Noruega, Julho de 2019
19:03
Um sorriso miúdo surgiu em meus lábios quando dobrei e ajeitei a última calça moletom dentro da gaveta. A sensação de dever cumprido invadiu meu corpo todo, me permiti um espreguiço demorado e me joguei na gigantesca cama que seria minha ao menos nesse fim de semana.
Admitia para mim mesmo que no começo não queria vir para esse lugar, fui praticamente forçado a isto, tudo piorou quando meus pais receberam uma ligação e tiveram que ficar em Konohagakure. Eles estavam tão perto de embarcarem comigo, tinham feito o bendito check-in e ficaram na fila por alguns minutos. Eu passei o voo todo mal humorado, até chegar no aeroporto de Oslo, porque desde que pisei meu pé aqui na Noruega senti-me bem-vindo. É um lugar com uma temperatura ambiente agradável — nada muito frio, entretanto nenhum calor alarmante também —, as pessoas são gentis e receptíveis. Até mesmo com o motorista que me trouxe para está cabana acabei trocando algumas palavras, algo que raramente faço logo de cara com algum desconhecido.
A cabana — ou casa — é bem confortável e espaçosa. Os móveis de madeira deixam o ambiente mais rústico, porém adoro coisas simples assim. No andar de cima tem três quartos e o banheiro no fim do corredor. Em baixo a sala ampla junto da cozinha, num conceito aberto bonito. No geral, é um lugar maravilhoso para ficar. O único ponto negativo é o fato de não ter nenhum acesso á internet, no entanto, como a pessoa prevenida que sou, trouxe meu notebook com vários filmes, animes e séries baixados para assistir quando me sentir entendiado. Sem contar nas músicas no celular e nos dois livros que carrego comigo para aonde vou. E, além do mais, talvez me faça bem ficar desconectado do mundo por alguns dias.
Escutei o barulho do carro estacionando do lado de fora, seguido do bater das portas e vozes, apesar destas serem quase num sussurro que nem deu para eu entender nada. Após um suspiro fiquei em pé, sai do quarto, desci as escadas e fui receber a pessoa.
Assim que a porta abriu e eu vi quem era a minha animação se dissipou quase por completa. Eu sabia que ela viria, de qualquer, mas não consegui evitar de bufar.
Tsunade Namikaze/Senju, irmã caçula e única do meu pai, vulgo minha tia. Uma mulher com seus 32 anos de idade, advogada muito bem-sucedida, solteira, sem filhos, e mora no Canadá há 4 anos. Ela é irritante, bom, ao menos sempre pensei assim. A questão é que nunca se deu bem com a minha mãe, tanto que quando as duas se encontram as coisas acabam ficando realmente sérias de vez em quando. Ela não gosta do fato da minha mãe ser entusiasmada demais, logo não se bica comigo pelo mesmo motivo e eu não dou a mínima, para ser sincero. Nos vemos com pouca frequência, sendo a maioria das vezes em feriados específicos. Natal e Fim de Ano, por exemplo. Não sinto falta da figura que representa, ou melhor, que deveria representar.
— Vai se oferecer para carregar a minha mala ou ficar me olhando igual sonso? — ela perguntou me encarando com a sobrancelha erguida.
— Tudo bem — dei de ombros indiferente com o fato dela nem ao menos me cumprimentar antes. Farei o mesmo, chumbo trocado não doí. — Deixa que levo lá para cima.
— Obrigada — ao menos agradeceu, enquanto largava a mala no chão. — Cadê os seus pais, Naruto?
— Como assim? — agora fui eu quem franziu o cenho. — Pensei que eles tinham te avisado que não viriam mais. Somos só nós dois aqui.
— O quê!? — a mulher praticamente gritou. Ligeira, se abaixou e pegou o aparelho celular na bolsa, desbloqueando a tela numa velocidade incrível. — Eu vou chutar a bunda magra do meu irmão!
Quando ela deu as costas acabei fazendo uma coisa estranha e errada. Todavia foi automático, instinto de homem, talvez. Eu olhei descaradamente para a bunda dela muito bem marcada naquela legging preta. E que tremendo rabo lindo a irritante tem, devo confessar. Claro, os peitos não ficam para trás, na verdade a “comissão de frente” era ainda mais chamativa, dava muito bem de ver graças a blusa branca que usava. Detalhe: São naturais, nada de silicone, o que era absurdamente incrível. Aqueles seios enormes devem ser tão macios e com os biquinhos rosados… Ah, porra! Balancei a cabeça para afastar os pensamentos ridículos, afinal ela é minha tia. Minha tia, caramba! Isto era errado em vários níveis. Malditos hormônios aflorados que me fazem perceber esse tipo de coisa!
