Mais um dia lindo de primavera. Árvores florescendo, casais fazendo piqueniques, parques cheios de famílias, latidos de cachorros. Era mesmo um dia lindo. Exceto para Elis, que estava tendo sua segunda crise de choro do dia. Não bastando o terrível começo do dia, graças à gritaria de seus pais, ela recebeu sua nota de física; “1,4, melhorar o quanto antes” dizia o recado da professora, em vermelho ao lado de seu nome. “Um belo dia para estar viva!”, a menina pensava, enquanto as lágrimas vinham sem parar, ofuscando sua visão da janela no ônibus. Até o momento, três pessoas tentaram conversar com ela, sem surtir muito efeito, considerando que cada “vai ficar tudo bem!”, e “você consegue recuperar!”, abriam as portas para uma enxurrada de lágrimas e lágrimas, espantando qualquer um que tentava consolá-la. Avistando seu ponto, respirou fundo e puxou a cordinha, tentando engolir o choro e afastar a mente da primeira derrota, afinal, ainda eram 12h, e o dia só estava começando. O pior (sua mãe em total crise ao perceber que sua filha não era capaz de chegar a mísera média da escola) estava por vir. Uma grande merda de dia se iniciava.
Chegando no portão de casa, Elis parou para fazer um afago em seu gato, Fantasma. Ele era branco, e miava suavemente, como se tentasse consolar sua dona do seu próprio jeitinho. Seguiu o corredor até a porta da cozinha.
- Já em casa, filha? - Perguntou sua mãe, enquanto lhe dava um beijo na bochecha. Elis percebeu seus olhos inchados, e lembrou como o dia de sua mãe também tinha sido difícil.
A situação em sua casa era complicada. A cada dia mais, ela percebia o quanto seria melhor a separação do seus pais comparado ao estado de guerra que a família vivia. Constantes discussões, uma avó idosa tentando distraí-la de tudo isso, uma irmã mais velha que tentava suprir a falta de carinho. A típica família brasileira.
- Voltei, mãe. Acabou mais cedo hoje e eu preferi vir direto pra casa - Disse, desamarrando seus cadarços, sentada na entrada da cozinha. “Melhor não mencionar a prova, por enquanto pelo menos” pensou.
- E as meninas? Luíza não quis vir aqui hoje? - Ah. Luíza. Agora que ela conseguiu tirar a menina da cabeça, sua mãe diz seu nome, e a vontade de chorar volta gradualmente.
- Não quis não. Nem discuti com ela, foi uma semana muito cansativa mesmo. Eu vou pro meu quarto, tá? - Indagou, tentando fugir da conversa vergonhosa que procederia se sua mãe visse seus olhos marejados. A mais velha apenas assentiu a cabeça, voltando seus olhos para o fogão à sua frente.
Subindo as escadas, ela sentia o peso que sua vida exercia sobre as costas. Não deveria ser tão difícil; Seus colegas de classe tiravam notas boas, mantinham uma vida social, namoravam, e não tinham crises choros diárias na sala da psicopedagoga. Para Elis, tudo isso não passava de um sonho distante. Cada nota, discussão e pensamento eram a prova de que o problema não era o mundo ou a ordem natural das coisas. Era simplesmente ela mesma. Botar a culpa em um professor, no mau humor de seus colegas ou no seu ciclo menstrual não apaga o fato de que ela é uma desajustada, incapaz de se manter no nível de uma pessoa normal. Em momentos assim, o suícidio aparecia em sua mente como uma forma de alívio. Não seria melhor livrar seus pais do estresse de ter uma filha fracassada? Livrar suas amigas do peso que ela fazia ao grupo, com suas emoções inconsistentes? Ou livrar a si mesma de…
- Que que foi, Elis? Tá com essa cara de otária por que? - Perguntou sua irmã Natalie, ao vê-la se arrastando pelo corredor.
- Bombei a prova de física, Nat. Tô ferrada! - Exclamou ela, ouvindo a risada estridente de sua irmã logo depois - Não ri! Quando a mãe descobrir ela vai querer me matar.
- Relaxa, amorzinho. Já aconteceu comigo e eu continuo viva. Física não é exatamente o forte dessa família. - Elis riu, se sentindo agradecida pela presença da irmã. Mesmo não sendo tão próximas, Nat era sua referência. Linda, simpática, gentil. Tudo que ela sentia que nunca seria.
- Eu vou pro meu quarto. Se a mãe perguntar fala que eu tô dormindo, por favor. - Falou enquanto batia a porta do quarto.
Ok. Recapitulação do dia: uma nota baixa, mais uma discussão sobre ela ser o motivo de seus pais se manterem casados, mais um dia de silêncio total de Luíza, e mais um dia sentindo aquele vazio no peito desde que acordara. Nada mal, né? Encarando seu quarto bagunçado, ela decidiu adiar a faxina em mais uns dias. Se jogou em sua cama, e puxou o notebook que foi parar embaixo do travesseiro. Umas horas jogando ou assistindo uma série que ela encontrou em algum site qualquer da internet. Ao abrir o aparelho, ela deu de cara com a sinopse de uma fanfic que ela tentou escrever na noite interior. Perdeu seu sono por algo bobo que não deu em nada. Um evento recorrente na sua vida. Decidiu reler o texto.
“Summer era uma simples aluna da escola, que se mantia na média e abaixo do radar do grupinho popular. Porém, o destino tinha outros planos para ela. Ao flagrar uma cena um tanto quanto suspeita entre o menino mais conhecido da escola e a melhor amiga de sua namorada, ela percebe que se envolveu no maior problema possivel. Lidar com um garoto lhe implorando para não espalhar um dos seus segredos mais obscuros com certeza não era seu plano para o ano letivo.”
Soltou uma risada e abriu outra janela no navegador. Que coisa idiota. Alguns episódios de MOM, uns minutos de choro, e ela tentaria seguir a vida. Esse era o plano para a tarde. Tudo ia de maneira calma, até Elis ouvir a porta do quarto de seus pais batendo. Seu pai havia chegado. Um arrepio percorreu seu corpo, e todos os sentimentos voltaram à flor da pele. Que merda.
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