisam se incomodar... – negou o treinador.

-Não será um incomodo. Será um prazer, treinador – sorriu Audrey, sua voz e olhar sereno focados no adulto; Jay entendeu que a menina seduzia com doçura e gentileza, algo não claro, porém sutil; realmente seduzir era um dos melhores caminhos para se conseguir o que se quer – Por nossa conta – então olhou para cima buscando a aprovação do pai.

-Se Jay não se importar. O fim de semana é de escolha dele – passou a vez para o adolescente tão à vontade entre aqueles dois homens.

-Vai ser divertido – disse olhando para a menina nos olhos. Realmente... como não ceder aquela doce cor de chocolate? O sorriso no canto dos lábios sedutor demais por ser inocente, por ser real.

-Perfeito – finalizou Philip, tirou um cartão do bolso e entregou ao treinador – Sem recusas, nem desculpas. Nos encontramos lá depois de esses jovens tomarem um banho – e riu da discreta careta da filha – Vamos indo; até breve.

-Até logo – a voz melodiosa e doce da menina chegou até Jay como música; realmente aquela noite estava maravilhosa; sequer havia cogitado não sorrir.

 



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