— Ah, pronto, agora ele não me atende — praguejou, irritada. — Vou mandar mensagem. Eu desmarquei compromissos para estar aqui agora e mesmo que quisesse não poderia ir embora, porque o combinado é o motorista vir me buscar só segunda de manhã. Eu não acredito que seu pai fez isso comigo.
— Bem-vindo ao grupo dos decepcionados. — ironizei. Tenho o costume de fazer essas coisas em momentos sérios, enfim. — Ele deve estar com o celular desligado, conheço bem a peça. É inútil tentar. Além do mais não tem internet aqui, tia.
— Que ódio! — vociferou, desistindo de tentar entrar em contato com meu pai. — Nunca mais vou aceitar convite algum do Minato.
Eu poderia dizer que ela faria um favor a todo mundo, mas preferi não cutucar a onça com vara curta. Minha paz vale mais que um comentário provocativo.
— Bom, deixando isso de lado — consegui chamar a atenção da mais velha. — O primeiro quarto a direita é meu.
— Espero que não tenha ficado com o melhor — Tsunade comentou começando a caminhar.
— Pelo menos você ainda tem opção de escolha. — redargui com um sorriso de lado.
Peguei a mala e a segui escada a cima.
Ela pareceu analisar tudo minuciosamente enquanto subia cada degrau. Eu vi a careta de desagrado que fez ao ver o quarto que ficava de frente para o meu, e quase não segurei a risada quando viu a outra opção, próxima ao banheiro. No fim das contas acabou escolhendo o primeiro mesmo. Após largar a bagagem dela no chão girei os calcanhares e sem dizer mais nada rumei para o meu aposento — sem ao menos esperar que me agradecesse, algo que provavelmente não faria —, onde na primeira oportunidade que tive me deitei novamente na cama.
*****
21:47
Fazia pouco tempo que tenho dado uma chance a coisas novas, nunca gostei muito de nada que envolvesse terror porém no momento estou lendo "It", do conhecido Stephen King. Era uma leitura muito agradável e que prendia o leitor, tanto que só percebi que estava há horas ali graças ao meu estômago que roncou de fome. Afinal não comi nada desde que cheguei, mesmo que ter dado uma breve olhada na dispensa foi a primeira coisa que fiz. Deixei o livro de lado, marcado na última página que li, e após um breve espreguiçar me levantei da cama.
Enquanto descia as escadas um cheiro gostoso invadiu minhas narinas, me dando água na boca no mesmo segundo. Ao entrar na cozinha fiquei surpreso por ver minha tia colocando o macarrão com queijo em cima da mesa. Ela ainda usava a mesma roupa, mas tirou os anéis dos dedos e o salto alto, o que resultava nela estar pouco mais baixa que eu só. Mudando o foco, olhei para a assadeira de vidro que estava pouco mais da metade.
— Qual o problema? — a voz dela me despertou do meu pequeno transe. — Nunca viu macarrão com queijo?
— Não é isso — revirei os olhos e a vi fazendo o mesmo em resposta. — Não sabia que você cozinhava.
— Eu sei fazer o mínimo para não morrer de fome — a mulher retorquiu ao deixar o pano de prato no escorredor de louça. — Tive a ideia quando vi os ingredientes na dispensa. Além do mais o seu pai amava isto, ele fazia para nós quando mais novos.
Minha tia falou aquilo com um ar nostálgico do qual não sabia que ela tinha.
— Parece gostoso — eu disse, colocando a mão na barriga e fechando os olhos ao sentir o cheiro mais de perto.
— Óbvio, fui eu quem fiz — e novamente a Senju orgulhosa deu as caras. — Ao menos lave as mãos antes de comer. Enquanto isso vou colocar os pratos.
Sai correndo, subindo os degraus tão rápidos em direção ao banheiro que quase tropecei. Quando voltei os pratos e talheres já estavam postos na mesa. Tive a brilhante ideia de preparar um suco, pegando o primeiro que encontrei na minha frente. Retribuindo a prestatividade coloquei os copos e a jarra próxima a nós. Na verdade, após uma encarada demorada da parte dela, resolvi colocar o líquido em ambos os copos e só então sentei na outra cadeira da ponta.
— Preferia saquê — a loira comentou, olhando com certo desânimo para a bebida.
— … Uh? — franzi o cenho. — Só temos suco e coca cola.
— Aposto que foi sua mãe quem listou a compra — fez uma careta ao praguejar. — Mas tudo bem. Preciso evitar mesmo.
Todo mundo sabia que minha tia tinha um pequeno vício em saquê, talvez fosse o único problema da “senhora perfeitinha”, e por conta disso raramente comprávamos bebidas alcoólicas quando ela confirmava presença. Porém ficou claro que acusou Kushina só para me provocar e não surtiu efeito, pois ignorei com maestria; focando-me no apenas no prato de comida.
Talvez fosse a fome, mas ao colocar a primeira garfada na boca senti-me no céu de tão delicioso que aquilo estava. Todavia era óbvio que não diria nada que servisse para inflar ainda mais o ego gigantesco da advogada. Jantamos em um silêncio apreciável. Somente os barulhos dos garfos tocando nos pratos preenchiam o recinto vez ou outra. Algumas vezes a pegava me encarando, e outras era o contrário. Ela não repetiu e acabou sobrando mais para mim, graças aos deuses. Eu estava faminto, de fato. Comida de avião não se comparava com esse jantar. O engraçado foi que Tsunade me esperou terminar de comer para só então se levantar, um gesto tanto quanto considerável e respeitoso, no fim das contas.
Ela parou próxima a porta e me fitou por cima dos ombros.
— Arrume tudo aqui — aquilo soou como uma ordem, não pedido. — Tenho alguns relatórios para estudar, nem ouse me atrapalhar. Boa noite.
Que vadia!
Resmunguei comigo mesmo ao vê-la sumindo escada a cima. Respirei fundo, contei até dez para tentar não me estressar atoa, e até porque não era nada mais justo que eu limpar, afinal ela já tinha feito tudo sozinha antes. Aceitando meu destino, tirei o celular do bolso do shorts e o fone de ouvido, colocando-o. Dei o play nas músicas salvas, dobrei a manga da camisa e coloquei a mão na massa. A primeira coisa que fiz foi ajeitar os pratos, os copos e os talheres na pia, depois passei um pano na mesa, seguido do fogão, perdi alguns minutos procurando a vassoura para varrer com o simples intuito de tirar o pó, e só então fui lavar as louças.
Agradeci quando a água tocou a minha pele e pude constatar que estava morna. Não me enrolei muito ali, terminando em pouco menos de cinco minutos. Olhei a hora no celular, ainda não passavam das 22:45 e se fosse rápido no banho talvez conseguiria assistir algum episódio da série antes de pegar no sono.
Com esse pensamento na cabeça rumei apressado até meu quarto. Escolhi a calça moletom, a camisa, peguei a cueca na gaveta e por última uma das toalhas escuras. Foi meio difícil me adaptar ao registro do chuveiro, para a água ficar quente eu tinha que deixar ele pouco aberto, contudo não tanto caso contrário desligava e esfriava de um segundo para outro. Chato, mas dava para pegar o jeito. Fiquei embaixo da água pouco mais de dez minutos. Ligeiro, me sequei e vesti as peças de roupas, deixando o cabelo para secar sozinho.
Eu estava prestes a entrar no quarto quando me toquei que a Senju ainda não tinha tomado banho, ou seja, provavelmente sofreria um pouco até entender como o chuveiro funcionava. Não nos damos tão bem, isto era um fato quase imutável, mas também não significava que eu queria que ela se ferrasse ou algo assim. Criei coragem, girei os calcanhares e dei dois passos para frente, parando em frente a porta dela. Bati uma, duas, três vezes, e quando estava prestes a desistir escutei o barulho de movimentação vindo do lado de dentro.
Não demorou muito para abrir.
— O que foi? — o mal humor era visível no rosto feminino. — Eu disse sem interrupções, Naruto.
— Só queria avisar que tem o jeito certo para a água do chuveiro esquentar — expliquei e ela pareceu ficar mais atenta a mim. — Deixe o registro pouco aberto, mas não tanto a ponto dele desligar sozinho.
— Ok, obrigada — agradeceu, agindo como se estivesse indiferente da situação. — Vou me lembrar disso.
A mulher estava prestes a fechar a porta novamente quando eu a interrompi.
— Olha, tia... — comecei, massageando as têmporas. — Vamos tentar tornar isso o mais fácil possível, sim? Seremos só nós dois aqui, não tem porque ficarmos agindo feito estranhos. Eu sou seu sobrinho, né? E ninguém vai precisar saber que nos demos bem por um final de semana.
Tsunade ponderou a proposta de paz por algum tempo. Colocou as mãos na cintura e ficou me olhando com as sobrancelhas arqueadas.
— Tudo bem, tá? — enfim cedeu. Os olhos castanhos claros semicerraram. — Mas só dessa vez! Já que não tem outra opção mesmo. Não ache que isto vai mudar algo em nosso relacionamento depois disto.
— Algo assim nem passou pela minha cabeça — dei de ombros. Realmente não tinha a intenção de melhorar algo entre nós, apenas ter um convívio saudável durante um curto período de tempo. — Boa noite, tia.
— Boa noite, Naruto.
Estranho, posso jurar que ela esboçou um pequeno sorriso antes de fechar a porta.
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